Violência
no Sudeste e Sul do Pará
Comissão
de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados
Uma
história de violência
A ocupação da área
da Amazônia localizada ao Sul e Sudeste do Estado do Pará, empreendida sobretudo a partir dos anos 70,
caracterizou-se pela ocorrência sistêmica da violência e impunidade.
Na origem desse processo está a conflituosa ocupação da terra nessa
que é a mais populosa fronteira de ocupação agropecuária e
extrativista do país. Inicialmente, os impulsos desse movimento demográfico
vieram, de um lado, dos governos militares, que estimularam a ocupação
em alta escala, por representantes do grande capital, de uma área
equivalente à da Itália, em apenas 40 anos. De outro lado, confluíram
para a região, através das novas rodovias, grandes contingentes de
lavradores atraídos pelo garimpo e pela chance de possuir um pedaço de
terra para plantar e viver.
O Estado não
conseguiu, nem de longe, acompanhar a velocidade da ocupação. Além
disso, a atuação das instituições do Estado – tanto do governo
federal quanto do governo estadual – foi socialmente perversa ao longo
dos últimos 30 anos, quando o Estado alternou sua ação em duas
linhas. A primeira foi a de mobilizar suas agências, como a Superintendência
do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e seu aparato de segurança pública
em favor de interesses privados ligados aos grandes proprietários de
terra e contra os pequenos agricultores sem-terra. A segunda linha foi a
da omissão do poder público exatamente onde ele mais se faz necessário,
face às fortíssimas desigualdades entre os sujeitos sociais em
disputa. São recorrentes os relatos sobre a ausência de força
policial em defesa da cidadania dos trabalhadores rurais, omissão
diante da pistolagem e da formação de milícias por latifundiários,
omissão diante de notórias fraudes na titulação de terras públicas
por latifundiários, carência de juízes, promotores e de policiais,
falta de condições de trabalho para esses agentes públicos,
alarmantes deficiências nos serviços públicos de modo geral.
O sentido da ação do
governo federal difere pouco do ação estadual. Até mesmo a pequena
delegacia da Polícia Federal para a região Sudeste, instalada num prédio
abandonado pela antiga Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), em
Marabá, estava com os telefones cortados por falta de pagamento quando
da visita da delegação. Os rádios de comunicação usados pelos
agentes tinham sido adquiridos por eles mesmos. Para desestimular e
retaliar ocupações de terra, a Medida Provisória Nº 2183-56, do
presidente Fernando Henrique Cardoso, proibe vistorias para processos de
reforma agrária, pelos dois anos seguintes à ocupação. Tal medida
favorece objetivamente detentores de propriedades mediante fraude e
latifundiários improdutivos, cujas áreas tinham sido escolhidas para
ser ocupadas justamente por estarem nessas condições. Vale dizer,
portanto, que a lógica da ação do Estado pode ser traduzida pelo lema
“proteção aos fortes, repressão aos fracos”. E não raro, essa
equação é completada com corrupção e conivência de agentes do
Estado com o crime.
O resultado desse
processo foi observado pela Comissão Interamericana de Direitos
Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) que comprovava,
em relatório da visita que fez ao Sul do Pará em 1997, “a existência
de uma situação real de temor da população e das autoridades e de
impotência em face da impunidade. Tanto a situação é atribuível à
inação, à negligência e à incapacidade do sistema policial e
judicial às óbvias conexões entre delinqüentes e intimidação dos
diferentes poderes e, além disso, à própria intimidação que estas
sofrem”.
Os trabalhadores rurais
com quem encontramos na região são, em geral, pessoas muito simples,
com pouca ou nenhuma escolarização, historicamente abandonados pelo
Estado desde suas regiões de origem. Eles vêm principalmente do Maranhão
(22%), Minas Gerais (11%), Pará (11%), outros estados do Nordeste e Rio
Grande do Sul (7%). Com predominância étnica indígena, negra e mestiça,
com grande participação da mulher e ingresso prematuro pelos jovens
nas questões da sobrevivência, muitos desses cidadãos e cidadãs
exibem o semblante angustiado pela injustiça de quem luta pela sobrevivência
sob ameaça constante da violência policial e do latifúndio.
Sobreviver custa demais para esses brasileiros! Ainda assim, resiste uma
esperança tênue de que a vida pode melhorar. Nesse sentido, há que se
reconhecer a importância da Igreja Católica na solidariedade e
assistência a essa população.
Impunidade
A Comissão Pastoral da
Terra (CPT), que tem sistematizado dados sobre a violência em conflitos
pela posse da terra em todo o país – um trabalho de comprovada
credibilidade, dotado de grande rigor factual –, registra uma sucessão
de 706 assassinatos de trabalhadores no Pará entre 1971 e 2001, sendo
que 534 ocorreram nas regiões Sul e Sudeste do Estado. Um dado
demonstra a persistência dessas violações contra trabalhadores
rurais: na primeira metade desses 30 anos foram mortos 340 e na segunda
metade 366. No período 1995-2001 foram assassinados 90 trabalhadores
rurais nas citadas regiões. Dados comparativos apresentados pela CPT
indicam que esta é a região mais atingida pela tragédia dos conflitos
fundiários em todo o Brasil.
Ainda segundo os dados
da CPT, das 534 execuções de trabalhadores rurais nos últimos 30
anos, somente dois foram julgados! E ainda assim executores e mandantes
fugiram das prisões pouco tempo depois ou encontram-se gozando de
regalias em presídio inacessíveis aos demais presos. Portanto, é
quase inexistente a resposta judicial para esses crimes. Com uma taxa de
99,54% de impunidade, boa parte da população não encontra, por mais
que procure, motivos para acreditar na justiça.
Violência recrudesce
em 2001
A novidade neste ano de
2001 é que o sistemático processo de violência passa por um período
de recrudescimento, não obstante o progresso institucional por que
passa o Brasil na área de direitos humanos. Ao longo deste ano, oito
trabalhadores já foram assassinados. De abril a julho, ocorreram 126
detenções de lavradores por ocupação de terras, a maior média histórica.
Tal recrudescimento se deve à combinação de ações do Estado e de
particulares.
O governo do Estado
promoveu no período uma ofensiva, por meio de diversas operações
policiais de desocupações forçada de terras. Grandes aparatos
envolvendo dezenas de policiais, dotados de equipamentos novos (não
disponíveis em outras áreas críticas de segurança pública no
Estado), a um custo de R$ 100 mil a R$ 120 mil cada operação, segundo
informações obtidas na região, têm sido realizadas para expulsar
trabalhadores sem-terra acampados inclusive em áreas públicas reivindicadas
por fazendeiros, cujos processos de desapropriação no Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA – em favor dos
trabalhadores estão adiantados, pouco faltando para serem concluídos.
Muitas dessas operações
são revestidas de crueldade, com emprego de violência desproporcional
e injustificável pelos policiais contra agricultores, inclusive com
queima de alimentos e pertences desses cidadãos. Irregularidades
operacionais, como a não utilização de tarjetas de identificação, são
comuns nessas ações da Polícia Militar. Segundo queixas generalizadas
de representações de entidades dos trabalhadores rurais, a recém-criada
Delegacia de Conflitos Agrários do Estado do Pará age invariavelmente
contra os sem-terra, sendo que muitas de suas ações têm sido seguidas
da posterior entrada de serviços de segurança particulares nas áreas
de conflito, configurando-se, na prática, ações combinadas de violência
do poder público e privado contra os trabalhadores.
Milícias particulares
No que diz respeito à
ação de particulares, cabe destacar um fato revelador ocorrido neste
ano na região. Trata-se da detenção, em 21 de setembro último, de
empregados da fazenda Reunidas, cuja propriedade é atribuída ao Sr.
Angelo Calmon de Sá, ex-dono do Banco Econômico, supostamente falido.
Os referidos empregados levavam nos carros armamento de grosso calibre,
e não exibiram qualquer constrangimento em admitir que o arsenal
pertencia à fazenda, tendo mesmo confessado que havia mais armas
pesadas na propriedade. Levados à delegacia policial, um dos detidos
mostrou um cartão personalizado do delegado-geral de Polícia Civil do
Estado do Pará, e disse, na presença de testemunhas “este é o homem
que vai nos ajudar”. O fato é que os dois detidos foram soltos no
mesmo dia e, suspeita-se, sem que o devido flagrante tenha sido lavrado.
Especialmente
preocupantes foram os relatos sobre a atuação no Sudeste do Pará de
empresas de vigilância cujo comportamento e finalidade são os da velha
pistolagem, só que, agora, organizada em moldes empresariais
“modernos”. As autoridades estaduais do Pará já receberam denúncias
sobre a atuação da Empresa de Segurança Marca, com sede no Conjunto
Guajará 1, WE 63, nº 2002, em Ananindeua-PA. Cerca de 10 empregados
dessa “firma”, no dia 19 de julho de 2001, sob o comando do Sr.
Nazareno Ribeiro, que se identificou como “o diabo”, balearam o Sr.
Carlos Pereira Teles, no povoado Fogão Queimado, no município de
Bannach. Carlos Teles, que não tinha armas nem ofereceu resistência,
estava a 15 km. da fazenda da família Bannach, que contratara a Marca.
Essa fazenda tinha sido palco de um violento despejo feito pela polícia
dias antes antes. A expulsão dos sem-terra pela polícia foi concluída
por essa “firma”, que passou a promover um clima de terror em todo o
município. Além de usurpar funções públicas policiais, promovendo
blitzen em rodovias, interpelando e exigindo documentos a cidadãos fora
da área da fazenda da família que a contratou, a “firma” seqüestrou,
espancou e torturou pessoas, segundo diversos testemunhos recolhidos
pela CPT.
Outras vítimas dessa
empresa de pistolagem foram o Sr. Raimundo Rodrigues Silva e o Sr.
Benedito de Jesus Nascimento, que estavam desarmados, pescando, e que
também não ofereceram resistência. Depois de espancados e torturados
pelos pistoleiros da Marca, que ainda tentaram fazer o Sr. Raimundo
engolir cartucho de fuzil, foram amarrados e jogados como porcos sobre
uma carroceria de camioneta e levados até a delegacia de Xinguara,
distante mais de 100 km. Lá o Sr. Raimundo foi preso pelo delegado
porque havia participado de ocupação de terra, enquanto o Sr.
Benedito, que não estava envolvido em ocupação e, portando não era
procurado, foi hospitalizado por dois dias em Rio Maria com ferimentos sérios,
sem conseqüências parra os agressores.
Outro cidadão de
Bannach foi baleado numa estrada perto da cidade, deixado como morto,
sua moto queimada, enquanto seu companheiro conseguia fugir sob intenso
tiroteio. Esse cidadão, pai de família com três filhos pequenos,
ficará deficiente físico pelo resto da vida. Ele não tinha qualquer
relação com conflitos de terra. A polícia nada fez para apurar o
caso.
Um contundente
depoimento ouvido pela delegação foi o do filho de José Pinheiro Lima
(Dedé), executado junto com a esposa e o filho caçula de 15 anos, numa
demonstração da certeza da impunidade dos assassinos de trabalhadores
rurais. O jovem Ednaldo, que trazia nas mãos um cartaz com fotos da família
morta, não tem dúvidas sobre quem matou seus familiares. “O
fazendeiro Joãozinho, que agora passa por mim na rua e zomba da minha
cara”. Ednaldo já recebeu chamada anônima para o telefone público
perto da casa dele com ameaça de morte. Ednaldo afirmou que a morte de
seu pai poderia ter sido evitada. “A Polícia Federal avisou a
Secretaria de Segurança Pública do Pará quatro meses antes, e ela
nada fez. Não avisou a ninguém, nem a meu pai, nem ao movimento”.
Salta aos olhos a
desigualdade de tratamento: enquanto os pistoleiros da Marca – mesmo
após inúmeras solicitações de prefeitos, vereadores, deputados e
outras autoridades públicas – não têm seus crimes apurados e
continuam a agir com impunidade; não faltam dispendiosos recursos para
proceder às violentas diligências contra os trabalhadores que ocupam
lotes improdutivos. Se há conivência, como os fatos objetivos parecem
corroborar – cabe ao poder público investigar, caso a caso.
Lamentavelmente, isso não tem sido feito, alimentando assim as
generalizadas suspeitas e o descrédito na instituição policial e na
Justiça.
“Marcados para
morrer”
O fenômeno das listas
dos “marcados para morrer” é uma das características mais cruéis
da violência na região Sul e Sudeste do Pará. Essa lista circula na
região não raro acompanhada de tabela de preços de execuções,
diferenciando os valores de acordo com a posição social do ameaçado.
Na lista a que a Delegação teve acesso em 04 de outubro de 2001 havia
24 nomes:
1 – Francisco Assis
Solidade da Costa (membro da coordenação da FETAGRI-Sudeste do Pará);
2 – Raimundo Nonato
Santos da Silva (coordenador da FETAGRI, Sudeste do Pará);
3 – José Soares de
Brito (presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará);
4 – Herenaldo Ferraz
de Souza (líder sindical da fazenda Tulipa Negra);
5 – Francisco
Salvador (secretário agrário do Sindicato dos Trabalhadores Rurais
de Rondon do Pará);
6 – Abidiel Pereira
(coordenador da FETAGRI no Sul do Pará),
7 – Maria Medrado
(liderança em Rondon do Pará);
8 – Antônio Souza
Carvalho (secretário de Política Agrária da FETAGRI-PA);
9 – Mariel Joel Costa
(viúva de Dezinho, líder assassinado);
10 – Maria das Graças
Dias da Silva (liderança da fazenda Tulipa Negra);
11– Sebastião
Pereira (líder sindical da ocupação da fazenda Três Poderes;
12 – João Batista
Nascimento (líder sindical da fazenda Prata, São João do Araguaia);
13 – José Cláudio
Ribeiro da Silva (líder sindical de Nova Ipixuna);
14 – Carlos Cabral
Pereira (presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio
Maria);
15 – Izalda Altino
Brandão (diretora da FETAGRI, Sudeste do Pará);
16 – Raimundo Nonato
de Souza (direção estadual do MST do Pará);
17 – Luis Gonzaga
(direção estadual do MST do Pará);
18 – Eurival Martins
Carvalho (direção estadual do MST);
19 – Ulisses Manaças
Campos (direção estadual do MST);
20 – Antonia Melo da
Silva;
21 – Adão Araújo de
Jesus;
22 – Lúcio da
Fonseca;
23 – Tarcísio
Feitosa da Silva;
24 – Bruno Kenpner.
“Só há retiradas de
nomes quando há mortes”, diz um representante da FETAGRI, sobre a
lista macabra. O governo estadual parece não dar importância ao
problema. Pelo menos é essa a impressão que passa aos movimentos
sociais que atuam na região. Segundo interlocutores desses movimentos
com autoridades públicas do Pará, a concepção predominante entre a
autoridades estadual é que “ocupar terras é atividade de risco e o
Estado nada pode fazer, o risco é dos trabalhadores”. As execuções
de lideranças de trabalhadores rurais e aliados é precedida de ameaças,
que acabam se cumprindo. A tática da intimidação parece ser utilizada
tanto para desestimular lideranças como para advertir os trabalhadores
e a sociedade em geral, criando um clima de medo. A intimidação também
atinge juízes e promotores. Segundo um advogado ouvido em Marabá, em
razão das ameaças, “juiz independente fica pouco tempo nessa
comarca”.
José Brito, presidente
do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará, está deixando
a região para não morrer. “Pelo menos dez fazendeiros estão me ameaçando.
Eles dizem que lá eu sou a bola da vez. Apesar de ter registrado queixa
na delegacia, nunca fui chamado para prestar depoimento”. Brito
declarou que a razão de tudo isso é que ele luta pela vida. “E quem luta pela vida aqui tem sua própria vida ameaçada”.
O nome de Antônio
Rodrigues de Souza, diretor do Sindicato de Trabalhadores Rurais de
Parauapebas, faz parte da lista dos ameaçados de morte. “Tenho mais
medo da policia do que outra coisa. Às vezes, recebo três telefonemas
por dia de fazendeiros me ameaçando de morte”. Antônio afirma que
denunciou as ameaças ao secretário de Defesa Social, Paulo Sette Câmara,
mas até agora nada foi feito para protegê-lo.
Sebastião Rodrigues,
que se encontra ameaçado, denunciou o delegado Aquino, que no dia 18 de
maio deste ano, acompanhado de fazendeiros e pistoleiros, sem mandado
judicial, chegou à fazenda Talimã/Remanso, em Marabá, para desocupar
a área. Foi destruída toda a plantação de milho, arroz e mandioca às
vésperas da colheita. Cinqüenta famílias foram expulsas e quatro prisões
efetuadas. “A acusação é a de sempre: formação de quadrilha, que
não admite fiança, e esbulho possessório”. Apesar disso, fomos
soltos depois do pagar R$ 400 ao delegado. Hoje a área vem sendo destruída
pela retirada de castanheiras.
Presente à audiência
pública, a delegada-regional da Polícia Civil, Dra. Elisete Cardoso,
anunciou que afastaria os policiais responsáveis por irregularidades.
No momento em que os
membros da delegação regressávamos do Pará para o conforto de nossos
lares, soubemos que mais um líder de trabalhadores rurais era
assassinado, em Marabá, com um tiro no rosto. Gilson de Souza Lima, 32
anos, é o oitavo trabalhador rural a ser morto este ano. Um gerente de
fazenda era o principal suspeito do homicídio.
Recomendações e
propostas
1 – Ao Governo
Federal, a primeira sugestão, de longo prazo mas com início imediato,
é ampliar e melhorar as políticas agrária e agrícola na região. Não
será possível equacionar o problema da violência no Pará sem o
atendimento da demanda gerada pela imigração de expressivos
contingentes de trabalhadores rurais sem espaço e recursos nas suas
regiões de origem, e que não têm mais para onde ir. O Sul e Sudeste
do Pará dispõe de condições para abrigar grandes assentamentos de
reforma agrária, se houver vontade política nesse sentido. É possível
constatar, quer pelos dados de pesquisas, quer pela observação durante
os vôos na região, que grandes extensões de terras desmatadas estão
subaproveitadas ou simplemente foram abandonadas depois da extração de
madeira.
2 – Aos Governos
Federal e Estadual do Pará, Ministérios Públicos Federal e Estadual,
a providência que nos pareceu mais urgente, e que deve ter início
imediato, é a formação de uma força-tarefa composta pela Polícia
Civil e Polícia Federal, coordenada em conjunto pelo Ministério Público
Federal e o Ministério Público do Estado do Pará. Seu objetivo seria
atuar no âmbito das competências legais de cada instituição no
sentido de combater a impunidade, desmantelar a rede criminosa no
Sudeste e Sul, inclusive reprimindo as milícias particulares baseadas
em fazendas da região.
3 – Ao Ministério da
Justiça, para determinar a investigação, pela Polícia Federal, das
empresas de segurança que atuam irregularmente na região Sul do Pará,
contribuindo para acirrar a violência.
4 – À Corte
Internamericana de Direitos Humanos e à Comissão Interamericana de
Direitos Humanos para dar-lhes conhecimento e consultá-las sobre o
prazo que consideram razoável para o esclarecimento e o julgamento
dos homicídios de trabalhadores rurais no Pará. Essa manifestação
servirá para caracterizar os casos em que podem ser conceituados como
impunes, para orientar o possível ingresso de representação contra
o Estado brasileiro por omissão, caracterizada pela não promoção de
justiça em tempo hábil. Consultar também sobre pertinência de ação
cautelar com vistas à proteção dos cidadãos ameaçados de morte,
cujos nomes figuram na “lista dos marcados para morrer”.
5 – Ao Tribunal de
Justiça do Estado do Pará, apelo para que remova dificuldades que estão
impedindo o andamento dos processos contra acusados de assassinatos,
ameaças de morte e agressões a trabalhadores rurais. Nesse sentido,
promover os julgamentos de processos judiciais sobre assassinatos em que
falta pouco para sua conclusão, como são os casos das mortes de João
Canuto (morto em 1985), caso chacina em Ubá (1985), Massacre de
Eldorado do Carajás (1996). Outros processos criminais e inquéritos
que encontram-se atualmente paralisados, como os relacionados a José
Dutra da Costa (morto em 2000), Onalício Araújo Barros e Valentim
Serra (1998), José Pinheiro Lima, Cleonice Campos e Samuel Campos
(2001). Igualmente, apelamos no sentido de que sejam cumpridos, em
prazo razoável, os diversos mandados de prisão referentes a crimes
cometidos contra trabalhadores rurais.
6 – Ao Tribunal de
Justiça do Estado do Pará e ao Congresso Nacional, para rever critérios
para a emissão, por juízes, de medidas liminares determinando desocupações
forçadas. A chamada “indústria de liminares” tem favorecido o
latifúndio improdutivo e estimulado a violência. Nesse sentido, foram
colhidas duas propostas. A primeira é de atuar ao Congresso Nacional
para aprovar, com celeridade, projeto de lei que estabelece critérios
para as liminares, obrigando o juiz inclusive a consultar órgão fundiário
para avaliar a situação da terra. A segunda é recomendar aos juízes,
por intermédio do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, que se
abstenham de conceder liminares sem ouvir o Ministério Público e
organizações da sociedade civil que conhecem os problemas agrários
regionais, evitando tragédias.
7 – Ao Governo do
Estado do Pará, prover, quando necessária, proteção a juízes e
promotores, constantes alvos de ameças, garantindo-se a incolumidade
dos mesmos e a prestação dos serviços por eles prestados. Dotar os
serviços de segurança pública das condições mínimas de
funcionamento, com recursos humanos e materiais nas delegacias,
treinamento adequado compatíveis com a demanda no Estado, permitindo
a apuração dos crimes impunes e o estabelecimento da credibilidade da
segurança pública no Estado.
8 – Ao Tribunal
Federal Regional da 1ª Região e Tribunal de Justiça do Estado do Pará,
para acelerar o processo de criação da Vara Agrária na região.
9 – Ao Governo do
Estado do Pará, para prover a região de mais serviços sociais,
incluindo política urbana que, no seu conjunto, contribuam para atenuar
a cultura da violência.
10 – Ao Ministério
do Desenvolvimento Agrário, requerer cadastro das propriedades rurais
da região, informações sobre as desapropriações, para reforma agrária,
de áreas griladas, bem como sobre as condições necessárias para a
incorporação mais rápida de áreas maiores para a reforma agrária.
11 – Ao Ministro da
Justiça e ao Ministro do Desenvolvimento Agrário, apelar no sentido de
que o Governo Federal restabeleça canais de diálogo entre o movimento
social e o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o INCRA. Membros da
delegação tentarão, nesse sentido, abrir canal de diálogo direto
entre o Ministro do Desenvolvimento Agrário e o presidente do INCRA com
as entidades do movimento social da região Sul do Pará, no sentido de
pacificar a região, acelerando o processo de reforma agrária.
12 – Aos Ministérios
do Desenvolvimento Agrário e da Secretaria Geral da Presidência da República
no sentido de se absterem de transformar em lei a Medida Provisória Nº
2183-56, que impede a vistoria para efeitos de reforma agrária, por
dois anos, em áreas em que houve ocupação.
13 – Ao Conselho de
Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, requerer que o mesmo convide para
sua próxima reunião o Secretário de Estado de Defesa Social, Dr.
Paulo Sette Câmara; a presidente do Tribunal de Justiça do Estado do
Pará, Dra. Climenié Bernadette Pontes; o presidente do Tribunal
Regional Federal da 1ª Região, ministro Fernando da Costa Tourinho
Neto; o procurador-geral de Justiça do Estado do Pará, Dr. Geraldo
Mendonça Rocha, além de representantes da sociedade civil da região.
14 – Ao presidente do
ITERPA – Instituto de Terras do Pará informações cadastrais sobre
propriedade de terra em conflito com registros do INCRA;
15 – Ao Congresso
Nacional, apelo por mudanças na legislação para combater o trabalho
escravo, incluindo agravamento do tipo penal aos infratores e restrições
de acesso nos organismos de crédito federais.
16 – Ao Ministério
do Trabalho, requerimento de informações sobre a aplicação de multas
aos responsáveis por flagrantes de trabalho escravo no país e na região
Sul do Pará, incluindo cruzamento de dados sobre aplicação e cobrança
dessas multas; critérios que orientam a renúncia na cobrança de
multas ou redução de seus valores; destino de outras ações de
natureza criminal contra os acusados; dados sobre recursos destinados às
operações do Grupo Especial de Repressão e Fiscalização ao Trabalho
Escravo, no país e no Sul do Pará; bem como explicações sobre a
ampliação do espaço de tempo entre denúncias e suas verificações.
17– Ao Ministério da
Justiça, solicitar que determine à Polícia Federal que efetue prisões
de autores de crimes como homicídios e trabalho escravo, de modo a
demonstrar compromisso do Governo Federal em coibir o crime na região,
contribuindo assim para desencorajar novos assassinatos.
18 – Ao Ouvidor-Geral
da Reforma Agrária, Gersino da Silva Filho, solicitar-lhe um parecer
sobre o impacto da atuação das empresas privadas de segurança que
atuam a serviço de fazendas na política agrária e na política de
direitos humanos vigente no país.
19 – À Mesa da Câmara
dos Deputados, solicitar a realização de uma sessão de comissão
geral para debater e propor ações contra a violência, convidando a
participar representantes do poder público, da sociedade civil e dos
movimentos sociais da região Sul do Pará.
20 – À Secretaria de
Estado de Defesa Social do Pará, requerer informações e providências
urgentes para a apuração do assassinato do Sr. Moacir Pereira de
Souza, em 8 de abril de 2001, quando sua casa foi invadida de madrugada
por policiais militares identificados como tenente Reis, sargento
Luciano e cabo Trovão, além de dois outros não identificados. A família
desconhece qualquer envolvimento da vítima em delitos e denuncia que os
assassinos estão soltos, trabalhando
normalmente, constituindo-se ameaça à sociedade, principalmente à família
que luta por justiça.
21 – Ao Tribunal de
Justiça do Estado do Pará, Tribunal Federal Regional da 1ª Região,
Ministério Público Federal e Estadual, Ouvidor Agrário Nacional,
propor a realização de um evento para o qual seriam convidados juízes
que atuam na região para o debate sobre os procedimentos judiciais para
a realização de despejos de trabalhadores rurais.
22 – À Câmara dos
Deputados, requerer pronunciamentos do Grande Expediente, que têm duração
de 25 minutos, para denunciar e analisar o problema da violência originária
dos conflitos agrários no Sul do Pará.
23 – Ao relator da
proposta de emenda à Constituição sobre a reforma do Judiciário,
senador Bernardo Cabral, solicitar-lhe celeridade no processo de votação
do ítem da PEC referente à federalização dos crimes contra os
direitos humanos, tendo em vista a relevância da medida para o
enfrentamento da violência e da impunidade.
24 – Ao Congresso
Nacional, ao Ministério da Justiça, Ministério do Trabalho e Ministério
Público Federal, solicitar atuação no sentido da agilização e
aprovação de projeto que determina o confisco de terras onde houver
trabalho escravo, a exemplo das terras ocupadas com plantações de
substâncias narcóticas.
Segundo a Comissão
Pastoral da Terra (CPT), desde 1980, 1.543 trabalhadores rurais foram
assassinados no Brasil. De janeiro a novembro de 2001, foram 23
assassinatos. O estado do
Pará ocupa o primeiro lugar em assassinatos de trabalhadores rurais,
com 766 casos desde 1980. O caso de maior visibilidade foi o massacre de
Eldorado dos Carajás.
Uma nova data
está sendo aguardada para o julgamento dos policiais acusados pelo
assassinato de 19 trabalhadores rurais sem terra em Eldorado dos Carajás,
em 1996. A juíza Eva do
Amaral Coelho – nomeada depois que outros 17 juízes não aceitaram
presidir o julgamento por terem simpatia aos policiais envolvidos e
aversão ao MST e aos trabalhadores rurais – marcou nova data: 18 de
junho de 2001. Porém, o julgamento foi adiado quando a principal prova
da acusação – um minucioso parecer técnico da Unicamp –foi
retirada do processo. A principal recomendação das organizações de
direitos humanos é a transferência do processo para a justiça
federal.
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