V.
Conclusões e Recomendações
81. Em 1996, na Cúpula
Mundial da Fome organizada pela FAO (Roma, 13-17 de novembro), Kevin
Watkins do OXFAM escreveu no jornal inglês O Guardião: “Livre comércio
nunca alimentará o mundo, pelo contrário.”
A intuição de Watkin foi muito substanciada desde então e as figuras
cotadas no parágrafo 3º acima estão aí para prová-la.
82. A Organização
das Nações Unidas é composta por Estados. Por causa da rápida
dispersão da globalização dos mercados e da emergência de poderosas
oligarquias transnacionais, o poder normativo dos Estados está se
degenerando em um passo crescente. A organização não-governamental Ação
contra Fome demonstrou de forma convincente a relação causal entre a
perda de influência dos Estados e a perda trágica das Nações Unidas
de meios financeiros, políticos e simbólicos.
As estratégias de quase todos os poderosos capitais multinacionais estão
debilitando os Estados mais e mais. Esta tendência, por vez, impede as
Nações Unidas de cumprir sua missão satisfatoriamente.
83. Jean-Jacques
Rousseau escreveu: “Na relação entre o fraco e o forte, é a
liberdade que oprime e a lei que liberta”.Quando o Estado perde
gradualmente seu poder normativo, o que resta para opor as forças
arbitrárias dos mercados globalizados? Apenas a sociedade civil.
84. Ação contra a
Fome (França) tem a opinião de que as ações não-governamentais
desinteressadas, que não estão expostas a grupos de pressão ou ao
risco de derrota eleitoral, são as únicas capazes atualmente a se
dedicar inteiramente à defesa dos princípios morais, e as únicas
capazes de agüentar a lei de mercado ou o desejo de poder, com um
objetivo em mente: fazer a voz das vítimas ouvida, defender seu direito
à vida, à segurança e ao reconhecimento. O Relator Especial
acredita que os movimentos sociais que constituem a sociedade civil
podem realizar a mesma função social.
85. Na Cúpula
Mundial para o Desenvolvimento Social (Junho de 2000) e novamente na Cúpula
do Milênio em Nova Iorque (Setembro de 2000), o Secretário Geral das
Nações Unidas corajosamente desenhou a conclusão que, de hoje em
diante, as Nações Unidas deveriam dar prioridade em seus esforços
cooperativos para os movimentos sociais e as organizações não-governamentais
que constituem a sociedade civil internacional.
86. O mandato do
Relator Especial segue o mesmo princípio, na medida em que ele foi
requerido “a estabelecer cooperação com ... organizações não-governamentais”
(resolução 2000/11, parágrafo 11 b). Seguindo as linhas de
direcionamento estratégicas estabelecidas pelo Secretário-Geral e em
conformidade com o mandato da Comissão, ele fará todo esforço para
cooperar de perto com os novos movimentos sociais e as principais
organizações não-governamentais que estão atualmente engajadas no
combate contra a ordem injusta do mundo.
87. O tempo não é
uma entidade abstrata. O tempo é vida humana. Agora mesmo, 826 milhões
de seres humanos estão sofrendo o martírio da fome. O Relator Especial
recomenda que a comunidade internacional adote três medidas prioritárias
para aliviar seu sofrimento imediatamente, isto é:
(a)
O Estado prover às famílias mais pobres com semente local e
terra para jardins de
vegetais familiares;
(b)
Refeições diárias
escolares a serem estendidas a todas as crianças carentes e vales-refeições
a serem introduzidos em escolas obrigatórias;
(c)
Alimentos básicos a serem
subsidiados pelo Estado e tiquetes de alimentos a serem emitidos para os
mais necessitados.
88. O Relator
Especial propõe cooperar de perto com a União Inter-Parlamentar,
particularmente, participando ativamente nos cursos de treinamento para
os oficiais dos seus 140 membros parlamentares (Presidentes, Chairpersons,
Secretários-Gerais, etc.), de forma a ajudar a promover uma legislação
nacional no direito à alimentação.
89. Ele também propõe
estabelecer relações de trabalho permanente com os principais órgãos,
programas e agências especializadas das Nações Unidas, de forma a
promover uma abordagem para projetos de cooperação, a qual está
baseada no direito à alimentação.
90. O Relator
Especial pede que a Comissão dos Direitos Humanos conceda-lhe os meios
financeiros para reunir um seminário internacional dos peritos, que
estaria encarregado de deixar a fundamentação científica e pedagógica
de um manual no direito à alimentação.
91. O Relator
Especial recomenda que a Comissão preste atenção especial ao
desenvolvimento normativo e institucional do direito à alimentação.
Seria particularmente desejável o esforço de guardar como relíquia os
princípios estabelecidos pelo Comentário Geral n.º 12 em padrões
legais obrigatórios ou em tratados internacionais.
92. O Relator
Especial recomenda que a Comissão confirme seu mandato para responder a
informações confiáveis acerca das violações ao direito à alimentação,
e, em particular, confirme que ele está habilitado a endereçar
respostas urgentes aos Governos responsáveis por sérias violações do
direito à alimentação.
93. O Relator
Especial recomenda que a Comissão torne claro que o termo
“alimento” engloba não apenas alimentos sólidos, mas também
aspectos nutricionais da água potável.
94. O Relator
Especial acredita que o direito à alimentação é de uma importância
teórica e prática tal para o desenvolvimento econômico, social e político
das populações e dos indivíduos que deveria ser assunto de debate de
uma Assembléia Geral.
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