Os
Terrorismo de Estados e as Doutrinas de Segurança Nacional Globalizadas
Cecília
Maria Bouças Coimbra*
Diante do
horror e da barbárie provocados pelos atos terroristas contra o povo
norte-americano, ocorridos no dia 11 de setembro último, deve-se,
lamentar, se solidarizar e se unir à dor dos familiares das vítimas.
Entretanto, não se pode aceitar a escalada terrorista a nível mundial,
encabeçada pelo governo dos Estados Unidos, que vem ferindo
profundamente os direitos dos cidadãos.
Não se pode esquecer que o governo norte-americano, desde há
muito, tem desenvolvido uma política externa belicista e de desrespeito
aos direitos humanos. Sua ação imperialista tem provocado um quadro de
imensa pobreza nos países do terceiro mundo.
Pode-se
evidenciar sua participação ativa, não só apoiando, como financiando
governos ditatoriais e terroristas, com medo de que o surgimento de
governos democráticos possam produzir regimes que sejam hostis a seus
interesses. Talvez por ironia, no dia 11 de setembro, dia do ataque
terrorista às torres gêmeas do Word Trade Center, em Nova York, e ao
Pentágono, em Washington, há 28 anos atrás, o Chile perdia sua
democracia em um golpe militar que o governo americano alimentou e
sustentou.
Ainda
estão presentes na memória de todos os bombardeios efetuados pelos
Estados Unidos à Hiroshima e Nagasaki, à Coréia do Norte, ao
Vietnã, Bagdá e Belgrado.
Não
se pode deixar de citar o embargo econômico criminoso, liderado pelo
governo americano à Cuba e ao Iraque que, neste país, nos últimos dez
anos, provocou a morte de 500 mil crianças com menos de 5 anos. Todos
esses fatos, são sem dúvida, exemplos do terrorismo de Estado que vem
sendo praticado há anos pelo governo norte – americano.
Ao
lembrar esses acontecimentos não se está, em hipótese alguma,
justificando o crime contra a humanidade ocorrido, no último dia 11 de
setembro, mas, mostrando que a demonização dos mulçumanos é hipócrita
e vem sendo produzida porque é útil e necessário, neste momento,
encontrar um culpado. Algum lugar deverá ser invadido, pois a indústria
bélica precisa mais ainda se fortalecer e, com toda a certeza, está
festejando.
Com
a justificativa de que qualquer pessoa pode ser um inimigo, apressam-se
em editar leis anulando as garantias dos cidadãos. Todos passam a ser
terroristas em potencial e, por isso, devem ser monitorados e vigiados.
Leis que , ao arrepio das que vigoram nos países ditos civilizados,
ferem brutalmente os direitos civis tão duramente conquistados. Leis
anti-terror proclamadas pelo governo
Bush que poderão permitir, por exemplo, que qualquer estrangeiro nos
Estados Unidos possa ser detido por tempo indeterminado, sem a
necessidade de autorização judicial; muitos estudantes já vêm sendo
monitorados e alguns estão detidos. “A detenção costumava ser
limitada a 24 horas até que a Casa Branca estendeu-a para 48 horas na
semana passada, na esteira do clamor antiterrorista” (Jornal do
Brasil, 26/09/01, p.3).
Leis
que prevêm também “uma maior desenvoltura dos agentes de segurança
para monitorar ligações telefônicas e mensagens via internet – um
velho desejo dos conservadores que, até hoje, vinha sendo derrotado no
Congresso” (Jornal do Brasil, idem.)
E,
pasmem, propõe-se que sejam válidas perante os tribunais gravações e
confissões obtidas por meios ilegais, inclusive tortura, desde que fora
do território norte-americano. Quanta hipocrisia!
Em
final de setembro, dois generais norte-americanos receberam de Bush o
poder de ordenar o abatimento de aviões comerciais suspeitos, mesmo que
não consigam contatá-lo.
“Nesse
impulso, Bush projetou os Estados Unidos como força imperial declarada,
voz única a ser seguida ou punida. ‘A vingança’ e o ‘extermínio
de santuários e até de Estados’ passaram a ser, na hora e na forma,
deliberações de uma só vontade, que deu por anuladas as leis e os
tratados internacionais”, afirma o colunista Jânio de Freitas (“Silêncio
no Mundo”, Folha de São Paulo, 30/09/01, p. A5).
Mais
adiante, neste mesmo artigo, este colunista alerta para o que a política
belicista-expansionista do governo Bush vem produzindo, em especial com
relação à ONU: “toma-lhe as atribuições, esvazia-a, nega-a como
poder normativo das relações internacionais e como foro deliberativo e
interveniente quando, como, e onde a convivência pacífica a
requeira” (idem).
A
liberdade de expressão, em solo norte-americano, também vem sofrendo sérios,
perigosos e preocupantes revezes: jornalistas têm sido demitidos por
fazer críticas ao governo Bush; anunciantes suspendem patrocínio a
programas mais questionadores e o porta-voz da Casa Branca, Ari
Fleischer, afirmou que as organizações noticiosas e os americanos,
“em tempos como estes”, devem “prestar atenção ao que dizem e ao
que fazem” (Jornal do Brasil, 29/09/2001, p.12).
Em
final de setembro, grupos militares americanos e ingleses já haviam
invadido o Afeganistão no encalço do terrorista saudita Osama Bin
Ladem. “Embora não tenham dado detalhes sobre as missões, fontes do
Pentágono confirmaram que a guerra começou longe dos olhos do público”
(O Globo, 29/09/01, p.1). Daí para criminalizar as entidades de
direitos humanos é um passo.
O
governo norte-americano tem assegurado que grupos terroristas estão
explorando o contrabando e usando entidades de caridade falsas para
arrecadar recursos na região da tríplice fronteira entre Brasil,
Paraguai e Argentina”(Folha de São Paulo, 28/09/01, p. A12). Em
resposta às fortes pressões exercidas pelo governo Bush, o Brasil
formou com a Argentina, o Paraguai e o Uruguai um grupo de trabalho
permanente para combater o terrorismo no continente (Jornal do Brasil,
29/09/01, p.7).
Já
se analisou anteriormente a quem, por exemplo, os serviços de informações
no Brasil, consideram como forças “adversas”: os movimentos
populares e as organizações sociais, em especial o MST, sendo, por
isso, cabível “arranhar direitos dos cidadãos”.
Nesta
escalada terrorista global abriu-se, no Brasil, em final de setembro último,
um escritório do serviço secreto norte-americano, na cidade de São
Paulo. Informam que operações semelhantes já funcionam em Paris,
Londres, Moscou e Hong Kong.” Ele se destinaria a aprofundar a
colaboração entre os governos dos dois países para reprimir a lavagem
de dinheiro e, se for o caso, trocar informações sobre movimentos
terroristas” (Elio Gaspari, O Globo, 26/09/01, p.7)
Ou
seja, já funcionam no Brasil, escritórios da DEA (combate ao tráfico
de drogas), do FBI e da CIA e agora um outro da comunidade de informações
da embaixada norte-americana.
Assiste-se,
assim, capitaneada pelo governo Bush, a uma perigosa exacerbação das
políticas militarizadas de segurança pública e a uma abusiva
intromissão nos países ocidentais, considerados aliados dos Estados
Unidos.
No
estado do Rio de Janeiro, acompanhando essa perversa e perigosa
conjuntura que vem sendo produzida a nível internacional, o atual
Secretário de Segurança Pública, coronel Josias Quintal, ex-analista
de informações do DOI-CODI/RJ, em setembro do corrente, apressou-se em
criar uma unidade anti-terrorismo. Importante esclarecer que seu nome já
foi denunciado pelo Grupo Tortura Nunca Mais/RJ e o Centro de Justiça
Global diante do Comitê Contra a Tortura da ONU e que, sob sua gestão,
a segurança pública em nosso estado vem sendo gradativamente
militarizada. Esta unidade anti-terrorismo ficará sob o comando do também
ex-membro do aparato de repressão da ditadura militar, o
tenente-coronel da PM, Paulo César Amêndola de Souza, cujo nome consta
no Projeto Brasil Nunca Mais, coordenado pela Arquidiocese de São
Paulo, como envolvido em diligências e investigações, no início dos
anos 70, período em que mais se torturou em nosso país. Este senhor,
em 1993 foi indicado pelo prefeito à época, Sr. César Maia, para a
Superintendência da Guarda Municipal da cidade do Rio de Janeiro,
militarizando-a e colocando-a para desempenhar funções que fugiam aos
seus preceitos legais. Ou seja, sob seu comando a Guarda Municipal foi
colocada para reprimir trabalhadores e movimentos sociais em nossa
cidade.
A
unidade anti-terrorismo, que funcionará na Secretaria de Segurança Pública,
agregada à Coordenação Geral de Controle de Contigências, foi criada
com a intenção de identificar grupos, conhecer sua composição, sua
ideologia, modo de agir e sua área de atuação.
Certamente,
essa unidade anti-terrorismo, chefiada por dois membros do aparato de
repressão da ditadura militar de 1964, comunga das mesmas idéias que o
pacote de Leis antiterror proposto pelo governo Bush e o Serviço de
Informações do Exército de nosso país.
Entidades
de direitos humanos têm repudiado a unidade anti-terrorismo criada, com
toda a certeza, para reprimir os movimentos sociais organizados, como
também a presença desses elementos do aparato repressivo ocupando
cargos públicos, pagos com o dinheiro do contribuinte.
Entende-se
que tais pessoas deveriam, no mínimo, ser afastadas de suas funções públicas
e não continuar atuando como se estivéssemos em pleno terrorismo de
Estado.
Assim,
deve-se estar atento, pois uma nova era, que
marca o início do século XXI, vem se anunciando. Uma era
preocupante onde as doutrinas de segurança nacional e os terrorismos de
Estado se globalizam, se tornam mundiais.
As
entidades de direitos humanos devem procurar ferramentas para combatê-los;
não temê-los, mas conhecê-los e também globalizarem-se através de
redes de solidariedade e de apoio mútuo. Isto sem dúvida vem
ocorrendo, quando percebemos que, apesar das limitações à liberdade
de expressão, apesar do poderio dos meios de comunicação no sentido
de nos fazerem crer que uma guerra iminente é necessária, resistências
estão acontecendo. Intelectuais, articulistas
têm realizado análises lúcidas e importantes para que possamos
entender melhor este momento. Manifestações pela paz contra a política
belicista de Bush vêm ocorrendo em diferentes partes do mundo e no próprio
coração dos Estados Unidos.
A
primeira grande passeata, em solo norte-americano, contra o envio de
tropas para lutar no Afeganistão e por uma outra alternativa à guerra
aconteceu, em 29 de setembro, em Washington. Uma grande faixa abria esta
passeata: “Anticapitalistas contra a guerra, o racismo, o terrorismo e
a propriedade” (O Globo, 30/09/01, p.35).
Somos
agora contemporâneos, não de uma época de mudanças, mas de uma mudança
de época. A última vez que isso ocorreu foi na passagem do período
medieval para o moderno, quando o paradigma cultural deslocou-se do céu
(teocentrismo) para centrar-se na Terra (antropocentrismo). Os atentados
de 11 de setembro de 2001 foram uma hedionda resposta à seqüência de
violações aos direitos humanos praticados pela política estadunidense
ao longo de sua história. A contradição entre o discurso democrático
e o apoio a ditaduras latino-americanas e a governos autocráticos em países
islâmicos atingiu o seu paroxismo.
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