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         Revista    
        Manchete – n.º 2.328 16 de    
        novembro de 1996    
             
        OS    
        MENINOS DE OURO DO DR. MAURÍLIO    
            
             
             
        Marques Casara e Daniella Géo    
        de Natal   
        O relógio do    
        motorista Francisco Gomes marcava 6h20 quando ele estacionou o Tipo PV    
        0300, da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Norte, em    
        frente ao Corpo de Bombeiros de Natal. Deu bom-dia ao soldado de plantão    
        e sentou numa velha cadeira de ferro. Nove minutos depois, o policial    
        Jorge Fernandes, preso naquela unidade, assinou o livro de controle da    
        guarda e deixou o lugar acompanhado de Gomes, há 15 anos motorista do    
        subsecretário de Segurança Pública do Estado. Jorge Fernandes, ou    
        Jorge Abafador, como é mais conhecido, é um dos líderes do grupo    
        paramilitar Meninos de Ouro, acusado de Ter cometido, nos últimos oito    
        anos, pelo menos 50 crimes de extermínio na área metropolitana de    
        Natal. Abafador também é um dos principais auxiliares do delegado Maurílio    
        Pinto de Medeiros, que durante 20 anos se manteve como chefe da polícia    
        civil potiguar, até ser afastado do posto de subsecretário de Segurança,    
        dia 31 de outubro, por envolvimento no assassinato do advogado Gilson    
        Nogueira de Carvalho.    
        Abafador    
        construiu um extenso currículo desde que entrou para a polícia. Ano    
        passado, invadiu uma casa no Bairro de Mãe Luiza. Matou um homem que    
        estava deitado, uma mulher que foi olhar o que acontecia. Deixou duas    
        pessoas com balas alojadas no corpo, uma delas com um projétil calibre    
        380 na cabeça. Os dois sobreviventes foram socorridos e se tornaram    
        testemunhas decisivas para tirá-lo de circulação. Ou quase.   
             
             
        O    
        policial aguarda julgamento em prisão especialíssima, já que pode    
        sair a hora que quiser, desde que o motorista da secretaria traga a    
        senha: “Ordens do Dr. Maurílio”. O ferrolho da cela cai como num    
        passe de mágica. E foi isso o que aconteceu, às 9h29min de um Sábado    
        calorento, dia 19 de outubro, véspera do assassinato do advogado Gilson    
        de Carvalho.   
             
             
        Abafador    
        só voltou ao Corpo de Bombeiros 36 horas depois da morte do advogado,    
        executado em sua chácara na cidade de Macaíba, a 10 quilômetros de    
        Natal. Na madrugada de Sábado para Domingo, 20, Carvalho estacionou sua    
        camionete em frente ao portão da chácara, acompanhado da namorada,    
        Maria das Vitórias Silva. Foi surpreendido por tiros de revólver    
        Magnun 357 e escopeta calibre 12. O advogado morreu na hora. A moça    
        conseguiu escapar.   
             
             
        Poucas    
        horas depois do crime, Abafador desceu de um carro em frente à 9ª    
        Delegacia de Polícia, na periferia de Natal. Desta vez estava no Prêmio    
        BB 1328, dirigido por Maurílio Pinto de Medeiros Junior, filho do    
        subsecretário Maurílio. Cumprimentou os policiais e atravessou a rua    
        em direção a um misto de bar e mercearia. Pediu uma cerveja e brindou    
        a morte de Gilson Carvalho. Além de Maurílio Junior, dois agentes da 9ª    
        DP assistiram a comemoração. Apesar das evidências, a morte do    
        advogado só derrubou o subsecretário Maurílio dez dias depois do    
        crime. Durante um indigesto café da manhã na casa do Governador    
        Garibaldi Alves Filho, o ministro da Justiça, Nelson Jobim, pediu a    
        cabeça do delegado.   
             
             
        Carvalho    
        trabalhava em defesa das vítimas de grupos de extermínio. Morreu por    
        isso. A violência da polícia do Rio Grande do Norte não tem limites    
        ou fronteiras. Dia 14 de outubro de 1994, ocupando o cargo de    
        Coordenador Geral de Polícia, Maurílio expediu uma ordem de missão a    
        quatro homens, policiais segundo o documento, para irem ao estado da    
        Paraíba em busca de criminosos. Dos quatro agentes, três nunca foram    
        policiais. Um deles, Admilson Fernandes de Melo, é funcionário da    
        Assembléia Legislativa. O outro, Carlos Patrício de Macedo, é filho    
        de Admilson, e Luiz Pedro de Souza, funcionário público.   
             
             
        Na    
        Penitenciária Estadual, em Natal, o preso Arivone Gonçalves aguarda    
        julgamento pelo assassinato de um policial. No dia 25 de setembro do ano    
        passado, ele registrou em cartório um depoimento em que afirma Ter sido    
        torturado, durante cinco horas, dentro do gabinete do subsecretário:    
        “Fui torturado na presença dele, com choque elétrico nas costas, na    
        língua, nos testículos, na face e nos dentes”. No caso do advogado    
        Carvalho, a morte dele, além de esperada, foi anunciada. O ex-policial    
        civil João Maria Fernandes, preso na Penitenciária Estadual, soube da    
        morte de Gilson 72 horas antes do ocorrido. Avisou o promotor Fernando    
        Vasconcelos que por sua vez alertou o Centro de Direitos Humanos e Memória    
        Popular, onde o advogado atuava.   
             
             
        A Polícia    
        Federal assumiu as investigações. O delegado responsável pelo    
        trabalho, Gilson Ribeiro Campos, recebeu ordens diretas do ministro da    
        Justiça, Nelson Jobim, para entrar nesse trabalho mudo e sair calado.    
        As investigações, se bem conduzidas, podem desentocar, além dos    
        mandantes, um esquema que começa nos crimes de extermínio e termina no    
        contrabando de carros roubados.   
             
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