Brasil
Acontecimentos
na área de direitos Humanos
Diversos incidentes de brutalidade e corrupção
policial amplamente publicados e divulgados constituíram os principais
acontecimentos na área de direitos humanos no Brasil em 1997. Embora esforços
encorajadores e de boa fé por parte de várias autoridades, inclusive a nível
do executivo federal, as violações aos direitos humanos continuaram severas e
variadas.
Em 31 de março, o Jornal Nacional exibiu um
vídeo amador mostrando a polícia militar extorquindo, espancando, torturando e
humilhando pessoas abordadas ao acaso em uma blitz na Favela Naval, em Diadema,
subúrbio de São Paulo. Em uma das cenas, a polícia, sem motivo, atira e mata
um passageiro desarmado dentro de um carro que tinha sido vistoriado pela blitz
policial. As imagens explícitas, filmadas em pelo menos duas ocasiões
diferentes, indignaram o Brasil e o mundo. Os vídeos confirmaram o que grupos
de direitos humanos vinham alertando sobre a natureza freqüentemente violenta e
pouco profissional da polícia militar em São Paulo. Investigações
jornalísticas subsequentes revelaram que nos meses que antecederam o episódio
televisionado, em Diadema, dezenas de denúncias de violência e corrupção
policial foram encaminhadas às autoridades locais sem que estas tomassem
qualquer providência.
Uma semana depois, no dia 7 de abril, o mesmo
noticiário exibiu outro vídeo amador, desta vez, retratando cenas de
extorsão, graves espancamentos e humilhações infringidos pela polícia
militar do Rio de Janeiro na Cidade de Deus, subúrbio da capital. Esse outro
incidente transferiu o foco do debate à natureza nacional do problema,
abordando inclusive, os programas do Secretário de Segurança Pública do Rio
de Janeiro que promoveram e premiaram policiais envolvidos em atos de bravura.
Nos dias que seguiram a transmissão do vídeo, reportagens demostraram que
três dos seis policiais envolvidos no incidente recebiam gratificações por
bravura. Em meio a esse debate, a Human Rights Watch lançou seu detalhado
relatório denunciando que, na prática, a gratificação por bravura era
oferecida a policiais envolvidos na morte de suspeitos criminosos sem a devida
apuração das circunstâncias das mortes.
A pesquisa da Human Rights Watch demonstrou que
em período de um ano (de maio de 1995 a abril de 1996), pelo menos 179
policiais foram promovidos no Rio de Janeiro em decorrência de incidentes que
custaram a vida de setenta e dois civis e seis policiais. As autópsias das
vítimas demonstravam que em alguns casos estas foram, na verdade, vítimas de
execuções sumárias e não de tiroteios como apontavam os relatórios
autorizando as gratificações por bravura.
Durante todo o ano de 1997, as autoridades do Rio
de Janeiro continuaram a promover e premiar policiais envolvidos em atos de
bravura. Em abril, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro,
citando o relatório da Human Rights Watch, contestou em juízo, sem sucesso, a
constitucionalidade das gratificações por bravura. Após reportagens
jornalísticas, em setembro, de que quatorze oficiais da polícia militar do Rio
de Janeiro denunciados por envolvimento no jogo do bicho recebiam
gratificações por bravura, o Deputado Estadual Carlos Minc apresentou projeto
de lei na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro visando limitar as
gratificações e promoções aos policiais sem processo por crimes graves. Em
outubro, o Instituto Superior de Estudos Religiosos- ISER, eminente
organização não-governamental (ONG), lançou relatório demonstrando que a
polícia fluminense matara pelo menos 942 civis na cidade do Rio, entre o
período de 1 de janeiro de 1993 e 31 de julho de 1996. A pesquisa do ISER
inclui análises dos laudos do Instituto Médico Legal demonstrando que pelo
menos quarenta dos 942 civis foram vítimas de execuções sumárias, mortos à
queima-roupa. A alta incidência de balas na cabeça e no tórax das vítimas e
o percentual de tiros pelas costas sugerem que o número de execuções
sumárias foi substancialmente mais alto. A pesquisa também demonstra que o
índice de homicídios cometidos pela polícia na cidade do Rio de Janeiro
aumentou de dezesseis mortes por mês antes de maio de 1995, mês no qual o
atual Secretário de Segurança Pública, Gen. Nílton Cerqueira tomou posse,
para trinta e dois mortos por mês após a sua posse. Nesse mesmo período, a
polícia do Rio matou 3,4 vezes mais civis do que feriu.
Embora o foco das atenções tenha se voltado
para a polícia militar de São Paulo, devido ao incidente de Diadema, dados
oficiais mostram que em 1997 as mortes de civis causadas pela polícia militar
paulista continuaram a diminuir. Nos primeiros oito meses de 1997, a polícia
militar, na grande São Paulo matou oitenta e seis civis durante expediente e
mais cinqüenta e um civis enquanto estavam de folga. Nesses mesmos oito meses,
a polícia militar teve oito policiais mortos em serviço e vinte e quatro em
período de folga. Em 1996, o número de civis mortos pela polícia militar na
grande São Paulo, tanto em expediente quanto de folga diminuiu para 183, o
menor índice anual em uma década. Vinte e sete policiais (vinte e um estando
de folga) foram mortos durante o mesmo período. Para contraste, quatro anos
antes, em 1992, a polícia militar matou 1.190 civis na grande São Paulo nos
quais, cinqüenta e cinco policiais morreram. Acredita-se amplamente que essas
reduções estão relacionadas à criação e contínua atuação do serviço de
Ouvidoria da polícia, assim como o Programa de Acompanhamento de Policiais
Envolvidos em Ocorrências de Alto Risco (PROAR) que requer que os policiais
envolvidos em tiroteios fatais sejam retirados, ao menos temporariamente, de
serviço nas ruas. Em dezembro de 1995, o Secretário de Segurança Pública
expandiu o programa PROAR para incluir policiais envolvidos em mortes enquanto
estes estavam fora de expediente.
Mesmo assim, ao longo do ano de 1997, a polícia
de São Paulo violou os direitos humanos básicos. No dia 20 de maio, a polícia
militar invadiu a Fazenda da Juta, conjunto habitacional que fora ocupado por
sem-teto vários meses antes. Quando os sem-teto resistiram a ordem de despejo,
atirando pedras e paus, a polícia, sem treinamento para tal operação e sem
equipamentos adequados tais como, escudos e capacetes, abriu fogo contra os
sem-teto, matando três deles. Uma das vítimas foi morta por uma única bala na
nuca, sugerindo execução sumária. Outro sem-teto foi morto com tiros no
peito, enquanto o policial afirmou ter atirado em defesa própria depois de ter
sido derrubado ao chão. No entanto, segundo o relatório do médico legista, a
vítima fora alvo de dois tiros que atravessaram o peito em linha reta, gerando
dúvidas quanto a versão do policial envolvido.
Em setembro, o envolvimento de dois policiais
militares de São Paulo no seqüestro e assassinato de um garoto de oito anos de
idade levou o Secretário de Segurança Pública à demitir o comandante da
Polícia Militar. Durante a mesma semana, veio à tona em Brasília, o
envolvimento de policiais militares no seqüestro da filha de um deputado
federal, que foi libertada após operação de resgate. Esses dois incidentes,
mais uma vez, geraram intenso debate sobre a violência e corrupção policial a
nível nacional.
Nos meses de abril e maio, logo após as imagens
televisionadas de Diadema e Cidade de Deus, a Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) do estado de Minas Gerais juntou provas da ampla prática de
tortura nas delegacias policiais de Belo Horizonte. Membros da CPI visitaram uma
das delegacias de pior reputação do estado munidos de câmara de vídeo,
flagrando e filmando um quarto descrito previamente por detentos como centro de
torturas. O vídeo comprovou os depoimentos dos detentos para a CPI, tanto em
termos do local do centro de tortura quanto às suas características: o quarto
incluía uma parede com escoro para pendurar um pau-de-arara, uma barra que
encaixava na parede, uma torneira e fios de eletricidade expostos,
presumidamente para uso em torturas com choque elétrico. Apesar dessas e outras
evidências, o Governador de Minas Gerais, Eduardo Azeredo, negou que a polícia
mineira praticasse tortura e recusou-se a pedir maiores investigações.
Dois meses depois, a polícia militar de Minas
Gerais organizou uma greve compacta demandando melhores salários - a polícia
militar mineira recebia salário base de cerca de US$400,00 por mês - a greve
das polícias paralisou o estado por duas semanas no mês de junho. Ainda em
junho, o governador cedeu às demandas dos policiais em greve, autorizando um
aumento de 50% do salário base. A disputa travada em Minas Gerais inspirou
protestos semelhantes ou reivindicações salariais na maioria dos estados
brasileiros no período de julho a agosto.
Pressionado pela inquietude das polícias e pela
crescente vigília popular e da mídia quanto aos graves problemas da violência
e corrupção policial, um grupo nacional liderado pelo recém designado
Secretário Nacional dos Direitos Humanos, José Gregori, estudou possíveis
mudanças e melhorias na segurança pública por todo o Brasil. Em setembro,
como resultado do trabalho desenvolvido por esse grupo, o Presidente Fernando
Henrique Cardoso propôs uma série de alterações legislativas e
constitucionais na estrutura da polícia, incluindo uma emenda para extinguir
completamente a Justiça Militar, autorizar os Estados à unificar as polícias
civis e militares se assim preferissem trabalhar e proteger testemunhas de
incidentes com abuso policial. Se implementadas, essas medidas poderiam
representar significante redução da incidência total de violações aos
direitos humanos cometidos por agentes do estado. No entanto, não está claro
se a essas medidas será dado prioridade perante o Congresso Nacional que,
aliás, em 1997, continua deixando a desejar quanto à aprovação de medidas em
prol dos direitos humanos. No momento de elaboração deste texto, as medidas
legislativas continuam pendentes no Congresso. Também estão pendentes várias
outras propostas importantes incluídas no Programa Nacional de Direitos
Humanos, lançado em 13 de maio de 1996. Desde então, o Congresso Brasileiro
conseguiu aprovar poucas dessas medidas. Exceto a lei de tipificação da
tortura, aprovada em meio a indignação nacional causada pelo incidente de
Diadema, a única outra reforma de segurança pública aprovada pelo Congresso
desde o lançamento do Programa Nacional de Direitos Humanos foi a Lei 9.437, de
20 de fevereiro de 1997, que criminaliza o porte ilegal de armas.
As condições carcerárias por todo o Brasil
continuam a violar as normas internacionais em 1997. As principais violações
abrangem a violência policial direcionada aos detentos ou cumplicidade em casos
de violência entre eles; superlotação; condições insalubres; falta de
acesso ao trabalho, educação, lazer e outros benefícios. As condições
básicas são ainda piores em delegacias de polícia, onde os presos são
detidos por meses e até anos. Em São Paulo, aproximadamente 30.000 detentos
foram mantidos em delegacias, que segundo as mais generosas estimativas
oficiais, possuíam capacidade para menos de 16.000 detentos. A Folha de S.
Paulo noticiou, oitenta casos de rebelião em delegacias e onze casos em
penitenciárias do estado durante o primeiro semestre de 1997, números bastante
superiores aos setenta e um casos de rebelião em delegacias e oito rebeliões
em presídios durante todo o ano de 1996. Até o início de outubro, o número
de rebeliões em penitenciárias aumentou para quinze casos. Em setembro, as
autoridades de São Paulo anunciaram novos contratos para construção de sete
prisões com capacidade total para 5.544 detentos. Se concluída no prazo
estabelecido, juntamente com o projeto de construção de outras quatorze
prisões, esses centros de detenção oferecerão espaço adicional para 17.520
presos até o fim de 1998.
Cabe mencionar que as autoridades paulistas
raramente usaram força letal para controlar motins ou rebeliões. Por outro
lado, esse não foi o caso em outros estados do Brasil em 1997. No dia 29 de
julho, a polícia militar entrou no presídio do Róger em João Pessoa,
Paraíba, para por fim a um motim no qual um grupo de presos mantinha como
reféns o diretor, três guardas e dois outros presos. Exames médicos
subsequentes demonstraram que sete dos oito presos mortos nessa operação foram
severamente espancados e provavelmente torturados antes de serem sumariamente
executados, conclusão esta aceita pelo próprio Governador do Estado. Dois
meses depois, a polícia militar respondeu a nova rebelião no mesmo presídio
matando um detento. Investigações da Comissão de Direitos Humanos da Câmara
Municipal de João Pessoa mostraram que os presos estavam armados apenas com
paus e que a resposta da polícia fora, no mínimo, desproporcional. Em outubro,
mais dois presos foram mortos durante tentativa de fuga.
O problema da superlotação dos presídios e
delegacias foi exacerbado em 1997 pela existência de presos detidos nessas
facilidades por tempo superior aos termos de suas sentenças. No mês de
setembro, mutirões compostos por membros da Ordem dos Advogados do Brasil, a
Procuradoria Geral do Estado e representantes da Assembléia Legislativa
documentaram irregularidades observadas durante visitas surpresas aos lugares de
detenção do estado de São Paulo. Por exemplo, os mutirões encontraram
diversos detentos presos além dos termos de suas sentenças, grande número de
outros presos com direito a regime aberto, semi aberto, ou liberdade
condicional, assim como um preso detido por mais de dois anos com base num
mandado de prisão, por período renovável de 30 dias.
Em 1997, conflitos de terra continuaram a dominar
as manchetes enquanto o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST
intensificava seus esforços de pressionar o governo para que este adotasse
medidas visando uma reforma agrária. Em vários incidentes ao longo do ano de
1997, ocupações do MST e de outros grupos de sem-terras resultaram em
conflitos violentos. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), até meados de
outubro de 1997, vinte e cinco civis morreram em conflitos de terra. Se por um
lado a polícia militar foi responsável pela maioria dos casos envolvendo
mortes nos conflitos de terra em 1996 (incluindo dezenove sem-terras em um
único incidente em El Dourado dos Carajás, em 17 de abril de 1996), ainda
segundo a CPT, em 1997, jagunços de aluguel foram os responsáveis pela maioria
dos casos resultando em mortes nas disputas por terras.
Dados de 1996 e dados parciais de 1997 demonstram
um aumento tanto no número de conflitos pela terra quanto no grau de violência
praticada na resolução desses. Em 1996, quarenta e seis indivíduos foram
mortos em conflitos de terra contra trinta e nove mortes em 1995. A CPT
registrou ainda um aumento significativo no número de conflitos em 1996 (653)
comparado à 1995 (440), assim como o número total de pessoas envolvidas, que
aumentou de 318.458 em 1995 para 481.490 em 1997. Embora os dados para 1997 não
estejam concluídos, a CPT anunciou que essa tendência de aumento dos conflitos
e crescente uso de violência permeia também o ano de 1997.
Um avanço positivo na campanha contra a
violência rural e a impunidade foi o julgamento e condenação, em 27 e 29 de
junho, em Imperatriz, Maranhão, de três fazendeiros por ordenarem o
assassinato, em 1986, do Padre Josimo Moraes Tavares, diretor regional da
Comissão Pastoral da Terra. Guiomar Teodoro da Silva, Adailson Gomes Vieira e
Geraldo Paulo Vieira, presos em 1994 e detidos aguardando julgamento desde
então, foram sentenciados a quatorze, dezoito e dezenove anos de prisão,
respectivamente. A condenação dos autores intelectuais nesse caso foi
excepcional: segundo a CPT, de 976 casos de assassinatos relacionados a
conflitos de terra e 891 casos de tentativa de homicídio registrados desde 1985
até o início de 1997, somente cinqüenta e seis casos foram julgados. Destes,
em apenas quatorze, aqueles que ordenaram as mortes foram processados e somente
sete foram condenados.
Em Pedro Canário, Espírito Santo, um júri
condenou, em 10 de junho, o líder dos sem-terra, José Rainha, pelos
assassinatos, em 1989, do fazendeiro, José Machado Neto, e o policial militar
Sérgio Narciso, no que foi uma manipulação infeliz do Sistema Judiciário.
Mesmo com farta evidência de que José Rainha estava a centenas de quilômetros
de distância de onde ocorreram os assassinatos, o júri condenou-o e um juiz o
sentenciou a vinte e seis anos e seis meses de prisão, sob a acusação de que
ele organizara ocupações de terra e ajudara os camponeses a fugir após o
assassinato. Testemunhas a favor de José Rainha incluíam um coronel da
polícia militar do Ceará, o então secretário da agricultura do estado do
Ceará (atualmente deputado federal) e outras autoridades públicas do Ceará.
Todos testemunharam que José Rainha estava no estado do Ceará e não no
Espírito Santo durante os acontecimentos em questão. O julgamento foi marcado
por outras irregularidades, incluindo a presença no júri de várias pessoas
que possuíam ligações com uma das vítimas. No momento de elaboração deste
texto, nenhuma data foi estabelecida para um segundo julgamento de José Rainha,
direito garantido pela lei brasileira.
O trabalho escravo, prática em que trabalhadores
são recrutados com promessas falsas de altos salários e então mantidos contra
suas vontades em campos de trabalho, continuam a ocorrer em 1997, embora
acredite-se que a índices menores que durante os anos anteriores. Os dados da
CPT para 1996 mostram uma redução significativa no número de vítimas
envolvidas em trabalho escravo comparativamente ao ano de 1995. Enquanto o
número de casos de trabalho escravo sofreu singela redução de vinte e um para
dezenove, o número de vítimas despencou de 26.047 para 2.487. Essa redução
dramática foi amplamente creditada aos resultados de programas conjuntos entre
a sociedade civil, principalmente a CPT e sindicatos de trabalhadores rurais e o
Ministério do Trabalho, principalmente no estado do Mato Grosso do Sul.
Particularmente nesse estado, no qual milhares de vítimas foram mantidas em
cativeiro em carvoarias, anos anteriores, esforços para erradicar o trabalho
escravo alcançaram relativo sucesso. Em Minas Gerais, o trabalho de uma
Comissão Parlamentar de Inquérito ajudou a reduzir o número de vítimas
registradas de trabalho escravo de 10.040, em 1995, para 790, em 1996.
Em setembro, autoridades federais anunciaram
planos de desapropriação de terras usadas para trabalho-escravo. O Ministro da
Reforma Agrária anunciou que aqueles trabalhadores que foram forçados em
dívidas na fazenda Flor da Mata, em São Félix do Xingu, sul do Pará, seriam
assentados naquela mesma fazenda e o governo aplicaria essa nova política em
outras áreas onde o trabalho escravo fosse praticado. Por outro lado, juristas
argumentam que tal desapropriação está além da competência do governo
federal e requer emenda legislativa especifica que autorize as
desapropriações. Até o presente momento, legislação que daria ao governo
federal tal poder de desapropriação das terras utilizadas para
trabalho-escravo ainda está pendente no Congresso Nacional.
Após as condenações de abril e novembro de
1996 dos dois primeiros policiais militares julgados pelo envolvimento, em julho
1983, da chacina de oito adolescentes que dormiam na praça da Candelária,
região central do Rio de Janeiro, a acusação sofreu sérias derrotas nos fins
de 96 e início de 97. Primeiramente, em dezembro de 1996, dois policiais e um
civil foram absorvidos depois que a acusação falhou na condução do caso com
vigor, mesmo portando fortes evidências que incluíam depoimentos de
testemunhas atestando o envolvimento de dois dos homens. Em abril de 1997, o
ex-policial Nelson Cunha, que fora condenado em novembro de 96 e sentenciado a
261 anos de prisão, foi absolvido de todas as acusações de homicídio no
segundo julgamento. Isto, mesmo após a confissão de Nelson Cunha na qual ele
afirmara ter estado no carro com os assassinos e ter pessoalmente atirado e
ferido na cabeça a testemunha ocular Wagner dos Santos. Nelson que admitiu ter
apontado um revólver contra a cabeça do Wagner, disse depois que o revólver
atirou acidentalmente enquanto o carro se movia. Nelson cumpre outra sentença
de dezoito anos por tentativa de homicídio baseado na sua condenação inicial.
Para outros graves massacres, a impunidade
continua a ser a regra. Mais de cinco anos depois do massacre do Carandiru, em
1992, quando 111 presos foram executados, mesmo com a transferência do caso da
Justiça Militar para a Justiça Comum, ninguém ainda foi levado a julgamento.
O processo contra o policial responsável pelo massacre de vinte e um residentes
da favela de Vigário Geral, no Rio de Janeiro, em agosto de 1993, pouco
avançou em 1997. Em abril, um júri condenou o ex-policial Paulo Alvarenga, o
primeiro de mais de cinqüenta acusados a serem julgados, a mais 400 anos de
prisão, dos quais ele terá que servir trinta anos.
Na madrugada do dia 20 de Abril de 1997, quatro
rapazes e um adolescente atiraram gasolina no índio Pataxó Galdino Jesus dos
Santos que dormia num banco público em Brasília, em seguida, atiçaram fogo
nele produzindo queimaduras graves que causaram sua morte horas mais tarde em
hospital local. Galdino Jesus participava de uma conferência sobre os direitos
indígenas parte das comemorações do Dia do Índio. Ele retornou à sua
pensão um pouco depois que esta fechara e fora assim forçado a dormir na rua.
Investigações subsequentes indicam que os rapazes tinham visto o índio
Galdino dormir, foram a um posto de gasolina e então voltaram para
incendiá-lo. Mesmo com essas e outras evidências, a juíza Sandra de Santis
Mello reduziu as acusações de homicídio contra os rapazes para lesão
corporal seguida de morte, aceitando o argumento da defesa de que eles não
tinham intenção de matar ou ferir seriamente o índio Galdino. Tanto o
incidente quanto a decisão judicial geraram protestos e reivindicações por
maiores esforços governamentais na proteção dos direitos dos povos
indígenas. No momento da elaboração deste relatório, os acusados ainda
estão sendo processados.
Uma tendência encorajadora, durante 1997, foi a
maior cooperação entre as autoridades governamentais e a sociedade civil na
área de direitos humanos. No estado de Pernambuco, o governo estadual continua
a financiar um programa de proteção à testemunha dirigido por uma ONG local.
Em 1997, o Ministério da Justiça atuou juntamente a autoridades governamentais
locais para instalar esse programa em outros cinco estados brasileiros. Em
junho, o governo federal criou a Secretaria Nacional de Direitos Humanos dentro
do Ministério da Justiça. Esta trabalhou bem próxima a ONGs de direitos
humanos desenvolvendo programas conjuntos e pressionando pela implementação
das medidas incluídas no Programa Nacional de Direitos Humanos. Em São Paulo,
a ouvidoria da polícia com sua vigília energética sobre os abusos policiais
contribuiu para significantes reduções da violência policial contra civis. A
Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados continua denunciando
violações dos direitos humanos por todo o Brasil, celebrando numerosas
audiências em diversas regiões para denunciar abusos e abrir espaço para
ativistas locais. A Comissão também pressionou a Câmara dos Deputados e o
Senado para aprovação de projetos de lei em matéria de direitos humanos de
importância fundamental. No Rio Grande do Sul, a Comissão de Cidadania e
Direitos Humanos da Assembléia Legislativa publicou seu terceiro Relatório
Azul, o relatório mais abrangente sobre as violações dos direitos humanos no
estado. Por todo o país, as Assembléias Legislativas ou formaram comissões de
direitos humanos ou fortaleceram aquelas já existentes, paralelamente, se dava
o mesmo a nível municipal. Por meio dessas medidas, agentes governamentais
fortaleceram as relações com organizações não-governamentais enquanto
assumiam também maiores responsabilidades pelos direitos dos cidadãos.
O governo brasileiro participou em Oslo das
negociações de preparação do tratado sobre Minas Terrestres. O Ministério
de Relações Exteriores expressou intenção de participar da conferência de
Ottawa em dezembro e assinar, na ocasião, o tratado sobre Minas Terrestres. Em
março, o Brasil tomou o primeiro passo no reconhecimento da ilegalidade da
ocupação do Timor Leste enviando sua primeira delegação oficial a
ex-colônia Portuguesa desde a invasão da Indonésia em 1975. O Brasil também
recebeu em setembro a visita do prêmio Nobel José Ramos Horta. Durante visita
anterior ao Brasil, em novembro de 1996, Ramos Horta foi recebido pelo
presidente Fernando Henrique Cardoso.
O Direito de Monitorar
O governo brasileiro não impôs nenhum
obstáculo formal à fiscalização dos direitos humanos em 1997. O Brasil
continua mantendo uma sociedade civil ativa incluindo organizações de direitos
humanos, grupos religiosos, associações civis e sindicatos. Além disso, em
1997, várias Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais formaram
comissões de direitos humanos que, junto àquelas comissões legislativas que
já existiam, tiveram um papel de crescente importância. Em maio, a Assembléia
Legislativa do estado de São Paulo formalmente instaurou a Ouvidoria da
polícia, serviço previamente criado por decreto do governador. Em setembro, a
Assembléia Legislativa de Minas Gerais regulamentou a criação de Ouvidoria
para a polícia mineira nos moldes da experiência paulista.
Infelizmente, essa tendência não foi universal.
Em várias partes do Brasil, autoridades continuaram a atuar de forma
antagônica em relação aos defensores dos direitos humanos. Ativistas dos
direitos humanos no estado do Rio Grande do Norte enfrentam ameaças de morte e
processos legais pelos seus esforços corajosos contra as violações cometidas
por policiais. As ameaças de morte raramente produziram investigações sérias
por parte das devidas autoridades. Uma lista de dez ativistas que promoveram
investigações de policiais corruptos e violentos no Rio Grande do Norte
começou a circular nos finais de 1996. A primeira pessoa da lista, o advogado
Gilson Nogueira, foi assassinado em 20 de outubro de 1996 e, em maio de 1997,
apesar das provas de envolvimento policial no assassinato, o caso foi encerrado
sem indiciamentos.
Ainda no ano de 1997, autoridades do Rio de
Janeiro responderam às críticas legítimas sobre a violência policial
fluminense atacando as fontes. Essa agressividade foi direcionada a Human Rights
Watch, principalmente após o lançamento do relatório Brutalidade Policial
Urbana no Brasil, e a outros membros da sociedade civil.
O Papel da Comunidade
Internacional
União Européia
A União Européia (UE) financiou, em 1997,
várias ONGs de defesa dos direitos humanos no Brasil. Países membros da União
Européia encorajaram o Brasil a cumprir com as normas internacionais de
direitos humanos através de reuniões regulares com autoridades federais tanto
no Brasil quanto em viagens oficiais do governo a Europa. No final do ano,
vários governos expressaram interesse em prover instrutores e financiar
programas dirigidos pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), para
treinar a polícia brasileira em métodos que respeitem os direitos humanos
básicos. Esse programa de treinamento do CICV seria baseado em dois cursos
conduzidos para representantes das forças policias militares de cada um dos
vinte e seis estados e o distrito federal do Brasil no final de 1996 e 1997. O
Secretário Nacional de Direitos Humanos, José Gregori, procurou apoio
financeiro dos governos da UE para financiar o treinamento em direitos humanos
durante sua visita a Europa em 1997. No presente momento, no entanto, planos
para tais financiamentos não foram completados.
Estados Unidos
Em 1997, os Estados Unidos direcionou
relativamente pouca assistência ao Brasil. Para o ano fiscal de 1998, o poder
executivo norte-americano encaminhou solicitação de US$ 225.000 para o
Programa Internacional de Treinamento e Educação Militar (International
Military Education and Trainning Program - IMET) e US$ 1 milhão em assistência
anti-narcóticos, incluindo US$ 600,000 direcionados para as forças policiais
no Brasil. O governo americano concluiu planos de abrir um escritório do FBI em
Brasília para combater o tráfego de drogas durante o ano fiscal de 1998, no
entanto, segundo a embaixada americana nenhum prazo, até o momento, foi
estabelecido para a sua abertura. Durante o ano de 1997, o governo americano
financiou numerosas visitas de ativistas dos direitos humanos, juizes e
promotores aos Estados Unidos através de programas da administração de
Justiça e do Serviço de Informação dos Estados Unidos (USIS), assim como
visitas ao Brasil de especialistas em penas alternativas e na federalização de
crimes contra os direitos humanos, ambas iniciativas contempladas pelo Programa
Nacional de Direitos Humanos. O capítulo sobre o Brasil no Relatório do
Departamento de Estado sobre as Práticas de Direitos Humanos por Países em
1996 (Country Reports on Human Rights Practices for 1996) de forma precisa
retrata a variedade dos problemas que o Brasil enfrenta na questão de direitos
humanos, assim como os avanços e os retrocessos provocados pelas políticas
governamentais.
Em outubro, o Presidente americano, Bill Clinton,
visitou Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro. Em Brasília, Clinton reuniu-se
com o presidente Fernando Henrique Cardoso e os presidentes do Câmara e do
Senado. Infelizmente, o presidente Clinton não mencionou, publicamente,
assuntos de direitos humanos em sua visita ao Brasil.
Relatórios da Human Rights Watch relevantes:
Brutalidade Policial Urbana no Brasil,
abril/97
Human Rights Watch/Americas
(Divisão das Américas)
Visão Geral
Em cerimônia na sede da Organização dos
Estados Americanos (OEA) em Washington DC, em 25 de setembro, foi aprovada
emenda a sua carta que permite que os governos do hemisfério possam rejeitar do
grupo qualquer governo que venha ao poder por golpe de estado. Esse avanço
sublinha o consenso crescente de que é interesse comum de cada uma das nações
manter governos democráticos e constitucionais na região. De fato, com algumas
raras exceções, a região compreendida pela América Latina e o Caribe
destacou-se como uma das poucas partes do mundo onde a idéia de governos civis
e eleitos parece enraizada.
A história dessa região evidencia que governos
eleitos têm oferecido a maior consideração para com os direitos humanos. No
passado, a ruptura com a ordem constitucional, em todos os casos, trouxe sérias
e sistemáticas violações aos direitos humanos. Nesse sentido, as eleições
municipais e parlamentares no México, as primeiras em que partidos de
oposição puderam concorrer, em condições de igualdade, com o partido que
mais tempo governou - Partido da Revolução, Institucionalizada, PRI
representou avanço significante para a democracia da região. Cuba - onde um
governo não-eleito completou trinta e oito anos no poder - representa a
exceção a essa tendência de abertura política.
Mas embora governos eleitos sejam precondição
básica para que os direitos humanos sejam respeitados, a história da região
mostra que essa condição não é suficiente por si só. Severas e Maciças
violações atingiram a região em 1997, mesmo com o revezamento no poder de
governos eleitos. De fato, desrespeito aos direitos humanos em vários países
tão diversos quanto Colômbia, Peru, Venezuela, Brasil, Argentina e República
Dominicana revelou que as eleições são só o primeiro passo em direção a
democracia de fato. Massacres, execuções extrajudiciais, desaparecimentos,
torturas e outras formas de brutalidade policial, assim como condições
desumanas continuaram insistentemente.
Muitos governos eleitos da região aceitaram
críticas legítimas sobre as práticas de abusos contra os direitos humanos,
abandonando a reação defensiva do passado. Perceberam que só se beneficiariam
com a abertura e diálogo com os ativistas dos direitos humanos. As exceções
continuaram a ser o governo de Fidel Castro, em Cuba, que continua negando
acesso ao país de grupos de direitos humanos internacionais enquanto assediava
e processava aqueles que tentam fiscalizar o respeito aos direitos humanos
internamente; o governo do presidente Alberto Fujimori no Peru, processava
grupos de defesa de direitos humanos, mesmo tendo o governo adotado algumas de
suas recomendações; e o governo de Ernesto Zedillo no México, que embora
admitindo os abusos cometidos pela polícia, ainda assim, deportou ativistas
internacionais dos direitos humanos e categoricamente rejeitou suas
constatações. De fato, os únicos governos da região que continuam a violar
os direitos humanos como parte de suas políticas nacionais foram Cuba e Peru.
Até mesmo governos que aceitaram críticas
internacionais fracassaram em dar prioridade à proteção dos direitos humanos,
não designando programas ou recursos específicos para erradicar a tortura,
brutalidade policial, detenções arbitrárias e outros abusos comumente
praticados, assim como, a impunidade daqueles que cometeram tais atos.
Acontecimentos na área do
Direitos Humanos
Na Colômbia, trinta e cinco massacres custaram a
vida de 272 indivíduos nos primeiros oitos meses do ano de 1997. Durante o
mesmo período, mais 450 foram assassinados por razões políticas. A maior
parte das chacinas foi atribuída a grupos para-militares que geralmente
trabalham com a conivência militar e em alguns casos com o apoio militar.
Segundo a Comissão Colombiana de Juristas (CCJ), organização respeitada de
direitos humanos, 76% das violações aos direitos humanos relatadas em 1997
foram por obra de para-militares, 17% foram devido às guerrilhas e 7% por
agentes do governo. No Peru, a tortura continuou como prática comum empregada
por policiais contra suspeitos terroristas, suspeitos de crimes comuns e, até
mesmo, um membro da inteligência militar acusado de vazar informações para a
imprensa. No México, a violência política nas áreas rurais - em alguns casos
com envolvimento ou conivência oficial - continuou a ser grave. A Justiça
demonstrou tendência corporativista com os agentes pró-governo e severidade
contra a oposição. No Brasil, fitas de vídeo amador que captaram incidentes
de brutalidade policial chocaram uma nação aparentemente indiferente ao
destino de suspeitos criminosos. Na Venezuela, forças de segurança recorreram
a sistemáticos abusos, incluindo torturas, execuções extrajudiciais e
desproporcional uso de forças letais em seus esforços para controlar o crime
nas áreas urbanas.
O governo do presidente Alberto Fujimori, no
Peru, demostrou falta de respeito para com o Estado de Direito ao efetuar uma
série de manobras mirabolantes incluindo a cassação de três dos sete membros
da Corte Constitucional depois de que estes se pronunciaram contra um terceiro
mandato presidencial de Fujimori. A remoção efetivamente encerrou a função
da Corte no que se refere a resolução de conflitos constitucionais.
As condições carcerárias em diversas partes da
América Latina continuaram muito ruins constituindo violações sérias aos
direitos humanos sendo que a grande maioria dos detentos não foi sequer
condenada por crime algum. De fato, alguns detentos ficavam em prisão
preventiva, violando o pressuposto da inocência. Noventa por cento dos presos
hondurenhos, paraguaios, uruguaios não foram condenados, enquanto na República
Dominicana, Panamá, Haiti, El Salvador, Peru e Venezuela essa proporção de
detentos aguardando sentença variava entre 65% e 85%. Na República Dominicana,
nossos pesquisadores encontraram um preso que fora mantido em cadeia por dez
anos sem ser julgado.
Enquanto isso, um grave retrocesso para os
mecanismos internacionais de defesa dos direitos humanos, foi a decisão da
Jamaica anunciada em outubro que seria o primeiro país do mundo a revogar o
Protocolo Facultativo do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos
(Optional Protocol to the International Covenant on Civil and Political Rights).
A Coréia do Norte renunciou ao próprio Pacto em agosto. A atitude jamaicana,
que deverá ter o efeito impedir que indivíduos cujos direitos venham a ser
violados pelo governo jamaicano de apelar ao Comitê de Direitos Humanos das
Nações Unidas, teve como intenção aparente negar condenados a morte
oportunidade de revisão pelas Nações Unidas.
Embora o cenário de 1997 tenha sido marcado por
graves violações aos direitos humanos, ocorreram vários avanços positivos. A
assinatura do acordo final de paz na Guatemala, colocando um ponto final em
três décadas de conflitos armados contribuiu para uma contínua diminuição
do número de violações aos direitos humanos vinculados com operações
contra-guerrilhas. O governo peruano, em outubro, suspendeu o uso de
"tribunais sem rosto" para suspeitos terroristas. Esses tribunais
tinham apresentado inúmeros e graves casos de violações do direito ao devido
processo. Pessoas acusadas de terrorismo com agravantes, chamado de
"traição" no Peru, continuarão a serem julgadas pela Justiça
Militar. Não obstante, os juizes não mais serão mantidos anônimos. A
modificação no Código Penal brasileiro tipificando a tortura com crime
representou avanço nos esforços para erradicar essa prática. Na Colômbia, o
presidente Ernesto Samper introduziu dois projetos de lei importantes: o
primeiro asseguraria que os processos de violações graves aos direitos humanos
seriam tratados pela Justiça Comum e não pela Justiça Militar; o segundo
tipifica o desaparecimento forçado como crime. Na Venezuela, a Corte Suprema
votou, em 14 de outubro, a inconstitucionalidade da lei de vadiagem, de 1956,
que permitia a detenção administrativa de até cinco anos para possíveis
delinqüentes sem qualquer prova da responsabilidade criminal individual.
Talvez o acontecimento mais nefasto em 1997 tenha
sido a perseguição, em vários países, à alguns dos mais destacados
repórteres e veículos de imprensa. Autoridades hiper-sensíveis no Panamá,
Argentina e Peru, demonstraram intolerância para com aceitar críticas a elas
proferidas pela imprensa, característica mais comum nos regimes autoritários
do que nos democráticos. Em Cuba, o assédio à reduzida imprensa independente
continuou sem trégua.
Na Argentina, em janeiro, o fotógrafo José Luis
Cebezas foi algemado, espancado, morto com um tiro fatal e depois seu corpo
incendiado, chamando atenção para os perigos de investigar a corrupção
policial. No momento de elaboração deste texto, três policiais do interior
foram detidos em conexão ao crime. Em 11 de setembro, o único oficial da
marinha argentina que voluntariamente confessou uma série de abusos aos
direitos humanos durante o período da ditadura militar, de 1976 a 1983, foi
seqüestrado por homens armados com credenciais de policiais. Durante as duas
horas de cativeiro, o ex-capitão Adolfo Scilingo foi espancado, ameaçado e as
iniciais dos jornalistas aos quais ele havia contado sua estória foram cravadas
em seu rosto. Seus agressores ameaçaram matá-lo assim como aos jornalistas em
questão: Mariano Grondona, Magdalena Ruiz Guiñazú e Horacio Verbitsky. A
reação do presidente Menem a esse incidente revoltante, no qual ele sugeriu
que Scilingo não deveria ser levado à sério, seguiu comentários infelizes de
pouco antes do ataque, no qual Menem aparentemente sugeria que os limites da
liberdade de imprensa poderiam ser determinados por violência.
O governo de Ernesto Pérez Balladares, no
Panamá adotou medidas de repressão contra o direito de livre expressão ao
iniciou processo para deportar o jornalista peruano, Gustavo Gorriti,
editor-adjunto do jornal La Prensa. Os artigos de Gustavo Gorriti
abordavam a corrupção dos círculos oficiais incomodando aqueles no poder.
Estes, por sua vez, procuravam formas de expulsar o condecorado repórter
baseado em princípios legais sem fundamento. O grupo de investigação de
Gustavo Gorriti reportara sobre fluxos de dinheiro de tráfego para a campanha
do presidente Ernesto Pérez Balladares, alegando também irregularidades na
acumulação de redes de televisão pelo primo do presidente. No entanto, uma
vitória significativa para a liberdade de imprensa, foi a retificação do
próprio governo, em outubro, permitindo que o jornal La Prensa pudesse
manter Gustavo Gorriti na sua posição com a promessa do governo panamenho de
revogar a legislação que limita o papel de cidadãos estrangeiros na mídia
nacional.
No Peru, o governo lançou campanha contra Baruch
Ivcher Bronstein, israelense de nascimento, sócio majoritário do canal 2 da
capital, Lima. O canal 2 foi o primeiro a transmitir uma entrevista com Leonor
La Rosa, um agente da inteligência militar duramente torturado pelos seus
superiores por suspeita de ter vazado informações sobre os planos de
perseguição à imprensa. Uma campanha crescente de violências contra Ivcher
culminou na revogação, em 13 de julho, de sua nacionalidade peruana, seguida
por apoderação de sua estação de televisão pela minoria de acionista
pró-governo. Outros jornalistas enfrentaram muitos assédios, incluindo Blanca
Rosales, editora-diretora do jornal La República, que foi seqüestrada,
espancada e ameaçada por homens armados não identificados antes de ser solta.
Autoridades cubanas continuaram a intimidar
jornalistas. Entre os presos estão Héctor Peraza Linares, co-diretor da
agência de jornalismo Imprensa de Havana e Raúl Rivero, chefe da agência
Imprensa Cubana. Em 26 de fevereiro, um grupo pró-governo reuniu-se na frente
das casas das jornalistas cubanas Tania Quintero e Ana Luisa Baeza, atirando
objetos e gritando. Joaquín Torres Alvarez, diretor da Imprensa de Havana, foi
espancado em maio por vários agressores que ele mais tarde identificou como
sendo membros da Segurança do Estado e representantes do partido comunista do
seu bairro.
No México, homens armados assassinaram Jesús
Bueno León do semanal do estado de Guerrero, 7 Días; Bueno escrevera
sobre sua suspeita que oficiais do estado planejaram matá-lo em retaliação
por suas reportagens. Depois de noticiarem os excessos da polícia na cidade do
México em setembro, quatro repórteres foram capturados e torturados por
agressores não identificados.
Em dezembro de 1996, uma nova série de
regulamentações para a televisão entraram em vigor na Colômbia, incluindo
limitações na transmissão de imagens violentas, se fossem aplicadas, poderiam
comprometer a abrangência dos noticiários. Entre outras coisas, as medidas
restringiam a transmissão de declarações da guerrilha ou outra organização
criminosa. Embora esses medidas não tenham produzido nenhuma tentativa de
censura até o presente momento, sua implementação garantiu ao governo
tremendo poder para limitar as reportagens televisionadas. O câmara colombiano,
Ricardo Velez, fugiu do país em setembro depois de receber sérias ameaças de
morte devido a suas denúncias contra o exército. Soldados tinham espancado
Ricardo Velez enquanto ele filmava a repressão à uma passeata de protesto em
1996.
Em junho, a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos publicou um relatório determinando que o governo do Chile havia violado
os direitos de liberdade de expressão ao proibir a venda de um livro escrito
por Francisco Martorell em 1993. O livro, Impunidade Diplomática,
tratava das circunstâncias que levaram a partida do embaixador da Argentina no
Chile, Oscar Spinosa Melo. A Comissão conclamou o governo do Chile a retirar a
censura ao livro.
Na Venezuela, o presidente, Rafael Caldera,
recomendou que uma Cúpula Iberoamericana marcada para novembro de 1997
sugerisse medidas para proteger o "direito à informação
verdadeira". Sua defesa desse conceito que implica no controle
governamental o conteúdo de reportagens provocou a bem merecida crítica da
imprensa e da sociedade civil.
O Direito de Monitorar
Defensores dos direitos humanos continuam a
enfrentar ameaças, assédio, e violência física em vários países da
América Latina. Em muitos casos, os governos falharam em tomar as medidas para
apurar, processar e punir os responsáveis. Na Colômbia, ativistas dos direitos
humanos continuam sendo executados. Mario Calderón e Elsa Alvarado do Centro
para Pesquisa e Educação Popular (Centro de Investigación y Educación
Popular, CINEP) foram assassinados, em seus apartamentos em Bogotá, por homens
armados e encapuzados, aparentemente em retaliação aos seus trabalhos nos
direitos humanos. O pai da Elsa também foi morto e sua mãe seriamente ferida
no mesmo incidente. Em 28 de setembro, autoridades prenderam cinco pessoas que
poderiam ter feito parte do assassinato. Dentre os ativistas dos direitos
humanos mortos por homens armados não-identificados na Colômbia, aparentemente
em retaliação a suas atuações pelo seus trabalhos, estão Nazareno de Jesús
Rivera do Comitê de Direitos Humanos de Segovia, Margarita Guzmán, ex-colega
que insistiu na investigação do caso, e Víctor Julio Garzón, membro do quase
extinto Comitê Cívico de Direitos Humanos de Meta. Um terceiro membro do
Comitê de Direitos Humanos de Segovia, Jaime Ortiz Londoño, foi forçosamente
desaparecido. Vários outros ativistas foram forçados a deixar o país por
ameaças de morte. Em 26 de outubro, o grupo guerrilheiro conhecido como
Exército de Libertação Nacional (Ejército de Liberación Nacional, ELN)
seqüestrou dois observadores da Organização dos Estados Americanos numa
tentativa de frustrar as eleições municipais. A guerrilha libertou os
observadores depois de mais de uma semana.
Em Cuba, onde a fiscalização das políticas
governamentais de direitos humanos viola numerosas provisões do código penal
restringindo a livre expressão e associação, aqueles que tentaram defender os
direitos humanos enfrentaram assédios e processos. Em 15 de julho, autoridades
detiveram o advogado de direitos humanos, René Gómez Manzano, e outros três
dissidentes destacados. Neste momento, os quatro líderes continuam em prisão
enfrentando possível julgamento por propaganda inimiga.
O ativista de direitos humanos, Francisco
Soberón, líder da Associação Pró-Direitos Humanos (Asociación Pro-Derechos
Humanos, APRODEH), enfrentou insistentes ameaças de morte anônimas
aparentemente em retaliação ao trabalho da APRODEH na defesa de um juiz
respeitável enquadrados em processos legais arbitrários e um policial delator
também perseguido.
Na Bolívia, agentes da polícia nacional
prenderam Waldo Albarracín, presidente da Assembléia Permanente de Direitos
Humanos (Asamblea Permanente de Derechos Humanos, APDH), em 25 de janeiro, e
supostamente torturaram-no por mais de três horas. Os policiais, segundo
denúncias, espancaram Albarracín por todo seu corpo, incluindo sua genitália,
sujeitaram-no a ameaças de morte e quase asfixia. Waldo Albarracín foi mais
tarde hospitalizado com ferimentos graves.
Grupos de direitos humanos ligados a igrejas no
México continuaram sofrendo ataques. Padre Camilo Daniel, fundador da Comissão
de Solidariedade e Defesa dos Direitos Humanos (Comisión de Solidaridad y
Defesa de los Derechos Humanos, COSYDDHAC) de Chihuahua, e sua secretária foram
ameaçados de morte em janeiro. Em 15 de fevereiro, homens armados prepararam
emboscada para um grupo de investigadores do Centro de Direitos Humanos Fray
Bartolomé de las Casas na cidade de Sabanilla, Chiapas, ferindo José Montero
no braço. Ainda na província dos Chiapas, agressores tentaram em vão atiçar
fogo nos escritórios da Coordenadoria de Organizações Não-governamentais
pela Paz (Coordinadora de Organismos No Gubernamentales por la Paz, CONPAZ).
Na Venezuela, membros do Departamento de Direitos
Humanos do Vicariato em Puerto Ayacucho, estado do Amazonas, foram alvos de
ataques pelos seus trabalhos em prol dos índios da Amazônia. Depois das
críticas inflamadas ao Departamento por políticos locais e membros do governo
regional, dois veículos do departamento foram estragados com ácido.
Em novembro, a Human Rights Watch condecorou
Carlos Rodríguez Mejía, distinto advogado dos direitos humanos da Comissão
Colômbiana de Juristas (Comisión Colombiana de Juristas, CCJ) de Bogotá, em
celebração anual que homenageia os ativistas dos direitos humanos por todo o
mundo. Carlos Rodríguez é membro fundador da CCJ, um dos mais efetivos grupos
de defesa dos direitos humanos da Colômbia. Foi principalmente através dos
esforços de Carlos Rodríguez que as Nações Unidas concordaram em estabelecer
um escritório especial do seu alto Comissionado pelos Direitos Humanos em
Bogotá para assim pressionar o governo à proteger os direitos fundamentais.
O Papel da Comunidade
Internacional
Nações Unidas
A presença de uma missão de direitos humanos
das Nações Unidas na Guatemala, conhecido como MINUGUA, continuou contribuindo
na redução das violações aos direitos humanos por razões políticas. Mesmo
assim, o prestígio da missão ficou comprometido com o atraso da publicação
de sua investigação no caso de desaparecimentos forçados de um guerrilheiro
capturado pelo exército em outubro de 1996. A seu favor, MINUGUA continuou a
pressionar para resolver o caso apesar da falta de cooperação do governo.
O Alto Comissionado pelos Direitos Humanos das
Nações Unidas abriu um escritório na Colômbia, decisão a muito esperada
para manter a promessa de redução das violações. Em Abril, o Comitê de
Direitos Humanos das Nações Unidas lamentou que "violações maciças aos
direitos humanos continuam a ocorrer na Colômbia." Expressando assim, sua
"profunda preocupação" com as evidências de que grupos
para-militares "recebem apoio de membros das forças armada" e que
"a impunidade continua a ser um amplo fenômeno." A tortura no México
também recebeu bem merecida fiscalização das Nações Unidas. Em suas
conclusões obtidas em abril, o Comitê contra a Tortura elogiou as reformas
legais mas condenou explicitamente a sistemática prática de tortura no país.
Em agosto, Nigel Rodley, relator especial sobre tortura das Nações Unidas,
visitou o México para documentar a natureza e a extensão dessas violações.
Estados Unidos
O relatório anual sobre as práticas de Direitos
Humanos da administração do presidente americano, Bill Clinton, (Country
Reports on Human Rights Practices), forneceu descrição apurada e detalhada
sobre os problemas e práticas referentes aos direitos humanos na América
Latina. Em contraste às práticas anteriores, a administração em 1997 também
tomou passos importantes para elevar os debates sobre os direitos humanos a uma
posição privilegiada na sua agenda, em algumas ocasiões tratando o assunto
publicamente onde antes se mantivera calado. Na Colômbia, a embaixada americana
publicamente expressou sua preocupação com os ataques verbais das autoridades
militares contra investigadores civis que ligaram a figura do Gen. Farouk Yanine
ao massacre de Puerto Araujo, sendo esta, a primeira vez, na qual a embaixada se
pronunciara publicamente em casos de direitos humanos. Mesmo com fortes
pressões dos membros do Congresso Americano, ansiosos por financiar campanhas
anti-narcóticos na Colômbia sem considerar as violações dos direitos humanos
pelo exército, a administração de Clinton suspendeu ajuda militar até
agosto, quando as forças armadas colombianas concordaram com as exigências em
matéria direitos humanos. No momento de elaboração deste texto, não está
claro como as condições serão implementadas e até que ponto os Estados
Unidos, ao determinar os termos de sua colaboração, irá se basear
exclusivamente em avaliações do Ministro da Defesa colombiano de suas
próprias tropas quanto ao respeito aos direitos humanos.
No Peru, autoridades norte-americanos deram
fortes declarações sobre a cassação de três membros do Corte Constitucional
e a revogação da nacionalidade de Ivcher. Enquanto isso, pressões
particulares por parte da administração contribuíram de forma significativa
para convencer o governo do Panamá a reverter seus planos de deportar o
jornalista investigativo Gustavo Gorriti. Particularmente, a influência
exercida pela primeira-dama, Hillary Rodham Clinton, durante sua visita ao
Panamá em outubro aparentemente teve grande impacto. No México, a Secretária
do Estado, Madeleine Albright, reuniu-se com organizações locais de direitos
humanos, uma ação simbólica importante dada a hostilidade que esses grupos
enfrentam com as autoridades mexicanas.
Esforços para tornar público o papel que os
Estados Unidos desempenhou em violações dos direitos humanos no passado na
região avançaram lentamente quando a C.I.A completou, mas não tornou
público, estudo interno sobre suas ligações com os esquadrões militares de
morte em Honduras. Documentos da CIA lançados em agosto confirmaram que a
agência sabia sobre os interrogatórios e torturas de civis em 1980 e que
agentes visitaram pelo menos um dos presos clandestinos. Documentos
desclassificados em 1997 sobre o envolvimento norte-americano no golpe que
derrubou o governo eleito de Jacobo Arbenz na Guatemala em 1954 ofereceram uma
visão assustadora dos métodos utilizados e promovidos pela agência, incluindo
assassinato de alvos políticos e homicídio em massa.
A administração do presidente Clinton agiu para
proteger Emmanuel "Toto" Constant, que seria deportado, procurado no
Haiti por maciças e sérias violações aos direitos humanos cometidas por um
grupo para-militar sob seu comando, durante a ditadura militar.Constant recebia
pagamentos no Haiti enquanto dirigia o Fronte para o Avanço e Progresso do
Haiti (Front Pour L’Avancemet et Origrés d’Haiti, FRAPH). Ainda mais, a
embaixada em Porto Príncipe recusou o pedido de entregar ao governo haitiano
aproximadamente 160.000 páginas de documento e outros materiais tomados do
FRAPH e do comando militar em 1994, documentos que poderiam ajudar nos esforços
dos promotores de processar e punir os responsáveis por violações aos
direitos humanos.
Enquanto discussões sobre o livre comércio
dominaram a visita do presidente Clinton às capitais latino-americanas em
outubro, ele fez pronunciamentos importantes a favor da livre expressão na
Argentina, onde ataques aos jornalistas aumentaram consideravelmente em 1997 com
aparente tolerância governamental. Durante sua visita ao México e América
Central em maio, Clinton não mencionou os direitos humanos.
União Européia
Em dezembro de 1996, o Conselho de Ministros da
União Européia adotou uma nova política, mais efetiva em relação a Cuba,
fazendo com que a plena cooperação econômica fosse condicionada aos avanços
na área de direitos humanos. Infelizmente, investidores europeus em Cuba, assim
como investidores canadenses não adotaram estratégias efetivas para assegurar
o respeito aos direitos trabalhistas em suas filiais em Cuba, onde projetos
dominados pelo governo negam os direitos básicos de livre associação e
expressão.
Um esforço do México para negociar acordos de
comerciais e políticos com a União Européia sem a cláusula padrão de
direitos humanos foi frustrado quando o governo Zedillo, em julho, concordou em
incluir a discutida cláusula.
Em julho, o Parlamento Europeu conclamou o
governo Fujimori a reintegrar os magistrados da Corte Constitucional que foram
cassados; a garantir a liberdade de expressão e a abolir a prática de tortura.
Algumas embaixadas Européias e diplomatas
assumiram papéis de destaque na tentativa de diminuir a violência e o
sofrimento causados na Colômbia. Em abril, o embaixador dos Países Baixos,
Gysbert Bos, fez uma visita de três dias à região do meio Magdalena, em
parte, para chamar a atenção sobre o aumento das atividades para-militares e
destituições. A União Européia continuou a pressionar a Colômbia para
melhorar as condições dos direitos humanos e anunciou em setembro seu pleno
apoio a uma solução negociada para o conflito político.
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