6.
As obrigações dos Estados assumidas através da ratificação
da Convenção Americana:
6.1
Respeitar os direitos previstos na Convenção
Os
Estados se comprometem
a respeitar e garantir os direitos e liberdades protegidos na
Convenção às pessoas humanas - não às pessoas jurídicas -
(artigo 1o da Convenção). Isto significa que o
Estado se compromete a impedir ações violatórias aos direitos
garantidos, assim como agir concretamente para permitir o gozo
dos mesmos.
"
Art.
1 - obrigação de respeitar os direitos
1.
Os Estados partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar
os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir
o
seu livre e pleno exercício a toda a pessoa que esteja sujeita
a sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça,
cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de
qualquer outra natureza, origem natural ou social, posição
econômica, nascimento ou qualquer outra condição social
2.
Para os efeitos dessa Concenção, pessoa é todo ser
humano".
O
dever de respeitar significa que nenhum órgão, funcionário ou
agente do Estado pode violar ou lesionar indevidamente nenhum
dos direitos reconhecidos na Convenção, não importando se a
violação ocorreu em decorrência de ordens superiores ou sob
aparência de legalidade interna.
No
caso Godinez Cruz, em
setença de 20 de janeiro de 1989, no seu parágrafo 178 a Corte
dispôs que:
"Conforme
o artigo 1.1 é ilícita toda forma de exercício do poder público
que viole os direitos reconhecidos pela Convenção. Neste
sentido, em toda circunstância nas qual um órgão ou funcionário
do Estado ou de uma instituição de caráter público, lesione
indevidamente um de tais direitos, se está frente a uma suposta
inobservância do dever de respeito consagrado neste
artigo". (Tradução nossa) (10).
6.2
Obrigação de garantir
A
Convenção Americana sobre Direitos Humanos estabelece no seu
artigo 1 dois tipos de obrigações com respeito aos Estados
partes: uma primeira obrigação de respeitar os direitos
enunciados na Convenção e uma segunda obrigação de garantir
o gozo dos direitos.
A
Convenção foi interpretada de uma forma progressista,
progressivamente, pela Corte Interamericana, ao desdobrar os
deveres do Estados parte conforme o mencionado artigo tanto no
dever de abster-se de violar os direitos enunciados na Convenção,
como na obrigação de fazer, de gerar mecanismos para
efetivamente garantir tais direitos.
A
Convenção foi interpretada de uma forma progressista,
progressivamente, pela Corte Interamericana, ao desdobrar os
deveres dos Estados partes conforme o mencionado artigo tanto no
dever de abster-se de violar os direitos enunciados na Convenção,
como na obrigação de fazer, de gerar mecanismos para
efetivamente garantir tais direitos (11).
Uma
das medidas de garantia está prevista explicitamente no artigo
2 da convenção, no qual os estados se comprometem a adotar
aquelas disposições legislativas ou de outro caráter que
forem necessárias para fazer efetivos os direitos e liberdades
protegidos pela Convenção.
"Art.
2 - Dever de adotar disposições de direito interno
Se
o exercício dos
direitos e liberdades mencionadas no artigo 1 ainda não tiver
garantido por disposições lesgislativas ou de outra natureza,
os Estados Partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas
normas constitucionais e com as disposições desta Convenção,
as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias
para tornar efetivos tais direitos e liberdades."
A
obrigação de garantir o livre e pleno exercício dos direitos
humanos não se esgota com a existência de um sistema legal
formal (12) direcionado a tornar possível o seu
cumprimento, mas comporta a necessidade de uma conduta
governamental que assegure a existência, na realidade, de uma
eficaz garantia do livre e pleno exercício dos direitos
humanos(13)
No
caso Godine Cruz, em
sentença de 20 de janeiro de 1989, no seu parágrafo 175, a
Corte estabeleceu:
"A
Segunda obrigação dos Estados partes é a de 'garantir' o
livre e pleno exercício dos direitos reconhecidos na Convenção
a toda pessoa sujeita de sua jurisdição. Esta obrigação
implica no dever dos Estados partes de organizar todo aparato
governamental e, em geral, todas as estruturas através das
quais se manifesta o exercício do poder público, de forma tal
que sejam capazes de assegurar juridicamente o livre e pleno
exercício dos direitos humanos. Como conseqüência desta
obrigação os Estados devem prevenir, investigar e sancionar
toda a violação dos direitos reconhecidos pela Convenção e
procurar, além disso, o restabelecimento, se possível, do
direito violado e, neste caso, a reparação dos danos
produzidos pela violação dos direitos humanos." (Tradução
nossa) (14)
6.2.1
Investigar e punir as violações ocorridas em seu território
Além
disso, e dentro do âmbito da obrigação de garantir o gozo dos
direitos previstos na Convenção Americana, há outros deveres
que os Estados também estão obrigados a cumprir, que são:
tomar todas as medidas necessárias para prevenir as violações;
investigar as violações aos direitos protegidos pela Convenção;
processar e punir os rensponsáveis; remediar a violação através
da restituição integral à situação anterior, sem a qual não
será possível indenizar pecuniariamente; e adotar todas
aquelas outras medidas de reparação adequadas a fim de
remediar a violação causada. Neste sentido, a Corte dispôs:
"se
o aparato do Estado atua de forma que tal violação fique
impune e não se restabeleça, enquanto seja possível, à vítima
a plenitude de seus direitos, pode afirmar-se que não foi
cumprido o dever de garantir o seu livre e pleno exercício para
as pessoas sujeitas à sua jurisdição. (tradução nossa) Caso
Velásquez Rodriguez, parágrafo 176. (15)
A
investigação deve realizar-se de forma diligente, ser
empreendida com seriedade e não como uma simples formalidade
condenada de antemão a ser ineficaz. Assim, a Corte decidiu:
"Em
certas circustâncias pode ser difícil a investigação de
fatos que atentem contra os direitos da pessoa. A de investigar
é, junto com a de prevenir, uma obrigação de meio ou de
comportamento que não é descumprida somente com o fato de que
a investigação não produza um resultado satisfatório.
Entretanto deve empreender-se com seriedade e não como uma
simples formalidade condenada de antemão a ser inútil. Deve
ter sentido e ser assumida pelo Estado com um dever jurídico próprio
e não como uma simples gestão de interesses particulares, que
dependa da iniciativa processual da vítima ou de seus
familiares ou da contribuição particular de elementos probatórios
sem que a autoridade pública busque efetivamente a verdade.
Esta avaliação é validada qualquer que seja o agente ao qual
se possa efetivamente ser atribuída a violação, ainda os
particulares, pois, se seus fatos não são investigados com
seriedade, resultariam, de certo modo, auxiliados pelo poder público,
comprometendo a responsabilidade internacional do Estado."
(Caso Velásquez Rodriguez, pár. 177) (16)
Outro
corolário da obrigação de garantir os direitos é o dever dos
Estados aprtes de organizarem o seu aparato governamental e, em
geral, todas as estruturas através das quais se manifesta o
exercício do poder público, de forma que sejam capazes de
assegurar juridicamente o livre e pleno exercício dos direitos
humanos (Caso Velásquez Rodriguez, pár. 166).
6.2.2
Reparar as violações
A
reparação é um último aspecto do dever de garantir que o
Estado assume ao obrigar-se internacionalmente. Isto é, o
Estado assume que, se violar os direitos que se comprometeu a
proteger, deve tomar medidas que eliminem as conseqüências do
ato ou omissão ilícitos. A reparação dos danos também tem
aspectos de uma obrigação de garantia, pois funciona como um
mecanismo de prevenção. Seu objetivo consiste em reestabelecer
a situação ao seu estado anterior, o status
quo ante, oui no caso de não ser possível reparar o dano
de outro modo que, de boa-fé, e conforme os critérios de
razoabilidade, substitua a restituição em espécie.
A
convenção Americana estabelece claramente em seu artigo 63.1
um critério amplo em medida de reparação:
"Art.
63-1. Quando decidir que houve violação de um direito ou
liberdade protegidos nesta convenção, a Corte determinará que
se assegure ao prejudicado o gozo de seu direito ou liberdade
violados. Determinará também, se isso for procedente, que
sejam reparadas as consequências da medida ou situação que
haja configurado a violação desses direitos, bem como o
pagamento de indenização justa à parte lesada."
2.
Em caso de extrema gravidade e urgência, e quando se fizer
necessário evitar danos irreparáveis às pessoas, a Corte, nos
assuntos de que estiver conhecendo, poderá tomar as medidas
provisórias que considerar pertinentes. Se se tratar de
assuntos que ainda não estiverem submetidos ao seu
conhecimento, poderá atuar a pedido da Comissão."
O
texto do artigo 63 estabelece o alcance da obrigação de
reparar três medidas a serem tomadas pelo Estado que seja
garantido ao lesado o gozo do direito ou liberdades violados,
que seja reparadas as conseqüências da medida ou situação
que haja configurado a violação desses direitos, e que seja
paga uma justa indenização.
6.3
A responsabilidade do Estado
As
falhas no cumprimentob destes compromissos também constituem-se
em falhas à Convenção. Por exemplo, se num país um agente de
Estado executa arbitrariamente um ativista, e o caso é
investigado, são punidos os responsáveis, porém não é
indenizado pecuniariamente os familiares da vítima, o Estado
está em falta com os seus compromissos internacionais, de
acordo com o estabelecido na Convenção.
Assim,
um ato de agente do Estado, proveniente de qualquer de seus órgãos
- tanto do Poder Executivo como do Poder Judiciário, por
exemplo - pode gerar responsabilidade mesmo que atue fora do
exercício de suas funções ou sem que esteja aparantemente
exercendo sua autoridade (esteja sem a sua farda ou uniforme).
Por exemplo, no caso de Neira
Alegria y outros contra o Peru, tal Estado foi condenado
pelo violação ao direito à vida por um ato de
desproporcionalidade no uso da força. Neste caso a Corte
entendeu que o bombardeio e a demolição de um presídio não
é o meio adequado para impedir uma rebelião, determinando:
"É
um princípio de Direito Internacional que o Estado responda
pelos atos de seus agentes realizados amparados pelo seu caráter
oficial e pelas omissões dos mesmos ainda que estes atuem fora
dos limites de sua competência ou em violação ao direito
interno."(17)
Por
outro lado, uma pessoa que atue com a complacência ou tolerância
das autoridades estatais, pode igualmente, gerar
responsabilidade estatal. Por exemplo, aqueles grupos de civis
que, com a tolerância do Estado, iniciam uma política de
desaparecimentos forçados de opositores políticos geram a
responsabilidade internacional deste Estado.
A
análise dos casos em que particulares atuam com a tolerância
ou complacência de agentes do Estado é central para denunciar
as violações dos direitos direitos humanos, particularmente em
situações de confronto e violência, nas quais quem executa o
ato que afeta a pessoa não é um agente de Estado.
6.4
A Convenção Americana nos Estados Federais
A
chamada claúsula federal da Convenção Americana estabelece:
"Artigo
28.
1.
Quando se tratar de um Estado Parte constituído como Estado
Federal, o governo nacional do aludido Estado Parte cumprirá
todas as disposições da presente Convenção, relacionadas com
as matérias sobre as quais exerce competência legislativa e
judicial.
2.
No tocante às disposições relativas às matérias que
correspondem à competência das entidades componentes da federação,
o governo nacional deve tomar imediatamente as medidas
pertinentes, em conformidade com a sua constituição e suas
leis, a fim de que as autoridades competentes das referidas
entidades possam adotar as disposições cabíveis para o
cumprimento desta convenção.
3.
Quando dois ou mais Estados Partes decidirem constituir
entre eles uma federação ou outro tipo de associação,
diligenciarão no sentido de que o pacto comunitário respectivo
contenha as disposições necessárias para que continuem sendo
efetivas no novo Estado assim organizado as normas presentes da
convenção.
Há
países que já tentaram muitas vezes amparar-se em suas
estruturas de Estados Federais para justificar o não
cumprimento de suas obrigações internacionais. Daí, tal cláusula
ter sido classificada como um "anacronismo", que gera
dificuldades que ainda não foram solucionadas pelos órgãos do
sistema. Os Estados são livres e soberanos para adotar a forma
federal, unitária ou a que decidam como pertinente. Entretanto,
não devem violar a Convenção amparando-se em sua forma
federal de governo. A Corte já dispôs ao referir-se ao artigo
1.1 que a obrigação de garantia implica no dever dos Estados
Partes de organizarem em todas as estruturas através das quais
se manifesta o exercício do poder público sejam federais ou
locais - e acrescentamos - de forma tal que sejam capazes
juridicamente o livre e pleno exercício dos direitos humanos
(18).
A
partir desta perspectiva, considera-se que a Convenção
Americana estabelece como deveres fundamentais a cargo dos
Estados Partes, como é o caso do Brasil, os de respeito e
garantia do pleno exercício dos direitos humanos nela
reconhecidos (art. 1.1). Adicionalmente coloca para os Estados
Partes com organização federal, como é o caso do Brasil, a
obrigação de adotar as disposições de direito interno
pertinentes necessárias para cumprir tais deveres (art. 2 e
art. 28.3).
Assim
é pertinente considerar o disposto pela Comissão no seu
informe no 8/91, caso no 10.180, contra o
Estado do México: "... o artigo 28.2 da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, reconhecendo e respeitando
cada sistema federal em particular requer que o governo central
adote as medidas que permitirão às autoridades das entidades
componentes da Federação alcançar "o cumprimento desta
Convenção". Esta norma permite aos Estados Partes
organizados em um regime federal assegurar o total cumprimento
da Convenção no marco de seu sistema federal." (Tradução
nossa).
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