Direitos
humanos:
Sobre a universalidade rumo aos Direitos
Internacional dos Direitos Humanos
Edna
Raquel R. S. Hogemann
1.
Introdução.
2. Os Direitos Humanos.
2.1 Significado da
expressão.
2.2. As diversas gerações de Direitos Humanos.
3.
Breve histórico.
3.1. As Declarações de Direitos.
3.2. Os
Direitos Humanos pós Segunda Guerra Mundial.
4. Direitos Humanos e e
globalização.
4.1. O fenômeno da globalização.
4.2. Algumas críticas
ao processo da globalização.
5. Universalismo e relativismo nos
direitos humanos.
5.1. O princípio da universalidade.
5.2. O
relativismo e as especificidades regionais.
5.3. O exemplo da mutilação
genital feminina.
5.4. Especificidades político-religiosas.
6.
Rumo a um Direito Internacional dos Direitos Humanos.
7. Conclusão.
Abstract
Este
ensaio tem por objetivo delinear alguns pontos da fundamental discussão
sobre a universalidade na aplicação dos Direitos Humanos num cenário
mundial globalizado, porém ponteado por especificidades sociais e
culturais de caráter regional e tribal que colocam em destaque a
discussão acerca de questões como soberania, auto-determinação dos
povos e dignidade humana em contraposição face a valores ligados
particularmente às tradições religiosas e ao poder político.
É
neste marco que vem se configurando paulatinamente, fruto dos
acordos, protocolos, convênios e tratados, a normatização de um novo
Direito, de caráter universal, cujo objeto são os Direitos Humanos.
Eis
que, com essa abordagem, abre-se uma oportunidade para enxergar o
assunto sob o prisma da preocupação com a garantia da efetividade
universal dos Direitos a regular a vida em sociedade sob a égide da
legitimidade normativa.
“...nestes últimos
anos, falou-se e continua a se falar de direitos do homem, entre
eruditos, filósofos, juristas, sociólogos e políticos, muito mais do
que se conseguiu fazer até agora para que eles sejam reconhecidos e
protegidos, efetivamente, ou seja, para transformar aspirações
(nobres, mas vagas), exigências (justas, mas débeis), em direitos
propriamente ditos (isto é, no sentido em que os juristas falam de
“direito”)”.
Norberto
Bobbio
1.
Introdução
O
conceito e as declarações dos direitos humanos preconizam que todo
indivíduo pode fazer reivindicações legítimas de determinadas
liberdades e benefícios. Os direitos humanos são uma idéia política
com base moral e estão visceralmente relacionados com os conceitos de
justiça, igualdade e democracia. Eles são uma expressão viva do
relacionamento que deveria prevalecer entre os membros de uma sociedade
e entre indivíduos e Estados.
Os
direitos humanos devem ser reconhecidos em qualquer Estado, grande ou
pequeno, pobre ou rico, independentemente do sistema social e econômico
que essa nação adota. Nenhuma ideologia política que não incorpore o
conceito e a prática dos direitos humanos pode fazer reivindicações
de legitimidade. Apesar dos vários tratados e declarações adotados
com a consciência e o consenso da comunidade internacional a triste
realidade é que nenhum dos direitos declarados é respeitado
uniformemente no mundo inteiro.
A
adoção pela Assembléia Geral das Nações Unidas da Declaração
Universal de Direitos Humanos, em 1948, constitui o principal marco no
desenvolvimento da idéia contemporânea de direitos humanos. Os
direitos inscritos nesta Declaração constituem um conjunto indissociável
e interdependente de direitos individuais e coletivos, civis, políticos,
econômicos, sociais e culturais, sem os quais a dignidade da pessoa
humana não se realiza por completo. A Declaração transformou-se,
nesta última metade de século, numa fonte de inspiração para a
elaboração de diversas cartas constitucionais e tratados
internacionais voltados à proteção dos direitos humanos.
Este
documento, chave do nosso tempo, tornou-se um autêntico paradigma ético
a partir do qual se pode medir e contestar a legitimidade de regimes e
Governos. Os direitos ali inscritos constituem hoje um dos mais
importantes instrumentos de nossa civilização visando a assegurar um
convívio social digno, justo e pacífico.
No
entanto, a maciça violação dos direitos e liberdades básicos faz com
que o ideal de uma vida digna e decente para todos os cidadãos do mundo
torne-se algo ainda muito distante. Ao mesmo tempo, vivemos em uma era
que apresenta oportunidades, únicas para levar adiante a causa dos
direitos humanos.
A
fase beligerante da Guerra Fria, em cujo nome cometeu-se e justificou-se
tantos abusos, acabou. Os movimentos para a democracia, guiados por um
compromisso de promover os direitos humanos, continuam obtendo bons
resultados em todo o mundo. E, finalmente, há o reconhecimento
crescente de que o respeito aos direitos humanos é imperativo para a
sobrevivência de toda a humanidade.
No
entanto, há quem afirme, por exemplo, que a mutilação do clitóris
de mulheres no mundo islâmico seria um componente cultural integrado à
cultura islâmica, e, portanto, amplamente legitimado. Essa concepção,
relativizadora dos Direitos Humanos, contrapõe-se à universalidade da
categoria dos Direitos Humanos colocada fundamentalmente a partir do
racionalismo jusnaturalista do século XVII e à tendência cada vez
mais objetiva da globalização desses mesmos direitos que, para sua
garantia e eficácia necessitam por parte da comunidade internacional um
tratamento protetivo específico, em relação à normatividade já
existente através das Declarações, Pactos e Tratados.
Eis
pois, o objeto deste breve trabalho de iniciação científica, no qual,
fruto da pesquisa bibliográfica realizada, buscar-se-á apresentar,
ainda que sem a pretensão de ter por esgotado o tema, a
atualidade da discussão relativa à universalidade dos direitos humanos
no marco do processo de globalização em curso no planeta, no marco da
configuração de um novo ramo do Direito Internacional ligado aos
Direitos Hunamos.
Iniciar-se-á
discorrendo, ainda que brevemente, sobre o significado da expressão
Direitos Humanos, apresentando uma síntese histórica de sua trajetória
desde a Revolução Francesa de 1789 até os dias de hoje, além da
configuração das diversas gerações de Direitos Humanos existentes.
A
seguir serão apresentadas algumas considerações acerca do fenômeno
da globalização mundial e da internacionalização dos Direitos
Humanos, processo em pleno curso neste final de milênio, trazendo
concretude aos ideais de universalidade dos direitos humanos constantes
da Declaração de 1948.
Entretanto,
apresenta-se também algumas críticas ao modo de como a globalização
está sendo concretizada entre os diversos países, em particular
relativa às questões econômicas e ambientais.
Será
abordada, ainda que de forma não exaustiva, a polêmica entre a
universalidade dos Direitos Humanos em contraposição ao relativismo
destes diante das especificidades culturais e religiosas, utilizando-se
para tal alguns exemplos da atualidade.
Far-se-á
uma abordagem relativa à emergência de um novo ramo do Direito, ou
seja, o Direito Internacional dos Direitos Humanos, com princípios e
regras próprias do Direito Internacional, fruto de todo o cabedal
acumulado a partir dos diversos tratados, convenções, pactos e
protocolos existentes.
2.
Os Direitos Humanos
2.1.
Significado da expressão
A
questão relativa às várias denominações dos direitos humanos,
pode ser convergida para uma só: Direitos Fundamentais. É o que aponta
a lição de José Luiz Quadros de Magalhães,
para quem "quando falamos em Direitos Humanos, utilizamos esta
expressão como sinônimo de direitos fundamentais."
A
partir da visão de Cançado Trindade,
pode-se vislumbrar que os direitos humanos têm um lugar cada vez mais
considerável na consciência política e jurídica contemporânea e os
juristas só podem se regozijar com seu progresso. Implicam eles com
efeito um estado de direito e o respeito das liberdades fundamentais
sobre as quais repousa toda democracia verdadeira, e pressupõem a um
tempo um âmbito jurídico pré-estabelecido e mecanismos de garantia
que assegurem sua efetiva implementação. Os direitos humanos tendem a
tornar-se, por todo o mundo, a base da sociedade.
Impende,
portanto, conhecer a noção do que são direitos humanos ou direitos
fundamentais. Nessa tarefa, pode-se incorrer em tautologias, no sentido
de afirmar que direitos humanos são os da humanidade ou os do homem, ou
coisas do gênero. Ensina Antônio Enrique Perez Luño
que os direitos humanos são:
"Un
conjunto de facultades e instituciones que, en cada momento histórico,
concretan las exigencias de la dignidad, la liberdad y la igualdad
humanas, las cuales deben ser reconocidas positivamente por los
ordena-mientos jurídicos a nivel nacional e internacional."
2.2. As diversas
gerações de Direitos Humanos
A
primeira geração dos direitos humanos formalmente emoldurados -
direitos individuais,
foi gestada no século XVII, com a formulação da doutrina moderna
sobre os direitos naturais, que embasou ideologicamente a luta que
culminou com a criação do Estado Moderno e a transição do sistema
feudal para o capitalismo. O direito de liberdade era a garantia da
livre iniciativa econômica, livre manifestação da vontade, livre câmbio,
liberdade de pensamento e expressão, liberdade de ir e vir, liberdade
política, mão-de-obra livre.
A
segunda geração dos direitos humanos - os direitos
metaindividuais, coletivos ou difusos, é resultado do embate entre as
forças sociais, que se dá com o desenvolvimento do modelo burguês de
sociedade, de um Estado liberal que se consolida através de um
espetacular desenvolvimento da economia industrial. Compreendem os
Direitos Sociais, os direitos relativos à saúde, educação, previdência
e assistência social, lazer, trabalho, segurança e transporte.
Os
Direitos Econômicos são aqueles direitos que estão contidos em normas
de conteúdo econômico que viabilizarão uma política econômica.
Classifica-se entre direitos econômicos, pelas características
marcantes destes direitos, o direito ao pleno emprego, transporte
integrado à produção, e direitos do consumidor.
Os
Direitos políticos são direitos de participação popular no poder do
Estado, que resguardam a vontade manifestada individualmente por cada
eleitor sendo que a sua diferença essencial para os direitos
individuais é que, para estes últimos, não se exige nenhum tipo de
qualificação em razão da idade e nacionalidade para o seu exercício,
enquanto que para os Direitos Políticos, determina a Constituição
requisitos que o indivíduo deve preencher.
A
terceira geração de direitos humanos - os denominados direitos dos
povos ou direitos da solidariedade, também é fruto das lutas sociais e
das transformações sócio-político-econômicas ocorridas nesses últimos
três séculos de história da humanidade e que resultaram em conquistas
sociais e democráticas que envolveram as expectativas em torno de temas
do interesse geral, quais sejam, a biodiversidade, o meio-ambiente,
entre outros.
Por
fim fala-se já numa quarta geração de direitos ligados à comunicação,
à democratização da informação, entre outros.
3.
Breve Histórico
3.1.
As Declarações de Direitos
A
preocupação com os Direitos do Homem começa com o estabelecimento da
ordem burguesa, associada à idéia de liberdade e igualdade.
Os
Estados Unidos foram o primeiro país a formular expressamente uma
declaração de direitos do homem, a de Virgínia, em 1776. É, no
entanto, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789,
que obteve maior expressão, devido às repercussões da Revolução
Francesa.
A
constituição francesa de 1791 incorpora a Declaração de 1789, e a
partir daí os direitos do homem ingressam no constitucionalismo
moderno, expressos nos direitos do cidadão.
Ressalte-se
o perfil liberal dos direitos consagrados nas constituições burguesas,
cuja concepção revela-se formal e abstrata, sem considerar as condições
materiais de sua aplicação.
A
incorporação dos Direitos Humanos à ordem internacional é decorrência
de um longo período de avanços e retrocessos políticos e sociais.
Paulatinamente os Estados começaram a estabelecer normas internacionais
que, embora não reconhecessem a personalidade, pretendiam proteger a
pessoa humana.
De
tal forma que, a princípio, ainda no século XIX, é proibido o tráfico
de escravos, para somente ao tempo da Liga das Nações, serem criadas
normas relativas à proteção das minorias, a proibição do tráfico
de mulheres e de armas.
3.2.
Os Direitos Humanos pós Segunda Guerra Mundial
Após
a 2ª Guerra Mundial sente-se a necessidade de criar mecanismos eficazes
que protejam os Direitos Fundamentais do homem nos diversos Estados. Já
não se podia mais admitir o Estado nos moldes liberais clássicos de não
intervenção. O Estado está definitivamente consagrado como
administrador da sociedade e convém, então, aproveitar naquele
momento, os laços internacionais criados no pós-guerra para que se
estabeleça um núcleo fundamental de Direitos Internacionais do Homem .
É desta forma que se fará a Declaração Universal de Direitos Humanos
de 1948, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (Bogotá,
1948), a Convenção Americana dos Direitos do Homem, assinada em 22 de
novembro de 1.969, em São José da Costa Rica, entre outras declarações,
convenções e pactos, além de organizações não estatais, sendo que
entre estas organizações, atuam hoje com maior destaque, a Anistia
Internacional, a Comissão Internacional dos Juristas, o Instituto
Interamericano de Direitos Humanos, este último, com sede na Costa
Rica, tendo como finalidade a divulgação de idéias e a educação em
Direitos Humanos.
Entretanto,
o mundo pós Segunda Guerra, após um curto período de calma encontra a
novidade da divisão do mundo em duas áreas de influência: uma norte
americana e a outra soviética. Assiste-se neste período à investida
norte americana contra o Vietnã, Cuba, Granada, Nicarágua e quase
todos os países latino-americanos que receberam regimes autoritários
apoiados pelos Estados Unidos. A tortura, as perseguições e
assassinatos praticados pelo Estado e por grupos para-militares é comum
no Chile, na Argentina, Uruguai, Brasil, Honduras e El Salvador.
Do
outro lado, o exército soviético impõe, à força, a política soviética
na Hungria, Tchecoslováquia, Afeganistão.
O
processo de libertação das colônias africanas é doloroso e cruel,
protagonizado por aqueles mesmos países que se comprometeram a
respeitar os Direitos Humanos de 1948 os quais violam de forma
agressiva estes direitos. É o caso da França na Argélia. As colônias
portuguesas após uma longa guerra de libertação, recebem seus países
arrasados, sendo que o difícil processo de reconstrução é tumultuado
quando não impedido por movimentos guerrilheiros em Moçambique e
Angola, financiados pelo governo do aparthied sul-africano
e o democrático norte-americano.
A
partir de 1989, com a queda do Muro de Berlim e o processo que culminou
com o esfacelamento da Ex-URSS, o mundo se depara com uma nova realidade
na correlação das forças políticas e ideológicas, com o avanço da
democracia nos países que outrora configuravam o bloco comunista.
Entretanto,
constata-se que a mesma ordem econômica mundial que favorece os países
desenvolvidos é responsável pelo extermínio de adultos e crianças
diariamente em todo o chamado terceiro mundo, por fome e pela violência
gerada pela injustiça social, que gera o atraso cultural, o trabalho
escravo, a prostituição infantil, a exclusão social e econômica
e avilta a condição humana de muitos em benefício exclusivo de uns
poucos detentores do poder local.
Esta
realidade é o desafio para os teóricos dos Direitos Humanos, responsáveis
pela divulgação da idéia, pela formação de consciências, único
meio eficaz de se realizarem os Direitos Humanos.
4.
Direitos Humanos e e globalização
4.1.
O fenômeno da globalização
A
globalização ou internacionalização é um fenômeno que envolve as
mais variadas relações entre pessoas e entre instituições,
resultando do profundo desenvolvimento da ciência e da tecnologia,
principalmente no campo da comunicação, numa redefinição dos papéis
dos Estados, dos indivíduos, das comunidades, da sociedade, das
empresas e dos novéis blocos político-econômicos regionais.
Renato
Sócrates Pinto
leciona que este processo que se dá nos vários campos da atuação
humana, não tem um vetor comum, contudo os resultados alcançados e os
que estão por ser, têm o condão de possibilitar uma maior interação
das relações, seja no nível da economia, seja no nível da cultura,
enfim, seja em qual nível for, entre as pessoas e instituições em
todos os quadrantes do globo terrestre.
Indiscutivelmente,
só se atingiu esse estágio de interrelacionamento graças, sobretudo,
ao formidável desenvolvimento científico, tecnológico e dos meios de
comunicação. O saber e a notícia, durante longo tempo privativos de
uns poucos e por isso mecanismo de controle e uso do poder, estão se
diluindo, aos poucos deixarão de pertencer a uma casta privilegiada.
Ademais,
com a globalização rediscute-se o valor e o papel dos
Estados-soberanos e das fronteiras nacionais em face dos blocos
regionais e dos indivíduos e das pequenas comunidades ou tribos.
Atualmente,
como notam alguns especialistas, o paradigma clássico das Ciências
Sociais, baseado nas sociedades nacionais, está sendo substituído por
outro, o da sociedade global, levando à reformulação dos conceitos clássicos
de soberania e de hegemonia, ainda firmemente arraigados na doutrina política
e jurídica das nações.
A
globalização ou internacionalização dos direitos humanos é uma das
mais importantes questões do final deste século. No entanto, "o
grande problema deste tema é que ele versa sobre a essência da relação
política, isto é, Poder e pessoa, isto é, quanto mais direitos do
homem menos Poder e vice-versa."
Os
ideais de universalidade dos direitos humanos defendidos pela ONU desde
de sua criação, manifestados com a Declaração Universal do Direitos
do Homem, 1948, estão adquirindo uma maior consistência, a despeito da
evidente constatação de desrespeitos em vários pontos do mundo.
Contudo, recentemente na II Conferência Mundial de Direitos Humanos,
Viena, 1993, foram temáticas principais a pobreza, a democracia e os
instrumentos legais e jurídicos de efetivação dos direitos humanos. A
preocupação internacional sai da retórica e procura a concretude.
Tal
como o afirma Cançado Trindade,
percebe-se com clareza que "há uma tendência para o processo de
construção de uma cultura universal de observância dos direitos
humanos."
Assim,
a globalização não ocorre apenas em razão da intensa circulação de
bens, capitais, informações e de tecnologia através das fronteiras
nacionais, com a conseqüente criação de um mercado mundial, mas também
em função da universalização dos padrões culturais e da necessidade
de equacionamento comum de problemas que afetam a totalidade do planeta,
como o combate a degradação do meio ambiente, a proteção dos
direitos humanos, o desarmamento nuclear, o crescimento populacional
etc.
4.3.
Algumas críticas ao processo da globalização
Uma
das críticas que é feita contra a globalização,
sobretudo a econômica, é em razão do aviltamento imposto contra o
homem. A filosofia do lucro acima de tudo cega a visão do homem como o
bem supremo. Mais do que nunca a sociedade internacional tem que ficar
alerta aos jogos de poder, canalizados muito mais pelos interesses econômicos
do que por princípios humanitaristas.
Quanto
ao rol de direitos humanos que estão globalizados, um outro merece a
atenção de todos, que é a questão ambiental. Os malefícios
ambientais, independentemente donde sejam causados, têm conseqüências
em todo o globo, de acordo com a proporção do dano, é claro. Vaticina
Cançado Trindade pela imposição de particular realce à questão
da relação entre a proteção dos direitos humanos e a proteção
ambiental um tratamento sistematizado, dado a sua transcendental importância
em nossos dias. Ao preconizar que muito embora tenham os domínios da
proteção dohomem e da proteção ambiental sido tratados até o
presente separadamente, é mister buscar maior aproximação entre
eles,pelo fato de correspoderem aos principais desafios de nosso tempo,
a afetarem em última análise os rumos e destinos do gênero humano.
Outro
fator deveras importante em sede de globalização dos direitos humanos
e proteção ambiental reside nas obrigações erga omnes. Aponta
desse modo o autor retro referenciado:
"Pode-se
atestar a globalização da proteção dos direitos humanos e da proteção
ambiental também a partir de um enfoque distinto, qual seja, o da emergência
de obrigações erga omnes e os conseqüêntes declínio e fim da
reciprocidade. No campo da proteção dos direitos humanos, a
reciprociedade é superada e suplantada pela noção de garantia
coletiva e considerações de ordre public. Isto opera uma revolução
nos postulados do direito internacional tradicional. Os tratados de
direitos humanos incorporam obrigações de caráter objetivo, voltados
à salvaguarda dos direitos dos seres humanos e não dos Estados, com
base em um interesse público geral superior (ou ordre public). Donde a
especificidade dos tratados de direitos humanos."
O
debate travado na Eco 92, no Rio de Janeiro, centrou no fato de que a
proteção ambiental e a racionalização dos recursos naturais,
sobretudo nos países subdesenvolvidos, requer um sacrifício de
empregos e oportunidades econômicas. É um testemunho sintomático da
dialética entre pobres e ricos. "É de se observar que os recursos
fornecidos pelos ricos são apenas para a ecologia e não para o homem
no sentido do Terceiro Mundo vir a erradicar a miséria, quando não há
maior poluição do que a miséria."
5.
Universalismo e relativismo nos direitos humanos
5.1.
O princípio da universalidade
Os
tempos atuais caracterizam-se por uma construção paradoxal que
envolve, de um lado, um programa universalista inaugurado pela
modernidade globalizante e, de outro, um conjunto de práticas e
discursos que efetivam o abandono do humano e legitimam esse
esquecimento. a própria idéia de Direitos Humanos pressupõe a recepção
do conceito de humanidade; o que só pode ser feito, se se mantém
operante a identidade vinculadora a todos os demais.
Segundo
André-Jean Arnaud,
a idéia do universalismo é fruto do pensamento filosófico ocidental
caracterizado pela visão etnocentrista de que os valores válidos
para o ocidente o são urbi et orbi. Está pautada
fundamentalmente sobre o sujetivismo,
do qual surgiram as Declarações dos Direitos Do Homem e do Cidadão.
É a partir do conceito de subjetivismo que se extrai o caráter humanístico
das regras mais essenciais que ordenam as relações jurídicas,
norteadas pelo princípio da valoração da vida em sociedade.
Sempre
que se exclui alguém da idéia definida de direito, está decretada a
ruína do princípio da universalidade e ocorre consequentemente a
regressão para aquém da própria noção de direito.
Aduz
Arnaud, in litteris:
“... a junção entre
abstração, axiomatização e subjetivismo
que permitiu aos autores da época moderna – notadamente os da
corrente jsunaturalista racionalista – construir axiomaticamente uma
ciência de direito fundada na primazia do sujeito. Subtende-se que este
último é “sujeito de direitos; isto é, titular de direito
“subjetivos”.(...)
A idéia de que os
valroes estabelecidos na base dos fundamentos de nossos direitos, pelos
filósofos europeus da época “moderna”, seriam univerais, penetrou
tão profundamente nas mentalidades que a encontramos nos mínimos
recantos da cultura ocidental.”
Não
por acaso, todas as versões do anti-humanismo, à direita ou à
esquerda, consagram a intolerância como estilo, a violência como método
e a irracionalidade como conteúdo. Por esta via , que se renova
contemporaneamente no abandono e descaso aos Direitos Humanos, o que se
perde de vista, sempre, são os indivíduos concretos. Afinal, os
particularismos não podem conceber as pessoas como intransponíveis. As
plataformas extremas apenas o evidenciam pelo que possuem de incontrastável.
Assim,
como o exemplifica Marcos Rolim, Hitler podia nos falar "(..) do
nada do ser humano individual e da sua existência prolongada na
imortalidade visível da nação."
No entanto, a realidade histórica objetiva demonstrou que o ser humano
e o desenvolvimento pleno de suas potencialidades é o que de verdade
importa, independente dos marcos configurados das fronteiras, sejam elas
de caráter geográfico, cultural ou social. E de maneira incondicionada
visto que elas extrapolam em muito suas circunstâncias. Marcos
Rolim preconiza que:
“...os conceitos de
raça e classe social emergiram na experiência totalitária como
particularismos absolutos porque estavam, de uma ou outra forma, no
centro de ideologias cuja pretensão foi a de revelar o absoluto fosse
como natureza ou "sentido da história". Tais experiências
demonstraram o que há de temível na idéia de "verdade" e
sua virulência frente ao ideal democrático. Demonstraram mais, não
obstante. Pelo totalitarismo, sabemos que a figura do mal radical
neste século só pode ser vitoriosa sobre a destruição do princípio
de universalidade, o mesmo princípio que sustenta a luta pelos
Direitos Humanos”.
Os
ataques contrários à nova universalidade dos direitos fundamentais são
verdadeiros despautérios. Leciona Paulo Bonavides:
"a nova
universalidade dos direitos fundamentais os coloca assim, desde o
princípio, num grau mais alto de juridicidade, concretude,
positividade e eficácia. é universalidade que não exclui os
direitos da liberdade, mas primeiro os fortalece com as expectativas e
os pressupostos de melhor concretizá-los mediante a efetiva adoção
dos direitos da igualdade e da fraternidade".
Continua o mestre:
"A nova universalidade procura, enfim, subjetivar de forma
concreta e positiva os direitos da tríplice geração na titularidade
de um indivíduo que antes de ser o homem deste ou daquele País, de
uma sociedade desenvolvida ou subdesenvolvida, é pela sua condição
de pessoa um ente qualificado por sua pertinência ao gênero humano,
objeto daquela universalidade."
5.2.
O relativismo e as especificidades regionais
Arnaud
preconiza que entre os diversos e numerosos paradoxos
enfrentados pelo pós-modernismo, dois são particularmente apontados
ao longo do processo de globalização: o primeiro tem a ver com o próprio
pós-modernismo que opõe o universal ao particular, e o segundo – a
globalização, por colocar em pólos opostos global e local.
Por
outro lado, o mesmo autor admite em sua obra que o “universal e o
particular se opõem , mas são indissociáveis, tanto em uma
perspectiva de reconstruçào do direito na base dos fundamentos pós-modernos,
como na implementaçào da relaçào jurídica no âmbito da globalização
das trocas”. Defende o relativismo a partir de uma visão pela qual
a redescoberta do “local” faz com que as identidades culturais se
afirmem, fato que o universalismo não o permite.
Considera
Rolim,
por seu turno, que polêmica proposta pelo relativismo acerca das
especificidades regionais, como limitadoras da amplitude e eficácia
dos direitos humanos, carecendo de sustentação se
analisada com profundidade e método adequados. Significa afirmar que
possui limitações teóricas constitutivas que terminam por
desacreditar seus próprios pressupostos. Isto não implica em
afirmar que os adeptos do relativismo não forneçam ao debate público
questões que empalmam com a realidade objetiva. Não parece ser possível
enfrentar qualquer dilema político relevante a partir de uma posição
relativista, se a entendermos, genericamente, como a afirmação de
uma ética "comunitária" – legitimada por comunidades –
contraposta aos imperativos de uma ética universalista, como aquela
pressuposta no próprio ideário dos Direitos Humanos.
O
relativismo indiscriminado exclui valores e práticas de uma cultura
da avaliação moral de indivíduos de outras culturas, como se o
aporte de todas para a liberdade e a igualdade fosse igualmente
valioso. Ou como se os direitos humanos não constituíssem o próprio
limite à diversidade. Urgente então seria preservar critérios
universais que retiram a legitimidade de todos os valores e práticas
baseados na dominação e na discriminação, inclusive de gênero, e
endossam a responsabilidade internacional pela proteção da pessoa,
consagrada na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.
5.3.
O exemplo da mutilação genital feminina
A
mutilação genital feminina, por exemplo, como o informa Carlos
Alberto Idoetaé
prática comum na África e em alguns países do Oriente Médio.
Ocorre também em comunidades de imigrantes em países
latino-americanos, asiáticos, europeus, Canadá e EUA. Está ligada
à castidade e à crença de que diminui o desejo sexual e reduz o
risco de infidelidade (na infibulação, a mulher
"costurada" só é "aberta" para o marido). Outros
supostos argumentos a dar respaldo consistem em motivos de higiene e
estética, com a genitália feminina tida como feia e volumosa. Em
algumas culturas, às mulheres não mutiladas é vedado o manuseio de
alimentos e água.
O
autor aponta que é desconhecida a origem da mutilação.
Precedeu o cristianismo e o islamismo, era praticada pelos "falashas"
(judeus etíopes), não é preceito de nenhuma das chamadas grandes
religiões.
A
violência contra as mulheres é uma realidade antiga. Mas, ao contrário
de outros grupos oprimidos, as mulheres raramente têm recorrido à
violência para a afirmação de seus direitos. Até as declarações
de direitos humanos enunciaram direitos do homem e excluíram de sua
abrangência formas de violência doméstica ou comunitária como a
mutilação genital feminina. A subordinação foi aceita como inelutável
enquanto um dos sexos foi, por séculos, assumido como física e
intelectualmente inferior ao outro.
Quando
a humanidade passa a desafiar, além do racismo e do colonialismo, o
patriarcalismo, a violência contra a mulher deixa de ser
"pessoal" e adquire a condição de problema político e
social. Os próprios defensores de direitos humanos carecem de
encontrar quais as formas de lidar com violações cometidas pelo
indivíduo contra o indivíduo, em escala ainda maior e autorizadas
pela própria família da vítima.
Às
dificuldades de ordem prática, soma-se o argumento muitas vezes
aplicado de fazer do multiculturalismo um obstáculo ao universal.
Enfrentar a mutilação genital feminina, por exemplo, seria uma causa
"eurocêntrica", ou ocidental que despreza valores de
culturas milenares? Nesse debate, imperativo se fazer
dar voz e vez às próprias vítimas.
A
prática da excisão de clitóris encontra amplo respaldo cultural nos
países muçulmanos. Conta com o apoio, inclusive, da grande maioria
das mulheres. Ora, o próprio ideário dos Direitos Humanos integra o
direito à autodeterminação das nações como um dos seus valores.
Com isto, não se pretende negar a nenhum povo a prerrogativa de
estabelecer os seus próprios regramentos. Este mesmo ideário,
entretanto, é incompatível com a oferta de dor e sofrimento a quem
quer que seja e queda por oferecer elementos suficientes para um juízo
moral a respeito daquela prática de mutilação que é, também,
sustentada por uma cultura amplamente repressora frente às mulheres.
Está-se, então, diante de um conflito ético que justapõe dois
valores absolutamente imponderáveis: a consideração pela independência,
autonomia e soberania dos povos, de um lado, versus a intolerância
diante da violência, de outro. Apenas a ética universalista dos
Direitos Humanos pode manter a exigência de respeito e luta pela
afirmação dos dois valores. Se, pelo contrário, toma-se como
suficiente a aceitação cultural de determinadas práticas nesta ou
naquela comunidade situada historicamente – abandonando, portanto, a
perspectiva universalista – estar-se-ia absolutamente desarmado teórica
e politicamente para questionar o mal radical produzido com grande
aceitação interna pelo nazismo na Alemanha, por exemplo.
5.4.
Especificidades político-religiosas
As
objeções suscitadas quanto à universalização dos direitos humanos
são particularmente levantadas pelos países islâmicos e asiáticos.
Estes acusaram que os propósitos universalistas dos direitos humanos
são, na verdade, princípios ocidentais, que desprezam as
particularidades regionais de cada povo. É uma discussão que deve
ser aprofundada, ainda mais em face dos recentes acontecimentos político-religiosos
do Islã e da China, só para fornecer um exemplo.
O
fundamentalismo religioso nega uma série de direitos que os
ocidentais, reputam como ínsitos à natureza humana, principalmente a
liberdade religiosa e de expressão. O Islã vem fechando cada vez
mais as suas portas, procurando um isolamento frente ao Ocidente, no
ideal de formar uma comunidade vinculada aos preceitos do Corão. Tal
política isolacionista dificulta sobremaneira a vigilância
internacional sobre os direitos humanos. É o tribalismo maléfico.
Com
a China, o processo de abertura econômica não causou a devida
abertura política e, por conseguinte, a sua democratização.
Atualmente a situação é delicada, principalmente para os EUA, posto
que os maciços investimentos das empresas ocidentais e,
evidentemente, os avantajados lucros, estão em conflito com as
posturas políticas de seus países, no tocante às exigências de
respeito aos direitos humanos pelos chineses. Pequim ameaçou retaliar
se continuassem as intromissões em sua política interna. Os prejuízos
econômicos podem ser enormes. Eis o dilema. Qual a prioridade:
investimentos ou direitos humanos?
6.
Rumo a um Direito Internacional dos Direitos
Humanos
Renato
Sócrates Gomes Pinto
observa que, na atualidade, em face da tendência à universalidade
dos direitos humanos configura-se uma nova seara jurídica, com com âmbito
próprio a denominar-se Direito Internacional dos Direitos
Humanos .
Na
normatização deste florescente Direito, que tem dimensão universal,
estão a consubstanciar-se declarações, pactos, convenções e
protocolos. As declarações, como é o caso da Declaração Universal
dos Direitos Humanos e da Declaração Americana dos Direitos Humanos,
são instrumentos que congregam regras de Direito Internacional e
princípios gerais do direito. Os pactos, convenções e protocolos
adicionais constituem tratados que vinculam os Estados signatários,
sendo incorporados no Direito Constitucional e infra-constitucional
dos diversos países.
Esse
novo ramo do Direito emerge com princípios próprios. Suas normas,
tal como o autor o afirma “têm hierarquia constitucional e se
caracterizam por sua força expansiva decorrente da abertura tipológica
de seus enunciados. O Direito Internacional dos Direitos Humanos também
rompe com a distinção rígida entre Direito Público e Direito
Privado, libertando-se dos paradigmas clássicos”.
Como
base jurídico-política do que pode ser considerada a vertente
humanista da globalização, o "Direito Internacional dos
Direitos Humanos", por ter também uma função de dissolver
fronteiras, a operar a proteção do ser humano intrinsecamente
considerado, tangencia o tradicional conceito de soberania irrestrita,
reivindicando a universalidade como valor colocado na ordem do
dia das relações internas e externas das sociedades humanas.
O
que se vislumbra em todo esse processo de internacionalização dos
direitos humanos, a que Norberto Bobbio
se refere como essencial no caminho obrigatório para a busca da
"paz perpétua", no sentido Kantiano da expressão, é a
configuração de um fenômeno da mesma natureza da globalização
econômica.
A
estrutura normativa de proteção internacional dos direitos humanos
abrange os instrumentos de proteção global, cujo código básico é
a chamada international bill of human rights, compreendendo o pacto e
o protocolo facultativo internacional dos direitos civis e políticos,
o pacto internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais e
os instrumentos de proteção regional, que são aqueles pertencentes
aos sistemas europeu, americano, asiático e africano.
Gomes
Pinto
informa que “o primeiro marco histórico referido à
internacionalização dos direitos humanos terá sido a Convenção de
Direito Humanitário de 1864” . O Direito Humanitário surgiu então
como primeira positivação, no campo do Direito Internacional, dos
direitos humanos.
Acrescenta
o autor que outro marco decisivo foi a Convenção da Liga das Nações
de 1920 , que continha previsões genéricas referentes aos Direitos
Humanos, obrigando os Estados signatários a respeitarem a dignidade
dos homens, mulheres e crianças, particularmente no campo do
trabalho. Pela primeira vez, foram previstas sanções econômicas e
militares contra os Estados que violassem essa Convenção.
No
processo de internacionalização dos direitos humanos, foi também de
fundamental importância a instituição da Organização
Internacional do Trabalho. Nessa fase inicial, contudo, ainda vigorava
a idéia de que os direitos humanos eram matéria que excluía de
participação o indivíduo como ator do processo. Os instrumentos
institucionais eram endereçados apenas aos Estados, sendo os indivíduos
apenas objeto de proteção, sem direito de representação.
Após
a Segunda Guerra Mundial, com a criação das Nações Unidas, em
1945, houve uma genuína revolução jurídica, que internacionalizou,
de modo decisivo, os direitos humanos (arts. 55 e 56 da Carta da ONU).
Em
1948, foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos,
enunciando direitos referidos à liberdade e à igualdade. Esta
representou também um salto de síntese dialética de superação da
velha dicotomia (liberdade versus igualdade), ao reunir, num mesmo
documento, os direitos civis e políticos, bem assim os direitos econômicos,
sociais e culturais, afirmando então a indivisibilidade dos direitos
humanos fundamentais.
Ainda
em 1948, foi aprovada a convenção contra o genocídio. No mesmo ano,
foi assinada, em Bogotá, a Convenção Interamericana sobre a Concessão
dos Direitos Civis e dos Direitos Políticos à Mulher.
Em
1950, foi aprovada a Convenção Européia dos Direitos Humanos. O
tratado europeu representou um dos mais significativos avanços na
consolidação do Direito Internacional dos Direitos Humanos, com uma
grande inovação: elevou o indivíduo à condição de sujeito de
direito internacional, ao prever a possibilidade de qualquer cidadão,
nacional ou estrangeiro, individual ou coletivamente, ajuizar petições
junto à Comissão Européia de Direitos Humanos, denunciando violações
dos direitos e liberdades enunciados na Convenção.
Numerosas
outras convenções vêm sendo firmadas, a saber:
a)
em 1951, a convenção relativa ao estatuto dos refugiados;
b)em
1966, o pacto internacional para a proteção dos direitos civis e políticos
e o pacto internacional para a proteção dos direitos econômicos,
sociais e culturais;
c)
em 1968, a convenção sobre a eliminação de todas as formas de
discriminação racial;
d)em
1969, a convenção americana sobre direitos humanos;
e)em 1979, a convenção sobre a eliminação de todas as formas de
discriminação contra a mulher;
f)
em 1984, a convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas
cruéis, desumanas ou degradantes;
g)
em 1985, a convenção interamericana para prevenir e punir a
tortura;
h)
em 1989, a convenção sobre os direitos da criança;
i)
em 1994, a convenção interamericana para prevenir, punir e erradicar
a violência contra a mulher.
A
partir, portanto, de meados deste século, várias declarações,
pactos e convenções sobre direitos humanos vêm sendo produzidas,
num processo de convergência mundial pela positivação universalista
desses direitos. E os direitos e liberdades enunciados nesses tratados
internacionais vêm sendo internalizados no Direito Constitucional dos
países, como normas materialmente constitucionais.
A
existência de normas internacionais, que, pela sua própria natureza,
situam-se num plano mais elevado que as de direito interno (apenas
nesse sentido é que pode falar em supremacia), como situar a Declaração
Universal de Direitos do Homem (que não é tratado, mas resolução
da Assembléia Geral da ONU) e o Pacto de São José da Costa Rica em
um plano infraconstitucional, como é o entendimento reiterado da
jurisprudência.
No
Brasil, esses direitos são constitucionalizados em virtude do
disposto no parágrafo 2°; do art. 5°; da Constituição de 1988,
que diz que os direitos nela enunciados não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos
tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja
parte
No
Direito Constitucional Comparado Latino-Americano a mesma força
normativa dos tratados internacionais sobre direitos humanos é
observada. Flávia Piovesan,
em sua excelente obra Direitos Humanos e Direito Constitucional
Internacional faz substanciosa síntese da recepção dos tratados
sobre direitos humanos nas constituições latino-americanas, nestes
termos:
“Destaque-se,
inicialmente, a Constituição do Peru de 1979, ao determinar no art.
105 que os preceitos contidos nos tratados de direitos humanos têm
hierarquia constitucional e não podem ser modificados senão pelo
procedimento que rege a reforma da própria constituição.
No mesmo sentido, a
Constituição da Argentina, após a reforma constitucional de 1994,
passou a dispor no art. 75, inciso 22, que, enquanto os tratados em
geral têm hierarquia infra-constitucional, mas supra-legal, os
tratados de proteção dos direitos humanos têm hierarquia
constitucional, complementando os direitos e garantias
constitucionalmente reconhecidos.
Por sua vez, a
Constituição da Nicarágua de 1986 integra à enumeração
constitucional de direitos, para fins de proteção, os direitos
consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos (...).
Esta Constituição
confere assim hierarquia constitucional aos direitos constantes dos
instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos.
Um outro exemplo é a
Constituição da Guatemala de 1986, ao prever que os direitos e
garantias nela previstos não excluem outros que não figurem
expressamente no elenco constitucional. Este texto adiciona que os
tratados de direitos humanos ratificados pela Guatemala têm preeminência
sobre o Direito interno, nos termos do art. 46.
Nesta mesma direção
está a Constituição da Colômbia de 1991, que no art. 93 confere
hierarquia especial aos tratados de direitos humanos, ao determinar
que estes prevalecem na ordem interna e que os direitos humanos
constitucionalmente consagrados serão interpretados em conformidade
com os tratados de direitos humanos ratificados pela Colômbia”.
Mesmo
que não se atribua status de regra constitucional às enunciações
de direitos dos tratados internacionais sobre direitos humanos, ainda
assim subsiste sua força normativa constitucional, pois
consubstanciam princípios com carga de normatividade, inclusive como
diretriz hermenêutica. A força normativa dos princípios já está
consolidada no constitucionalismo pós-positivista, a partir de Müller,
na Alemanha, que suplantou o positivismo tradicional de Kelsen e seus
seguidores, e a partir de Dworkin, que, no mundo anglo-saxônico,
mudou o eixo de Oxford (Bentham e Austin) para Harvard.
Nesse
final de século, desenha-se no contexto mundial a imperiosa
necessidade de a cidadania dispor de instrumentos normativos que
assegurem a inviolabilidade dos povos. Essa tendência, iniciada pela
separação do indistinto poder soberano, premente nas antigas relações
entre governantes e governados, tem como marco histórico e inaugural
a célebre instituição do Tribunal de Nuremberg, responsável pelo
julgamento dos crimes cometidos contra a humanidade patrocinados pelo
nazismo hitleriano .
7.
Conclusão
Os
direitos humanos não são apenas um conjunto de princípios morais
que devem informar a organização da sociedade e a criação do
direito. Enumerados em diversos tratados internacionais e constituições,
asseguram direitos aos indivíduos e coletividades e estabelecem
obrigações jurídicas concretas aos Estados.
Mormente
quando se dá conta que o próximo século que se avizinha
apresentará aos países em desenvolvimento novos desafios, sem os
quais suas inserções na ordem mundial não se viabililizarão, esses
direitos assumem uma importância ainda mais objetiva. Embora a
proposital referência ao processo em curso de globalização aponte
para uma visão economicista, com finalidade de explorações
financeiras e mercantis, torna-se cada vez mais inevitável contemplar
o novo cenário planetário sem perceber a inevitável inclusão de
reivindicações humanitárias, que venham a aproximar os povos de
todos os continentes em direitos e dignidade.
Trata-se
pois de conceber o programa dos Direitos Humanos como a proposição
mais avançada e radical de promoção da liberdade e da cidadania que
se opõe, constitutivamente, ao modelo do sujeito alienado,
desinteressado das questões públicas ou alijado das questões político-sociais
por conta da ignorância e da miséria extemada.
A
criação de mecanismos judiciais internacionais de proteção dos
direitos humanos, como a Corte Interamericana e a Corte Européia de
Direitos Humanos, ou quase judiciais como a Comissão Interamericana
de Direitos Humanos ou Comitê de Direitos Humanos das Nações
Unidas, deixam claro uma mudança na antiga formulação do conceito
de soberania. É certo, porém, que a obrigação primária de
assegurar os direitos humanos continua a ser responsabilidade interna
dos Estados .
No
entanto, face às constantes violações aos direitos fundamentais do
ser humano escudadas em pretensas fundamentações que reivindicam as
questões ligadas às tradições quer culturais ou religiosas
regionais ou tribais, cresce a importância da discussão necessária
acerca da universalidade dos Direitos Humanos consagrados nas Declarações
existentes, no marco da globalização em curso.
Nesse
quadro multiplica-se consideravelmente a importância dimensional dos
tratados gerais de proteção internacional dos direitos humanos no
plano das relações exteriores, bem como a configuração de um
Direito Internacional dos Direitos Humanos.
8.
Referências bibliográficas
BOBBIO,
Norberto. A Era dos Direitos, 11a. ed., RJ:Campus,
1992.
BONAVIDES,
Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11ª ed. São Paulo.
Malheiros, 1999.
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retirado de http:/www.eupg.br/rj/a1vat12.htm, 2000.
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Celso Duvivier de Albuquerque. O Brasil e o direito internacional
na nova ordem mundial. Revista da Faculdade de Direito da UFMG. V.
34, N. 34. 1994.
PINTO,
Renato Sócrates Gomes. Globalização dos Direitos Humanos?,
Retirado de http:/www.eupg.br/rj/a1vat12.htm, 2000.
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Edilsom Pereira dos. Colisão de Direitos (A Honra, a Intimidade, a
Vida Privada e a Imagem versus a Liberdade de Expressão e Informação).
Porto Alegre. Sergio Antonio Fabris Editor, 1996.
TRINDADE
A. Cançado. Ao Legado de Viena. A incorporação das normas
internacionais de proteção dos direitos humanos no direito
brasileiro, anais da II Conferência Mundial de Direitos
Humanos (1993), 1996.
Quando se fala em Direitos Humanos, utilizamos esta expressão
como sinônimo dos direitos fundamentais. Portanto, direitos
fundamentais são, os direitos individuais fundamentais (relativos
à liberdade, igualdade, propriedade, segurança e vida); os
direitos sociais (relativos à educação, trabalho, lazer,
seguridade social entre outros); os direitos econômicos (relativos
ao pleno emprego, meio ambiente e consumidor); e direitos políticos
(relativos às formas de realização da soberania popular).
Observa
Carlos Alberto Bittar que os chamados direitos de personalidade
recebem diferentes nomes frente à perspectiva de análise,
verificando-se como mais comuns, os seguintes: "Direitos do
Homem", "Direitos Fundamentais da Pessoa",
"Direitos Humanos", "Direitos
Inatos","Direitos Essenciais da Pessoa",
"Liberdades Fundamentais" e, especialmente, "Direitos
de Personalidade". (01) O autor citado faz diferenciação
entre direitos de personalidade e liberdades públicas, e por sua
vez dos Direitos Humanos. Isto nos desperta para a extrema
diversidade de expressões que devem ser ordenadas, pois só
contribuem para a dificuldade de compreensão do tema.
PINTO, Renato Sócrates Gomes. Globalização dos Direitos
Humanos?, Retirado de http:/www.eupg.br/rj/a1vat12.htm. O
autor é Procurador de Justiça do Distrito Federal. Pós-graduado
em Direito e Estado pela Universidade de Brasília e em Direitos
Humanos e Liberdades Civis pela Universidade de Leicester, Grã-Bretanha..
Nesta virada de milênio, parece evidenciada a configuração da
globalização econômica e da hegemonia do neoliberalismo. À vista
dos grandes desafios em particular para os países do denominado
Terceiro Mundo ; abertura política, estabilização econômica e
reforma social; segundo José Eduardo Faria, emergem as seguintes
questões: como criar e desenvolver formas originais e inéditas,
conciliando a racionalidade técnico-instrumental dos processos de
modernização econômica com a racionalidade normativa dos
processos de modernidade político-jurídica?
Como
pode, por exemplo, a sociedade latino-americana autodeterminar
sua ordem coletiva em termos de engenharia institucional, diante de
um processo transnacional de modernização que compromete a
soberania de seus Estados e torna obsoletos seus instrumentos
tradicionais de ação, gestão, controle e planejamento?
Renato Sócrates Gomes Pinto é Procurador de Justiça do Distrito
Federal. Pós-graduado em Direito e Estado pela Universidade de Brasília
e em Direitos Humanos e Liberdades Civis pela Universidade de
Leicester, Grã-Bretanha, autor do artigo A Globalização dos
Direitos Humanos.
PINTO,
Renato Sócrates Gomes. A Globalização dos Direitos Humanos,
p.1.
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