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 Multiculturalismo
        e Direitos Coletivos
   
          
          INTRODUÇÃO
          A sobrevivência do multiculturalismo
          num mundo em que o Estado reconhece, protege e pretende transformar
          todos os direitos em individuais, é quase impossível. De fato, a
          construção do Estado contemporâneo e de seu Direito foi marcada
          pelo individualismo jurídico ou pela transformação de todo titular
          de direito em um indivíduo. Assim foi feito com as empresas,
          sociedades e com o próprio Estado; criou-se a ficção de que cada um
          deles era pessoa, chamada de jurídica ou moral, individual. Assim
          também foi feito com os povos diferenciados, criando a ficção de
          que cada povo indígena seria uma individualidade com direitos
          protegidos. Isto transformava os direitos essencialmente coletivos dos
          povos em direitos individuais. O Direito contemporâneo, além de
          individualista, é dicotômico: às pessoas - indivíduos titulares de
          direitos - corresponde uma coisa - bem jurídico protegido. A
          legitimidade desta relação se dá por meio de um contrato - acordo
          entre duas pessoas. É evidente que este esquema jurídico não
          poderia servir aos povos indígenas da América Latina porque, mesmo
          que considerasse cada povo uma individualidade de direito, os bens
          protegidos (os bens que os povos precisam proteger) e sua legitimidade
          não têm nenhuma relação com a disponibilidade individual e com
          origem contratual. É por isso que os países latino-americanos sempre
          buscaram separar o indivíduo indígena de seu povo, assimilando-o à
          "sociedade nacional" de forma tão profunda que ele deixaria
          de ser povo diferenciado. O sistema pensou que a assimilação seria
          possível por meio do trabalho, mas nunca pôde entender que a idéia
          do trabalho gerador da propriedade não tem relação com as culturas
          indígenas. Tanto lutaram estes povos e tão
          pequena foi a possibilidade de assimilação que exerceram sobre eles
          as sociedades envolventes, que o sistema acabou por reconhecer
          direitos coletivos, que abriram um novo horizonte no reconhecimento
          dos povos, permitindo aos países se considerarem multiculturais e
          pluri-étnicos. Estes direitos coletivos extrapolaram os povos indígenas
          para outros segmentos sociais, de tal forma que acabaram por ter um
          caráter emancipatório. A trajetória dessa transformação,
          seu potencial e dificuldades é o tema deste trabalho. As histórias
          que a seguir são narradas, embora muito representativas, devem ser
          entendidas como exemplos de uma realidade muito mais vasta e complexa,
          e que aponta sempre na mesma direção: uma espécie de renascer dos
          povos ou renascer de esperanças. (Souza Filho, 1998).   A sobrevivência do multiculturalismo
          num mundo em que o Estado reconhece, protege e pretende transformar
          todos os direitos em individuais, é quase impossível. De fato, a
          construção do Estado contemporâneo e de seu Direito foi marcada
          pelo individualismo jurídico ou pela transformação de todo titular
          de direito em um indivíduo. Assim foi feito com as empresas,
          sociedades e com o próprio Estado; criou-se a ficção de que cada um
          deles era pessoa, chamada de jurídica ou moral, individual. Assim
          também foi feito com os povos diferenciados, criando a ficção de
          que cada povo indígena seria uma individualidade com direitos
          protegidos. Isto transformava os direitos essencialmente coletivos dos
          povos em direitos individuais. O Direito contemporâneo, além de
          individualista, é dicotômico: às pessoas - indivíduos titulares de
          direitos - corresponde uma coisa - bem jurídico protegido. A
          legitimidade desta relação se dá por meio de um contrato - acordo
          entre duas pessoas. É evidente que este esquema jurídico não
          poderia servir aos povos indígenas da América Latina porque, mesmo
          que considerasse cada povo uma individualidade de direito, os bens
          protegidos (os bens que os povos precisam proteger) e sua legitimidade
          não têm nenhuma relação com a disponibilidade individual e com
          origem contratual. É por isso que os países latino-americanos sempre
          buscaram separar o indivíduo indígena de seu povo, assimilando-o à
          "sociedade nacional" de forma tão profunda que ele deixaria
          de ser povo diferenciado. O sistema pensou que a assimilação seria
          possível por meio do trabalho, mas nunca pôde entender que a idéia
          do trabalho gerador da propriedade não tem relação com as culturas
          indígenas. Tanto lutaram estes povos e tão
          pequena foi a possibilidade de assimilação que exerceram sobre eles
          as sociedades envolventes, que o sistema acabou por reconhecer
          direitos coletivos, que abriram um novo horizonte no reconhecimento
          dos povos, permitindo aos países se considerarem multiculturais e
          pluri-étnicos. Estes direitos coletivos extrapolaram os povos indígenas
          para outros segmentos sociais, de tal forma que acabaram por ter um
          caráter emancipatório. A trajetória dessa transformação,
          seu potencial e dificuldades é o tema deste trabalho. As histórias
          que a seguir são narradas, embora muito representativas, devem ser
          entendidas como exemplos de uma realidade muito mais vasta e complexa,
          e que aponta sempre na mesma direção: uma espécie de renascer dos
          povos ou renascer de esperanças. (Souza Filho, 1998).   
          
          FORMAÇÃO DOS ESTADOS NA AMÉRICA
            LATINA   O colonialismo mercantilista inaugurado
        pela descoberta das Américas e do caminho marítimo para as Índias
        teve um relacionamento com os povos locais de profunda exploração,
        chegando com facilidade ao desrespeito e ao genocídio. As guerras que
        Portugal e Espanha travaram contra a resistência dos povos da América
        foram marcadas pela desigualdade de condições e crueldade; os europeus
        conheciam a pólvora e não hesitaram usá-la abusivamente. Os chamados
        índios eram caçados nas selvas, montanhas e pradarias, empurrados para
        o interior e vendidos ou treinados em cativeiro para servir de escravos,
        cristianizados e transformados em força de trabalho para os capitais
        mercantilistas, que ironicamente construíam na Europa a teoria do
        trabalhador livre como fundamento da propriedade privada. Nenhum povo da América deixou de sentir
        a chegada dos europeus. A guerra estabelecida com os povos do litoral
        rapidamente se estendia pelo interior. Os povos sucumbiam ou fugiam. Ao
        fugir não encontravam territórios desocupados, mas outros povos com
        quem tinham que guerrear para disputá-los. Espremidos entre dois
        inimigos, cada povo teve que fazer, a cada momento, sua opção: lutar
        ou sucumbir. Se pudéssemos visualizar num grande mapa da América o
        caminho traçado por cada povo até o lugar onde se encontra hoje,
        seguramente veríamos trilhas de sangue por toda a imensidão das
        florestas, cerrados, campos e montanhas. Como se fosse pouco, os europeus
        trouxeram a esta parte do mundo escravos cujo pensamento era libertar-se
        dos grilhões, reunir-se com outros membros de seus povos e encontrar um
        lugar para viver, escondidos dos índios em luta e da feroz perseguição
        dos capitães do mato. É claro que procuravam um desvão, um lugar de
        difícil acesso, um esconderijo para se fixar. Estes lugares, que no
        Brasil passaram a se chamar quilombos, existiram e ainda existem em
        muitos países da América. Os negros fugidos não tinham a mesma
        intimidade com a natureza local que os índios e, por isso, a luta
        contra eles era em geral desvantajosa. O fato de a América ter se organizado em
        Estados Nacionais muito cedo, quando a Europa o fazia, não ajudou muito
        para inverter a sorte dos povos que aqui viviam. As guerras de independência
        do início do século XIX, acabaram por não ter um cunho libertador,
        apesar do esforço de homens como Tiradentes, Bolívar e Artigas. As
        lutas, que tiveram o apoio guerreiro e decisivo dos povos indígenas, não
        conseguiram construir Estados livres e realmente independentes, que
        caminhassem segundo a vontade dos diversos povos que os compunham;
        simplesmente trocaram o colonialismo ibérico pelo inglês. O novo
        colonialismo teve que se adaptar a formas diferentes das usadas na África
        e Ásia, onde negou a construção de Estados Nacionais, provavelmente
        por saber que as elites locais não exerceriam o mesmo controle sobre os
        povos, que as elites americanas, muito mais europeizadas. Exceção é o Paraguai. Francia promoveu
        junto com os indígenas uma verdadeira independência, expulsando os
        proprietários de terra e os representantes dos interesses espanhóis e
        ingleses. Com a força do trabalho livre e com uma política de impedir
        a acumulação capitalista originária e predatória, industrializou o
        país, garantiu excelente qualidade de vida ao povo, alfabetizado, bem
        nutrido e profundamente nacionalista. Esta experiência de liberdade
        durou quatro décadas. Inconformada com o exemplo paraguaio, a
        Inglaterra incentivou e subvencionou a Argentina, o Brasil e o Uruguai a
        promover uma guerra de destruição, até que tombasse o último homem
        paraguaio. Hoje o Paraguai, destruído no século passado, guarda como
        marca da experiência libertária o fato de todos os paraguaios usarem o
        guarani como língua de comunicação familiar. Criados os Estados Nacionais, esquecidos
        os povos indígenas, sempre servindo a interesses estrangeiros, os
        Governos passaram a ampliar as fronteiras agrícolas e buscar novas e
        interessantes riquezas no interior, tratando os povos locais como embaraço
        e entrave ao desenvolvimento. Nesta política, suas terras, vidas e
        sociedades foram novamente violadas. A imigração do século XIX e XX, por
        outro lado, também trouxe outros povos diferenciados, expulsos de suas
        terras originais e iludidos por enganosa propaganda. Aos imigrantes,
        trabalhadores livres, foi reservado um tratamento igualmente desumano.
        Sem direito a terra no século XIX, ao chegar como trabalhadores em uma
        empresa agrícola, já estavam endividados. São inúmeros os relatos de
        maus tratos, servidão e miséria que sofreram. Na busca por liberdade e
        terras, acabavam sucumbindo ou tendo que disputar espaço com os já
        apertados territórios indígenas. O Estado Nacional, e seu direito
        individualista, negou a todos estes grupamentos humanos qualquer direito
        coletivo, fazendo valer apenas os seus direitos individuais,
        cristalizados na propriedade. Assim, aquele indivíduo que lograsse
        amealhar algo, formando uma propriedade, passaria a ser integrado ao
        sistema, todos os outros não se integrariam jamais, continuando a ser
        índios, quilombolas, pescadores, ribeirinhos, seringueiros, pequenos
        posseiros, vivendo da extração, da coleta, da caça, da pesca, da
        pequena agricultura de subsistência, mantendo fortes relações com a
        comunidade para viver e não raras vezes, enquanto longe do contato da
        civilização, vivendo com fartura e felicidade, mas sob permanente ameaça
        porque, se estivessem sobre terras boas ou sobre alguma riqueza vegetal
        ou mineral economicamente viável, passariam a ser objeto da cobiça, do
        engano e da desintegração.   3 - A FALACIOSA POLÍTICA INTEGRACIONISTA   A política colonialista na América
        pautou-se pela subjugação e integração dos povos que ia encontrando.
        A subjugação cultural e econômica consistia em promover uma integração
        forçada, religiosa e econômica. Ou isso, ou a destruição. A política
        variou de acordo com a violência ou ambição de seu executor. Sincera
        e preocupada com a salvação da alma e da sociedade Guarani, com os
        Jesuítas, na bacia do Prata, ou violenta e arrogante com Pizarro e
        Cortez, entre Incas e Astecas. Houve casos de tamanha ambição e
        agressividade que grandes povos que detinham a tecnologia e o domínio
        do ouro, como os Chibchas (Muíscas), foram arrasadoramente
        exterminados, num genocídio cuidadoso e eficiente, como ocorreu na
        conquista da Colômbia. Os que sobreviviam poderiam ingressar na
        vida do Reino como trabalhadores, semi-escravos ou integrantes de missões
        de "pacificação" de outros povos. Por isso, provavelmente,
        tantos povos participaram das lutas pela independência na América
        Latina, sempre lideradas por espanhóis ou seus descendentes. No Brasil
        -caso único- a independência foi feita sem luta, pelo filho herdeiro
        do trono de Portugal, tendo sido uma opção de organização e divisão
        do Estado e não uma tentativa de encontrar a liberdade. A criação dos estados nacionais
        latino-americanos, seguindo o modelo europeu, se deu com a redação de
        uma Constituição que estabelecia um rol de direitos e garantias
        individuais. Isto significou o esquecimento de seus índios e a omissão
        de qualquer direito que não fosse a possibilidade de aquisição
        patrimonial individual. Portanto aos índios sobrou como direito a
        possibilidade de integração como indivíduo, como cidadão ou,
        juridicamente falando, como sujeito individual de direitos. Se ganhava
        direitos individuais, perdia o direito de ser povo. Apesar disto, os
        povos continuaram a ser povos. Esta busca de integrar os indivíduos índios
        fica patente na Carta Régia de 1808 que declarava guerra os índios
        Botucudos do Paraná, e determinava que os prisioneiros fossem obrigados
        a servir por 15 anos aos milicianos ou moradores que os apreendessem,
        abrindo a oportunidade de, àqueles que depusessem armas e se
        submetessem às leis reais e se aldeassem, poderiam gozar dos bens
        permanentes de uma sociedade pacífica e doce debaixo das justas e
        humanas leis (Souza Filho, 1988: 56). As política públicas e as leis, porém,
        se propuseram durante muitos anos a cumprir essa vontade dos Estados
        nacionais: integrar os povos como cidadãos, sujeitos de direito,
        capazes de negociar juridicamente, sem reconhecer seus direitos
        coletivos. Nesta perspectiva o genocídio continuou, e cada tentativa de
        integração desses povos significou a continuação do estado de guerra
        imposto quando da chegada dos europeus. Os povos perdiam não só a
        visibilidade, mas a própria vida. Quando os Estados Nacionais escreveram
        suas Constituições garantindo direitos, inauguraram um novo sistema
        jurídico com algumas dicotomias, como o público e o privado, o sujeito
        e o objeto de direitos, e pilares como a propriedade privada, a segurança
        jurídica dos contratos livremente estabelecidos e o caráter técnico-jurídico
        das soluções de conflitos de direitos. Estes primados serviam a quem tinha
        propriedade e mantinha contrato, especialmente como contratante; aos
        povos diferenciados, aos que viviam em comunidades, este sistema não
        servia. Na América Latina as políticas em relação aos povos indígenas
        era de integração, quer dizer, a situação de indígena deveria ser
        provisória. Muitas décadas depois de escritas as Constituições
        Nacionais, começou a aparecer a proteção jurídica de alguns direitos
        indígenas, sempre com um caráter provisório. No Brasil, no século
        XX, as leis indígenas iniciavam expondo sua finalidade, que era a
        integração dos índios à comunhão nacional, mas enquanto isso não
        se desse, garantir-se-ia a eles alguns direitos. O artigo primeiro da
        Lei Indígena vigente no Brasil estabelece que "regula a situação
        jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades indígenas, com o
        propósito de preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e
        harmoniosamente, à comunhão nacional". Não foi assim em outras partes do mundo.
        O colonialismo na Ásia e África não deu o mesmo tratamento a povos
        locais, mantendo as colônias sob políticas de apartheid, tanto mais
        violentas quanto maior fosse a resistência do povo. Isto significava
        que a integração individual somente se daria em casos excepcionais. A
        conseqüência desta diferença é que na América os povos tiveram mais
        dificuldade de manter sua vida segundo seus usos, costumes e tradições,
        inclusive a solução de seus conflitos internos dependiam das leis dos
        Estados Nacionais respectivos. A integração, no caso latino-americano,
        porque era proposta de forma individualizada, significava a extinção
        do povo. No Brasil cada povo sofreu de modo
        diferente esta política, porém dois eixos podem ser facilmente observáveis.
        De um lado uma política de total omissão, como se os povos não
        existissem ou fossem apenas um depósito de pessoas que seriam
        integradas cedo ou tarde; de outro, uma política de proteção
        consistente em criar refúgios afastados para os povos, desconsiderando
        seus territórios tradicionais, aplicada especialmente na Amazônia.
        Estes dois eixos serão estudados a seguir, com exemplos históricos que
        demonstram a grande diversidade prática da política oficial.   4. OS POVOS INVISÍVEIS   O primeiro eixo corresponde à aplicação
        de uma cultura assimilacionista clássica, na qual não há lugar para
        coletivos que figurem entre o cidadão e o Estado. A invisibilidade com
        que foram tratados os povos do litoral e do sul do Brasil é comparável
        com a desconsideração dos povos peruanos imortalizada no herói
        Garabombo, o invisível (Scorza, s.d.). Para exemplificar esta situação de
        invisibilidade e de retorno à existência ou ao renascimento (Souza
        Filho, 1998) escolhemos três casos: o do povo Xetá, no oeste do Paraná;
        o do povo Guarani, em quase toda a região sul e o dos povos do
        nordeste, retratados pelos Pataxó Hãhãhãe, porque o Estado os
        desconsiderou totalmente em suas políticas públicas, e fez questão de
        negar sua existência por muito tempo. Os que sobreviveram vêm
        resistindo de tal forma e com tal força que hoje se converteram nos
        maiores conflitos de terras indígenas no Brasil, apoiados agora nos
        direitos coletivos reconhecidos na Constituição de 1988.   4.1. O povo Xetá, cronologia de um genocídio O povo Xetá não sobreviveu. Hoje são
        cerca de dez indivíduos vivendo separados, alguns de empréstimo em
        aldeias de kaigangues, outros em cidades da região. Mas antes de serem
        exterminados pelos avanço impiedoso da fronteira agrícola, os Xetá
        dominavam a selva da Serra de Dourados onde a chegada da Companhia de
        Colonização Suemitsu Miyamura & Cia Ltda. se deu com a queima da
        matas, porque não havia interesse na madeira, mas tão somente na
        abertura de lotes para serem vendidos aos novos ocupantes. A história do contato dos índios Xetá
        é tão recente e os fatos ocorreram há tão pouco tempo, mas é tão
        parecida com os relatos de Bartolomé de Las Casas no século XVI que
        faz duvidar que o tempo tenha passado. Em 1952 os novos fazendeiros
        capturaram um menino de oito anos, de nome Tikuein. A certeza de que
        aquele território estava ocupado por um povo "primitivo" veio
        no ano seguinte, com a captura de outro menino, que passou a ser criado
        pelos brancos. Em dezembro de 1954, seis homens nus e
        desarmados fizeram contato espontâneo com fazendeiros, falaram e
        gesticularam de forma tão calma e pacífica que os brancos não
        reagiram, deixando-os partir. Nunca se pôde traduzir o que disseram
        aqueles Xetás, nunca se soube se era apelo de clemência ou ameaça,
        mas se têm certeza de que, se se tratasse de ameaça, jamais foi
        cumprida, e se de clemência, em vão foi o pedido. Em 1955, a Universidade Federal do Paraná
        e o órgão nacional indigenista organizaram uma expedição que
        localizou aldeias e objetos que hoje se encontram no Museu Paranaense,
        mas nenhum índio. Talvez o que tivessem querido dizer no ano anterior
        é que partiriam. No ano seguinte a expedição foi mais longe e
        localizou dois grupos pacíficos, que se deixaram fotografar e filmar,
        brincaram, riram, mas não acompanharam a expedição que queria arranchá-los
        em uma fazenda próxima. Ficaram no mato. Poucos meses depois, um dos
        grupos foi massacrado, num crime nunca perfeitamente explicado e jamais
        diretamente julgado. Deputados se mobilizaram para a criação
        do Parque Nacional de Sete Quedas e, dentro dele, de uma área destinada
        aos Xetá. Nunca foi criada a "reserva" Xetá, e poucos anos
        depois este povo foi considerado extinto, acabando qualquer empecilho
        para a legitimação da propriedade privada na região. A nova empresa
        de colonização, a Companhia Brasileira de Colonização e Imigração
        (Cobrinco), continuou o trabalho devastador, não deixando uma única árvore
        em pé e com o último capão de mato morreu a esperança de encontrar
        um Xetá vivo. O massacre tinha terminado. Hoje, ainda, uns poucos indivíduos
        xetás sobrevivem fora de seu referencial cultural e da natureza que os
        abrigava, aliás, irreconhecível natureza transformada em extensas
        plantações de algodão e soja, crivadas de indústrias têxteis. Nem
        mesmo a beleza das Sete Quedas permanece, inundada pela represa de
        Itaipu, como se a natureza se calasse em reverência à morte do povo
        que sempre esteve tão próximo. A Funai, o órgão indigenista
        brasileiro, no ano de 2000 organizou uma grupo de estudos para criar uma
        área Xetá, com a idéia de abrigar a última dezena de indivíduos que
        teima em sobreviver e manter a memória e a história de um povo marcado
        para morrer.   4.2. O longo caminho guarani na busca da
        terra sem males Se a história do contato dos Xetá foi
        fulminante, muito diferente tem sido a relação dos Guarani com a
        "civilização". Os Guarani aparecem nos textos dos primeiros
        cronistas espanhóis que subiram os rios Paraná e Paraguai. Foram
        usados como escravos domésticos e estiveram presentes nas cidades de
        Buenos Aires e Assunção desde século XVI. Durante esses quinhentos
        anos chegaram a ter uma visibilidade tão grande que desencadeou um
        conflito entre Portugal e Espanha, tendo como recheio a Companhia de
        Jesus, até serem considerados praticamente exterminados, para voltar a
        ser, em épocas mais recentes, o povo indígena mais populoso que habita
        o Brasil. Os Guarani deram ao Paraguai uma língua nacional, o toponímio
        de quase todos os acidentes geográficos, especialmente rios e
        montanhas, e inúmeras cidades do sul do Brasil. Hoje chega a ser comum
        encontrar guaranis com ar dissimulado pelas ruas de cidades litorâneas
        em recatadas conversas em idioma próprio. A trajetória do contato guarani é
        curiosa. Os Jesuítas escolheram a região onde hoje se localiza a
        cidade de Assunção, capital do Paraguai, como sua sede nas terras
        meridionais, em 1607. À idéia de cristianizar os índios foi acoplada
        a de construir, a partir da organização social guarani e da concepção
        jesuíta de Estado e Direito, uma proposta organizativa independente que
        ficou conhecida como as "reduções jesuíticas missioneiras".
        Perseguidos pela violência bandeirante em território português e por
        mandatários del Rei no espaço espanhol, os guarani acabaram não só
        aceitando o cristianismo como a vida nas novas aldeias, que era um misto
        de tradição guarani e organização social jesuíta, com alterações
        profundas no modo de dividir o trabalho. Apesar disso, mantiveram suas
        crenças, tradições e costumes, inclusive a língua. Com a derrota dos
        Jesuítas e sua expulsão da América do Sul, os guarani também se
        dispersaram por todo o território, convivendo com o avanço da
        fronteira agrícola, sem se importar muito com os não-índios que
        chegavam na região. O povo guarani tradicionalmente manteve
        seu território compartilhado com outros povos, conseguindo viver em
        relativa harmonia. Grandes viajantes, buscavam a terra sem males que
        sabiam estar a leste. A política oficial do Governo brasileiro em relação
        a eles foi de total omissão, por isso mesmo são os grandes invisíveis.
        Nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo,
        foram considerados extintos e não tiveram praticamente nenhuma terra
        demarcada ou reservada para seu uso exclusivo. No Mato Grosso do Sul,
        suas terras foram ocupadas e destinadas a imigrantes brancos no início
        do século, em programas de desenvolvimento. Os índios, que foram
        pensados como mão-de-obra dos empreendimentos, aparentemente aceitaram
        ser empregados das fazendas no intuito de continuar usando seus locais
        sagrados (Ladeira, 1988). A perspectiva que sempre tiveram era de
        poder compartir seu território com outros povos, como sempre haviam
        feito. Em sua cosmovisão, os deuses haviam criado a terra para eles, o
        uso por outros povos, assim, era secundário. Sabiam, entretanto que
        havia em algum lugar uma terra sem males, que buscavam incessantemente.
        Não imaginavam que os novos habitantes tivessem hábitos tão
        diferentes dos kaingangues, charruas e xoclengs, com quem compartiram
        seu território deste tempos imemoriais. Não sabiam e nem acreditavam
        que o uso da terra pelos novos habitantes era devastador e exigia a
        morte dos animais e plantas nativas para a introdução de novas plantas
        e bichos, todos domesticados, que nasciam e cresciam pela mão do homem.
        Para sobreviver, e enquanto não ingressassem individualmente como
        trabalhadores livres na sociedade local, os guarani receberam
        coletivamente pequenos pedaços de terra onde foram dramaticamente
        confinados. Nunca se integraram, porém. Desta forma, este povo, senhor de vastíssimo
        território e cultura, passou a viver, nos três Estados do sul, de empréstimo
        nos territórios de outros povos e no Mato Grosso, em confinamentos.
        Apesar disso, não deixaram de viajar na busca da terra sem males. Nesta
        viagem, meio escondidos, iam saindo das matas abatidas e procurando
        outras matas para viver. Cada vez foram se estabelecendo em lugares mais
        remotos não atingidos pela propriedade privada. Hoje, parcelas
        importantes dos Guarani estão localizadas em lugares considerados
        "invioláveis" para a civilização, os Parques e outras
        Unidades de Conservação. Perplexos se perguntam, então, para onde
        devem ir. Têm consciência que todo o imenso território que
        imemorialmente consideram seu não é exclusivo nem nunca o foi, mas os
        que hoje compartem essa ocupação têm um modo estranho de fazê-lo,
        matam os rios, destroem as matas, acabam com os animais e os
        criminalizam por viver nos últimos redutos de terra viva. Um conflito
        de direitos então se estabelece de forma clara. De um lado os guarani
        vivendo ou procurando viver nos últimos pedaços de terra florestada,
        para eles sagrada, e por outro ambientalistas que, com a melhor das
        intenções, estão preocupados com a manutenção das últimas matas,
        que também chamam de santuários, que exigem a retirada de todos os
        humanos. O reconhecimento de direitos coletivos
        indígenas e de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
        conforme a Constituição brasileira de 1988, gerou um aparente conflito
        entre o povo guarani e o direito coletivo de todos aos Parques e outras
        unidades de conservação. É aparente essa contradição, como veremos,
        porque a solução existe, embora desagrade o velho sistema de direitos
        individuais de proprietários. O povo Guarani é detentor de um vasto
        conhecimento que abrange não só a terra, suas plantas e animais como o
        céu e suas estrelas. O grande povo, tímido e recatado, é o exemplo da
        invisibilidade. Sua luta não é só pela terra, por um território, mas
        principalmente pelos direitos coletivos ao próprio desenvolvimento, o
        que significa incluir a terra, mas vai além dela. A aceitação de
        direitos coletivos pelo sistema tem ajudado este povo a sair da
        invisibilidade.   4.3. O renascer dos Pataxó Hãhãhãe O mais imponente exemplo, porém, de
        renascimento de vontades coletivas indígenas se localiza
        geograficamente no nordeste brasileiro. Lá, com quinhentos anos de
        ocupação européia, grande parte dos povos foi extinta ou expulsa.
        Povos contatados na década de 1950 no cerrado matogrossense, quase dois
        mil quilômetros ao interior, comprovou-se serem oriundos do litoral
        nordestino. A história do povo Pataxó Hãhãhãe é
        exemplar. Reconhecidos seus direitos territoriais, foi demarcada uma área
        de aproximadamente 50.000 ha, na década de 30, no sul do Estado da
        Bahia. Vinte anos depois a região transformou-se em grande produtora de
        cacau, despertando a cobiça sobre aquelas terras. O Estado brasileiro
        providenciou para que houvesse a integração dos índios Pataxó Hãhãhãe,
        isto é, providenciou escola e emprego em lugares distantes, retirando
        as poucas famílias remanescentes para outras áreas indígenas,
        inclusive para uma delas que servia de prisão, ironicamente chamada de
        Fazenda Guarani. Os Pataxó Hãhãhãe foram considerados extintos e
        suas terras entregues a fazendeiros. Menos de trinta anos depois, na década
        de 80, os indivíduos Pataxó Hãhãhãe, que se imaginavam integrados e
        felizes na vida de cidadãos brasileiros, trabalhadores livres, foram se
        reagrupando, aos poucos e timidamente. Em ousada ação simbólica,
        retomaram uma das fazendas que se havia constituído em suas terras e
        nela se instalaram, iniciando uma luta que já dura 20 anos e causou
        muitas mortes. Ao primeiro grupo foram se juntando outros, novas famílias
        que se reconheciam e eram reconhecidas como pataxó hãhãhãe e, em júbilo,
        lembravam os antepassados comuns e reafirmavam sua condição de índios,
        de povo, de coletivo. O Estado e a elite local negavam, e negam até
        hoje, essa condição, o que os obrigou a ingressar na Justiça pelo
        reconhecimento dos direitos. Há várias questões judiciais postas
        sobre os direitos indígenas na região. A mais importante, que define o
        caráter indígena de toda a área, está tão bem montada e provada que
        tecnicamente é impossível ser desfavorável aos Pataxó Hãhãhãe.
        Atualmente aguarda um desfecho na Suprema Corte. Enquanto isso, com ações
        tão espetaculares como eficientes, o povo vai reconquistando seu antigo
        território. Depois da retomada da primeira fazenda, em 1982, várias já
        passaram pelo mesmo processo, tendo os índios obtido, na prática, algo
        em torno de 5 mil hectares do total que lhes foi lhes foi atribuído na
        década de 30 (Povos Indígenas, 1996 e 2000) Em 1988, com a promulgação da Constituição,
        os direitos destes índios ganharam um novo alento, mas a lentidão do
        processo continuou. Em 1997, o assassinato do Hãhãhãe Galdino dos
        Santos em Brasília, confundido com um mendigo e incendiado por
        brincadeira macabra de filhos da elite local, deu uma inesperada
        visibilidade à questão cujos direitos há quase dez anos haviam sido
        reconhecidos pela Constituição mas não ainda implementados. Em 1999
        os Pataxó Hãhãhãe sofrem nova violência quando são reprimidos pela
        Polícia Militar do Estado da Bahia. Dois policiais morreram em uma
        operação não explicada e os índios foram acusados como autores das
        mortes. Durante o processo nada se provou, mas ficou a impressão de que
        os policiais haviam sido mortos pelos próprios companheiros. A mobilização dos Pataxó Hãhãhãe se
        concentra em duas frentes: a jurídica no Supremo Tribunal Federal para
        o reconhecimento de toda a terra e a fática, reocupando fazendas e
        reagrupando ainda mais o povo. O povo deixou a invisibilidade, é hoje
        reconhecido e presente, ainda que tenha uma larga caminhada pela frente
        até que todos os seus direitos sejam reconhecidos. A história Hãhãhãe se parece muito
        com a de outros povos que conseguiram sobreviver no nordeste.
        Desconsiderados pelo Estado, continuaram a existir, mutilados em sua língua,
        machucados em sua dignidade, e não poucas vezes dispersos, recrutados
        como indivíduos integrados à sociedade envolvente. Como os Hãhãhãe,
        muitos outros povos do nordeste, se reagruparam e reconquistaram
        pequenos espaços territoriais. Com o advento da Constituição de 1988
        passaram a ancorar suas reivindicações nos direitos coletivos por ela
        garantidos.     5. OS EQUÍVOCOS DA POLÍTCA DE CONTATO
        NA AMAZÔNIA   Em nenhum dos três exemplos acima o
        Estado organizou expedições para contatar os povos antes da chegada da
        fronteira agrícola. Ao contrário, as expedições de cunho científico,
        ou os estudos oficiais posteriores, nada puderam fazer frente ao choque
        violento, desorganizado e arrasador feito pelas companhias
        colonizadoras. Algumas vezes, porém, especialmente na
        Amazônia, o Estado brasileiro buscou proteger povos em determinadas
        circunstâncias, favorecendo o alargamento das fronteiras agrícolas e
        os concentrando em determinados lugares, como o Parque Nacional Indígena
        do Xingú, ainda que ali não fosse o seu território original. Outras
        vezes o Estado se viu obrigado a manter os povos no seu território
        tradicional, mas à guisa de protegê-los, interferiu fortemente em sua
        cultura, gerando situações novas para as quais não estava, nem está,
        preparado para resolver. Pode-se dizer, então, que enquanto fora
        da Amazônia o Estado brasileiro desconsiderou os povos indígenas em
        suas políticas públicas, sem qualquer preocupação com a destruição
        étnica ocorrida, na Amazônia houve uma preocupação em contatá-los.
        Este contato precedia a chegada da expansão da fronteira agrícola,
        depois dela invariavelmente chegava uma estrada, grandes construções,
        aventureiros procurando ouro e pedras preciosas, mercadores e retirantes
        de outras terras em busca de fortuna ou simplesmente de um lugar para
        acomodar seus sonhos. As frentes de contato, como eram chamadas, não
        tinham uma proposta do que fazer depois de contatados, salvo a idéia
        genérica que, vinha desde a colônia, de oferecer aos índios as doces
        leis do império, isto é, a integração na comunhão nacional. Como não havia nenhuma proposta, e ainda
        não há, para os contatados, algumas iniciativas ganharam especial
        relevância como a criação do Parque Indígena do Xingú onde os
        contatados pudessem manter suas tradições. Daí que a política de
        transferência de índios de seus territórios tradicionais para outras
        áreas passou a ser costume público. Aliás costume proibido pela
        legislação vigente que veda, desde 1973, a transferência de povos.
        Depois da Constituição de 1988 esta política mudou, já não há mais
        a procura e contato deliberado de novos povos, apesar de ainda existirem
        muitos povos desconhecidos na Amazônia. A Constituição de 1988 abriu a
        possibilidade dos povos que foram vítimas desta política desagregadora
        reclamarem seus direitos. É o caso do povo Panará que a seguir
        apresentaremos. Outros povos da Amazônia, que não foram transferidos,
        tiveram seus territórios reconhecidos, mas a falta de políticas públicas
        e a ação desordenada levaram a profundas alterações sociais, como é
        o caso das cidades indígena da Amazônia.   5.1. Capitulação e volta dos índios
        gigantes Os Panará tinham fama de ser grandes e
        implacáveis guerreiros. Era um povo temido em toda a região. Vivia na
        margem esquerda do rio que hoje leva o nome ocidental de Peixoto de
        Azevedo. Um pouco antes do ano de 1970, o mundo civilizado sabia que o
        rio tinha ouro na foz e pedras preciosas na cabeceira, mas sabia também
        que para explorá-lo precisava remover a resistência panará. Ao não
        saber sequer o nome do povo, foi lhe atribuído nomes estranhos, tirados
        de outras línguas da região e fruto de relatos de seus inimigos
        tradicionais: krenacarore, kranhacãrore, keen akarore, ou simplesmente
        índios gigantes, já que um dos primeiros a ser capturado media 2,06m.
        (Panará, 1998) O Governo brasileiro, armado de um
        discurso desenvolvimentista, resolveu abrir uma estrada que ligaria
        Cuiabá a Santarém, cruzando de sul a norte o leste amazônico e
        cortando ao meio o território panará. As máquinas, e atrás delas os
        aventureiros, pioneiros, testas de ferro, representantes e negociantes,
        chegaram até bem próximo ao território, às margens do rio Peixoto de
        Azevedo. Do outro lado, os temidos índios gigantes. Para convencer os índios a não
        hostilizar a passagem da estrada e, naturalmente, dos ocupantes que
        viessem a seguir, foi organizada uma expedição chefiada pelos irmãos
        Villas-Bôas. Depois de cinco anos de intenso trabalho, algumas mortes e
        muitas histórias, os índios gigantes foram "amansados" e
        permitiram que a estrada passasse e por ela chegassem os exploradores de
        madeira, ouro e pedras preciosas, gripe, sarampo, diarréia e fome.
        Contam os sobreviventes que não tinham força sequer para enterrar os
        mortos que iam ficando pelo caminho, quanto mais para caçar ou fazer
        uma roça; passaram a viver da esmola dos passantes. Em pouco tempo os índios gigantes não
        eram mais do que uma pálida caricatura do altivo povo que apareceu em
        fotos de primeira página da imprensa nacional pela primeira vez em
        1973, 10 de fevereiro. Os números são aterradores: de uma população
        estimada entre 300 e 600 indivíduos antes do contato da expedição
        Villas Bôas, quando foram transferidos de suas terras em 1975 eram
        apenas 79. Moribundos, feridos em sua dignidade de
        povo, humilhados e mendigando uma côdea de pão, foram transferidos de
        seu fértil território para uma aldeia no centro do Parque Indígena do
        Xingu (Povos Indígenas, 1996 e 2000). Por ironia ou crueldade histórica,
        a aldeia emprestada para sua nova morada pertencia a um grupo de
        tradicional inimizade, os caiapó, com quem outrora mantiveram limites
        de respeito à custa de guerras e trocas de mútua agressão. Os panará
        viveram humilhados na casa dos inimigos durante vinte anos, alimentando
        a esperança de um dia voltar ao seu território, reconquistar a terra,
        a casa e o convívio com os animais, plantas e rios conhecidos. Vinte anos depois, em 1995, o povo Panará
        iniciou a luta concreta pelo retorno à casa. Animados com algumas vitórias
        de outros povos que haviam sido alojados no Xingu e alguns, como os do
        nordeste, que tinham esperança de recuperar antigos territórios, os
        Panará empreenderam uma viagem a sua antiga região e encontraram ainda
        preservado um quinto de seu território original. Organizados e com apoio de ONGs como o
        Instituto Socioambiental (ISA), ingressaram na Justiça contra o Estado
        brasileiro e contra a Funai - Fundação Nacional do Índio - com duas ações
        diferentes, a primeira reivindicando a terra e outra indenização pelos
        danos causados. Na primeira ação houve um acordo e o
        Estado reconheceu os direitos sobre a parte ainda preservada do território
        original, porque o restante já estava ocupado, inclusive por cidades. A
        Segunda ação, também proposta com o apoio do Instituto Socioambiental
        (ISA), reclamava indenização do Estado Brasileiro e de seu órgão
        indigenista pelos maus tratos no momento do contato. O Tribunal
        reconheceu o caráter criminoso e ilegal do contato e da remoção dos
        índios para o Parque Indígena do Xingu, e determinou o pagamento de um
        valor monetário aos índios sobreviventes. A decisão ainda não foi
        cumprida por questões formais, mas já está julgada e deve ser
        cumprida em curto prazo. Esta decisão mostra uma mudança no
        comportamento do Judiciário, porque a ação foi proposta fundada nos
        direitos coletivos estabelecidos na Constituição de 1988, embora os
        atos tenham sido praticados antes dela.   5.2. Aldeias virando cidades: uma nova
        ameaça aos direitos indígenas Quando a chegada da fronteira agrícola não
        exigia o extermínio ou deslocamento, os povos se mantinham mais ou
        menos íntegros em seus territórios que foram, por ações judiciais ou
        por cumprimento direto da Constituição, demarcados. É o caso de
        muitos povos da Amazônia, entre eles o povo Ticuna. Embora tenham
        ingressado com ação judicial para ter seus territórios reconhecidos,
        os Ticuna não tiveram dificuldade de vê-los demarcados pelo Governo
        brasileiro. Suas terras foram demarcadas em meados da década de 90,
        isto é, com a Constituição em pleno vigor e com a política
        indigenista já alterada, com os direitos coletivos respeitados. O povo Ticuna é um dos mais populosos
        dentre os povos indígenas amazônicos e habita um vasto território que
        incluiu a triple divisa Brasil, Colômbia e Peru. Nunca houve um avanço
        muito grande da fronteira agrícola para aquela região, embora a navegação
        seja aberta a grandes embarcações, tendo em vista o porte do Rio Solimões.
        Apesar disso, Foi necessário que os Ticuna ingressassem em Juízo para
        ver reconhecidas suas principais terras. Os territórios são extensos, mas o órgão
        indigenista e as missões religiosas concentraram seus trabalhos,
        criando infra-estrutura de atendimento, em pequenas aldeias na margem do
        grande rio. No decorrer dos últimos anos começou a haver uma concentração
        demográfica sem precedentes naquelas pequenas aldeias portuárias. A concentração, entretanto, não se deu
        pela chegada de colonos ou estranhos, mas pela vontade do próprio povo
        de se juntar onde fosse mais fácil receber os benefícios do contato. Tão
        assustadoramente cresceram essas aldeias que atingiram mil, dois mil e
        até quatro mil habitantes. De fato, a chamada Belém do Solimões é
        uma verdadeira cidade, com quatro mil pessoas vivendo em ruas mal-traçadas,
        sem a mínima infra-estrutura urbana, sem saneamento, calçamento, água
        e outros serviços. As cidades ticunas são bastante visível
        porque estão à margem do grande rio navegável, mas não é este fato
        que determina o fenômeno. A urbanização indígena na Amazônia começa
        a se espalhar atingindo regiões muito distante e quase inacessíveis. Na região do alto Rio Negro, próxima a
        divisa do Brasil e Colômbia, Iauareté é uma cidade de dois mil
        habitantes, sem infra-estrutura e com uma população multi-étnica (Andrello,
        s.d.). Esta cidade cresceu tanto que alguns pequenos comerciantes se
        instalaram nela, imediatamente após a demarcação da área (1998), os
        índios expulsaram os brancos e passaram a ter controle sobre ela. Na região de Raposa Serra do Sol,
        fronteira com a Venezuela e Guianas, pelo menos mais duas cidades indígenas
        crescem e enfrentam problemas muito sérios. Nestas cidades há população
        não-indígena local, ainda que pouca, e o governo do Estado de Roraima
        transformou um delas em sede de Município. O território indígena onde
        se localizam estas cidades não está demarcado e os políticos,
        anti-indígenas, locais lutam para que não haja a demarcação usando
        como argumento, exatamente, a existência das cidades. Todos estes povos ainda vivem de forma
        tradicional, com pouquíssimos bens de consumo, mas com impensados
        problemas urbanos. A legislação brasileira não oferece solução, não
        existe uma proposta de organização política, nem de representação,
        nem mesmo de coleta de impostos. Estas são situações novas, para as
        quais as populações indígenas locais buscam uma saída. É
        interessante observar que a discussão na Raposa Serra do Sol, onde o
        território ainda não é demarcado, há uma corrente que defende a
        manutenção da organização estatal existente com a exclusão dos usos
        não indígenas. Todos os exemplos citados neste e no
        anterior capítulo dão apenas uma pálida mostra da diversidade
        cultural brasileira, com seus mais de duzentos povos diferentes e mais
        de 170 línguas faladas, mas é suficiente para abrir uma reflexão sócio-jurídica
        dos encontros e desencontros do Estado Nacional, da soberania, cidadania
        e relações internacionais, inclusive das conseqüências da globalização
        nessas parcelas do mundo que insistem em ser locais.   6. OS NOVOS DIREITOS NA AMÉRICA LATINA.   Os Estados Nacionais latino-americanos e
        sua história pendular, que alterna períodos de ditaduras com
        democracia formal, são muito parecidos entre si. O colonialismo português
        e o espanhol tiveram traços comuns de tempo e violência. O momento
        histórico das guerras de independência também foram mais ou menos
        sincronizados e os personagens se parecem, assim como se frustraram as
        mesmas esperanças. A relação destes Estados constituídos no começo
        do século XIX com os povos originários em seus territórios também são
        similares, herdaram um passado colonial comum, usaram os povos nas
        guerras de independência, acreditaram que poderiam integrá-los como
        cidadãos garantindo-lhes direitos individuais, inclusive de propriedade
        da terra, desconsiderando seus usos, costumes, tradições, línguas,
        crenças e territorialidade; quando em conflito, enfrentaram-nos em
        guerras sórdidas ou repressão direta. Os direitos dos povos indígenas,
        por serem coletivos, foram omitidos das legislações escritas. Durante a guerra fria, grande parte dos
        Estados da América Latina se convertem em ditaduras militares para
        reprimir os movimentos populares. Assim, as décadas de 60 e 70 se
        caracterizam por Estados Militares, e a questão indígena passou a ser,
        também, uma questão militar. Na década de 80 abriu-se um longo
        processo de distensão, marcado por discussões e que levou os países a
        reescreverem suas Constituições Políticas. As organizações indígenas
        e a sociedade civil participaram do processo de discussão das novas
        constituições, defendendo direitos coletivos, reconhecidamente
        fundados na diversidade cultural de cada país. A ameaça da hecatombe
        ambiental promoveu o reencontro dos povos com suas localidades, e grupos
        organizados de ambientalistas se aliaram às organizações indígenas e
        indigenistas nas reivindicações coletivas. As novas Constituições
        foram surgindo com um forte caráter pluricultural, multi-étnico e
        preservador da biodiversidade. Ao lado do individualismo homogeinizador,
        reconheceu-se um pluralismo repleto de diversidade social, cultural e
        natural, numa perspectiva que se pode chamar de socioambiental. Cada Constituição estabeleceu, assim,
        direitos coletivos ao lado dos absolutos e excludentes direitos
        individuais. As populações locais discutiram o alcance desse novo fenômeno
        que viria a se contradizer com a crescente visão hegemônica do
        capitalismo pós muro de Berlim, que propunha o fim das vontades e
        culturas locais. Mais uma vez os Estados Nacionais
        latino-americanos reafirmaram suas semelhanças. Os sistemas jurídicos
        constitucionais, antes fechados ao reconhecimento da pluriculturalidade
        e muti-etnicidade, foram reconhecendo, um a um, que os países do
        continente têm uma variada formação étnica e cultural, e que cada
        grupo humano que esteja organizado segundo sua cultura e viva segundo a
        sua tradição em conformidade com a natureza da qual participam, têm
        direito à opção de seu próprio desenvolvimento. Estes novos direitos têm como principal
        característica o fato de sua titularidade não ser individualizada. Não
        são fruto de uma relação jurídica, mas apenas uma garantia genérica,
        que deve ser cumprida e que, no seu cumprimento, acaba por condicionar o
        exercício dos direitos individuais. Isto quer dizer que os direitos
        coletivos não nascem de uma relação jurídica determinada, mas de uma
        realidade, como pertencer a um povo ou formar um grupo que necessita ou
        deseja ar puro, água, florestas e marcos culturais preservados, ou
        ainda de garantias para viver em sociedade, como trabalho, moradia e
        certeza da qualidade dos bens adquiridos. Esta característica os afasta do
        conceito de direito individual concebido em sua integridade na cultura
        contratualista ou constitucionalista do século XIX, porque é um
        direito sem sujeito. Ou dito de maneira que parece ainda mais confusa
        para o pensamento individualista, é um direito onde todos são
        sujeitos. Se todos são sujeitos do mesmo direito, todos tem dele
        disponibilidade, mas ao mesmo tempo ninguém pode dele dispor,
        contrariando-o, porque a disposição de um seria a violação do
        direito de todos os outros. Se fizermos uma revisão de cada uma das
        constituições reescritas desde a década de 80, veremos que são muito
        parecidas, embora possam usar terminologias diferentes. A paraguaia, por
        exemplo, além de reconhecer a existência dos povos indígenas, se
        declara como um país pluricultural e bilingüe, considerando as demais
        línguas patrimônio cultural da Nação (Paraguai, 1992, art. 140); a
        colombiana estabelece que "El Estado colombiano reconoce y protege
        la diversidad étnica y cultural de la Nación colombiana" (Colômbia,
        1991, art. 7.). Como um sinal dos tempos, as novas
        Constituições americanas foram reconhecendo a sociodiversidade. O México
        (1992) assume que tem uma "composição pluricultural"; o Peru
        em sua Constituição outorgada de 1993 não vai tão longe e apenas
        admite como línguas oficiais ao lado do castelhano o quechua, o aimara
        e outras línguas "aborígenes"; finalmente em 1995, a Bolívia,
        com sua fulgurante maioria indígena, admite romper a tradição de silêncio
        integracionista e se define como multi-étnica e pluricultural, e a
        Argentina determina a seu Congresso reconhecer a preexistência de povos
        indígenas. Outras, embora não usem a palavra
        diversidade ou pluralismo, definem os direitos dos povos indígenas e os
        protege, como a brasileira (1988) e a nicaragüense (1987). Este mesmo reconhecimento aparece nos
        acordos internacionais, como o Convênio 169, da Organização
        Internacional do Trabalho (OIT), adotada em 26 de junho de 1989. Tanto a
        ONU como a Organização dos Estados Americanos (OEA) têm discutidos
        declarações com este mesmo sentido. Esta concordância não significa
        que os países latino-americanos têm aceitado as normas internacionais,
        o que demonstra a insinceridade das elites locais que sempre imaginam
        que suas Constituições podem deixar de ser aplicadas por falta de leis
        que as regulamentem, e por isso permitem a inclusão de avanços na
        Constituições para depois restringir sua regulamentação. Na
        realidade, a aceitação das normas internacionais, especialmente a
        Convenção 169, significaria a regulamentação de suas avançadas
        constituições, que podem ser apenas declarações de princípios
        inaplicáveis frente a interesses da economia global, como veremos a
        seguir. Esses direitos não são exclusivos de
        povos indígenas, porém. As constituições da Colômbia e do Brasil
        abrem brechas para o reconhecimento de direitos das comunidades negras
        tradicionais, e todas as que reconhecem direitos coletivos admitem,
        genericamente, que outras comunidades podem reivindicá-los. A quebra do
        paradigma individualista está constitucionalizada, e sua efetivação
        é a questão colocada às comunidades, movimentos e grupos locais.   7. A APLICAÇÃO DO DIREITO E SUAS
        DIFICULDADES.   Apesar de transcorrida uma década do
        reconhecimento desses direitos coletivos, não se pode dizer que os
        progressos em sua aplicação sejam notáveis. Os direitos territoriais
        indígenas nas regiões fora da fronteira agrícola, especialmente na
        Amazônia, passaram a ser reconhecidos com mais facilidade do que no período
        anterior, é verdade. O exemplo Panará é uma mostra disso. Apesar de
        terem tido que recorrer à Justiça, os Panará obtiveram o
        reconhecimento de direitos sobre o território donde anteriormente
        haviam sido retirados. Há outros exemplos, como a Área Indígena
        Yanomami e o território dos povos do Alto Rio Negro, entre muitos
        outros. Nas regiões onde há pressão política
        e interesses econômicos mais fortes o avanço não é tão
        significativo. Fator importante na aplicação das normas jurídicas
        protecionistas tem sido a visibilidade internacional dos povos indígenas.
        Quer dizer, aqueles povos que logram chamar atenção internacional para
        seus problemas locais têm obtido mais sucesso na efetivação de normas
        protecionistas. O Poder Judiciário tem tido um papel
        preponderante na aplicação desses novos direitos, mas tem mantido um
        posição conservadora na maior parte das vezes. As ferramentas jurídicas
        estão razoavelmente construídas na América Latina, e acrescidas dos
        instrumentos que servem a outros direitos coletivos reconhecidos
        genericamente à população, como o meio ambiente ecologicamente
        equilibrado, consumidores e patrimônio cultural. Apesar disso, são
        pequenos os ganhos das populações indígenas diretamente da Administração
        Pública. Em geral têm sido necessário ingressar em Juízo para obtê-los,
        como no caso Panará. Isto limita a atuação dos povos indígenas que
        precisam criar organizações segundo os parâmetros ocidentais -não
        tradicionais- para conseguir o reconhecimento de seus direitos, mesmo na
        Amazônia. Fora da Amazônia a situação é ainda
        mais difícil. Alguns povos do nordeste tiveram o reconhecimento de
        existência, isto é, passaram a ser tratados como povos indígenas,
        status que tinham perdido frente ao Estado Nacional pela sua aparente
        integração à população regional. Ao reconhecer a sua existência o
        Estado lhes atribuiu um pequeno e insuficiente território, que não
        basta para o desfrute cultural e nem mesmo para a sobrevivência. A
        ampliação do direito, porém, abriu novas possibilidades. A ação
        judicial que travam os Pataxó Hãhãhãe, que está para ser decidida
        no Supremo Tribunal Federal, ganhou novo fôlego, mas continua em trâmite
        exageradamente lento. Do ponto de vista técnico, é impossível que os
        Pataxó Hãhãhãe não venham a ter um resultado positivo, a questão
        é quando; vivem em uma região de forte enfrentamento político e têm
        inimigos poderosos entre a elite local. O Supremo Tribunal Federal já julgou,
        depois da Constituição de 1988, outras ações com as características
        da questão Pataxó Hãhãhãe. Uma delas, a ação Krenak, no Vale do
        Rio Doce, em Minas, ganhou notabilidade histórica ao devolver terras
        indígenas que haviam sido distribuídas a colonos na década de 50, com
        as mesmas características da Pataxó Hãhãhãe, ao povo Krenak. Falta
        apenas vontade política à mais alta Corte do país para tomar a decisão
        e enfrentar a situação política regional. É verdade que no Vale do
        Rio Doce os interesses eram de pequenos sitiantes, que no máximo
        influenciavam os governos municipais locais enquanto entre os Pataxó Hãhãhãe,
        na Bahia, a região cacaueira é influenciada pelo poder político de
        influência nacional. Além da conjuntura política, as
        disputas judiciais por terra no Brasil continuam fortemente
        influenciadas pelos direitos individuais estruturados no século XIX,
        que têm uma opção preferencial pela propriedade individual da terra.
        O caráter individualista e absoluto da propriedade da terra têm sido o
        traço distintivo do direito ocidental e a matriz do direito civil
        latino-americano. Os povos deste continente tentaram no século XX fazer
        leis que pudessem promover a alteração desse caráter absoluto, desde
        a primorosa Constituição Mexicana de 1917, passando por diversas leis
        de reforma agrária, inclusive a forte lei boliviana de 1952, até a
        experiência chilena de Salvador Allende, na década de 70, cujo fim trágico
        e violento estarreceu a América. Com exceção de Cuba, nenhum outro país
        pôde seriamente colocar em questão a propriedade da terra. As leis
        oriundas da revolução boliviana de 1952 e leis colombianas e
        venezuelanas posteriores puderam oferecer interpretações teóricas que
        chegaram a estruturar uma concepção nova de propriedade da terra,
        marcada pela idéia de sua função social. Entretanto, mesmo esta
        concepção acabou por ser absorvida pelas elites a tal ponto de
        identificar a função social com a produtividade capitalista, quer
        dizer, considerar que cumpria a função social toda a terra que
        oferecesse renda pela produção. Nesta idéia fica de fora a função
        social propriamente dita, quer dizer, o seu papel integrador de culturas
        e protetor do meio ambiente ecologicamente equilibrado, garantidor da
        vida no planeta. Com o advento dos direitos coletivos,
        passou a ficar cada vez mais claro que a terra tem que cumprir esse
        papel social, ou socioambiental, de protetor do meio ambiente e das
        culturas a ele associadas. Mas a exclusividade no domínio de um território
        é o marco da cultura jurídica latino-americana, seja do ponto de vista
        do direito público, seja do ponto de vista do direito privado, aquele
        disputando soberanias absolutas e detalhadamente demarcadas, inclusive
        em regiões desconhecidas, este transformando toda terra em lotes
        privados. Por isso, apesar das mudanças legais trazidas pelas Constituições,
        ainda é muito difícil que os juízes interpretem as leis contra
        interesses da propriedade privada. Esta posição dos juízes explica a
        maior facilidade de decisões favoráveis aos índios nas áreas sem
        predominância da propriedade privada instituída, como a Amazônia.
        Dentro das fronteiras agrícolas a cultura privatista já está
        estabelecida, gerando maior dificuldade. As organizações indígenas e
        os povos enfrentam interpretações restritivas a seu direito. A questão
        é colocada de tal forma que na Amazônia, na maior parte das vezes, o
        conflito se dá entre populações tradicionais, com direitos coletivos
        garantidos, e invasores, aventureiros, traficantes, garimpeiros e outras
        pessoas sem qualquer direito; dentro da fronteira agrícola, porém, o
        confronto se estabelece, em geral, entre as populações tradicionais
        que foram usurpadas de seus direitos pelos Estados e as pessoas que
        receberam essas mesmas glebas, como terras devolutas. Assim, o confronto
        se dá entre populações tradicionais e proprietários individuais,
        considerados pelo sistema como legítimos. Aliás, este conflito está presente na
        raiz do novo decreto que regula o procedimento administrativo para a
        demarcação das terras indígenas, porque o Governo Federal determinou
        que, ao se reconhecer determinada terra como indígena, há de se
        chamar, por edital, todos os interessados para saber se existe ou não
        direito individual sobre ela. A reinterpretação dada pelo Governo
        Federal veio a dificultar o processo de demarcação e, inclusive, pôr
        em dúvida todas as demarcações anteriores. A edição do decreto foi
        uma vitória dos interesses proprietários anti-indígenas, mas a
        mobilização dos índios, suas organizações e organizações de apoio
        fez com que os resultados práticos contra os índios não se dessem no
        volume temido. Talvez o exemplo mais claro da
        dificuldade de serem regulamentados os direitos coletivos estabelecidos
        na Constituição seja a história da Lei geral sobre os povos indígenas
        no Brasil. O antigo Estatuto do Índio, de 1973, ainda em vigor, tem um
        nítido corte individualista, integracionista e juridicamente civilista,
        por isso mesmo atribui às instituições jurídicas de proteção um
        caráter provisório, isto é, até que os índios individualmente
        passem à categoria de integrados à comunhão nacional, como cidadãos
        sem qualquer outra qualificação ou diferenciação étnica, isto é,
        deixem de ser índios. Desde a promulgação da Constituição
        as organizações indígenas e seus aliados começaram a se mobilizar no
        sentido de reescrever a Lei geral, que deveria se chamar Estatuto dos
        Povos Indígenas, com conteúdo de direitos coletivos. Muitas versões
        foram escritas e muitas discussões realizadas. Uma versão de consenso
        foi aprovada em Comissão do Congresso Nacional, mas por ordem direta do
        Presidente da República, eleito para o primeiro mandato, Fernando
        Henrique Cardoso, foi tirada de pauta antes que ele tomasse posse, em
        dezembro de 1994. Desde então, por um estranho e não confessado
        interesse governamental, o Estatuto ficou numa espécie de
        "geladeira" legislativa. Havia alguns pontos polêmicos, como o
        uso dos recursos naturais das florestas, a mineração e a proteção
        dos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade. Entretanto
        não parece ter sido estes pontos que estão a dificultar a aprovação
        ou a tramitação do projeto. Somente em 1999 foi retomada a discussão
        legislativa do Estatuto, e ficou claro que o principal entrave para sua
        aprovação, por parte do Governo, era a velha e superada questão
        integracionista. O Governo queria manter a provisoriedade das culturas
        indígenas, mantinha uma posição conservadora, anterior à Constituição
        de 1988. Os assessores diretos do Presidente da República defendiam a
        concepção individualista da integração pessoal e a perda da
        identidade indígena, concepção seguramente anterior ao próprio
        Estatuto de 1973. Teve que haver a interferência direta do
        Presidente da República e uma reunião com as principais lideranças
        indígenas do país, em abril do ano 2000, para que a assessoria cedesse
        e permitisse a retomada do processo legislativo para a elaboração de
        um Estatuto que desse aplicabilidade e eficácia plena às normas
        constitucionais. Este fato demonstra a extrema dificuldade
        de aplicação dos atuais princípios em que se baseia a nova relação
        entre os povos indígenas e o Estado brasileiro. Os setores
        conservadores mantêm a firme idéia de que os índios são um percalço
        no processo de desenvolvimento, e usam todo o poder para diminuir,
        restringir ou limitar a possibilidade não só de demarcação das
        terras, mas de uso delas segundo os usos, costumes e tradições de cada
        povo. Compondo com os setores conservadores estão os militares e os
        interesses econômicos regionais, que muitas vezes encontram guarida em
        Juízes, Tribunais e altos funcionários do Governo, como aquele grupo
        de assessores do Presidente da República. Por outro lado, tem ganhado força entre
        os povos indígenas este direito de ser reconhecido como povo. Tem-se
        visto nestes anos de Constituição grandes mobilizações de povos e de
        grupos de povos na busca da aplicação dos direitos coletivos. Aos
        exemplos já citados, entre eles o dos Panará, se somam muitos outros,
        como o das organizações indígenas dos povos amazônicos, dos povos do
        nordeste, dos guaranis, etc. As atuais organizações e movimentos
        reivindicatórios indígenas têm uma diferença muito grande com os
        anteriores a 1988. É que o atuais movimentos reivindicam direitos que
        podem ser compreendidos pelo sistema, já que sempre propugnaram por
        direitos coletivos. Antes da Constituição eram pedidos utópicos,
        sonhos que ganhavam o status de reivindicações. Estes sonhos entraram
        no Direito, passaram a fazer parte do que os juristas chamam de catálogo
        dos direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição e podem, a
        partir de então, ser reivindicados não mais como esperança política,
        mas concretização jurídica, que sem deixar as ruas ganham os átrios
        dos Tribunais, e devem ser reconhecidos pela Administração Pública,
        mas quando não o são, podem ser garantidos em decisões judiciais.
        Isso fez com que o movimento indígena e também o popular, ganhasse
        mais uma nova e importante dimensão, a jurídica.   8. A TERRITORIALIDADE COMPARTIDA   Os nomes que o Direito brasileiro, no
        decorrer dos tempos, deu aos territórios indígenas é revelador do
        conteúdo que se atribuía ao direito outorgado. Reserva era o nome
        utilizado pela Lei de Terras de 1850, Lei n° 601, e guardava a idéia
        de reservar um espaço territorial aos povos que fossem encontrados na
        colonização e distribuição chamada de ordenada das terras a quem
        tivesse capital para nelas investir. Nas terras reservadas os índios
        deveriam ficar até que aprendessem um trabalho "civilizado" e
        pudessem ser integrados à vida nacional. Embora reservados, os direitos
        eram provisórios, mas sempre ligados a um espaço territorial. A palavra "área" foi também
        usada, para finalmente chamar de "terra indígena". O nome
        território nunca foi usado e, ao contrário, foi intencionalmente
        negado. É claro que há uma não muito sutil diferença entre chamar de
        terra e território. Terra é o nome jurídico que se dá à propriedade
        individual, seja pública ou privada; território é onome jurídico que
        se dá a um espaço jurisdicional. Assim, o território é um espaço
        coletivo que pertence a um povo. A mesma ideologia que nega a existência
        de povo, como veremos adiante, nega o uso do termo território. Apesar disto, os direitos indígenas na
        América Latina sempre está ligado a um espaço territorial, receba o
        nome que seja. A idéia de uma reserva provisória
        enquanto os indivíduos aprendem um trabalho integrador, que na maior
        parte dos casos os transformaria em camponeses, está ultrapassada. O
        novo momento constitucional é marcado pelo reconhecimento de direitos
        coletivos, que incluem direito a um caminho próprio de desenvolvimento
        e a um território. O limite deste direito coletivo é a auto-determinação
        de transformar-se em Estado. O temor dos setores conservadores,
        especialmente dos militares, é que as lutas por direitos indígenas se
        transforme em lutas por libertação nacional ou lutas de independência,
        como se costuma dizer na América. Daí o verdadeiro terror em chamá-los
        de povos, usar a palavra território e a categoria auto-determinação. A Constituição Boliviana reconhece
        todos os direitos dos grupos indígenas como direitos de povos, mas não
        os chama assim. Garante que as autoridades naturais das comunidades indígenas
        podem exercer funções de administração e aplicação de normas próprias,
        inclusive na solução alternativa de conflitos, mas chama seus territórios
        de "tierras comunitarias de origen" (Bolívia, 1995, art.
        171). Aliás, no ano de 1994 foi promulgada a Lei de Participação
        Popular que tinha como objetivo "reconhecer, promover e consolidar
        o processo de participação popular, articulando as comunidades indígenas,
        camponesas e urbanas, na vida jurídica, política e econômica do país."
        Para isso estabelecia como base da participação popular, a fixação
        dos cidadãos a um espaço territorial determinado e, a partir dele, a
        organização política. A unidade de participação popular passaria a
        se chamar, assim, OTB - Organização Territorial de Base. A busca pela participação, pelo
        reconhecimento de direitos coletivos, é comum a praticamente todos os
        Estados latino-americanos, que têm reinventado o sistema jurídico para
        reconhecer estas garantias coletivas e possibilitar novas perspectivas
        de vida local. Entretanto, o local, na lei latino-americana, está
        sempre vinculado a um espaço territorial. Os povos e os direitos que
        extrapolam um espaço territorial determinado ficaram fora do sistema. O
        reconhecimento de direitos coletivos dos povos indígenas fica, assim,
        limitado a um território e se faz necessário, para o sistema, localizá-lo
        em um território. Exatamente essa relação de direitos
        coletivos com um território está na raiz dos limitados direitos das
        populações de origem africana, que tanto no Brasil como na Colômbia têm
        direitos reconhecidos em espaços demarcados, como remanescentes de
        antigas comunidades que viviam escondidas do sistema escravista. Este
        direito nã se estende aos demais descendentes. Na proteção dos direitos coletivos
        ambientais, também recentemente criados, a territorialidade tem a mesma
        importância. O sistema jurídico passou a proteger espaços
        territoriais que pode chamar de unidades de conservação. Os espaços
        territoriais são definidos pela função que exercem ou podem exercer,
        como as matas ciliares, ou porque são remanescentes de biotas
        preservadas. As áreas preservadas em geral são terras por qualquer razão
        inacessíveis ou ainda fora da fronteira agrícola. Entre as causas da
        inacessibilidade está a presença de povos indígenas que lutam pela
        sua posse, como é o exemplo de largos trechos da Amazônia. Assim, quando o povo e seus direitos estão
        circunscritos a um território, apesar das dificuldades já expostas,
        tem sido possível reconhecê-los e garanti-los. Uma grande dificuldade
        surge quando não há essa circunscrição territorial, como no caso dos
        ciganos, ou a circunscrição não é clara, como no caso dos Guarani. De fato, há povos que sempre entenderam
        a possibilidade de seu território ser partilhado por outros povos,
        convivendo num mesmo espaço, com mútuo respeito, culturas diferentes.
        Muitas terras indígenas demarcadas abrigam mais de um povo, como a
        Terra Indígena do Alto Rio Negro, com suas vinte etnias diferentes. O
        problema de compatilhar o território é exclusivamente dos povos que o
        habitam, desde que esteja demarcado e reconhecido pelo respectivo Estado
        Nacional (Povos Indígenas, 2000: 243). Não é mesma coisa com o território
        Guarani, como já se viu. Outros povos, como os kaingang e os xokleng,
        viviam no espaço que os guarani consideravam ser seu. Por isso não foi
        muito grave que os brancos também chegassem e ocupassem parte dessas
        terras. A diferença é que os brancos não só ocuparam, mas alteraram
        em profundidade a biota, trocando a natureza, isto é, substituindo as
        plantas e os animais, alterando os acidentes geográficos, derrubando
        florestas, cortando morros, construindo lagos, secando mangues. Os guaranis, que pelo seu direito
        compartiam territórios, começaram a se sentir cada vez mais expulsos
        de sua própria terra porque já não podiam reconhecer os locais onde
        se manifestavam os espíritos dos antepassados e recebiam os conselhos e
        punições dos deuses. A terra já não era a mesma e com seu
        desaparecimento já não tinha sentido compartir o território. Os
        guaranis, viajantes do tempo e do espaço, buscam o direito de continuar
        vivendo onde seu território existe com flora, fauna e acidentes que
        conhecem e cuja linguagem podem entender e se fazer entender. Esses
        lugares, entretanto, são os mesmos que a civilização ou o direito
        atual considera bens de direito coletivo, bens de todos, guarda e mostra
        do meio ambiente ecologicamente equilibrado. E aí, dizem os intérpretes,
        não se aceitam seres humanos; as unidades de conservação, ou os espaços
        que sobraram da devastação, devem ficar incólumes. Dois direitos coletivos, aqui, se
        conflitam. Mas é um falso conflito, porque ambos buscam guardar,
        preservar um território contra a devastação da propriedade privada,
        do direito individual da acumulação dos bens, inclusive florestais. É
        falso conflito porque os índios não guardam apenas a floresta, mas o
        conhecimento a ela associado, inclusive os segredos de seu renascimento.
        Os guarani conhecem cada planta e suas associações com animais e solos
        e, ao ser reforçado este e aquele direito coletivo, confrontado com os
        direitos individuais e suas estranhas patentes, é possível sonhar que
        um outro Direito pode ser inventado, que da aridez do velho direito
        individual pode nascer uma rosa. Ao se admitir direitos coletivos de
        povos, surge no horizonte a possibilidade de reivindicar direitos que não
        são territoriais, embora as vezes apareçam ligados a um espaço de
        terra, como o dos guarani. Exemplo típico é o da parcela de povo
        pankararu, originário do nordeste brasileiro, mas que imigrou para o
        sudeste, acabando por viver em favelas de São Paulo. A reivindicação
        desta parcela não é voltar para seu território tradicional, onde vive
        a maioria de seus parentes, mas conseguir um espaço cultural rural em São
        Paulo, onde possam cultivar plantas sagradas e praticar seus rituais
        longe de olhos curiosos de vizinhos amedrontados e não raras vezes
        violentos. Outros povos que jamais reivindicaram
        território exclusivo, mas que começam a reclamar direitos, na medida
        em que vislumbram a possibilidade de uma vida menos secreta, por que
        menos perigosa, é o cigano. Por outro lado, o problema não termina
        quando a terra é demarcada, ainda que em dimensão adequada ao povo que
        a habita, como ficou demonstrado na urbanização desordenada e não
        prevista da criação de cidades indígenas na Amazônia.   9. OS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS,
        CULTURAIS E AMBIENTAIS.   É claro que os direitos coletivos,
        especialmente dos povos indígenas, não se limitam à questão do
        território, ultrapassam-no e atingem o âmago do direito ao
        desenvolvimento, ou aos direitos humanos econômicos, sociais, culturais
        e ambientais. A diferença destes direitos daqueles estabelecidos nos
        pactos internacionais de direitos humanos está no caráter coletivo que
        estes adquirem e que por isso representam uma novidade para o sistema
        jurídico e potencializa sua função emancipatória. Tanto no Pacto Internacional de Direitos
        Econômicos, Sociais e Culturais, como no Pacto Internacional de
        Direitos Cívicos e Políticos, ambos de 16 de dezembro de 1966, a idéia
        é a garantia de direitos individuais. O artigo primeiro dos dois Pactos
        é idêntico e tratam dos direitos dos povos. Afirmam que os povos têm
        direito de dispor de si mesmo e determinar o seu estatuto político,
        promovendo livremente o seu desenvolvimento econômico, social e
        cultural. Neste sentido, ambos Pactos reconhecem aos povos o poder de
        dispor livremente de suas riquezas e recursos naturais, não podendo
        jamais ser privados de seus meios de subsistência. O conceito de povo para a ONU e para o
        direito internacional, que está empregado nos Pactos e outros
        documentos oficiais, se limita à base humana de um Estado Nacional, sem
        qualquer diferenciação interna. Povo, então, quer dizer a soma
        simples de todos os cidadãos individualmente tratados e que vivem sob
        um território nacional determinado, jurisdicionado por um Estado. A
        Constituição do Estado Nacional deve reconhecer direito a todos e a
        cada cidadão, por igual. Nesta perspectiva as minorias, os excluídos,
        as populações locais organicamente estruturadas, os esquecidos, os
        anteriores e os distantes que não participam da direção do Estado têm
        seus direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e
        ambientais, escolhidos pelo Estado, ou pela classe dirigente do Estado,
        e não por sua organização própria. Neste conceito de povo fica clara a
        armadilha da autodeterminação. Os povos têm a autodeterminação para
        se constituir em Estado, desde que não estejam sob a jurisdição de um
        Estado já constituído. Organizado o Estado, a autodeterminação, ou a
        livre disposição de si mesmo como povo, significa o seguimento das
        regras legais estabelecidas pelo próprio Estado. O reconhecimento do
        direito de autodeterminação dos povos, pelo direito internacional é,
        pois, o direito à autodeterminação dos Estados que garantam os
        direito individuais, entre eles o de propriedade. Portanto o conceito de povo dos Pactos não
        é o mesmo usado neste trabalho, nem está adequado aos povos indígenas.
        Aliás isto é claro para o Direito Internacional. A Organização
        Internacional do Trabalho produziu duas Convenções acerca dos povos
        indígenas, a Convenção 107, de 5 de julho de 1957 e, mais
        recentemente, a Convenção 169, de 27 de junho de 1989. O primeiro
        versava "sobre a proteção e integração das populações tribais
        e semitribais de países independentes" e adiantava o que viria
        disposto no Pacto dos Direitos Civis e Políticos quase dez anos depois,
        e que no artigo 27 proibia aos Estados negar às pessoas pertencentes a
        minorias étnicas, religiosas ou lingüísticas os direitos de convivência
        e uso comum da cultura, religião e idioma. O caráter destes direitos eram
        individuais, porque o chamado catálogo de direitos admitia apenas
        direitos individuais, qualquer idéia coletiva era entendida como
        metajurídica, isto é, era reivindicação política ou social, muitas
        vezes proibida, alcançando a categoria de antijurídica. A Convenção 169, ao contrário, em seu
        preâmbulo reconhece o desejo dos "povos indígenas e tribais ao
        controle de suas próprias instituições, formas de vida e de
        desenvolvimento econômico compatível com sua identidade cultural, lingüistica
        e religiosa", dentro dos marcos legais dos Estados em que vivem.
        Assim , estabelece que o Convênio se aplica aos "povos tribais em
        países independentes". (Gómez, 1991) A Convenção mudava o caráter do
        direito, considerando-o coletivo e os Estados Nacionais não admitiram
        que a palavra "povo", mesmo acrescida de tribais, fosse o
        designativo das populações indígenas. Para resolver o impasse, a
        Convenção estabeleceu que a palavra povo, quando empregada por ela, não
        tinha o significado que lhe dá o direito internacional. Com isso,
        imaginam os Estados que ficava afastada a interpretação de que os
        povos indígenas venham a ter direito a autodeterminação, isto é, à
        constituição de Estados próprios. Os povos indígenas latino-americanos,
        embora tenham participado das guerras de independência, nunca se
        propuseram a constituir Estados próprios; sempre lutaram por direitos
        próprios em território compartido e em respeito às formas de vida de
        cada um. Isto fica muito claro, hoje, no levante indígena de Chiapas, México,
        e nas lutas Mapuche no Chile, ambas com momento de duro enfrentamento
        aos Estados Nacionais, no caso de Chiapas inclusive com armas. Apesar
        disso, as elites locais temem que cada povo, ou alguns deles, lutem por
        uma independência local, enfraquecendo a soberania nacional. Ironicamente, o enfraquecimento das
        soberanias nacionais está se dando pela globalização, enquanto os
        povos locais precisam - exatamente na luta contra esta globalização
        que uma vez mais tenta integrá-los não mais como cidadãos, mas como
        consumidores ou fornecedores de conhecimento - de soberanias nacionais
        fortes que consigam garantir seus direitos coletivos de sobrevivência. Por isso as minorias, os excluídos, as
        populações locais organicamente estruturadas, os esquecidos, os
        anteriores, os distantes, os que não têm capital, precisam de um
        Estado forte que os proteja dos direitos individuais, dos proprietários,
        dos capitais e dos poderes globais. Precisam reinventar o Estado,
        retirando-lhe a lógica do capital, substituindo-a pela lógica dos
        povos. Curitiba, junho de 2001. Carlos Frederico Marés de
        Souza Filho   Bibliografia Andrello,
        Geraldo; Azevedo, Marta (s/d), Iauretê. Texto inédito. 
        Boletim
        Informativo da Fundação Cultural de Curitiba.
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        São Paulo: Instituto Socioambiental. 
        Quem
        são os xetá? Curitiba :
        Secretaria do Estado da Cultura/Museu Paranaense, 2000. 1 CD-ROM. Scorza,
        Manuel (s/d), Garabombo, o invisível. São Paulo: Círculo do
        Livro. Souza
        Filho, Carlos Frederico Marés de (1998), O renascer dos povos indígenas
        para o direito. Curitiba: Juruá.  
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