Triplicam
casos de trabalho escravo no Brasil em 2001
Evanize
Sydow*
Salustina estava
desesperada pelo desaparecimento do filho Marcos Antônio. Há
quatro anos, ao chegar em casa, ela encontrou o filho de 17 anos
indo com um “gato” (empreiteiro) para o Pará. Tentou retê-lo. Em vão.
O gato já o havia embriagado. Ela não teve forças e ele partiu. A
mulher nunca mais teve notícias do filho. Era um quadro de pura dor.
Ela chorava e nós a observávamos silenciosos e comovidos. Ela, seu
esposo e os filhos não sabem ler. Moram numa rua sem nome. Numa casa
sem número. Não têm relações que a auxiliam a sair da dor e a
buscar o filho. Nunca procurou socorro. Não foi ao Sindicato dos
Trabalhores Rurais. Não foi ao padre, à promotora, à rádio. Não
sabe para qual fazenda o filho foi. Não sabe para qual município. Nem
o nome do aliciador.”
O relato é do padre Ricardo
Rezende Figueira, que esteve em Barras e Teresina, no Piauí, entre os
dias 20 e 25 de maio, visitando vítimas do trabalho escravo no Sul do
Pará e seus familiares. O depoimento de Salustiana foi dado no dia 23.
“Foi uma viagem comovedora, principalmente quando ouvíamos os
relatos das mulheres desesperadas, de suas dores pelo desaparecimento de
filhos ou esposos. Elas querem notícias e sabem de fugas e de riscos de
vida que os seus correm”, conta o padre.
A Comissão Pastoral da
Terra de Xinguara denunciou, em outubro deste ano, o aumento da prática
do trabalho escravo no Sul do Pará em 2001. Ao todo, de janeiro a
outubro, foram contados 991 trabalhadores em situação de escravidão
em 16 fazendas da região. O total representa quase três vezes mais que
o número do ano passado, que era de 359. De acordo com o Ministério do
Trabalho, para cada trabalhador liberado existem mais três
escravizados.
Relatório preparado
pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados (“Violência
no Sudeste e Sul do Pará”) informa a redução do volume de trabalho
do Grupo Especial Móvel de Repressão e Fiscalização do Trabalho
Escravo (GERTRAF). “Isso tem resultado num aumento do espaço de tempo
entre denúncias e chegada das equipes móveis, chegando atualmente a
demorar até um mês, impossibilitando os flagrantes. Além disso, renúncias
na cobrança de multas legalmente aplicadas pelos fiscais do trabalho em
alguns casos e expressiva redução nos seus valores em outros casos,
bem como o não prosseguimento de ações de natureza criminal contra os
acusados, estão na raiz do crescimento desse tipo de crime verificado
ao longo de 2001.
O relatório ainda
destaca o caso da fazenda do deputado estadual Francisco Donato de Araújo,
do Piauí, onde verificou-se a utilização de mão-de-obra escrava.
“O enfraquecimento do GERTRAF pelo governo federal está encorajando
fazendeiros escravistas a desafiar publicamente as equipes móveis,
recusando-se a pagar os trabalhadores e a obedecer as determinações
dos fiscais do trabalho. De acordo com relatório da CPT, foi o que
aconteceu na fazenda do deputado estadual no Piauí, Sr. Francisco
Donato de Araújo, no município de São Félix do Xingu; e na fazenda
Bandeirantes, em Canaã dos Carajás.”
Os dados da CPT, em
agosto passado, mostravam que 60 pessoas que trabalhavam havia vários
meses na fazenda do deputado Francisco Nonato de raújo encontravam-se
em situação grave. Destes, “8 estavam doentes de malária, 1 tinha o
braço quebrado, sem atendimento, nenhum trabalhador pago e isolados na
mata a mais de 300 km da cidade de São Félix do Xingu”, informava a
CPT.
Também segundo informações
da CPT, 80 homens adultos e adolescentes estavam escravizados até
junho na Fazenda Primavera, que fica entre Sapucaia, Xinguara e Curionópolis.
“Eles trabalham 16 horas diárias no mato, não receberam nada em mais
de dois meses de trabalho, são obrigados a aceitar uma dívida em média
de R$ 1.000,00 com os gatos, não podem sair da fazenda, são vigiados
por homens armados, não têm assistência médica, bebem a mesma água
que o gado, não possuem nenhuma instalação sanitária no local onde
estão acampados, os doentes não estão removidos para fora da fazenda
e três rapazes que tentaram fugir no início de maio desaparecem”,
relata um advogado da instituição. Em julho passado, os 80
trabalhadores foram resgatados por meio do Grupo Móvel e voltaram para
Barras, no Piauí.
Em outros estados o trabalho escravo também está presente.
Reportagem da Folha de S.Paulo, por exemplo, mostrou que no Espírito
Santo 90 pessoas viviam em regime de semi-escravidão, em fazendas de
café em Vila Valério. Os trabalhadores “não recebiam pagamento e as
instalçaões não tinham banheiros, nem água potável, nem colchões”.
Alguns recebiam um vale-alimentação (Folha de S. Paulo, 7/6/2001).
Em 2001, no Piauí,
levas de pessoas foram aliciadas para as derrubadas de floresta, feitura
e conservação de pasto em fazendas do sul do Pará para
empreendimentos em áreas de cana-de-açúcar, em São Paulo e Minas
Gerais e para serviços domésticos em Brasília. Uma parcela destas
pessoas – camponeses sem ou com pouca terra, a maioria analfabeta e
sem qualificação profissional – é retida em dezenas de fazendas
entre os rios Araguaia e Xingu, em nome de dívidas contraídas na
viagem, na alimentação e na aquisição dos instrumentos de trabalho.
Muitos dos escravizados, ao tentarem fugir, são assassinados.
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