8.
A regra do esgotamento dos recursos internos e suas exceções
O
obstáculo formal oposto na prática pela maioria dos Estados,
diante das denúncias apresentadas à Comissão, é alegação
da falta de esgotamento dos recursos internos. Daí a importância
e a necessidade deste tema ser abordado com maior profundidade.
Na maioria dos casos, que são apresentados pelo CEJIL perante o
sistema interamericano, é mais frequente a alegação pelos
peticionários da ocorrência de exceção ao esgotamento dos
recursos internos do que a alegação de esgotamento dos memsos,
devido ao padrão de impunidade e às falhas estruturais dos
sistemas de Justiça dos países da América Latina.
No
direito internacional dos direitos humanos, assim como no
sistema interamericano, o critério adotado é aquele segundo o
qual deve ser esgotados os recursos da jurisdição interna que
estejam à disposição dos indivíduos para solucionar a violação
dos direitos básicos, antes de serem acionadas a instâncias
internacionais. O objetivo desta regra é permitir ao Estado
resolver a nível doméstico suas obrigações, assim como reforçar
o caráter internacional como um sistema subsidiário e
complementar ao sistema de proteção interno, e que deve ser
acionado como último recurso.
8.1
Regras previstas na convenção
Neste
sentido, o artigo 46, parágrafo 1 (a) da convenção prevê que
para uma petição ou comunicação apresentada à Comissão
seja considerada admissível em conformidade com os artigos 44
ou 45 da mesma, é necessário “que hajam sido interpostos e
esgotados os recursos de jurisdição interna, de acordo com os
princípios de direito internacional geralmente conhecidos.”
Por
outro lado, o objeto do sistema internacional de proteção aos
direitos humanos é a efetiva proteção dos direitos humanos.
Assim, dependendo do caso, a regra do esgotamento prévio dos
recursos não irá prevalecer.
8.2
Exceções à regra de esgotamento
No
parágrafo 2, do artigo 46, a Convenção estabelece algumas
causas de exceção à regra do esgotamento dos recursos
internos:
a.
não existir, na legislação interna do Estado de que se
tratar, o devido processo legal para proteção do direito ou
direitos que se alega tenham sido violados;
Exemplo:
Um
código de processo penal que não permite a defesa através de
um advogado, a apresentação de provas, e a apresentação de
testemunhas de defesa, não respeitando o devido processo legal.
b.
não se houver permitido ao presumido prejudicado em seus
direitos o acesso aos recursos da jurisdição interna, ou
houver sido ele impedido de esgotá-los.
Exemplo:
Se
a vítima sofre algum tipo de ameaça por parte dos agentes
policiais encarregados de investigar o crime, impedindo-a no
acesso aos recursos internos.
c.
houver demora justificada na decisão sobre os
mencionados recursos.
A
demora injustificada é uma das exceções mais utilizadas para
justificar o não esgotamento dos recursos internos em situações
de impunidade sistemática legitimada pela justiça local.
Neste
sentido, a Corte acaba de pronunciar-se sobre o conceito de
prazo razoável, cuja evidência é a demora injustificável. A
Corte sustentou que para aplicar este conceito é necessário
realizar uma análise global do procedimento, levando em conta
três elementos: a complexidade do assunto, atividade processual
do interessado e a conduta das autoridades judiciais.
Exemplo:
Quando
o processo judicial está paralisado há vários anos sem que
haja sentença e sem que os culpados tenham sido presos; ou
ainda se o inquérito policial está arquivado, sem ter levado
adiante as investigações sobre o crime. Neste item também
pode ser alegado que houve a má-condução do procedimento
interno, sendo os recursos internos ineficazes para a proteção
dos direitos humanos.
8.3
Jurisprudência Internacional
Sobre
a regra de esgotamento dos recursos internos a Corte
estabeleceu:
“
De nenhuma forma a regra do prévio esgotamento deve levar a que
se detenha ou demore até a inutilidade da atuação
internacional para o auxílio da vítima indefesa. Esta é a razão
pela qual o artigo 46.2 estabelece exceções à exigibilidade
da utilização dos recursos internos como requisito para
invocar a proteção internacional, precisamente em situações
nas quais, por diversas razões, tais recursos não são
efetivos.” (Tradução nossa). Velásquez e Rodríguez. Excessões
Preliminares, pár. 93) (24).
Ao
dispor sobre as causas de exceção ao esgotamento dos recursos,
a Corte sustentou que os recursos da jurisdição interna que são
necessários que sejam esgotados são os adequados
e efetivos (Velásquez
e Rodiguez, parágrafo 63). Neste sentido, a Corte
estabeleceu:
“...
como assinalam os princípios gerais de Direito Internacional
aplicáveis e como exige o artigo 46.1, significa ‘idôneos
para proteger a situação jurídica infringida’ e ‘capazes
de produzir o resultado para o qual foram concebidos...” (OC
11/90, pár. 36). (Tradução nossa) (25)
Assim,
se os recursos jurisdicionais internos não forem considerados
adequados e efetivos, não será aplicada a regra do esgotamento
prévio dos recursos internos. Um exemplo de um caso de aplicação
prática do conceito de recurso adequado é o caso do habeas
corpus no desaparecimento forçado. Neste sentido, a Corte
dispôs que:
“a
exibição pessoal ou habeas corpus seria, normalmente, o
recurso adequado para socorrer a uma pessoa provavelmente detida
pelas autoridades, averiguar se a sua situação é legal e, se
for o caso, conseguir a sua liberdade”. (Tradução nossa).
No
uso de sua competência consultiva, a Corte emitiu um parecer
sobre o esgotamento dos recursos internos, estabelecendo que se:
“por
razões de indigência ou por temor generalizado dos advogados
para representá-lo legalmente, um reclamante perante a Comissão
viu-se impedido de utilizar os recursos internos necessários
para proteger direitos garantidos pela Convenção, não pode
exigir-se dele o esgotamento.”
É
importante destacar que a regra do esgotamento dos recursos
internos é estabelecida a favor do Estado, e pode ser
renunciada pelo mesmo. Tal renúncia pode ser presumida se não
for interposta nas primeira etapas do procedimento:
“A
exceção de não esgotamento dos recursos internos, para ser
oportuna, deve ser requerida nas primeiras etapas do
procedimento, na falta da qual poderá presumir-se a renúncia tácita
valendo-se da mesma o Estado interessado”. (Tradução nossa) Velásquez
e Rodriguez, Exceções Preliminares, par. 88 (28)
Por
outro lado, se o Estado alega o não esgotamento, e se o Estado
tiver demonstado que os recursos internos estão disponíveis, o
reclamante deverá demonstrar que são aplicáveis as exceções
contidas no artigo 46.2 (29).
Não
obstante, a efetiva tutela dos direitos compete aos órgãos dos
sistema interamericano. Neste sentido, a Corte dispôs:
“A
inexistência de recursos internos efetivos coloca a vítima em
estado indefeso e explica a proteção internacional. Por isso,
quando quem denuncia uma violação aos direitos humanos aduz
que não existem tais recursos ou que são ilusórios, a
iniciativa de solicitar a proteção pode não só estar
justificada como também ser urgente.” Tradução nossa) (30)
Informe 10/95 caso 10.580 Equador, 12 de setembro de 1995, página
90.
A
demora injustificada é uma das exceções que tem sido mais
utilizada pelos peticionários, para justificar o não
esgotamento dos recursos internos. A seguir estão dois exemplos
sobre a prática da Comissão. No primeiro caso, a Comissão
dispõe que a demora torna o recurso ineficaz:
“Quando
o provável retardamento de aproximadamente um ano descrito
pelos peticionários na tramitação de um dos mencionados
recursos (de habeas corpus), isto indica novamente que os
recursos da jurisdição interna pertinentes a este caso não
resultaram apropriados e não foram eficazes”(Tradução
nossa) (31) Informe 10/95 caso 10.580, 12 de setembro de 1995, página
90.
Em
outro caso, a Comissão faz um relato detalhado do processo para
ilustrar a demora injustificada:
“A
Comissão considera, ademais, que houve um atraso injustificado
no procedimento interno. Somente depois de quatro anos da morte
de Myrna Mack, a Corte Suprema da Guatemala dispôs sobre a
abertura da ação penal contra supostos autores intelectuais do
assassinato e autores materiais que trabalham com Beteta.
Passaram-se mais dois anos e o procedimento continua na fase
investigatória... não existe nenhum indício de que em um
futuro próximo se chegará a uma solução justa do caso.”
(tradução nossa) (32) Informe 10/96 sobre admissibilidade.
Caso 10.636 Guatemala, 5 de março de 1996, página 143.
|