A CIDADE DO SOL
Tommaso
Campanella
ÍNDICE
NOTÍCIA BIOGRÁFICA
INTERLOCUTORES
QUESTÕES SOBRE A ÓTIMA REPÚBLICA
ARTIGO PRIMEIRO
ARTIGO SEGUNDO
ARTIGO TERCEIRO
NOTAS
NOTÍCIA BIOGRÁFICA
Tommaso Campanella nasceu em Stilo,
no dia 5 de Setembro de 1568. Ainda muito jovem, já se revelava
em seu espírito o pendor para a filosofia. Seu pai,
contrariando-lhe a vocação, quis fazer dele um jurista, ao que
Campanella se opôs tenazmente. Sua primeira obra foi a
Philosophia Sensibus Demonstrata (1),
que lhe valeu a acusação de heresia. Tendo deixado o convento em
que iniciara os estudos, empreendeu uma viagem pela Itália, através
da qual ficou conhecendo os homens mais ilustres do seu tempo.
Voltando a Stilo e sempre preocupado
em operar uma reforma que servisse para enfraquecer o domínio da
autoridade, Campanella iniciou sua atividade política tentando
organizar uma conspiração contra o despotismo espanhol. Isso o
levou ao cárcere, onde permaneceu vinte e sete anos. Libertado em
1626, seguiu para Roma, onde foi bem recebido pelo papa Urbano
VIII. Logo, porém, tornou-se alvo de novos ataques e, perseguido,
foi obrigado a fugir para a França. Morreu em Paris, em 1639.
Mártir do livre pensamento,
Campanella ocupa, também como filósofo, um lugar importante
entre os grandes homens de sua época. Suas obras, quer o
Prodromus Philosophiae Instaurandae (2),
quer os Dogmata Universalis Philosophiae (3).,
quer a Realis Philosophiae Partes Quatuor (4),
oferecem aspectos doutrinários que, embora discutíveis, não
deixam de ser extremamente interessantes.
A Cidade do Sol é a mais popular
das obras de Campanella. Essencialmente idealista, está no mesmo
plano da Utopia, de Thomas More (5),
e da República, de Platão (6).
Sem entrar na apreciação do sistema proposto por Campanella, é
forçoso reconhecer em A Cidade do Sol uma das obras-primas da
literatura universal.
INTERLOCUTORES
O Grão-Mestre dos Hospitalários (7)
e um Almirante genovês, seu hóspede.
Grão-mestre - Vamos, peço-lhe,
conte finalmente o que lhe aconteceu durante essa viagem.
Almirante.- Já lhe disse como fiz a
volta da terra e, por fim, perto da Taprobana (8),
como fui constrangido a desembarcar e, com receio dos habitantes,
a embrenhar-me numa floresta, de onde só sai, depois de muito
tempo, para alcançar uma extensa planície sob a linha do
equador.
G.-M. - E que lhe sucedeu, então?
ALM. - Subitamente, encontramos um
numeroso grupo de homens e mulheres, todos armados, alguns
conhecendo nossa língua, que logo nos fizeram companhia e nos
levaram à Cidade do Sol.
G.-M. - Pode dizer-me como é
construída essa cidade e qual a sua forma de governo?
ALM. - A maior parte da cidade está
situada sobre uma alta colina que se eleva no meio de vastíssima
planície. Mas, as suas múltiplas circunferências se estendem
num longo trecho, além das faldas do morro, de forma que o diâmetro
da cidade ocupa mais de duas milhas, por sete do recinto total.
Mas, achando-se sobre uma elevação, apresenta ela uma capacidade
bem maior do que se estivesse situada numa planície
ininterrompida. Divide-se em sete círculos e recintos
particularmente designados com os nomes dos sete planetas. Cada círculo
se comunica com o outro por quatro diferentes caminhos, que
terminam por quatro portas, voltadas todas para os quatro pontos
cardeais da terra. A cidade foi construída de tal forma que, se
alguém, em combate, ganhasse o primeiro recinto, precisaria do
dobro das forças para superar o segundo, do triplo para o
terceiro, e, assim, num contínuo multiplicar de esforços e de
trabalhos, para transpor os seguintes. Por essa razão, quem se
propusesse expugná-la precisaria recomeçar sete vezes a empresa.
Considero, porém, humanamente impossível conquistar apenas o
primeiro recinto, de tal maneira é ele extenso, munido de
terraplenos e guarnecido de defesas de toda sorte, torres, fossas
e máquinas guerreiras. Assim é que, tendo eu entrado pela porta
que dá para o setentrião (toda coberta de ferro e fabricada de
modo que pode ser levantada e abaixada, fechando-se com toda a
facilidade e com plena segurança, graças à arte maravilhosa com
que as suas engrenagens se adaptam às aberturas dos possantes
umbrais), o que primeiro me despertou a atenção foi o intervalo
formado por uma planície de setenta passos de extensão e situada
entre a primeira e a segunda muralhas. Distinguem-se, daí, os
grandiosos palácios que, de tão unidos uns aos outros, ao longo
da muralha do segundo círculo, parecem mais um só edifício. A
meia altura desses palácios, vêem-se surgir, de fora para dentro
do círculo, várias arcadas com galerias superiores, sustentadas
por elegantes colunas e circundando quase toda a parte inferior do
pórtico, à maneira dos peristilos ou dos claustros religiosos.
Em baixo, além disso, só estão encravados na parte côncava das
muralhas, e é caminhando no plano que se penetra nos
compartimentos inferiores, ao passo que, para alcançar os
superiores, devem subir-se umas escadas de mármore que conduzem
às galerias internas, chegando-se então às partes mais altas e
mais belas dos edifícios, as quais recebem luz pelas janelas
existentes tanto na parte côncava como na convexa das muralhas,
estupendas por sua sutileza. Cada muralha convexa, isto é, a sua
parte externa, tem uma espessura de cerca de oito palmos, por três
somente da parte côncava, ou seja a sua parte interna, enquanto
os tabiques têm apenas um, ou pouco mais. Atravessada a primeira
planície, chega-se à segunda, mais estreita uns três passos, e
aí se descobre a primeira muralha do segundo círculo, igualmente
guarnecido de palácios que, como os do primeiro círculo, possuem
galerias em baixo e em cima, havendo na parte interior outra
muralha interna que circunda os palácios e tem em baixo sacadas e
peristilos sustentados por colunas, sendo que em cima, onde se
acham as portas das casas superiores, apresenta preciosas
pinturas. E assim, por esses círculos e duplas muralhas que
cercam os palácios, ornados de galerias sustentadas por colunas,
chega-se à última parte da cidade, sempre caminhando no plano. Só
quando se entra pelas portas duplas dos vários circuitos, uma na
muralha interna e a outra na externa, é que se sobem uns degraus
de tal forma construídos que mal se sente a subida, pois estão
colocados obliquamente e muito pouco mais elevados uns do que os
outros. No cimo do monte, encontra-se, então, uma espaçosa planície,
em cujo centro se ergue um templo de maravilhosa construção.
G.-M. - Continue, vamos,
suplico-lhe, continue.
ALM. - O templo é todo redondo e não
está encerrado entre as muralhas, mas apoiado em maciças e
elegantes colunas. A abóbada principal, obra admirável, ocupando
o centro ou o pólo do templo, compreende uma outra, mais elevada
e de menores dimensões, que apresenta no meio uma abertura,
diretamente voltada para cima do único altar, situado no meio do
templo e todo cercado de colunas. A capacidade do templo é para
mais de trezentos e cinqüenta passos. Por fora dos capitéis das
colunas e apoiando-se nestas, erguem-se outras arcadas de cerca de
oito passos de extensão, sustentadas externamente por outras
colunas, às quais adere, em baixo, uma grossa muralha de três
passos de altura. Dessa forma, as colunas do templo, e as que
sustentam a arcada externa formam, no seu intervalo, as galerias
inferiores, de magnífico pavimento. Interiormente, a pequena
muralha é freqüentemente interrompida por portas e, de espaço a
espaço, se vêem bancos fixos, além dos numerosos e elegantes
bancos portáteis que se encontram entre as colunas internas que
sustentam o templo. Em cima do altar, há dois globos: no maior
está pintado todo o céu, e no menor a terra. Na área da abóbada
principal, estão pintadas as estrelas celestes, da primeira à
sexta grandeza, todas assinaladas com seus nomes, seguidos de três
versículos que revelam a influência que cada estrela exerce
sobre as vicissitudes terrenas. Os pólos e os círculos maiores e
menores, segundo o seu aproximado horizonte, acham-se indicados,
mas não acabados no templo; de vez que em baixo não há muralha;
parecem, contudo, existir em sua inteireza, dada a relação com
os globos colocados em cima do altar. O pavimento é ornado de
pedras preciosas, e sete lâmpadas de ouro, cada qual com o nome
de um dos sete planetas, ardem continuamente. A pequena abóbada
do vértice do templo é circundada por celas estreitas, mas
elegantes e, depois do espaço plano existente sobre as arcadas
das colunas internas e externas, há outras celas espaçosas e bem
mobiladas, habitadas por quarenta e nove sacerdotes e religiosos.
Uma bandeira móvel, indicando a direção dos ventos (dos quais
eles distinguem até ao número de trinta e seis), eleva-se acima
do ponto extremo da abóbada menor, e assim conhecem a estação
que trarão os ventos, as mudanças que se verificarão na terra e
no mar, mas unicamente sob o clima próprio. Sob a mesma bandeira,
observa-se um quadrante escrito com letras de ouro.
G.-M. - Homem generoso, explique-me
o modo por que se rege essa gente. Eu esperava, impaciente, por
esse ponto.
ALM. - O supremo regedor da cidade
é um sacerdote que, na linguagem dos habitantes, tem o nome de
Hoh. Nós o chamaremos de Metafísico. Sua autoridade é absoluta,
estando-lhe submetidos o temporal e o espiritual. Depois do seu juízo,
deve cessar qualquer controvérsia. É incessantemente assistido
por três chefes, chamados Pon, Sin e Mor, nomes que, entre nós,
eqüivalem a Potência, Sapiência e Amor.
A Sapiência tem o governo de tudo o
que se relaciona com a paz e a guerra, como de tudo o que se
relaciona com a arte militar. Esse triúnviro não reconhece
superiores na administração militar, exceto Hoh. Preside aos
magistrados militares, ao exército, competindo-lhe vigiar as munições,
as fortificações, as construções, em suma, tudo quanto diz
respeito a tal gênero de coisas.
À Sapiência compete a direção
das artes liberais, mecânicas, e de todas as ciências, bem como
a dos respectivos magistrados, dos doutores e das escolas de
instrução. Obedecem-lhe, pois, tantos magistrados quantas são
as ciências. Há um magistrado que se chama Astrólogo, outros
Cosmógrafo, Aritmético, Geômetra, Historiógrafo, Poeta, Lógico,
Retórico, Gramático, Médico, Fisiólogo, Político, Moralista,
havendo para eles um único livro chamado Saber, no qual, com
maravilhosa concisão e clareza, estão inscritas todas as ciências.
Esse livro é por eles lido ao povo segundo o método dos pitagóricos.
A Sapiência, além disso, com ordem
admirável, fez adornar as muralhas externas e internas,
superiores e inferiores, com preciosíssimas pinturas
representando todas as ciências. Nas muralhas externas do templo
e nas cortinas, que se abaixam quando o sacerdote faz o sermão,
para que a voz não se disperse, vêem-se pintadas as estrelas com
suas virtudes, grandezas e movimentos, tudo explicado em três
versículos especiais.
Na parede interna do primeiro círculo,
foram pintadas todas as figuras matemáticas, muito mais numerosas
do que as descobertas por Arquimedes (9)
e Euclides (10)
e tão grandes quanto o permitem as proporções das paredes. Um
breve conceito, contido num verso, faz conhecer o significado de
cada uma, com definições, proposições, etc.
Na parede externa do mesmo círculo,
descobrem-se, primeiro, uma completa e extensa descrição de toda
a terra e, em seguida, as cartas particulares das províncias,
cujas cerimônias, costumes, leis, origens e forças dos
habitantes vêm brevemente esclarecidos. Os alfabetos das diversas
nações aparecem, igualmente, ao lado do alfabeto da Cidade do
Sol.
No interior do segundo círculo, ou
seja das segundas casas, estão todos os gêneros de pedras
preciosas e comuns, de minerais e metais, não só representados
por gravuras, mas também existindo em pedaços verdadeiros, cada
qual com explicações especiais em dois versos. Na parte externa
desse círculo, aparecem indicados todos os mares, rios, lagoa e
fontes da terra, assim como os vinhos, óleos e licores, com a sua
procedência, qualidade e propriedades. Em cima das arcadas, há vários
frascos ligados à muralha, cheios de diferentes líquidos,
existentes de cem a trezentos anos, que servem como remédios para
diversas enfermidades. Além disso, figuras especiais e versículos
dão instruções sobre o granizo, a neve, os trovões e tudo
quanto se forma na atmosfera. Os cidadãos solares conhecem também
a arte pela qual se podem reproduzir, dentro de uma habitação,
todos os fenômenos meteorológicos, os ventos, as chuvas, o trovão,
o arco-íris, etc.
No interior do terceiro círculo,
encontram-se as gravuras de todos os gêneros de plantas e ervas,
algumas das quais vivem dentro de vasos colocados sobre as arcadas
da parede externa. As declarações que lhes vão anexas ensinam o
lugar da primeira descoberta, as suas forças, propriedades e relações
com as coisas celestes, com as diferentes partes do organismo
humano, com as produções metálicas e marinhas, e também o uso
particular de cada uma em medicina, etc. Na parte externa, vêem-se
os peixes de cada espécie, de rios, lagoa e mares, os seus hábitos,
qualidades, modos de geração, de vida e de criação, o uso a
que o mundo e nós lhe fazemos servir, enfim, as suas relações
com as coisas celestes e terrestres, produzidas pela natureza e
pela arte. Assim é que não foi passageira a minha maravilha ao
descobrir os peixes Bispo, Cadeia, Couraça, Prego, Estrela e
outros, imagens perfeitas de coisas existentes entre nós. Vêem-se
ainda ouriços, conchas, ostras, etc. Finalmente, nesse círculo,
uma pintura e uma inscrição verdadeiramente admiráveis instruem
sobre tudo quanto o mundo áqueo encerra digno de atenção.
No interior do quarto círculo, estão
representadas todas as espécies de pássaros, suas qualidades,
grandezas, índoles, costumes, cores e vida, e o que causa maior
admiração é descobrir, entre eles, a verdadeira Fênix (11).
A parte externa apresenta todos os gêneros de animais, répteis,
serpentes, dragões, vermes, insetos, moscas, mosquitos, tavões,
escaravelhos, etc., com suas particulares propriedades, distinções
e usos, e numa abundância apenas acreditável.
No interior do quinto círculo,
aparecem todos os gêneros de animais terrestres mais perfeitos,
num número portentoso. Não conhecemos senão a milésima parte
deles; sendo muito grandes, não poucos foram pintados na parte
externa do mesmo círculo. E, agora, quantas coisas poderia eu
contar! quantas espécies de cavalos! quanta beleza de figuras!
No interior do sexto círculo,
encontram-se pintadas todas as artes mecânicas e os seus
instrumentos, e como as usam as diversas nações, cada uma
ordenada e explicada segundo o próprio valor, e trazendo também
o nome do inventor respectivo. Na parte externa, estão
representados todos os homens mais eminentes nas ciências, nas
armas e na legislação. Vi Moisés (12),
Osiris (13), Júpiter
(14), Mercúrio (15),
Licurgo (16),
Pompílio (17),
Pitágoras (18),
Zamolhim, Sólon (19),
Caronda (20),
Foroneu (21) e
muitissimos outros. Quem mais? O próprio Maomé (22)
foi representado, embora o reputem um legislador falaz e
desonesto. Vi a imagem de Jesus Cristo colocada num lugar eminentíssimo,
juntamente com as dos doze apóstolos, por eles altamente
venerados e julgados superiores aos homens. Debaixo dos pórticos
externos, vi representados César (23),
Alexandre (24),
Pirro (25),
Anibal (26), e
outras celebridades, quase todos cidadãos romanos, ilustres na
paz e na guerra. Como eu perguntasse, maravilhado, como conheciam
a nossa história, responderam-me que cultivavam todas as línguas,
que costumavam enviar exploradores e embaixadores a toda parte da
terra para aprender os costumes, as forças, o governo, a história,
os bens e os males de todos os países, e que os habitantes
solares são muito desejosos de tais instruções. E eu soube que,
antes de nós, foram os chineses que descobriram a pólvora e a
imprensa. Há professores que explicam essas gravuras, habituando
as crianças com menos de dez anos a aprender sem fadiga, como uma
espécie de divertimento, todas as ciências, mas tudo pelo método
histórico.
O terceiro triúnviro é o Amor, que
tem o primeiro papel no que diz respeito à geração. Sua
principal função é que a união amorosa se realize entre indivíduos
de tal modo organizados, que possam produzir uma excelente prole.
Escarnecem de nós por nos esforçarmos pelo melhoramento das raças
dos cães e dos cavalos, e nos descuidarmos totalmente da dos
homens. Ao seu governo está submetida a educação das crianças,
a arte da farmácia, como também a semeadura e a colheita dos
cereais e das frutas, a agricultura, a pecuária e a preparação
das mesas e dos alimentos. Em suma, o Amor regula tudo quanto se
refere à alimentação, ao vestuário e à geração, como também
os numerosos mestres e mestras incumbidos desses misteres.
Esses três tratam de todas essas
coisas em colaboração com o Metafísico, sem o qual nada se faz.
E assim a república é governada por quatro, mas, em geral, onde
propende a vontade do Metafísico, inclina-se a dos outros.
G.-M. - Mas, diga-me, amigo: os
magistrados, as repartições, os cargos, a educação, todo o
modo de viver é mesmo o de uma verdadeira república, ou o de uma
monarquia ou de uma aristocracia?
ALM. - Aquele povo ali se encontra
vindo da Índia, por ele abandonada para livrar-se da desumanidade
dos magos, dos ladrões e dos tiranos, que atormentavam aquele país.
Todos determinaram, então, começar uma vida filosófica, pondo
todas as coisas em comum. E, se bem que em seu país natal não
esteja em voga a comunidade das mulheres, eles a adotaram
unicamente pelo princípio estabelecido de que tudo devia ser
comum e que só a decisão do magistrado devia regular a igual
distribuição. As ciências e, em seguida, as dignidades e os
prazeres são comuns, de forma que ninguém pode apropriar-se da
parte que cabe aos outros.
Dizem eles que toda espécie de
propriedade tem sua origem e força na posse separada e individual
das casas, dos filhos, das mulheres. Isso produz o amor-próprio,
e cada um trata de enriquecer e aumentar os herdeiros, de maneira
que, se é poderoso e temido, defrauda o interesse público, e, se
é fraco, se torna avarento, intrigante e hipócrita. Ao contrário,
perdido o amor-próprio, fica sempre o amor da comunidade.
G.-M. - Então, ninguém terá
vontade de trabalhar, esperando que os outros trabalhem para o seu
sustento, de acordo com a objeção de Aristóteles (27)
a Platão.
ALM. - Não me constou que isso
desse motivo para divergências, mas posso afirmar-lhe que mal se
pode imaginar a imensidade do amor que aquele povo nutre pela pátria,
revelando-se nisso superior aos antigos romanos, que
espontaneamente se ofereciam em holocausto pela salvação comum E
assim devia ser, porque o amor à coisa pública aumenta na medida
em que se renuncia ao interesse particular. Acredito, pois, que,
se os nossos monges e clérigos não estivessem viciados por
excessiva benevolência para com os parentes e os amigos, e se
mostrassem menos roídos pela ambição de honras cada vez mais
elevadas, teriam, com menor afeição pela propriedade adquirida,
louvores de mais bela santidade, e, semelhantes aos apóstolos e a
muitos dos tempos presentes, apareceriam ao mundo como exemplos da
caridade mais sublime.
G.-M. - Isso já o disse Santo
Agostinho (28).
Mas, por favor, diga-me uma coisa: os habitantes solares, não
podendo, permutar benefícios entre si, conhecerão a amizade?
ALM. - Sim, e é grandemente
sentida. É por isso que, embora ninguém possa receber favores
particulares, porque todos obtêm da comunidade o necessário e os
magistrados velam para que ninguém receba mais do que merece (sem
que nunca o necessário lhe seja negado), a amizade encontra ocasião
de se mostrar em caso de guerra ou de enfermidades, ou pela prática
de mútuo auxilio no estudo das ciências e, às vezes, também
pela troca de louvores, de funções ou do necessário. Todos os
contemporâneos se chamam irmãos, adquirem o nome de pais depois
da idade de vinte e dois anos, e, antes dessa idade, dizem-se
filhos, sendo uma das funções primárias dos magistrados impedir
qualquer ofensa entre os confrades.
G.-M. - E como se consegue isso?
ALM. - Nessa cidade, o número e os
nomes dos magistrados correspondem às virtudes que conhecemos. Há
os que se chamam Magnanimidade, Fortaleza, Castidade,
Liberalidade, Justiça criminal e civil, Diligência, Verdade,
Beneficência, Gratidão, Hilaridade, Exercício, Sobriedade, etc.
Aquele que, desde a infância, se mostra, nas escolas, mais
propenso ao exercício de alguma dessas virtudes, é chamado
magistrado. Assim, não sendo possíveis, entre eles, os latrocínios,
os assassinatos, as traições, os estupros, os incestos, os adultérios
e outros delitos de que incessantemente nos lamentamos, os que os
praticam são declarados culpados de ingratidão, malignidade
(quando se nega uma satisfação devida), preguiça, tristeza, cólera,
baixeza, maledicência e mentira, delito este mais detestado do
que a peste. E as penas mais em voga são a privação da mesa
comum e a proibição das mulheres e de outras honras, pelo tempo
que o Juiz julgar necessário para a correção.
G.-M. - Pode explicar-me, agora, o
sistema de eleição dos magistrados?
ALM. - Antes de lhe expor o método
de vida dessa gente, não me é possível satisfazer plenamente o
seu pedido. É preciso saber que tanto os homens como as mulheres
usam roupas iguais, próprias para a guerra, com a única diferença
de que, nas mulheres, a toga cobre os joelhos, ao passo que os
homens os têm descobertos. Todos, sem distinção, são educados
juntos em todas as artes. Transcorrido o primeiro ano e antes do
terceiro, os meninos aprendem a língua e o alfabeto passeando nas
salas, todos divididos em quatro manípulos presididos por velhos
veneráveis, que são guias e mestres de probidade superior a toda
prova.
Depois de algum tempo, começam os
exercícios de luta, corrida, disco e outros jogos ginásticos,
feitos todos com o fim de fortalecer adequadamente o corpo, e
sempre com os pés descalços e a cabeça descoberta, até aos
sete anos de idade. Distribuídos por manípulos, são eles
conduzidos às diferentes oficinas das artes: a dos sapateiros, a
dos cozinheiros, a dos artífices, a dos pintores, etc. Para que
seja observada a tendência especial de cada engenho, depois dos
sete anos, adquiridas já as noções matemáticas mediante as
pinturas das muralhas, aplicam-se ao estudo das ciências
naturais. As lições são recitadas a cada manípulo por quatro
mestres diferentes, os quais terminam em quatro horas todas as
partes da instrução. Em seguida, enquanto uns exercitam o corpo,
outros atendem às funções públicas ou se dedicam às lições.
Depois, começa o estudo das matérias mais difíceis, das matemáticas
sublimes, da medicina e de outras ciências, e continuamente, no
intervalo dos exercícios, travam-se discussões científicas. Com
o tempo, os que mais se distinguiram numa ciência, ou numa arte
mecânica, são eleitos magistrados. A agricultura e a pecuária são
ensinadas por meio da observação, e todos, guiados pelo próprio
chefe e juiz, dirigem-se para o. campo, onde examinam e aprendem
as modalidades de trabalho, sendo considerado o primeiro e o maior
o que tiver conhecimento de maior número de artes e souber exercê-las
com critério. Não posso exprimir-lhe quanto desprezo têm por nós,
por chamarmos de ignóbeis os artífices e de nobres os que, não
sabendo fazer coisa alguma, vivem no ócio e sacrificam tantos
homens que, chamados servos, são instrumentos da preguiça e da
luxúria. Dizem ainda que não é de admirar que dessas casas e
escolas de torpeza saiam catervas de intrigantes e malfeitores,
com infinito dano para o interesse público.
Os outros funcionários são eleitos
pelos quatro primazes - Hoh, Pon, Sin e Mor, - juntamente com os
magistrados da arte a que devem consagrar-se. A obrigação dos
quatro pontífices é conhecer perfeitamente, em determinada arte
ou virtude, a idoneidade do que deve tornar-se seu regedor. Quando
ocorre uma eleição, os idôneos são propostos numa assembléia
dos magistrados, não sendo permitido que ninguém se apresente
candidato a se chamar alguma coisa, pois todos podem expor o que
sabem contra ou a favor dos elegendos. Ninguém aspira à
dignidade de Hoh sem conhecer profundamente a história de todos
os povos, os ritos, os sacrifícios, as leis das repúblicas e das
monarquias, assim como os inventores das leis, das artes, e os fenômenos
e vicissitudes terrestes e celestes. Acrescente-se a isso o
conhecimento de todas as artes mecânicas, cada uma das quais eles
aprendem quase no espaço de três dias, embora não se tornem
perfeitos na execução, que é, contudo, facilitada pelo exercício
e pelas pinturas. Além disso, é mister ser versadíssimo nas ciências
físicas e astrológicas. Já não se dá a mesma importância ao
conhecimento das línguas, para as quais existem numerosos intérpretes,
que na república se chamam gramáticos. Mas, de absoluta
necessidade é conhecer integralmente as ciências metafísicas e
teológicas. Devem conhecer-se, em seguida, as raízes, os
fundamentos e as provas de todas as artes e ciências, as relações
de conveniência e inconveniência das coisas, a necessidade, o
destino, a harmonia do mundo, a potência, a sabedoria e o amor
das coisas de Deus, as gradações dos seres, os seus símbolos
com as coisas celestes, terrestres e marítimas, e com os ideais
em Deus, na medida em que isso à concedido à mente humana.
Finalmente, é necessário ter aprofundado, com longos estudos, as
profecias e a astrologia. Por isso, o futuro Hoh é reconhecido
muito tempo antes da eleição. Este só pode ocupar tão eminente
dignidade depois de completar o sétimo lustro. O cargo é perpétuo,
enquanto não se descobre outro mais sábio e melhor indicado para
governar a república.
G.-M. - Mas, qual é o homem capaz
de possuir tanta doutrina? Um cientista não será, talvez, o
menos idôneo para o regime da república?
ALM. - Essa objeção também foi
apresentada por mim, e eis a resposta que obtive: Estamos tão
certos de que um sábio pode ter aptidões para o bom governo de
uma república quanto vós, que preferis homens ignorantes,
julgados hábeis somente porque descendem de príncipes ou são
eleitos pela prepotência de um partido. Mas, o nosso Hoh, mesmo
admitindo que seja inexpertíssimo em qualquer forma de governo,
nunca se tornará cruel, celerado ou tirano, pois possui uma
imensa sabedoria. Essa objeção pode ter força entre vós, que
chamais de sábio o homem que leu maior número de gramáticas ou
de lógicas de Aristóteles ou outros autores, de forma que, ao se
querer consultar um sábio dos vossos países, o único resultado
que se obtém é uma obstinada fadiga e um servil trabalho de memória
que habituam o homem à inércia, pois não encontra estímulo em
penetrar no conhecimento das coisas e se contenta em possuir um
acervo de palavras, aviltando a alma, e fatigando-a sobre letras
mortas. Tais sábios ignoram como todos os seres são governados
pela causa primeira e quais as regras e hábitos da natureza e das
nações. Isso não acontece com o nosso Hoh, uma vez que, para
aprender tantas artes e ciências, é necessário ser dotado de
vastíssimo engenho para tudo, o que o torna habilíssimo também
para o governo político. Além disso, é sabido que não conhece
nenhuma ciência quem só foi instruído numa, tendo engenho tardo
e desprezível todo aquele que, apto numa única ciência, a
possui, ainda assim, tomada de empréstimo aos livros. Semelhante
juízo não se pode fazer do nosso Hoh. Os três primazes que o
assistem devem ser profundos conhecedores, em particular, das
artes que mais imediatamente se relacionam com o seu cargo,
bastando que só historicamente conheçam as artes comuns. Assim,
a Potência é peritíssima na arte equestre, na de coordenar um
exército, de preparar os acampamentos, ou de fabricar as armas, e
em cada assunto militar, como estratagemas, máquinas, etc. Mas,
para alcançar esse objetivo, é mister que a Potência tenha noções
de filosofia, de história, de política, de física, etc. E o
mesmo se pode dizer dos outros dois triúnviros.
Voltando, agora, a falar sobre o seu
método de vida e a excelência dos seus meios de instrução,
devo informar-lhe que, naquela cidade, as ciências são
aprendidas com tanta facilidade que as crianças ficam sabendo num
ano o que entre nós só se adquire depois de dez ou quinze anos
de estudo. Solicitado a interrogar os alunos, nem sei exprimir-lhe
que surpresa tive ao ouvir respostas tão prontas, tão
verdadeiras e tão sábias de alguns que falavam correntemente a
nossa língua. Para isso, está estabelecido que três de cada manípulo
devem aprender o nosso idioma, outros três o árabe, três o
polaco e três outros línguas especiais.
Antes de se tornarem doutores, não
lhes é concedido repouso algum: depois do estudo, vão para o
campo, onde se exercitam em corrida, arco, lança, arcabuz, caça,
ou em botânica, mineralogia, agricultura, pecuária.
G.-M. - Desejaria, agora, que me
expusesse e classificasse as funções públicas, antes de me
falar detalhadamente da educação.
ALM. -
Eles têm em comum as casas, os dormitórios, os leitos, todas as
coisas necessárias. Mas, depois de seis meses, os mestres
escolhem os que devem dormir neste ou naquele lugar: quem no
primeiro quarto, quem no segundo, etc. - tudo indicado pelos
alfabetos existentes no alto das entradas. Homens e mulheres se
aplicam em comum a todas as artes mecânicas e especulativas, com
a diferença de que as artes que requerem fadiga e marcha são
exercitadas pelos homens, como arar, semear, colher as frutas,
trabalhar na eira, fazer a vindima, etc., ao passo que as mulheres
se dedicam a ordenhar o gado e fazer o queijo, além de se
dirigirem às hortas vizinhas das muralhas da cidade para cultivar
e colher legumes. Todas as artes, pois, que exigem que se fique
sentado ou de pé, competem às mulheres: tecer, fiar, cozinhar,
cortar o cabelo e a barba, preparar remédios e toda sorte de
roupas. Estão, contudo, isentas de trabalhar em madeira e em
ferro. Se há, porém, alguma que revele aptidão para a pintura,
dão-lhe a possibilidade de exercitar-se. A música, ao contrário,
é permitida somente às mulheres e, às vezes, também às crianças,
por serem suscetíveis de proporcionar maior deleite,
excluindo-se, todavia, o uso das trompas e dos tímpanos. As
mulheres preparam também os alimentos e estendem as toalhas, mas
o serviço das mesas compete aos meninos, bem como às meninas que
ainda não completaram vinte anos. Cada círculo possui cozinhas e
despensas próprias, além de todos os utensílios necessários
para comer e beber. Cada oficina é presidida por um velho e uma
velha., que, de comum acordo, dão ordens aos ministrantes,
podendo castigar ou ordenar que se castiguem os negligentes, os
refratários, os desobedientes. Observam e tomam nota do gênero
de ofício em que mais se distinguiu um menino ou uma menina. A
juventude serve aos que ultrapassaram os quarenta anos, e o dever
dos mestres e das mestras é vigiar à noite, quando vão
descansar, e, de manhã, pôr em função os que devem
substitui-los, sendo escolhidos um ou dois para cada quarto. Os
jovens servem-se reciprocamente, e ai dos renitentes! Há as
primeiras e as segundas mesas, cada qual com seus respectivos
assentos. Sentam-se primeiro as mulheres, depois os homens, e,
conforme ao uso dos monges, não é permitido nenhum rumor.
Durante a refeição, um jovem lê, de uma alta tribuna, com voz
distinta e sonora, algum livro, sendo a leitura freqüentemente
interrompida pelos magistrados, que fazem observações sobre as
passagens mais importantes. Belíssima de ver-se é essa
juventude, sucintamente vestida, prestar aos seus maiores, com
grande oportunidade, toda espécie de serviços. É um imenso
conforto observar como vivem em comum, em perfeita harmonia, com
extrema modéstia, decoro e amor, tantos amigos, irmãos, filhos,
pais e mães. Cada um recebe um guardanapo, um prato e uma porção
de alimento. Incumbe aos médicos dar aos cozinheiros do dia
instruções sobre a qualidade dos alimentos que devem ser
preparados, indicando os que convém aos velhos, aos jovens e aos
doentes. Todos os magistrados recebem uma porção um pouco maior
e mais escolhida, da qual; durante a refeição, distribuem uma
parte aos meninos que de manhã mais se distinguiram nas ciências
ou nas armas. Esse favor é ambicionado como um dos mais
preclaros. Nos dias de festa, à hora do jantar, há canto e música,
mas com poucas vozes, sendo às vezes uma somente, acompanhada por
uma cítara, etc. Como o serviço da mesa é feito por muitos e
com diligência, nunca se ouve uma queixa por faltar alguma coisa.
Velhos veneráveis presidem ao regular funcionamento da cozinha e
aos preparadores dos alimentos, como também à limpeza das camas,
dos quartos, dos vasos, da roupa, das oficinas e dos ingressos,
atribuindo a tudo isso enorme importância.
No que diz respeito ao vestuário,
trazem sobre o corpo uma camisa branca e, em seguida, o hábito,
que serve ao mesmo tempo de colete e de calça, sem pregas,
lateralmente aberta no alto e em baixo das pernas, e do meio do
umbigo às nádegas, entre as extremidades das coxas. As orlas das
aberturas anteriores são fechadas por botões pregados por fora,
e as dos laterais por laços. As botas aderem à calça e descem
até aos calcanhares. Os pés são cobertos, também, por meias de
lã da forma de semicoturnos e presas por fivelas. Sobre essas é
que vêm os sapatos. Finalmente, como já disse, vestem a toga. Tão
bem feitas são essas roupas que, levantando a toga, verá você,
claramente e sem temor de se enganar, as partes bem proporcionadas
de toda a pessoa.
Mudam quatro roupas diferentes por
ano, ao entrar o Sol no Áries (29),
no Câncer, na Libra e no Capricórnio. A qualidade e a
necessidade são decididas pelo médico, ao passo que a distribuição
compete ao encarregado do vestuário em cada círculo. Você
decerto se admiraria do número extraordinário de tantas roupas,
pesadas ou leves, conforme o exija a diferença das estações.
Todos as trazem muito limpas, pois que as lavam, uma vez por mês,
com lixívia e sabão. Todas as dependências de determinada espécie
de arte, como cozinhas, despensas, celeiros, armazéns, arsenais,
banheiros, encontram-se na parte inferior das casas, se bem que,
debaixo dos peristilos, também tenham sido construídos tanques
para os banhos, cuja água se escoa por canais terminados em
cloacas. Em cada praça dos sete círculos, há as respectivas
fontes, que vertem a água tirada das faldas da colina com o
simples movimento de engenhoso manúbrio. Em geral, as águas são,
algumas primitivas, outras recolhidas em cisternas. A água que,
depois de uma chuva, escorre pelos telhados das casas, é levada
às cisternas por meio de aquedutos de areia. As prescrições do
médico e do magistrado regulam os banhos das pessoas. As artes
mecânicas são exercidas debaixo dos peristilos, nas galerias
superiores; as especulativas, em cima das sacadas, onde se
distinguem as mais preciosas pinturas; e, no templo, é ensinado
tudo o que se relaciona com as coisas divinas. Os relógios
solares e outros maquinismos que indicam as horas e os ventos se
acham debaixo dos pórticos ou nos pontos mais eminentes de cada círculo.
G.-M. - Por favor, fale-me, agora,
da geração.
ALM. Nenhuma mulher, antes dos
dezenove anos, pode consagrar-se a esse mister; quanto aos homens,
devem ter ultrapassado os vinte e um, e até mais quando de
compleição delicada. Antes dessa idade, permite-se a alguns a
mulher, mas estéril ou grávida, a fim de que, impelidos por
excessiva concupiscência, não se abandonem a excessos anormais.
Às mestras matronas e aos velhos mais idosos, incumbe
proporcionar o prazer aos que, mediante pedido secreto ou nas
palestras públicas, tenham revelado possuir mais poderosos estímulos.
Mas, é sempre necessária a licença do Grande Magistrado da geração,
ou seja o Grande Doutor da medicina, que não reconhece outros
superiores além do triúnviro Amor. Os que se surpreendem na prática
da sodomia são vituperados e obrigados a levar, por dois dias, o
calçado preso ao pescoço, punição que indica terem eles
invertido a ordem natural das coisas pondo os pés sobre a cabeça
Continuando a iniqüidade, aumenta a pena que pode chegar, às
vezes, à capital. Em compensação, os que se mantêm ilibados até
aos vinte e um anos de idade, e sobretudo os que assim permanecem
até aos vinte e sete anos, recebem, em reunião pública, honras
de festas e cantos. De acordo com o costume dos antigos
espartanos, tanto os homens como as mulheres aparecem nus nos
exercícios ginásticos, de forma que os preceptores têm a
possibilidade de descobrir os que são capazes ou incapazes para a
geração, podendo determinar ainda qual o homem mais conveniente
a determinada mulher, segundo as respectivas proporções
corporais. A união marital se realiza cada terceira noite e
depois que os geradores estão bem lavados. Uma mulher grande e
bela se une a um homem robusto e apaixonado, uma gorda a um magro,
uma magra a um gordo, e assim, com sábio e vantajoso cruzamento,
moderam-se todos os excessos. Ao cair do sol, os meninos sobem às
habitações e preparam os tálamos. Depois, entram os geradores
e, seguindo a determinação dos mestres e mestras, ficam em
repouso, sem poderem nunca consagrar-se ao importante mister,
antes de terem digerido bem os alimentos e terminado a prece. Nos
quartos, há estátuas de homens respeitabilíssimos, aí
colocadas para serem contempladas pelas mulheres, que, depois,
pondo-se a uma janela com os olhos voltados para o céu, suplicam
a Deus que lhes conceda tornarem-se mães de perfeita prole.
Deitam-se, então, em celas separadas e dormem até à hora
estabelecida para a união. É quando a mestra se levanta e, por
fora, abre a porta tanto aos homens como às mulheres. Essa hora
é determinada pelo módico e pelo astrólogo, que procuram
escolher a ocasião em que todas as constelações são favoráveis
aos geradores e aos gerados. Consideram culpável todo aquele que,
ao se aproximar a geração, não tenha ao menos por três dias
conservado o sêmen em sua integridade e pureza, bem como o que,
tendo cometido atos impudicos, não se tenha confessado e
reconciliado com Deus. Os que, por deleite ou necessidade, têm
relações com mulheres estéreis, grávidas ou defeituosas, não
participam de nenhuma cerimônia. Os magistrados, por serem todos
sacerdotes, assim como os mestres das ciências, só podem assumir
o encargo de geradores depois de muitos dias de abstinência. É
que, como freqüentemente se observa, o emprego das faculdades da
inteligência, enfraquecendo-lhes os espíritos animais e
impedindo que possam transmitir a energia do cérebro faz com que
seja fraca de corpo e tarda de engenho a prole dessa gente. Sábia,
por conseguinte, é a prescrição que lhes ordena a união com
mulheres vivazes fortes e belas. Da mesma forma, os homens ágeis,
ardentes, de temperamento sangüíneo, devem unir-se a mulheres
gordas e frias. Dizem eles que, descurada a geração, não se
pode depois, com a arte, adquirir a harmonia dos diversos
elementos do organismo, causa de todas as virtudes, e que os
homens nascidos com má organização só praticam o bem pelo
receio da lei e de Deus; sem esse receio, ou secreta ou
publicamente, tornam-se perniciosos à república. Eis porque se
deve empregar toda diligência no mister da geração,
refletindo-se sobre os verdadeiros méritos naturais, e não sobre
os dotes ou a nobreza fictícia e de mentirosa espécie. Se uma
mulher não é fecundada pelo homem que lhe é destinado, é
confiada a outros; se, finalmente, se revela estéril, torna-se
comum, mas lhe é negada a honra de sentar-se entre as matronas na
assembléia da geração, no templo e à mesa. Assim procedem para
que, por motivos de luxúria, não procurem elas a esterilidade.
As que concebem ficam, por quinze dias, dispensadas de qualquer
fadiga. Começam, em seguida, trabalhos fáceis que lhes
fortifiquem a prole e lhes abram os meatos da nutrição, e se
revigoram depois, gradativamente, com exercícios. Os médicos só
lhes permitem alimentos profícuos. Depois do parto, elas próprias
amamentam e assistem ao recém-nascido em quartos comuns, que para
esse fim devem ser expressamente preparados. Por dois e mais anos,
segundo as prescrições do Físico, são amamentadas as crianças.
Depois disso, se é menina, é entregue às mestras, e, se é
menino, aos mestres. Começam, então, quase que como um
divertimento, a aprender o alfabeto, a explicar as pinturas, a
exercitar-se na corrida, na luta, e depois a estudar as histórias
expostas pelas pinturas e as diferentes línguas. Até aos seis
anos de idade, vestem uma elegante roupa multicor. Depois dessa
idade, iniciam o estudo das ciências naturais, depois de outras,
quando os mestres julgam oportuno. Para o fim, reservam-se as ciências
mecânicas. Quanto aos meninos tardos de engenho, vão para o
campo, e, se alguns já provam terem feito progressos bastantes,
voltam para a cidade. Mas, como quase todos nasceram sob a mesma
constelação, assemelham-se sempre aos contemporâneos pela
virtude, pelos costumes e pelas feições, o que dá causa a uma
durável concórdia, a um mútuo amor e a uma recíproca
solicitude em se auxiliarem uns aos outros.
Os nomes não se impõem
arbitrariamente, mas por inspiração do Metafísico, depois de
considerar as qualidades individuais, segundo o costume dos
antigos romanos. É assim que um se chama Belo, outro Nasão, um
terceiro Crassípede, e outros Torvo, Magro, etc. Mas, quando
adquirem excelência em alguma arte, ou por algum feito na guerra
ou na paz, ao primeiro nome se acrescenta o da arte, como Pintor
belo, grande, áureo, excelente, preclaro, ou o da ação, como
Nasão forte, astuto, vencedor, grande, grandíssimo, ou ainda o
do inimigo vencido, como Africano, Asiático, Etrusco, e, quando
tenha superado Manfredo (30),
ou Tortélio, recebe o nome de Magro Manfredo, Tortélio, etc.
Esses cognomes são impostos pelos magistrados superiores, que
acompanham a função, o mais das vezes, com o presente de uma
coroa conveniente ao feito ou à arte, e com uma festa musical,
pois não dão valor algum ao ouro e à prata, considerando-os
como matérias para fabricar vasos e ornamentos comuns a todos
. G.-M. - Diga-me, por favor:
conhecem eles o ciúme, ou melhor, a dor, quando alguém não obtém
uma esperada magistratura ou qualquer outra coisa que tenha
ambicionado?
ALM. - Não, porque todos, além de
possuírem o necessário, gozam de tudo quanto possa deleitar a
vida. A geração é considerada obra religiosa, tendo por fim o
bem da república e não dos particulares. Por isso, todos
obedecem plenamente aos magistrados. Além disso, contra a nossa
opinião, negam ser natural ao homem, para educar vantajosamente a
prole, a posse de uma mulher, de uma casa, de filhos, e dizem, com
São Tomaz (31),
que o objetivo da geração é a conservação da espécie e não
a do indivíduo. Trata-se, portanto, de um direito público e não
privado, do qual os particulares só participam como membros da
república. Acrescentam que a principal causa dos males públicos
reside na maneira errônea de considerar a geração e a educação,
que devem ser religiosamente atribuídas à sabedoria do
magistrado, como primeiros elementos da felicidade de um povo.
Os indivíduos que, por sua
excelente organização, têm o direito de se tornarem geradores,
ou geratrizes, Se unem segundo os ensinamentos da filosofia. Platão
acha que isso deve realizar-se tirando a sorte, a fim de que os
que são afastados das mulheres mais belas não fiquem odiando os
magistrados; e diz que devem ser enganados no ato de tirar a
sorte, os que não são merecedores de supremas belezas, de
maneira que obtenham, não as mais desejadas, mas as mais
convenientes. Esse engano, porém, é inteiramente inútil para os
habitantes solares, pois que entre eles não existe deformidade.
Além disso, como as mulheres se aplicam continuamente a
diferentes trabalhos, adquirem uma cor vivaz, membros robustos,
grandes, e ágeis, consistindo a beleza unicamente na altura e no
vigor das pessoas. Incorreria, pois, na pena capital aquela que
embelezasse o rosto para parecer bela, ou usasse calçado alto
para parecer maior, ou vestido comprido para cobrir pés
disformes. Mas, mesmo que alguma manifestasse propensão para
fazer essas coisas, não o conseguiria, porque ninguém lhe
reconheceria a faculdade. Asseveram eles que tais enganos são
frutos, entre nós, da ociosidade e da indolência das mulheres, o
que faz com que, deformando-se, empalidecendo e tornando-se fracas
e pequenas, precisem de cores, de calçado, de vestidos compridos,
e gostem mais de parecer belas por uma inerte delicadeza do que
por uma vigorosa saúde, prejudicando-se a se próprias e à
prole.
Quando um indivíduo se apaixona
violentamente por uma mulher, permitem-lhe colóquios,
divertimentos e recíprocos presentes de flores e de poesias. Se,
porém, a geração corre perigo, não se permite nunca que se
unam, salvo quando a mulher já se acha grávida de um feto
pertencente a outro, ou quando já tenha sido declarada estéril;
estes, porém, só conhecem o amor de exclusiva concupiscência e
a amizade. Não se preocupam muito com questões familiares e
comestíveis, pois cada um recebe de acordo com a própria
necessidade, a não ser quando se trate de honrar alguém. Então,
e especialmente nos dias de festa, costumam distribuir-se, aos heróis
e às heroínas, à hora do jantar, em sinal de honra, diferentes
presentes, como grinaldas multicores, alimentos agradáveis,
roupas elegantes, etc.
Se bem que, durante o dia e na
cidade, todos usem roupas brancas, à noite e fora da cidade
trajam vestes vermelhas, de lã ou de seda. Detestam, porém, e
desprezam a cor preta, em oposição aos japoneses, que preferem
essa tinta. A soberba é julgada o mais execrando dos vícios, e
todo ato de soberba é punido com as mais cruéis humilhações.
Ninguém se considera diminuído ao servir à mesa, na cozinha ou
nas enfermarias: cada função é tida como um mister, e, a seu
ver, todos os atos praticados pelas diferentes partes do corpo
humano são igualmente honrosos.
Não têm o sórdido costume de
possuir servos, bastando-lhes e, muitas vezes, sendo até
excessivo, o próprio trabalho. Entre nós, infelizmente, vemos o
oposto.
Nápoles tem uma população de
setenta mil pessoas, mas só quinze mil trabalham e são logo
aniquiladas pelo excesso de fadiga. As restantes estão arruinadas
pelo ócio, pela preguiça, pela avareza, pela enfermidade, pela
lascívia, pela usura, etc., e, para maior desventura, contaminam
e corrompem um infinito número de homens, sujeitando-os a servir,
a adular, a participar dos próprios vícios, com grave dano para
as funções públicas. Os campos, a milícia, as artes, ou são
desprezadas ou, com ingentes sacrifícios, pessimamente cultivadas
por alguns. Na Cidade do Sol, ao contrário, havendo igual
distribuição dos misteres, das artes, dos empregos, das fadigas,
cada indivíduo não trabalha mais de quatro horas por dia,
consagrando o restante ao estudo, à leitura, às discussões
científicas, ao escrever, à conversação, aos passeios, em
suma, a toda sorte de exercícios agradáveis e úteis ao corpo e
à mente. Não se permitem jogos que obriguem a ficar sentado,
como dados, xadrez e outros, divertindo-se todos com a pela, o balão,
o pião, a corrida, a luta, o arco, o arcabuz, etc. Afirmam, além
disso, que a pobreza é a razão principal de se tornarem os
homens vis, velhacos, fraudulentos, ladrões, intrigantes,
vagabundos, mentirosos, falsos testemunhos, etc., produzindo a
riqueza os insolentes, os soberbos, os ignorantes, os traidores,
os presunçosos, os falsários, os vaidosos, os egoístas, etc. A
comunidade, ao contrário, coloca os homens numa condição ao
mesmo tempo rica e pobre: são ricos porque gozam de todo o necessário,
e são pobres porque não possuem nada. Servem as coisas, mas as
coisas lhes obedecem, louvando assim os religiosos da cristandade
e especialmente a vida dos apóstolos.
G.-M. - Considero útil e santa a
comunidade dos bens, mas não posso aprovar a das mulheres. São
Clemente (32)
romano diz que as mulheres devem ser comuns, segundo o instituto
apostólico, e elogia Sócrates (33)
e Platão por ensinarem igual doutrina; mas, a glosa entende que
essa comunidade se relaciona com o obséquio e não com o leito. E
Tertuliano (34),
apoiando a glosa, escreveu que os primeiros cristãos tiveram tudo
em comum, excetuadas as mulheres, as quais o foram, contudo, no
que diz respeito ao obséquio.
ALM. - Mal conheço essas coisas,
mas posso afirmar-lhe que, na Cidade do Sol, as mulheres são
comuns tanto para o obséquio como para o leito, mas nem sempre,
como o fazem as feras ao encontrarem a fêmea, mas somente, como
se diz, por motivo e ordem de geração. Não obstante, é possível
que nisso se enganem. Escudam-se no juízo de Sócrates, de Catão
(35), de Platão,
de São Clemente (mal compreendido, como você observou). Dizem
que Santo Agostinho aprova toda comunidade, mas não a das
mulheres para o leito, que é a heresia dos nicolaitas (36),
e que a nossa Igreja permitiu a propriedade dos bens, não a título
de introduzir vantagens maiores, mas unicamente para evitar piores
males. Com o tempo, talvez seja possível que abandonem esse
costume, uma vez que, nas cidades sujeitas, são comuns os bens, não
as mulheres, salvo em relação ao obséquio e às artes. Mas,
isso é atribuído pelos habitantes solares à imperfeição das
referidas cidades, menos da própria, instruídas em filosofia. Não
obstante, costumam enviar mensageiros a outras nações e nunca se
recusam a abraçar os costumes que lhes parecem melhores. O hábito
faz com que as mulheres também se tornem aptas para a guerra e
outros misteres. Depois que conheci essa cidade, concordei
plenamente com Platão e menos com o nosso Caieta (37),
discordando por completo de Aristóteles. Um costume apreciadíssimo
e digno de imitação, entre eles, é o que consiste em considerar
que nenhum defeito é bastante para manter os homens na
ociosidade, salvo em idade decrépita, na qual ainda são úteis
dando conselhos. Assim, o coxo serve de vigia empregando os olhos
sãos; o cego, com as mãos, desfia a lã e prepara plumas para
encher leitos e travesseiros; quem é privado de olhos e de mãos
serve a república empregando os ouvidos e a voz; finalmente, o
que só possui um membro emprega-o do melhor modo possível
G.-M. - Fale-me da guerra, que
reservarei para depois as artes, as ciências e a religião.
ALM. - A Potência, outro dos triúnviros,
preside ao mestre das armas, como também aos da artilharia, da
cavalaria, da infantaria e dos arquitetos, dos estratagemas, etc.
A cada um destes obedecem outros mestres e primeiros funcionários
das respectivas artes. Além disso, a Potência comanda os
atletas, que são experimentados e velhos capitães, preceptores
dos meninos na arte militar, depois que estes completam os doze
anos, se bem que antes dessa idade já tenham sido exercitados por
mestres inferiores na corrida, na luta, no lançamento de pedras,
etc. Os atletas ensinam a ferir o inimigo, os cavalos, os
elefantes, a manejar a espada, a lança, o arco, as fundas, a
cavalgar, a perseguir, a fugir, a ficar de ordenança, a socorrer
o companheiro, a prevenir com engenho o inimigo, numa palavra, a
vencer. As mulheres também aprendem essa arte com mestres e
mestras especiais, de forma que, quando necessário, podem prestar
socorro aos homens em caso de guerra não distante da cidade, ou
defender as muralhas desta, a fim de nunca serem surpreendidas por
uma súbita invasão. Honram, dessa forma, as espartanas e as
amazonas (38).
Sabem atirar balas de fogo com arcabuzes, formá-las com o chumbo,
lançar pedras do alto, marchar ao encontro do ímpeto inimigo. E
assim, pela freqüência de semelhantes exercícios, habituam-se a
afrontar qualquer perigo sem nenhum temor, e, quando alguma
demonstra covardia, é severamente. punida.
Os habitantes solares não temem a
morte, porque todos acreditam na imortalidade da alma, que, ao
sair do corpo, é acompanhada pelos espíritos bons ou maus,
conforme o tenha merecido na vida terrestre. Embora sejam brâmanes
(39),
aproximam-se, contudo, segundo certas opiniões, dos pitagóricos (40),
dos quais não admitem a metempsicose da alma, exceto uma ou outra
vez, por especial justiça de Deus. Também não deixam de
combater um povo que se mostre inimigo da república, da religião
e da humanidade. Uma vez cada dois meses, é passado em revista o
exército, sendo diário o estudo prático das armas, quer em
campo aberto, quer entre as muralhas. São contínuas, também, as
lições sobre a arte militar. Estudam a história de Moisés, de
Josué (41), de
Davi (42), dos
Macabeus (43),
de César, de Alexandre, de Cipião (44),
de Anibal, etc. Todos têm o direito de externar sua opinião.
Aqui agiram bem, ali mal, aqui com probidade, ali com utilidade,
etc. assim vai respondendo e sentenciando o mestre.
G.-M. - Mas contra que povos e por
que motivos fazem a guerra, e com que êxito?
ALM. - Mesmo que nunca precisassem
entrar em guerra, ainda assim se exercitariam na arte militar e na
caça, para não se descuidarem e não serem surpreendidos sem
defesa pelos acontecimentos. Além disso, na ilha, há quatro
remos que invejam grandemente a sua prosperidade: como o povo
prefira viver à maneira dos habitantes solares a obedecer aos
regedores do pais, eles muitas vezes movem guerra aos solares,
aduzindo usurpações de limites, ímpio modo de viver, falta de
ídolos, ódio às crenças dos gentios (45)
ou dos antigos brâmanes, etc. Também os indús, dos quais já
foram súditos, se declaram contra eles e os tratam de rebeldes,
como também os povos da Taprobana, dos quais tiveram os primeiros
socorros. Não obstante, os solares saem sempre vencedores. Mal
sofrem um insulto, uma calúnia ou uma depredação, ou conhecidos
os males dos próprios aliados, ou ainda chamados como
libertadores por povos tiranizados, reúnem-se logo em assembléia
para deliberar. Então, primeiro, ajoelham-se perante Deus,
rogando-lhe a inspiração de ótimos conselhos; em seguida,
examinam as coisas; por fim, declaram a guerra. Subitamente, é
enviado ao inimigo um sacerdote chamado Forense, o qual pede ao
inimigo a restituição da presa, a libertação dos aliados, ou a
cessação da tirania. Se os pedidos não surtem efeito, ele
intima a guerra em nome do Deus das vinganças, do Deus de Sabaot (46),
para o extermínio dos que sustentam a iniqüidade. Quando os
inimigos pedem prazo para a resposta, o sacerdote concede uma
hora, se trata com um rei, e três com uma república, e isso a
fim de impedir qualquer engano. Dessa forma, os habitantes solares
se tornam defensores do direito natural e da religião. Declarada
a guerra, o conjunto da execução é confiado ao Vigário da Potência.
Esse triúnviro, então, à semelhança do ditador dos romanos,
age plenamente de acordo com a própria vontade, de forma que
sejam afastadas todas as razões de atraso. Mas, se muito grande
é a importância da empresa, consulta Hoh, a Sabedoria e o Amor.
Antes, porém, um orador expõe, numa assembléia geral, as razões
da guerra e a justiça da causa. Intervêm nessa assembléia os
maiores de vinte anos, de maneira que fique preparado tudo o que
for necessário. É preciso saber que eles conservam em arsenais
especiais toda espécie de armas, das quais freqüentemente se
servem em combates simulados. As paredes internas de cada círculo
são guarnecidas por morteiros, sob a guarda de soldados
especiais. Há, além disso, outras máquinas de guerra chamadas
canhões, que são transportadas à batalha por mulas ou burros,
ou em cima de carros. E, quando se acham em campanha aberta,
encerram no meio os comboios, as artilharias, os carros, as
escadas e as máquinas, e animosamente, por longo tempo, se
disputam o terreno. Cada um se retrai, então, em torno das próprias
bandeiras. Os inimigos acreditam que estejam fugindo ou se
preparando para a fuga, e saem em sua perseguição, mas os
solares, formando duas alas em forma de chifres, retomam fôlego e
coragem, e com a artilharia atiram balas de fogo, voltando logo em
seguida ao combate contra os inimigos desorientados. esses e
outros modos semelhantes de guerra são freqüentemente usados.
Eles superam todas as nações na ciência dos estratagemas e das
máquinas, e seguem o costume dos antigos romanos na formação
dos acampamentos. Levantadas as tendas, circundam-nas de bastiões
e fossas, com maravilhosa presteza. Cada trabalho é assistido
pelos mestres dos trabalhos, das máquinas e das artilharias, e
todos os soldados sabem manejar o machado e a enxada. Possuem, à
testa dos serviços de guerra, cinco, oito e até, dez chefes, que
conhecem profundamente a disciplina e os estratagemas e sabem
dirigir as próprias fileiras de acordo com o plano
preestabelecido. Costumam, também, conduzir à guerra meninos a
cavalo, a fim de aprenderem essa arte e se habituarem ao sangue,
como os lobos e os leões costumam fazer com os filhos. Os
meninos, juntamente com as mulheres, que também assistem armadas,
retiram-se no instante do perigo, mas, depois da batalha,
reaparecem para medicar, servir e confortar com carícias e
palavras os combatentes. Imensa vantagem traz a presença dessas
pessoas. Não poucos, para dar mostra de valor diante das mulheres
e dos meninos, fazem prodígios, tentam as mais arriscadas
empresas, e quase sempre o amor os faz sair vitoriosos. Quem, na
batalha, foi o primeiro a transpor os redutos inimigos, recebe
depois do conflito, das mãos das mulheres e dos meninos, uma
coroa de graminho, em meio às honras de festas militares. Obtém
a coroa cívica quem socorre o amigo, e uma de carvalho quem mata
o tirano, cujos despojos, em perpétua memória do fato, são
colocados no templo, sobrepondo-lhe o Metafísico nome da ação.
Outros recebem outras coroas. Os soldados a cavalo trazem uma lança
e duas grandes e resistentes pistolas penduradas nas selas, as
quais, sendo menores no orifício do que na base, têm força para
traspassar mesmo a mais maciça armadura de ferro. Usam,
igualmente, a espada e o punhal. Outros, ainda, são armados de
uma clava de ferro e se dizem soldados armados à ligeira. Dessa
forma, se a armadura do inimigo resiste à espada e às pistolas,
assaltam-no com a clava, como fez Aquiles (47)
com o Cisne (48),
derrubam-no e o aniquilam. Ligadas à clava, pendem duas correntes
de seis palmos, com bolas de ferro na extremidade, de forma que,
atiradas contra o inimigo, lhe cingem o pescoço, abalando-o,
arrastando-o, levando-o por terra. Para com maior facilidade
manejarem a dava, não governam as rédeas do cavalo com as mãos,
mas com os pés. É por isso que as rédeas se trocam em cruz
sobre os arções da cela, descendo para prender-se, não nos pés,
mas na extremidade dos estribos. Estes formam, exteriormente, uma
esfera de ferro e, na base, um triângulo. Desse modo, rodando o pé
sobre o triângulo, são postas em movimento as esferas, e estas
estiram as rédeas. E assim, com admirável presteza, governam à
vontade o cavalo, fazendo-o voltar com o pé direito para o lado
esquerdo e vice-versa. Esse segredo é ignorado pelos próprios tártaros
(49), que sabem
governar as rédeas com os pés, mas não sabem afastar, retrair e
diminuir a marcha do cavalo, além de não conhecerem o emprego da
roldana nos estribos. Os cavaleiros armados à ligeira começam o
ataque com arcabuzes. Em seguida vêm as falanges com as lanças,
e depois os fundeiros, muitíssimo estimados e habituados a
combater, indo alguns até quase dentro da contextura das
fileiras, enquanto outros avançam pela frente e outros marcham
concentrados. Possuem também esquadras que protegem o exército
com chuços. Finalmente, a batalha é decidida pelas espadas.
Terminada a guerra, celebram
triunfos militares, como os antigos romanos e ainda melhor. Rendem
graças a Deus com preces, e o supremo chefe da expedição entra
no templo, onde um poeta ou um historiador, que assistiu aos
fatos, bem ou mal os expõe. Depois, Hoh coloca uma coroa de
louros na cabeça do chefe, seguindo-se a distribuição dos
presentes e das honras aos soldados que mais se distinguiram, os
quais, por muitos dias, são dispensados do serviço. Mas, os
habitantes solares, não gostando do ócio, empregam essas folgas
em socorrer os amigos. Ao contrário, os chefes que, por culpa própria,
foram vencidos ou perderam ocasião de mais completa vitória, são
infamados. O soldado que foi o
primeiro a fugir só pode subtrair-se à morte quando o exército
inteiro pede graça por sua vida, assumindo cada um uma parte do
castigo. Essa indulgência, porém, raramente é concedida e só
quando militam circunstâncias excepcionais. É batido com vergas
quem não socorre o amigo, e quem se mostrou desobediente é
encerrado num recinto para ser devorado pelas feras, pondo-se-lhe
nas mãos um bastão, de forma que, se vencer os ursos e os leões
que o guardam, o que é quase impossível, será novamente
admitido na sociedade.
As cidades subjugadas ou que se
submetem de espontânea vontade põem logo em comum todas as
coisas, aceitam guarnições e magistrados solares e aos poucos se
habituam aos costumes da Cidade do Sol, mestra de todas, para onde
expedem os seus filhos, aos quais, sem nenhuma despesa, é dada
perfeita instrução.
Obra de excessiva extensão seria
falar dos exploradores e dos seus mestres, das sentinelas, das
ordens e dos usos dentro e fora da cidade, coisas que você
facilmente pode imaginar, bastando que eu lhe observe que são
escolhidos quando meninos, segundo a inclinação individual e a
constelação que presidiu ao seu nascimento. E assim, procedendo
segundo o próprio talento natural, cada um exerce o respectivo
mister com pontualidade e também com prazer, porque está em
harmonia com a índole própria. O mesmo se pode dizer dos
estratagemas e outras funções.
As quatro partes da cidade são
guardadas noite e dia por sentinelas, enquanto outras montam
guarda às últimas muralhas do sétimo circulo, sobre propugnáculos,
torres, e entre os entrincheiramentos internos. Durante o dia,
também as mulheres prestam esse serviço, mas somente os homens
à noite, a fim de não ficarem preguiçosos e prevenirem uma
surpresa. A duração de cada plantão é, como entre nós, de três
horas. Ao cair do sol, por entre sons de tímpanos e sinfonias,
indicam-se aos armados os lugares que devem ser vigiados. Amam a
caça como uma imagem da guerra e, na ocorrência de várias
solenidades, há nas praças públicas divertimentos de que
participam homens a pé e a cavalo. Nesses divertimentos, nunca
falta a música, etc. De bom grado, perdoam as ofensas e os erros
dos inimigos, e, depois da vitória, costumam beneficiá-los. Mas,
quando, por lei da necessidade, devam arrasar muralhas ou decepar
cabeças, o decreto é posto em execução no mesmo dia da vitória.
Depois, continuam a prodigalizar toda sorte de benefícios e dizem
que não se deve combater um inimigo para exterminá-lo, mas para
torná-lo melhor. Se, entre eles, surge uma altercação por injúrias
ou outra causa (pois quase não conhecem disputas que não sejam
de honra), o primaz e os magistrados punem o culpado secretamente,
quando o ato que constitui a afronta tenha resultado de um
primeiro ímpeto de cólera. Se a injúria consiste em palavras,
esperam o dia da batalha, dizendo que se deve lançar a ira contra
o inimigo; considera-se, então, que defendeu a melhor causa e a
verdade aquele que na guerra deu mostra de maior valor. O outro
cede. Mas, as penas são sempre proporcionais à culpa. Não se
permite nunca que os ódios se prolonguem até ao duelo, o qual,
além de destruir o poder dos tribunais, é também injusto,
porque expõe a sucumbir a parte que tem razão. Assim, na Cidade
do Sol, quem se julga imerecedor de injúria e afirma ser melhor
do que o adversário, tem a faculdade de prová-lo na guerra pública.
G.-M. - Isso é de grande vantagem,
porque, evitando os ódios particulares, impede a formação de
partidos nocivos à pátria, assim como as causas de guerras
civis, das quais, tão freqüentemente, como em Atenas e em Roma,
surge um tirano. Peço-lhe, agora, que me fale do trabalho.
ALM. - Já lhe disse que eles têm
em comum a arte militar, a agricultura e a pecuária. Todos têm
obrigação de conhecer essas artes julgadas nobilíssimas, de
forma que quem exerce maior número é considerado possuidor de
maior nobreza, e quem chegou a maior nobreza e a maior perfeição
em alguma delas, é eleito mestre. As artes mais fatigantes obtêm
maior estima, como a do artífice, a do pedreiro, etc. Ninguém se
recusa a exercitá-las, porque a elas se aplicam pela particular
tendência revelada na infância, e também porque o trabalho é
distribuído de modo que nunca possa ser nocivo à pessoa, mas, ao
contrário, deva torná-la e conservá-la melhor. As mulheres
exercem as artes menos pesadas. Todos devem ser hábeis na natação,
e reservatórios especiais de água foram preparados não longe da
cidade. Já o comércio é descurado, embora conheçam o valor das
moedas e fabriquem dinheiro, com o qual os embaixadores e os
exploradores possam prover à subsistência nos países
estrangeiros. À Cidade do Sol costumam chegar comerciantes das
diferentes partes do mundo, que compram dos solares o supérfluo.
Os habitantes não recebem dinheiro, mas trocam com as mercadorias
de que precisam, sendo que, muitas vezes, também as compram com
moedas. Mas, de todo o coração, riem-se os meninos solares ao
verem tanta abundância de coisas deixadas por tão poucas
bagatelas; não se riem, porém, os velhos. A fim de que a cidade
não seja corrompida pelos maus costumes dos servos e dos
estrangeiros, fazem todo comércio nos portos, vendendo os
prisioneiros de guerra ou mandando-os para fora da cidade a cavar
fossas e para outros trabalhos fatigantes. Para a guarda dos
campos, são continuamente expedidos, juntamente com os
cultivadores, quatro manípulos de soldados, cada um dos quais sai
por uma das quatro portas da cidade, que dão para o mar por
estradas construídas de tijolos, de forma que as coisas e os
forasteiros tenham mais fácil ingresso na cidade. Estes são
tratados com gentileza e magnificência. Vivem, por três dias, a
expensas públicas. Ao primeiro encontro, lavam-lhes os pés e os
conduzem, depois, para a cidade, onde lhes dão lugar na assembléia
e à mesa, assistidos e servidos por pessoas especiais. Quando
desejam tornar-se cidadãos solares, são provados por um mês no
campo, por outro na cidade. Se então se decidem e a admissão é
aceita, verificam-se juramentos e cerimonias.
Grandemente valorizada é a
agricultura: cada palmo de terra dá lucro. Estudados os ventos e
as estrelas, saem eles, deixando poucos montando guarda à cidade,
para arar, semear, escavar, sachar, ceifar, vindimar, acompanhados
de trompas e tímpanos, e em brevíssimo tempo é terminado todo o
trabalho, economizando, com a arte, tempo e fadigas. Usam carros
munidos de velas, que servem mesmo quando sopra vento contrário,
graças a um admirável aparelhamento de rodas, e, quando falta o
vento, é belíssimo ver como um único animal puxa um imenso e
pesadíssimo carro. Enquanto isso, os manípulos que guardam o
território vão saindo ao redor e alternando-se freqüentemente.
Não fazem uso dos adubos e da lama para fertilizar os campos,
pois acham que estes corrompem as sementes e produzem cereais malsãos,
enfraquecendo e abreviando a vida, da mesma forma que as mulheres
que, sem ser belas por exercício, mas por artifício, dão à luz
filhos lânguidos e raquíticos. Por isso, não põem nada sobre a
terra e as trabalham com assiduidade, sendo que, de um livro
chamado Geórgica (50),
aprendem os segredos que se requerem para um pronto nascimento e
uma feliz multiplicação das sementes. Trabalha-se somente a porção
de terra que baste para as necessidades dos cidadãos, ficando o
restante para o pasto dos animais.
.
Em grande estima é tida,
igualmente, a nobre arte que se relaciona com a reprodução e a
criação de bois, cavalos, ovelhas, etc. Não mandam ao pasto os
garanhões, juntamente com as éguas, mas, quando ocorre,
emparelham-nos no átrio das estrebarias campestres, observando o
Sagitário em bom aspecto com Marte (51)
e Júpiter (52).
Para o gado bovino, observam o Taurus, para as ovelhas o, Aries,
etc., segundo a doutrina. A família dos animais domésticos se
acha sob as Plêiades (53).
As mulheres, com prazer, conduzem os patos e os gansos ao pasto,
fora da cidade, onde há lugares em que os encerram, havendo
outros onde podem preparar queijo, manteiga e toda espécie de
laticínios. Dão também alimento a um grande número de capões,
etc., aperfeiçoando-se em tudo isso pela leitura de um livro
chamado Bucólica (54).
Possuem de tudo com fartura, desejando cada qual mostrar-se o
primeiro no trabalho, que não fatiga e é útil. Seus ânimos são
dóceis e, assim, obedecem a quem preside aos misteres e o chamam
de rei. Nem esse nome lhes desagrada, pois é criação dos
habitantes solares, que não o entendem à maneira dos ignorantes.
Você, decerto, se maravilharia ao ver a ordem com que aqueles
homens e mulheres, indistintamente, procedem sob a obediência do
rei. E o fazem sem o ressentimento que se verifica entre nós,
considerando-o um pai ou um irmão mais velho. Possuem bosques e
florestas abundantes em feras e animais para o exercício da caça.
A arte náutica é muito apreciada.
Possuem navios, alguns dos quais, mediante um admirável artifício,
viajam sem velas e sem remos. Conhecem o curso das estrelas, o
fluxo e o refluxo do mar. Navegam para adquirir novos
conhecimentos sobre os povos, os países e as coisas. Não ofendem
ninguém, mas também não toleram injúrias, só brigando quando
agredidos. Dizem que o mundo alcançará tanta sabedoria que todos
os homens viverão como eles. Admiram a religião cristã e
esperam, neles e em nós, a confirmação da vida dos apóstolos
Estreitaram alianças com os chineses e com várias nações
insulares e continentais, como Sião, Calicuta, Cochinchina, etc.,
o que facilita as explorações. Fabricam fogos artificiais para
batalhas em terra e no mar, e possuem o segredo de uma infinidade
de estratagemas. Eis porque saem da guerra quase sempre
vitoriosos.
G.-M. -
Coisa gratíssima me faria você falando dos alimentos e das
bebidas, e como e quanto tempo vivem eles.
ALM. - Sua doutrina é que se deve,
primeiro, prover à vida do todo e, depois, à das respectivas
partes. Por isso, ao construírem a cidade, trataram de ter propícias
as quatro constelações de cada um dos quatro ângulos do mundo,
as quais, como já se disse, se observam também na concepção de
cada indivíduo, porque dizem que Deus atribuiu causas a todas as
coisas, devendo o sábio conhecê-las, usá-las e não abusar
delas.
Nutrem-se de carnes, manteiga, mel,
queijo, tâmaras e legumes de diferentes espécies. Houve uma época
em que não queriam matar os animais, parecendo-lhes isso uma ação
bárbara, mas, ao considerarem que também é crueldade extinguir
plantas que gozam de sentido e vida própria, para não morrerem
de fome, concluíram que as coisas ignóbeis foram criadas para
beneficiar as mais nobres. E é assim que, no presente, se
alimentam de todos os animais, mas, na medida do possível, poupam
os mais úteis, como os bois e os cavalos. Fazem distinção entre
alimentos sãos e nocivos, e, quanto à escolha, deixam-se dirigir
pelo médico. A alimentação é continuamente mudada por três
vezes: primeiro, comem carne; depois, peixe; por fim, legumes. Então,
recomeçam com a carne, de forma que o hábito não enfraqueça as
forças naturais. Os alimentos de fácil digestão são dados aos
velhos. Estes comem três vezes ao dia e parcamente; duas vezes, a
comunidade; e quatro, as crianças, segundo ordena o médico. Em
geral, vivem cem anos, sendo que não poucos também duzentos. São
de extrema temperança no que diz respeito às bebidas. Os jovens
menores de dezenove anos não bebem vinho, a não ser quando o
requeiram razões de saúde. Depois dessa idade, misturam-no com
água. Só aos cinqüenta anos é permitido bebe-lo puro. As
mesmas regras são válidas para as mulheres. Os alimentos variam
segundo as estações, seguindo-se sempre, a esse respeito, o
conselho do protomédico. Julgam que não são nocivos quando
usados na estação em que Deus os produz e desde que não se
abuse da quantidade. Por isso, no verão, alimentam-se de frutas,
porque são úmidas, suculentas e frias, em defesa da secura e do
calor da estação; no inverno, comem alimentos secos; no outono,
grande quantidade de uvas, concedidas pelo céu contra a bilis
negra e a melancolia. Gostam muito de usar substâncias aromáticas.
De manhã, ao levantar-se, penteiam os cabelos e com água fria
lavam as mãos e o rosto. Depois, esfregam os dentes, ou mastigam
hortelã, salsa ou erva-doce (os velhos, incenso). Em seguida,
voltando-se para o Oriente, recitam breve oração semelhante à
ensinada por Jesus Cristo. Depois, saem em vários grupos,
pondo-se uns aos serviço dos velhos, outros entregando-se às funções
públicas, etc. Acompanham as lições, depois os exercícios
corporais, depois ficam sentados em breve repouso e, por fim, vão
jantar.
Escasso é, entre eles o número das
moléstias. Não conhecem a gota, a quiragra, a flatulência, pois
essas enfermidades provêm do ócio ou da intemperança, ao passo
que eles se livram, com a frugalidade e com o exercício, de toda
superabundância de humores. Consideram vergonhoso cuspir ou
escarrar, dizendo que esse vício denota pouco exercício ou
reprovável preguiça, ou resulta da devassidão ou da gulodice. São,
antes, sujeitos às inflamações e ao espasmo seco, em cujo
tratamento empregam alimentos sãos e nutritivos. Curam a tísica
com banhos mornos, com laticínios, com a amenidade das habitações
campestres, com moderado e agradável exercício. A sífilis não
pode fazer progressos, porque lavam assiduamente o corpo com
vinho, untando-o com óleos aromáticos, de forma que o suor
elimina o vapor fétido de que deriva a corrupção do sangue e da
medula. A tísica é rara, só muito poucas vezes sofrendo eles de
catarros pulmonares, sendo que mal conhecem aquela espécie de
asma que provém da densidade dos humores. Curam as febres
inflamatórias com beberagens de água fria, e as efêmeras com
densos caldos aromáticos, ou com o sono, a música e a alegria.
Contra a terçã, usam emissões de sangue, ruibarbo ou água,
dentro da qual fervem raízes de ervas purgativas e ácido.
Finalmente, curam as quartãs pregando sustos, ou tratando-as com
ervas de natureza oposta à quartã e com outras coisas
semelhantes, tendo me mostrado vários segredos contra as mesmas.
Consagram maior estudo à cura das febres contínuas, que são as
que mais temem, e se esforçam por cortá-las estudando as
estrelas e as ervas, e elevando preces ao céu. As febres quintãs,
sextâs, oitãs, quase não existem, pela ausência, entre eles,
de temperamentos ignavos. Conservam o asseio e a robustez do corpo
com o uso de banhos, de óleos, como entre os antigos romanos, e
de outros oportunos segredos de sua descoberta, muito úteis também
contra a epilepsia, pela qual são freqüentemente molestados.
G.-M. - Essa doença é indício de
engenho invulgar, pois a tiveram os homens mais célebres, como Hércules
(55), Scot (56),
Sócrates, Calímaco (57)
e Maomé.
ALM. - Eles a combatem com preces e,
em seguida, revigoram o sistema nervoso da cabeça com substâncias
ácidas ou excitantes, como sopas substanciosas condensadas com
flor de farinha de trigo.
Grande é a sua habilidade no
preparo dos petiscos. Misturam noz moscada, mel, manteiga e vários
aromas corroborantes. Corrigem o excesso. de gordura introduzindo
ácidos. Não bebem água gelada pela neve, nem artificialmente
aquecida como os chineses. Quando é necessário favorecer o calor
natural contra a exuberância dos humores, usam alho amassado,
timo, hortelã, basilicão e, sobretudo, exercícios corporais.
Conhecem, enfim, o segredo de renovar a vida, de sete em sete
anos, sem dores e com meios suaves e portentosos.
G.-M. - Até agora, você não disse
nada sobre as ciências nem sobre os magistrados.
ALM. - É verdade, mas, vendo-o tão
curioso, acrescentarei outras coisas. A cada lua nova e a cada lua
cheia, depois do sacrifício, convocam a assembléia, da qual
participam os maiores de vinte anos, podendo cada um expor o que
julga faltar à república e dizer se os magistrados desempenham
bem ou mal suas funções. De oito em oito dias, congregam-se também
os magistrados: primeiro Hoh e com ele a Potência, a Sapiência e
o Amor. Cada triúnviro preside a três magistrados, que,
imediatamente depois dele, têm a seu cargo a suma direção das
artes. Formam, assim, um total de treze. Nessa reunião especial,
tomam parte, igualmente, os instituidores do exército, isto é,
os decuriões, os centuriões, etc., homens e mulheres, que
conjuntamente elegem os magistrados, apenas indicados pela assembléia
geral, e tratam de tudo quanto ocorre na república. Além disso,
Hoh e os três triúnviros consultam-se diariamente sobre o que é
preciso fazer, corrigindo, confirmando e pondo em execução as
decisões da grande assembléia, bem como provendo a toda sorte de
necessidades. Ao criar um magistrado, nunca recorrem à sorte,
salvo em caso de dúvida na escolha. Todos os funcionários podem
ser substituídos de acordo com a vontade do povo, excetuados os
quatro primeiros. Estes, depois de uma conferência, cedem os
cargos aos que julgam de maior engenho e de costumes mais puros. Tão
dócil é a sua índole e tão grandemente amam a república que
os cedem sem sombra de ressentimento e se fazem discípulos do
mais digno. Mas, isso raríssimas vezes acontece.
G.-M. E
que me diz dos juizes?
ALM. - Já estava pensando nisso.
Todo indivíduo é julgado pelo supremo Mestre de sua arte. Os
primeiros artífices são todos juizes e punem com o exílio, a
pancada, a desonra, a privação da mesa comum, a interdição ao
templo, a proibição das mulheres. E, quando os excessos são
muito graves, punem também com a morte. Pagam olho por olho,
nariz por nariz, dente por dente, de acordo com a lei de talião (58),
mas somente quando a culpa tenha sido voluntária e precedida de
reflexão; em outros casos, a sentença é suavizada, não pelo
juiz, mas pelos três triúnviros, que levam o recurso também ao
Hoh, não por motivos de justiça, mas apenas para obter graça,
uma vez que só ele pode perdoar. Não possuem cárceres, a não
ser uma torre destinada à reclusão dos inimigos, rebeldes, etc.
Não se escreve o libelo vulgarmente chamado processo, mas se
apresentam ao juiz e à Potência o acusado e as testemunhas. O
primeiro pronuncia a sua defesa e, em seguida, o juiz o condena ou
o absolve; havendo apelação para o triúnviro, a condenação ou
absolvição sai no dia seguinte. No terceiro dia, Hoh concede a
graça ou firma irrevogavelmente a sentença; nesse caso, o
culpado se reconcilia com o acusador e com as testemunhas,
dando-lhes um abraço e um beijo, como nos médicos salvadores de
sua moléstia. Não querendo contaminar a república, agem sem
litores ou carrascos, morrendo cada condenado pela mão do povo,
que o mata ou lapida, mas sempre precedido do acusador e das
testemunhas. A alguns se concede a escolha do gênero de morte,
sendo que quase sempre preferem circundar-se de saquinhos de pólvora,
e então, acendido o fogo, morrem assistidos por pessoas que os
exortam a terminar bem: toda a cidade, amargurada, suplica a Deus
que aplaque sua cólera, contristando-se todos por terem sido
constrangidos a amputar um membro arruinado do corpo da república.
Esforçam-se, igualmente, com discursos, por persuadir o culpado
de desejar e aceitar a morte. Quando não possam induzi-lo a isso,
e desde que não se trate de culpa contra a liberdade pública, ou
contra Deus ou os supremos magistrados, a sentença não é
executada; é, porém, cumprida sem misericórdia quando a condenação
foi motivada por um desses três delitos.
A religião permite que o moribundo
exponha as razões pelas quais não deveria perecer e obriga-o a
revelar as culpas dos outros, bem como as faltas dos magistrados,
afirmando que todos estes, mais do que ele, merecem a morte, e
isso em presença do povo e se assim parece à sua consciência.
Se as suas razões prevalecem, é condenado ao exílio, e, com
preces e sacrifícios, é purificada a cidade. Não molestam,
contudo, os citados pelo culpado, limitando-se a admoestá-los. Os
pecados de fragilidade e de ignorância são punidos com a desonra
ou a obrigação de mais severa castidade, ou ainda pela advertência
aos culpados de que devem mostrar-se mais diligentes e
disciplinados na ciência ou arte contra a qual pecaram. É
preciso saber, além disso, que quando um culpado, prevenindo a
acusação, se descobre espontaneamente aos magistrados, pedindo
castigo, fica livre da pena do delito oculto, a qual é
transformada em outra, quando não tenha sido acusado. Usam de
grandes cautelas para impedir a calúnia, sendo todo caluniador
submetido à pena de talião. Convivendo sempre em grande número,
é requerido, como prova de um delito, o testemunho de cinco
pessoas. Sem isso, o acusado, após o juramento, é deixado livre,
sendo-lhe feitas, porém, admoestações e ameaças. Bastam três
testemunhas e até duas para ser duplamente punido, quando é a
segunda ou a terceira vez que a acusação é levada ao juiz. As
leis desse povo são poucas, breves, claras, escritas sobre uma tábua
de bronze pendente dos intervalos das colunas do templo, nos quais
também se vêem, escritas em estilo metafísico e brevíssimo, as
definições da essência das coisas, que são Deus, os Anjos, o
Mundo, as Estrelas, o Homem, o Destino, a Virtude, etc., na
verdade com grande critério. Há ainda as definições de todas
as virtudes, cada uma das quais tem um juiz próprio com assento
numa cadeira dita tribunal e colocada debaixo da coluna que traz a
definição da Virtude que deve julgar. Voltando-se para o
culpado, diz o juiz: "Filho, pecaste contra esta santa definição;
contra a beneficência, a magnanimidade, etc. Lê..." E, após
a discussão, recebe a pena merecida pelo seu mau procedimento. As
condenações são verdadeiras e seguras medicinas, sentindo eles
mais o amor do que o castigo.
G.-M. - Desejaria que você me
falasse, agora, dos sacerdotes, dos sacrifícios, da religião e
das outras crenças.
ALM. - Todos os primeiros
magistrados são sacerdotes, sendo Hoh o supremo. O seu papel é
purificar as consciências. Todos os cidadãos, mediante a confissão
auricular, revelam aos magistrados as próprias culpas, e estes,
nesse mister de purificar as almas, ficam conhecendo os vícios
mais freqüentes do povo. Depois, também os magistrados confessam
aos três triúnviros as próprias faltas e expõem mesmo as
compreensíveis, sem citar o nome de nenhuma, mas confusamente,
bem como as que mais prejudicam a república.
Por fim, os triúnviros revelam ao
Hoh as próprias faltas e as dos outros. Dessa forma, conhecidos
todos os erros que se praticam na cidade, Hoh pode aplicar-lhes os
remédios oportunos. Em seguida, oferece sacrifícios e preces a
Deus, e publicamente, no templo, confessa do alto do altar,
perante o Onipotente, as culpas de todo o povo. Só o faz, porém,
quando o julga necessário e calando sempre os nomes dos
pecadores. Depois, absolve o povo, admoesta-o a precaver-se contra
as culpas citadas, oferece um segundo sacrifício a Deus e termina
suplicando-lhe que perdoe, ilumine e proteja a cidade. Uma vez por
ano, os chefes das cidades sujeitas, juntamente com os próprios,
confessam as faltas dos seus concidadãos em presença do Hoh, a
fim de que este, conhecendo-as, dê remédio aos males das províncias.
O sacrifício
é feito da seguinte forma. Hoh pergunta ao povo congregado qual,
dentre tantos, está disposto a sacrificar-se por seus confrades,
e o mais perfeito se oferece. Então, feitas as preces e as cerimônias,
é colocado sobre uma tábua quadrada, à qual, por meio de
fivelas, se ligam quatro cordas, que descem por quatro roldanas
presas na muralha da pequena abóbada. Depois de suplicar a Deus
misericordioso que se digne aceitar aquele sacrifício humano e
espontâneo, não brutal e involuntário como entre os gentios,
Hoh manda que as cordas sejam puxadas, e a vítima, alcançando o
centro da pequena abóbada, aí se abandona às mais fervorosas
preces. Os sacerdotes que habitam ao redor subministram-lhe a
alimentação por uma janela, mas em pouca quantidade, a fim de
que seja completa a purificação da cidade. Depois de trinta ou
quarenta dias, aplacada a cólera de Deus com preces e jejuns, ele
ou se faz sacerdote, ou então, o que raríssimas vezes acontece,
volta ao primeiro estado, mas descendo pelo caminho externo dos
sacerdotes. Passa esse homem a gozar da estima e do amor
universais, pois não hesitou em morrer pelo bem da pátria. Deus
não quer a morte de quem quer que seja. Os sacerdotes que, em número
de vinte e quatro, habitam o alto do templo, cantam salmos a Deus,
quatro vezes ao dia, isto é, à meia-noite, ao meio-dia, de manhã
e à tarde. Consiste o seu principal empenho em estudar as
estrelas, os seus movimentos com os astrolábios, e observar a sua
influência e relação com as coisas humanas. Conhecem ainda as
mudanças que se verificam ou que devem verificar-se em
determinada região e numa época determinada, tomando em
consideração tanto as predições comprovadas como as que
falharam, por meio de exploradores enviados aos países indicados.
Isso permite que, depois de repetidas experiências, façam predições
sem receio de enganar-se. Determinam a hora da geração, os dias
da semeadura, da vindima, da colheita, tornando-se quase que
internúncios, intercessores e liames que unem os homens a Deus,
sendo que quase todos os Hoh são tirados dentre eles. Além
disso, escrevem os fatos dignos de história e se esforçam pelo
aperfeiçoamento de todas as ciências. Só descem para o jantar e
para a ceia. Raríssimas vezes têm relações com as mulheres e
unicamente a título de medicina. Hoh sobe diariamente, a fim de
consultá-los sobre o que descobriram e estudaram em benefício de
todas as nações do universo.
Há sempre um homem do povo no
templo, a rezar diante do altar, sendo substituído por outro
depois de uma hora, como costumamos fazer na solenidade das
quarenta horas. Esse modo de orar é chamado sacrifício perpétuo.
Depois das refeições, rendem graças a Deus com sons musicais, e
cantam os feitos dos heróis cristãos, hebreus, gentios e de
todas as nações, fazendo isso com imenso prazer, pois não têm
ódio a nenhum povo. Cantam também hinos ao amor, à sapiência e
a todas as virtudes. Sob a direção do próprio rei, cada um
escolhe a mulher que mais lhe agrada, e, entre os peristilos, se
exercitam em honesta e jocunda dança. As mulheres trazem os
longos cabelos unidos, formando uma única trança, com a qual
circundam a cabeça, e os homens fazem um topete no meio da testa
e cortam todos os outros cabelos ao redor, usando uma espécie de
capuz redondo, um pouco mais alto do que a cabeça.
No campo, cobrem a cabeça com chapéus;
na cidade, com barretes brancos, vermelhos e de várias outras
cores, conforme a arte ou o ofício. Os magistrados os possuem
maiores e mais bem guarnecidos. Com grande solenidade, celebram os
dias de festa, que transcorrem quando o sol entra nos quatro
gonzos do mundo: o Câncer, a Libra, o Capricórnio e o Áries. São
representadas, então, ações instrutivas e quase cômicas. São
também dias de festa os plenilúnios e os novilúnios, assim como
o aniversário da fundação da cidade, de uma vitória, etc., que
se celebram com sons de trompas e de tímpanos e com cantos
feminis. Os poetas cantam os louvores dos mais ilustres
guerreiros. Todavia, quem mentir, mesmo no elogio, será punido. Não
é considerado digno da nobre arte poetar quem, nas suas
fantasias, faz entrar a mentira, sendo esse abuso julgado uma das
maiores pestes do gênero humano, pois tira o prêmio à virtude
para oferecê-lo muitas vezes ao vício, e quase sempre por temor,
ambição, adulação ou avareza. Não se erigem estátuas em
honra de ninguém, a não ser depois da morte. Quem, porém,
descobrir novas artes, ou revelar segredos de grande utilidade, ou
ainda fizer relevantes benefícios civis ou militares, obtém,
mesmo em vida, a inscrição no livro dos heróis. Os despojos dos
defuntos não são enterrados, mas queimados, para não darem
origem a pestes e se converterem em fogo, matéria nobre e viva
que desce do sol para tornar a subir ao sol; e também para
impedir toda razão de idolatria.
Sempre que fazem suas orações,
voltam-se para os quatro ângulos do mundo. De manhã, olham
primeiro para o oriente, depois para o ocidente, depois para o
meio-dia. Só recitam uma prece, pela qual pedem sanidade de corpo
e de mente, felicidade para si e para todos os povos, e terminam:
"Como melhor parecer a Deus". Mas, a prece pública dura
muito tempo e se eleva ao céu. O altar é redondo, indo-se a ele
por quatro caminhos que se cruzam em ângulos retos. Hoh mostra-se
sucessivamente a cada um e, depois, prostrando-se, reza com os
olhos voltados para o céu. Essa cerimônia é tida como um grande
mistério. As vestes pontificais assemelham-se, pela beleza e
magnificência, às de Aarão (59).
Imitam a natureza e tornam maravilhosa a arte.
Dividem o tempo segundo o ano
tropical e não arbitrariamente, mas cada ano notam quanto um
antecipou o outro. Crêem que o sol se aproxima cada vez mais da
terra e, percorrendo círculos cada vez menos amplos, chega, no
ano presente, aos trópicos e aos equinócios, mais depressa do
que no passado.
Contam os meses pelo curso lunar e
os anos pelo solar, só os pondo de acordo no décimo nono ano,
quando a cabeça do dragão termina o seu curso. Fundaram, assim,
uma nova, astronomia. Louvam Tolomeu (60)
e admiram Copérnico (61),
embora lhes anteponham Ariatarco(62)
e Filolau(63).
Dizem, porém, que um observa com pedrinhas e o outro com favas,
mas nenhum conforme à verdade. Dão-lhes, pois, um valor ideal e
não real. Dedicam a esse estudo a mais séria aplicação.
Reputam-no de absoluta necessidade para se conhecer como é
composto e construído o mundo e se este deve ou não acabar.
Acreditam plenamente no oráculo de Jesus Cristo sobre a futura
aparição de sinais no sol, na lua e nas estrelas. Há tolos que,
na sua ignorância, dão a essas coisas o nome de fábulas, mas se
surpreenderão com o último dia do mundo como com o ladrão
noturno. Esperam, portanto, a renovação do século e, talvez
também o seu termo.
Dizem que reina grande obscuridade
sobre a origem do mundo, não se sabendo se foi feito do nada ou
das ruínas de outros mundos ou do caos, mas julgam verosímil e
mesmo certo que tenha sido feito e não seja eterno. Desprezam,
assim, a opinião de Aristóteles, que eles chamam de lógico e não
de filósofo. Das anomalias astronômicas, deduzem numerosos
argumentos contra a eternidade do universo. Não adoram, mas
honram o sol e as estrelas como coisas vivas, estátuas e templos
de Deus, e altares animados do céu. Antes de qualquer coisa
criada, estimam o sol, mas não consideram nenhum digna do culto
de Lafria (64).
Este é reservado exclusivamente a Deus, e a ele somente servem, a
fim de que, pela lei de talião, não caiam sob a tirania e a miséria.
No sol, contemplam a imagem de Deus, chamando-o de excelso rosto
do Onipotente, estátua viva, fonte de toda luz, calor, vida e
felicidade de todas as coisas. Seu altar foi erigido à semelhança
do sol, e nele os sacerdotes adoram Deus, imaginando no céu um
templo, nas estrelas altares e casas habitadas por anjos bons,
nossos intercessores junto a Deus, que mostra sobretudo no céu a
sua beleza, e no sol o seu troféu e estátua.
Negam os excêntricos e os epiciclos
de Tolomeu e de Copérnico. Afirmam que o céu é único e que os
planetas se movem e elevam por forças próprias quando se
aproximam e se unem ao sol, levantando-se mais devagar e devendo
percorrer um círculo cada vez mais amplo. Professam mil outras
opiniões astronômicas, quase todas em oposição com as que
vulgarmente se conhecem.
Atribuem às coisas terrestres dois
princípios físicos: o sol-pai e a terra-mãe. Dizem que o ar é
uma porção impura do céu; que o fogo deriva plenamente do sol
que o mar provém do suor da terra ardente e fusa, constituindo um
meio de união entre o ar e a terra, da mesma forma que o sangue o
é entre os espíritos e os corpos animais. Acreditam ser o mundo
um grande animal, vivendo nós no seu ventre como os vermes no
nosso, e, por isso, não pertencemos à providência própria das
estrelas, do sol e da terra, mas somente à de Deus, porque, em
relação a estas, entendidas para outro escopo, somos apenas uma
sua amplificação, tendo nascido e estando vivendo por acaso;
mas, em relação a Deus, do qual as coisas são instrumentos,
fomos criados com preciência e ordem, destinando-nos a um grande
fim. Por conseguinte, somente a Deus devemos gratidão como a um
pai, e somente Deus deve ser por nós reconhecido como autor e
concessor de todas as coisas.
Crêem na imortalidade da alma e,
depois da saída do corpo, na sua associação com os anjos bons
ou maus, conforme as ações da vida presente, e isso porque as
coisas semelhantes amam os seus semelhantes. Diferente da nossa é
a sua opinião sobre os lugares das penas e dos prêmios. Duvidam
da existência de outros mundos além do nosso. Consideram
mentecapto quem afirmar que existe o vácuo, pois dizem que este não
pode existir nem dentro nem fora do mundo, uma vez que Deus, ente
infinito, não pode tolerar consigo um vácuo. Recusam, contudo,
conceber um infinito corpóreo.
Admitem dois princípios metafísicos:
o Ente, que é o Deus supremo, e o Nada, que é a falta de
entidade, no termo da qual fisicamente se produz alguma coisa,
porque não se faz o que existe e, portanto, não existia o que
foi feito. É assim, pois, do Ente e do Nada que o ser finito toma
a sua essência. Da mesma forma, da tendência ao não ser se
originam o mal e o pecado. O pecado tem, pois, uma causa de deficiência
e não de eficiência. Por causa deficiente, entendem eles a falta
de potência, ou de sapiência, ou de vontade. Somente nesta última
colocam o pecado, pois quem sabe e pode fazer o bem deve
igualmente querê-lo, nascendo a vontade das duas primeiras e não
aquelas desta. Adoram Deus na trindade, o que causa admiração,
mas dizem eles que Deus é Suma Potência, da qual procede a Suma
Sapiência, que é também Deus, e de ambas o Amor, que é Potência
e Sapiência, embora o procedente não tenha a essência daquilo
de que procede e não retrocede. Não possuem, todavia, como os
cristãos, noções distintas das três pessoas citadas, pois V não
tiveram revelações, mas reconhecem em Deus procedimento e relação
própria a se, dentro de se e por se. Todos os seres, portanto,
derivam sua essência da Potência, da Sapiência e do Amor,
enquanto têm existência, e da Impotência, da Ignorância e do
Desamor, enquanto participam do não-ser. Pelas primeiras,
adquirem mérito, e, pelas segundas, pecam, ou com ofensas contra
o costume e a arte que derivam de todas três, ou somente do
terceiro, da mesma forma que uma natureza especial peca por ignorância
e impotência quando produz um monstro.
De resto, tudo isso é preconhecido
e ordenado por Deus, inimigo de todo nada e força potentíssima,
sapientíssima e ótima. Ente nenhum que não peque em Deus pecará
fora de Deus; mas, fora de Deus, é impossível sair, mas somente
de nós, quer no que nos diz respeito, já não por causa dele,
quer no que a ele diz respeito, porque em nós há deficiência e
em Deus eficiência. O pecado é, por conseguinte, ato de Deus
enquanto não tem entidade, e só a deficiência em que consiste a
essência do pecado está dentro de nós e é obra nossa, que
tendemos, por uma força de desordem, ao não-ser.
G.-M. - Irra, que são bem
profundos!
ALM. - Oh! se me lembrasse de tudo,
se não estivesse pensando na partida e se não receasse nada,
poderia dizer-lhe coisas muito mais admiráveis, mas perderei o
navio se não me apressar em ir-me embora.
G.-M. - Suplico-lhe, primeiro, que
me responda a esta única pergunta: que dizem eles do pecado de Adão
(65)?
ALM.
Confessam sinceramente que há muita iniqüidade no universo. Os
homens não são governados por superiores e verdadeiras razões,
vivendo infelizes e sem escutar os bons. Triunfam os perversos, se
bem que eles considerem miserável esse triunfo, não havendo nada
de mais vão e de mais desprezível do que querer mostrar-se
aquilo que na realidade não se é ou não se merece ser, como
tantos que se chamam reis, sábios, guerreiros ou santos.
Argumentam ainda que há, por causa ignorada, uma grande desordem
nas coisas humanas. E, quanto às primeiras, inclinam-se a crer,
com Platão, que os mundos celestes sofreram, outrora, uma revolução
do atual Ocidente para a parte agora chamada Oriente, dirigindo-se
depois para a parte oposta. Acrescentam ser possível que o
governo da terra, com permissão do Deus Supremo, tenha sido
confiado a divindades inferiores. Mas, consideram tolice afirmá-lo
de um modo absoluto, e tolice ainda maior asseverar que, primeiro,
com a máxima eqüidade, tenha reinado Saturno (66),
com menor Júpiter, e depois, sucessivamente, os outros planetas.
Não obstante, confessam que a idade do mundo é regulada de
acordo com a série dos planetas, e acreditam que com as mutações
dos astros, depois de 1.000 ou 1.600 anos, poderão as coisas
passar por grandes mudanças. Dizem que a idade presente parece
dever atribuir-se a Mercúrio, conquanto modificada pelas grandes
conjunções e repetições das anomalias que possuem uma força
fatal. Afirmam, finalmente, que feliz é o cristão que se
contenta em acreditar que toda essa revolução se tenha originado
do pecado de Adão. Opinam também que os pais transmitem aos
filhos mais o mal da pena que o da culpa. Esta pode ser atribuída
pelos filhos aos pais, quando estes tenham descurado a geração
ou a tenham exercitado fora de tempo e lugar, ou então quando não
se tenham tido em vista a escolha e a educação dos genitores, os
quais, se produziram mal os filhos, ainda pior os instruirão.
Toda a atenção é, pois, por eles dedicada à geração e à
educação, e dizem que tanto a culpa dos pais como a pena dos
filhos redundam em dano para a república, como o provam, na
atualidade, todas as cidades que, cheias de miséria, se
degradaram ao ponto de chamarem felicidade aos próprios males,
sem nunca terem conhecido o verdadeiro bem, o que levaria a crer
que o universo é governado pelo acaso. Mas, quem estuda a construção
do universo e a anatomia do homem (por eles freqüentemente
praticada nos cadáveres dos condenados), assim como os planetas,
os animais e a função de cada uma de suas partes, deve confessar
em voz alta a sabedoria e a providência de Deus. É, pois, um
dever do homem consagrar-se inteiramente à religião e
humilhar-se continuamente perante o próprio autor, o que só é
possível e fácil para quem estuda e conhece as obras deste,
obedecendo às suas leis e pondo em prática a sentença do filósofo:
"Não faças aos outros o que não queres que te façam; e o
que queres que te façam, faze-o aos outros." Dessa forma, nós
que pretendemos dos filhos e dos homens bens e honras em troca de
poucas vantagens que lhes concedemos, devemos dar a Deus tudo,
porque dele tudo temos recebido, e estamos nele e com ele. Glória,
pois, a Deus por todos os séculos dos séculos.
G.-M. - Na verdade, assim como essa
gente, que apenas conhece a lei natural, se aproxima tanto do
cristianismo, o qual às leis da natureza só acrescentou os
sacramentos (que conferem força ao seguir fielmente aquelas),
assim também eu deduzo um grande argumento em favor da religião
cristã, como sendo a única verdadeira e que, eliminados os
abusos, deverá dominar todo o universo, de conformidade com o que
ensinam e esperam os mais. eminentes teólogos. E, a esse propósito,
dizem eles que os espanhóis descobriram um novo mundo (embora a
primeira glória se deva a Colombo(67),
esplendor de Gênova), a fim de que todos os povos se associem sob
a mesma lei. Esses filósofos foram, portanto, eleitos por Deus,
em testemunho da verdade. Bem sei que ignoramos o que nós próprios
fazemos, mas, como somos todos instrumentos de Deus, servimos aos
seus fins, do mesmo modo que aquele que, por ambição de
riquezas, sai em busca de novas regiões. Altíssimos são, pois,
os fins de Deus. O sol tende a incendiar a terra e não a produzir
homens e plantas, mas Deus utiliza sua luta para tais produções.
A ele, por conseguinte, rendamos louvores e glórias.
ALM. - Oh! se você soubesse quantas
coisas aprenderam da astrologia e também dos nossos profetas
acerca do século vindouro! Dizem eles que, em nossos dias, num
período de cem anos, acontecem mais fatos dignos de história do
que nos quatro mil anos do mundo anterior, e que maior número de
livros foram publicados neste último século do que nos cinqüenta
passados. Não cessam de elogiar a invenção da imprensa, da pólvora
e da bússola, sinais particulares e, ao mesmo tempo, instrumentos
da união de todos os habitantes do mundo num só ovil. Essas
maravilhosas invenções, acrescentam, verificaram-se quando uma
grande conjunção se realizou no triângulo de Câncer, na ábside
de Mercúrio e de Scorpio, sob a influência da Lua e de Marte,
poderosos nesse triângulo para as novas descobertas marítimas,
os novos exércitos e os novos reinos. Quando, porém, e não
custará muito, a ábside de Saturno entrar no Capricórnio, a de
Mercúrio no Sagitário, a de Marte na Virgem, após as primeiras
e grandes conjunções e a aparição de uma nova estrela em
Cassiopéia (68),
surgirá uma nova monarquia, verificar-se-á a plena reforma das
leis e das artes, entender-se-ão os profetas e, no universo
plenamente regenerado, a santa nação ver-se-á cumulada de toda
sorte de bens. Mas, antes, será preciso abater e desenraizar,
para depois edificar e plantar... Peço-lhe, porém, que me deixe
partir, pois que, fora daqui, me chamam mil afazeres. Saiba
somente que eles já descobriram a arte de voar, a única que
parece faltar ao mundo. Além disso, consideram próxima a
descoberta de instrumentos óticos com os quais serão descobertas
novas estrelas e de instrumentos acústicos tão perfeitos que com
eles se chegará a escutar a música dos céus.
G.-M. - O quê? ha! ha! ha! Você
fala muito bem, mas me parece que essa gente astrologiza demais.
Como podem as estrelas fazer e saber tanto? O que lhe digo é que
tudo, na terra, sucede na ocasião determinada por Deus.
ALM.
- Também eles me responderam que Deus é a causa imediata de
todas as coisas, mas só como causa universal e não particular,
primitiva e não secundária. Porque Deus não come quando Pedro
come; não rouba quando Pedro rouba, se bem que derivem dele a essência
e a faculdade de poder comer e roubar, como causa imediata da qual
depende toda outra mais particular que modifica a imensidade da ação
divina.
G.-M. - Oh ! como raciocinam bem! Os
nossos doutores escolásticos, sobretudo São Tomaz, dizem o mesmo
contra os filósofos maometanos, que professam opinião contrária.
ALM. - Dizem, portanto, que Deus
atribuiu causas universais e particulares a todo efeito, sendo que
as particulares não podem agir sem que ajam as universais. Do
mesmo modo que uma planta não florescerá se o sol não aquecê-la
de perto. Os tempos são, pois, efeitos das causas universais,
isto é, das celestes. Por conseguinte, todos nós procedemos
segundo procede o céu. As causas livres servem-se do tempo em
favor próprio e, às vezes, também pelo bem das outras coisas.
Porque o homem, com o fogo, força as árvores a florescer, e, com
a lâmpada, na ausência do sol, ilumina a própria casa. As
causas naturais agem, pois, no tempo. Da mesma maneira que algumas
coisas se fazem de dia e outras de noite, algumas no inverno e
outras no verão, na primavera ou no outono, e isso tanto por
causas livres como naturais, assim também outras coisas se fazem
neste ou num futuro século. E, como a causa livre não é
obrigada a dormir quando é noite, nem a se levantar quando chega
a manhã, mas age de acordo com as próprias conveniências,
aproveitando-se das alternações dos tempos, também não é
obrigada a descobrir o arcabuz ou a tipografia, quando se realizam
grandes sínodos no Câncer, nas monarquias quando em Áries, etc.
Nem podem acreditar que o Sumo Pontífice tenha proibido a
astrologia aos cultíssimos cristãos, mas somente aos que abusam
dela para adivinhar os atos do livre arbítrio e os acontecimentos
sobrenaturais, enquanto que as estrelas, em relação às coisas
sobrenaturais, não passam de sinais e, em relação às coisas
naturais, só agem como causas universais, não passando de ocasiões,
convites, tendências. O sol, ao nascer, não nos obriga a sair da
cama, mas apenas nos convida a fazê-lo, oferecendo-nos para isso
todas as comodidades, ao passo que a noite impede, com mil incômodos,
que nos levantemos, sendo comodíssima para dormir. Agindo, pois,
indiretamente e ao acaso sobre o livre arbítrio, ao mesmo tempo
que agem sobre o corpo e sobre a sensibilidade corpórea inerente
aos órgãos corpóreos, é a mente excitada pelos sentidos ao
amor, ao ódio, à ira e a todas as outras paixões, dependendo
então do homem assentir ou opor-se à paixão despertada. Assim
é que as heresias, as carestias, as guerras preindicadas pelas
estrelas, muitas vezes se verificam na realidade, porque muitos
homens se deixam governar, não pela razão, mas pelos apetites
sensuais, dando lugar a essas coisas que acontecem contra a razão,
embora também sucedam, freqüentemente, por terem obedecido
racionalmente a uma paixão, como quando se alimenta uma justa cólera
para empreender uma guerra justa.
G.-M. - Você continua a raciocinar
direito, e de suas opiniões participam o já citado São Tomaz e
o nosso Sumo Pontífice, que antepõem a astrologia à medicina,
à agricultura e à náutica, O mesmo sucede com os prognósticos
conjecturais a propósito dos atos arbitrários, sendo a última
opinião admitida por todos os escolásticos. Mas, tendo aumentado
a malícia e verificando-se abusos, proíbem não as conjecturas,
mas o prognóstico conjectural, e não porque seja sempre falso,
mas porque, muitas vezes, ou mesmo sempre, se torna perigoso. É
por isso que os príncipes e os povos que se dedicam
excessivamente à astrologia costumam imaginar males e tentar bens
impossíveis, como o provam Arbace (69),
Agátoeles (70),
Druso (71),
Arquelau (72).
Com o tempo, também veremos coisas semelhantes, em razão do
prognóstico de Tycho (73),
e o que é mais lamentável, muitos príncipes serão enganados
por charlatães. Inúmeros crédulos em tais conjecturas ousam mil
iniquidades contra os nossos Pontífices.
ALM. - Os solares, porém, dizem que
se deve proibir tudo quanto é falso ou perigoso, podendo ser
instrumento de renovação da idolatria, de destruição da
liberdade ou de subversão da ordem política. Afirmo-lhe, ao
contrário, que os solares já descobriram o modo de evitar a ação
do Fado Sidéreo. Uma vez que toda arte só nos é concedida por
Deus em nosso benefício, quando está iminente um eclipse
infausto, um cometa maléfico, etc., eles encerram o ameaçado
dentro de casas brancas, impregnando o ambiente de aromas e de
vinagre rosado, acendem sete velas de cera aromatizada e
acrescentam alegre música e divertidas conversações. Dessa
forma, são destruídos os germes pestilenciais emanados do céu.
G.-M. - Irra essas coisas são todas
medicinas excelentes e bem aplicadas: o céu age sobre o corpo,
devendo sua ação ser corrigida por antídotos corpóreos. Não
me agrada, porém, o número das velas, como se a virtude de curar
residisse em determinado número, coisa que cheira a superstição.
ALM. - Dão, decerto, valor aos números,
apoiando-se na filosofia pitagórica, não sei se com razão. Mas,
não se baseiam unicamente no número, e sim na medicina
acompanhada de números.
G.-M. - Nisso, não vejo superstição
e não conheço escritura nem canhão eclesiástico que condene a
força dos números. Ao contrário, os médicos costumam utilizá-los
nos períodos e nas crises das moléstias. Além disso, está
escrito que Deus fez todas as coisas com peso, medida e número,
tendo em sete dias criado o mundo; sete são, também, os anjos
que tocam as trompas; sete as taças; sete os trovões; sete os
candelabros; sete os mistérios; sete os sacramentos; sete os dons
do Espírito, etc. Eis porque Santo Agostinho, Santo Hilário (74)
e Origenes (75)
raciocinaram longamente sobre o valor dos números, sobretudo dos
números sete e seis. Não serei eu que irei condenar os solares
por se fazerem médicos segundo os signos celestes e por
defenderem o livre arbítrio. Com as sete velas, imitam eles os
sete planetas do céu, como Moisés com as sete candeias. Além
disso, Roma sentenciou que só é superstição atribuir-se todo
poder exclusivamente aos números, e não às coisas numeradas.
Mas, continue, agora, o discurso interrompido.
ALM. - Dizem eles, pois, que os
signos femininos trazem a fecundidade às regiões a que presidem,
da mesma forma que um governo menos robusto nas coisas inferiores,
causando e ocasionando, traz a alguns comodidade ou incomodidade,
tirando-as de outros. A prova disso é que o governo das mulheres
prevaleceu em nosso século: nove amazonas apareceram entre a Núbia
e a Monopotapa, e na Europa vimos reinar Roxana na Turquia, Boa na
Polônia, Maria na Hungria, Elisabete na Inglaterra, Catarina na
França, Branca na Toscana, Margarida na Bélgica, Maria na Escócia,
Isabel, que favoreceu a descoberta do Novo Mundo, na Espanha. Além
disso, é pelas mulheres que um grande poeta do nosso século
inicia o seu canto:
e donne, i cavalier, l'armi, gli
amori. (76) Os
poetas maldizentes e os hereges, em virtude do triângulo de Marte
na casa dominante de Mercúrio e da influência de Vênus e da
Lua, falam sempre de coisas obscenas e apaixonadas, enquanto os
homens, efeminando-se cada vez mais nos atos e na voz, se tratam
por Vossa Senhoria. Na África, onde reina a influência de Câncer
e de Scorpio, além das amazonas, vêem-se, em Fez e em Marrocos,
lupanares de homens e muitas outras coisas infames a que o clima
convida, mas não obriga. Ora, não obstante, o trígono de Câncer
(pois está no trópico, formando uma triplicidade no apogeu de Júpiter,
do Sol e de Marte), como de outra parte a Lua, Marte e Vênus,
favoreceu a descoberta de novos impérios, a possibilidade de
fazer a volta ao mundo e o governo das mulheres, e, por Mercúrio
e Marte, a descoberta da tipografia e do arcabuz, sem contar que
deu aos homens causa, ou antes, ocasião para grandes modificações
nas leis, sempre sob a providência de Deus, que os convida ao bem
quando não tenham destruído essas inclinações. Os solares
revelaram-me coisas admiráveis sobre o consenso das coisas
celestes com as terrestres e com as morais, bem como sobre a difusão
do cristianismo no Novo Mundo, a sua estabilidade na Itália e na
Espanha, e a sua ruína na Alemanha setentrional, na Inglaterra,
na Escandinávia e na Panônia (77).
Mas, não quero repetir asses prognósticos, pois que,
sapientemente, o nosso Papa os proibiu. E, ao mesmo tempo que
Xerifos (78) e
Sofos (79)
introduziam modificações na África e na Pérsia, Wiclef (80),
Huss (81) e
Lutero (82)
atacavam a religião entre nós, enquanto os Mínimos (83)
e os Capuchinhos (84)
a ilustravam. Disseram-me como do próprio movimento do céu se
serviam alguns para o bem e outros para o mal, se bem que as
heresias sejam incluídas pelo Apóstolo entre as obras da carne e
subordinadas às influências sensíveis exercidas por Marte, por
Saturno e pela Terra, graças à vontade que espontaneamente a
eles se submete. Acrescentarei apenas que os solares descobriram a
arte de voar e outras artes sob a constituição da Lua e de Mercúrio,
graças à ábside do Sol, pois que essas estrelas têm influência
no ar para a arte do vôo. E o que produzem nas regiões aquosas
pelo nado, fazem-no, nas regiões equatoriais, no ar, pelo vôo,
graças à posição da Terra e ao lugar de mais sol. Descobriram,
assim, uma nova astronomia, porque no outro hemisfério, do
equador ao austro, na cana do Sol, há o Aquário, na da Lua o
Capricórnio, etc. Tomaram em sentido contrário todas as influências
e signos, porque naquelas regiões os signos têm outro nome e os
planetas não se distribuem como nas nossas e nas regiões
polares. Não repetirei o que aprendi daqueles sábios sobre as
mutações das ábsides e a excentricidade e obliqüidade dos
equinócios, dos solstícios e dos pólos, dos signos celestes e
dos entrecruzamentos pelos quais agem no espaço imenso da máquina
do mundo; nem sobre as relações simbólicas das nossas coisas
com as que estão fora do nosso mundo; nem sobre a revolução que
se seguirá à grande conjunção no Áries e na Libra, signos
equinociais do restabelecimento das monarquias, e que se verificará
com grande estupor após a grande conjunção que confirmará o
decreto de quem estabeleceu a mutação e a renovação da terra.
Mas, não me faça demorar mais, pois tenho muitas outras coisas
que fazer e você sabe quantos afazeres tenho a meu cargo. Por
ora, basta saber que eles não destroem, mas, ao contrário,
edificam o sistema do livre arbítrio. E dizem que do mesmo modo
que um eminente filósofo, por quarenta horas cruelmente
atormentado por seus inimigos, que não conseguem nunca
arrancar-lhe da boca uma palavra sobre o que perguntam, porque
intimamente resolveu calar-se, assim também as estrelas que se
movem à distância e com lentidão não podem constranger-nos a
nenhum ato contra a nossa vontade, como não podem governar-nos,
nem por obrigatório decreto de Deus, pois somos tão livres que
podemos blasfemar contra o próprio Deus. Deus não força a si
nem aos outros contra si. Pode Deus, acaso, ser dividido? Mas,
como as estrelas operam nos sentidos algumas insensíveis e ligeiríssimas
modificações, sucede que sofrem sua influência sobretudo os que
obedecem mais aos sentidos do que ao raio divino da razão. Eis
porque a mesma constelação que traz fétidos vapores das mandíbulas
cadavéricas dos hereges também serve para produzir fragrantes
exalações das retas inteligências dos que fundaram as religiões
dos Jesuítas (85),
dos Irmãos Mínimos e dos Capuchinhos. Foi também sob a sua
influência que se deu a descoberta do novo hemisfério com que
Colombo e Cortez (86)
abriram nova arena à propagação da religião cristã.
Agora, estão iminentes no mundo
grandes acontecimentos, cuja exposição reservo, porém, para
melhor oportunidade.
G.-M. - Responda ao menos a esta única
pergunta: como é que, sem velas e sem remos, põem eles os navios
em movimento?
ALM. - Há na popa uma grande roda
em forma de leque, presa à extremidade de uma vara que,
equilibrada do lado oposto por um peso nela suspenso, pode ser
facilmente levantada e abaixada por um menino. Todo o mecanismo se
move sobre uma prancha sustentada por duas forquilhas. Além
disso, alguns navios são postos em movimento por duas rodas que
giram dentro d'água por meio de cordas que partem de uma grande
roda posta na proa e, entrecruzando-se, circundam as rodas da
popa. Posta em movimento, sem dificuldade, a grande roda faz girar
as pequenas mergulhadas na água, à semelhança da pequena máquina
de que se servem as mulheres calabresas para enrolar e fiar o
linho.
G.-M. - Espere, espere um instante.
ALM. - Não posso, não posso.
QUESTÕES SOBRE A ÓTIMA REPÚBLICA
ARTIGO PRIMEIRO
Se é com razão e utilidade que se
acrescenta à doutrina política o diálogo da Cidade do Sol.
Mais dificuldades militam contra a
razoabilidade e a utilidade de uma tal república.
1o. - Do que nunca existiu, nem
existirá, nem se espera que exista, é inútil e vão tratar.
Semelhante modo de viver em comum, inteiramente isento de delitos,
é impossível, nem nunca se viu, nem se verá. Foi, pois,
inutilmente que nos ocupamos com isso. Do mesmo argumento usava
Luciano (87)
contra a república de Platão.
2o, - Essa república só pode
subsistir numa cidade e não num reino, pois não se podem
encontrar lugares inteiramente semelhantes. Dessa forma, será
corrompida pelos povos sujeitos, pelo comércio ou pelas sedições
que irromperem contra tão austera maneira de viver.
3o. - Essa república foi imaginada
ótima e perene. Ora, em primeiro lugar, não poderá ser perene,
porque necessariamente acabará se corrompendo ou sendo invadida
pela peste proveniente do longo domicilio, não estando livre do
vento, da guerra, da carestia, das feras, e não podendo escapar
à tirania interna, ou, finalmente, pelo excessivo número de
cidadãos, como dizia Platão da sua república. Em segundo lugar,
não poderá ser ótima, pois necessariamente haverá delitos,
como diz o apóstolo: Si discessimus quia peccatum non habemus,
ipsi nos seducimus (88).
Além disso, Aristóteles prova, contra Platão, que a comunidade
dos bens úteis e das mulheres torna viciosa uma república e,
quando nos parece que desapareceu um mal, deparamos em seguida com
uma porção.
4o. - Esse modo de viver é mais
conforme à natureza que provado pelo uso de todas as nações. O
nosso, porém, é repelido por todas, de forma que foi inútil e
leviana a nossa palestra.
5o. - Ninguém desejaria viver
submetido a leis e observâncias tão severas e sob a tutela dos
pedagogos. Essa república seria derrubada pelos próprios cidadãos,
como acontece em muitas ordens religiosas que vivem em comunidade.
6o. - É natural que os homens
estudem as obras de Deus, viajem pelo mundo, procurem em toda
parte as ciências, façam experiência de tudo. Mas, os
habitantes de uma tal república seriam como os monges, que só
estudam nos livros e, quando ouvem alguma coisa que não se acha
neles, se escandalizam e se perturbam. Assim como agora mal crêem
nas observações de Galileu (89),
antes não acreditavam que Colombo tivesse descoberto um novo
hemisfério, porque Santo Agostinho o nega.
Mas, respondendo primeiro em geral,
existe em nosso favor o exemplo de Thomas More, mártir recente,
que escreveu a sua república Utopia, imaginária, exemplo no qual
encontramos as instituições da nossa. Platão, igualmente,
apresentou uma idéia da república que, embora não possa, como
dizem os teólogos, ser posta integralmente em prática na
natureza corrupta, teria podido, contudo, subsistir no estado de
inocência, isto é, justamente aquele ao qual Cristo nos faz
voltar. Aristóteles, por sua vez, instituiu a sua república. E
assim muitos outros filósofos. Paralelamente, os príncipes
promulgam leis que consideram ótimas, não porque imaginem que
ninguém as transgredirá, mas porque julgam tornar felizes os que
as observam. E São Tomaz ensina que os religiosos não são forçados,
sob pena de pecado, a observar tudo o que é prescrito na regra,
mas apenas as coisas mais essenciais, embora fossem mais felizes
se a observassem toda: devem viver de acordo com a regra, isto é
adaptar sua vida à regra, tão comodamente quanto possível. Moisés
promulgou leis dadas por Deus e instituiu uma ótima república:
enquanto os hebreus viveram pelas normas da mesma, floresceram;
quando deixaram de observar suas leis, decaíram. E assim os retóricos,
que estabelecem as ótimas regras de um bom discurso, isento de
qualquer defeito. Assim os filósofos, que imaginam um poema sem
nenhum senão, se bem que nenhum poeta se tenha livrado disso.
Assim os teólogos, que descrevem a vida dos santos, embora nenhum
ou muito poucos a imitem. Qual é, pois, a nação capaz de imitar
a vida de Cristo, sem pecado? E, por isso, os Evangelhos terão
sido escritos inutilmente! Jamais, e sim para que nos esforcemos
por nos aproximarmos deles tanto quanto possível. Cristo
estabeleceu uma república excelentíssima, isenta de todo pecado,
que apenas os apóstolos observaram integralmente, depois passou
do povo ao clero e, afinal, exclusivamente aos monges, sendo que,
entre estes, persevera em alguns, ao passo que, em outros, vês
muito poucos institutos que se conservam em harmonia com a mesma.
Apresentamos, pois, a nossa república,
não como dada por Deus, mas como uma descoberta filosófica e da
razão humana para demonstrar que a verdade do Evangelho é
conforme à natureza. Se, em algumas coisas, nos afastamos do
Evangelho, ou parece que nos afastamos, isso não se deve atribuir
à impiedade, mas à fraqueza humana, que, à falta de revelação,
julga justas muitas coisas que à luz da mesma não o são, como
podemos dizer da comunidade dos matrimônios. Foi por isso que
imaginamos a nossa república no gentilismo que espera a revelação
de uma vida melhor e que, vivendo segundo os ditames da razão,
merece possuí-la. Além disso, são catecúmenos da vida cristã,
razão que levou Cirilo (90)
a dizer, contra Juliano (91),
que a filosofia foi dada aos gentios como catecismo para a fé
cristã. Por conseguinte, para ensinar os gentios a viver
retamente, se não quiserem ser abandonados por Deus, e convencer
os cristãos de que a vida de Cristo é conforme à natureza,
tomamos o exemplo desta república, como São Clemente romano
tomou o da república socrática e como fizeram São Crisóstomo e
Santo Ambrósio (92).
É,
portanto, claro que, com essa maneira de viver, não tendo os
magistrados motivos para ambicionar os postos, desaparecem todos
os vícios, assim como todos os abusos decorrentes da sucessão,
da eleição ou da sorte, pois estabelecemos uma espécie de república
como a dos grua e a das abelhas, celebradas por Santo Ambrósio.
Desaparecem, igualmente, as sedições dos súditos, que decorrem
da insolência dos magistrados, da sua licenciosidade, da pobreza,
da abjeção e da opressão desenfreadas.
E assim todos os males provenientes
dos dois contrários, a riqueza e a pobreza, que Platão e Salomão
consideram como a origem dos males da república: a avareza, a
adulação, a fraude, os furtos, a sordidez da pobreza; e a
rapina, a arrogância, a soberba, a ociosidade, etc., da riqueza.
Assim se destroem os vícios
provocados pelo abuso do amor, como os adultérios, a fornicação,
a sodomia, os abortos, o ciúme, as discórdias domésticas, etc.
Assim os males que procedem do
excesso de amor dos filhos ou dos consortes; a propriedade que
elimina, como diz Santo Agostinho, as forças da caridade; o amor
próprio que ocasiona todos os males, como diz Santa Catarina num
diálogo; a avareza, a usura, a iliberalidade, o ódio do próximo,
a inveja dos ricos e dos grandes. Nós, ao contrário, aumentamos
o amor da comunidade e acabamos com os ódios despertados pela
avareza, raiz de todos os males, e com os conflitos, as fraudes,
os falsos testemunhos, etc.
Assim todos os males do corpo e da
alma, provenientes do trabalho excessivo para os pobres e do ócio
para os ricos. Entre nós, as fadigas são igualmente divididas.
Assim os males oriundos do ócio nas
mulheres e que corrompem a geração e a saúde do corpo e do espírito.
Entre nós, elas se ocupam com os exercícios e as virtudes que
lhes são próprias.
Assim os males que nascem da ignorância
e da estupidez. Em nossa república, observa-se uma grande experiência
de doutrina em cada coisa e na própria construção da cidade,
onde há imagens e pinturas que ensinam, a quem olhá-las, todas
as ciências, de forma quase histórica.
Assim se providencia
maravilhosamente contra a corrupção das leis.
Finalmente, como evitamos em cada
coisa os extremos, reduzindo todas à justa medida na qual se
encontra a virtude, não se pode imaginar república mais feliz e
mais fácil. Em suma, todos os defeitos que se notam nas repúblicas
de Minos (93),
de Sólon, de Caronda, de Rômulo (94),
de Platão, de Aristóteles e de outros autores, não se encontram
na nossa, pois é bem protegida e felizmente provida de tudo,
tendo sido deduzida da doutrina das primalidades metafísicas, com
as quais nada é esquecido ou omitido.
A primeira dificuldade, segundo a
qual não se pode alcançar exatamente a idéia de uma tal república,
está, pois, respondido que nem por isso se escreveu inutilmente,
porque o que se propõe é um exemplo que deve ser imitado tanto
quanto possível. Quanto à sua exeqüibilidade, está ela
demonstrada pela vida dos primeiros cristãos, entre os quais se
estabeleceu a comunidade ao tempo dos apóstolos, como o atestam São
Lucas (95) e São
Clemente. Em Alexandria, observou-se o mesmo modo de viver, ao
tempo de São Marcos (96),
como o atestam Filão (97)
e São Jerônimo (98).
Tal foi a vida do clero até Urbano I e também ao tempo de Santo
Agostinho. Tal é, agora, a vida dos monges, que S. Crisóstomo,
considerando-a possível, deseja que se introduza em toda a cidade
de Constantinopla e que eu espero se realize no futuro, depois da
ruína do Anticristo, como nas minhas profecias. Mesmo quem a
negar aristotelicamente será constrangido a admiti-la como possível
no estado de inocência, embora não no presente. Os padres, porém,
a consideram praticável mesmo agora, pois Cristo nos reduziu àquele
primeiro estado. E, se Luciano, gentio e ateu, ridiculariza Platão
por ter imaginado uma república impossível, São Clemente, Santo
Ambrósio e São Crisóstomo o louvam. E estes, por sua doutrina e
santidade, podem bem antepor-se a mil Lucianos.
Segunda objeção. Atribuímos um
tal modo de viver somente à capital. Mas, as aldeias imitarão,
depois, esse sistema, parcial ou totalmente, até formarem uma
província. Lugares adequados serão encontrados com facilidade e,
quando faltarem, variaremos a forma, de modo que, na parte mais
alta da cidade, fique o chefe, e nos apêndices semicirculares as
habitações. Mas, mesmo no plano, será bom o nosso modelo, desde
que não o impeça a lama, que pode ser evitada pelo calçamento
das ruas e por aquedutos. Além disso, para que os habitantes não
sejam corrompidos pelo comércio, existem no projeto os
magistrados incumbidos desse mister. Para evitar as sedições
externas, há as fortalezas bem guarnecidas da metrópole e as milícias
que se movimentam continuamente para a defesa do império. De
resto, servir a probidade da cidade dominante é uma felicidade tão
grande como a dos ignorantes ao servirem o sábio e o probo.
Cresce mais o império com essa opinião de probidade do que com a
força de Roma. Já sob Pompílio, era considerado nefando atacar
os inimigos com meios contrários à virtude.
Terceira objeção. Durará até a
um dos períodos gerais das coisas humanas que dão origem a um
novo século: Porque, quanto à peste, às feras, à fome, à
guerra, providenciamos otimamente, na medida do possível, com a
virtude, ou, pelo menos o fizemos melhor do que se costuma fazer
fora. Com efeito, os ventos, pelas quatro ruas maiores, purgam a
cidade, e onde as casas o impedem, existem as janelas, colocadas
de modo que possam fechar-se às más exalações e abrir-se às
salubres. Quanto ao número dos habitantes, vede a metafísica.
Afirmo que esta é uma via ótima, que deve ser mais cuidada do
que a duração.
Certamente, haverá pecados, mas não
graves, como nos outros Estados, ou pelo menos não tão grandes
ao ponto de arruinarem a república, como acontece com as ordens
estabelecidas. Quanto ao que Aristóteles objeta a uma tal república,
será desfeito nos artigos subsequentes.
Quarta objeção. Afirmo que essa
república, como o século de ouro, é desejada por todos e
reclamada por Deus, quando pedimos que a sua vontade seja feita
assim no céu como na terra. Se não é praticada, isso se deve à
maldade dos príncipes, que submetem os povos a si e não ao império
da razão suprema. O uso e a experiência demonstram, pois, a
possibilidade do que dissemos, sendo mais natural viver conforme
à razão do que ao afeto sensual, e virtuosa do que viciosamente,
segundo São Crisóstomo. Os monges são uma prova disso, e agora
os anabatistas, que vivem em comum e que, se observassem os
verdadeiros dogmas da fé, maior proveito teriam com esse sistema
de vida. Se o céu permitisse que não fossem hereges e
praticassem a justiça como a professamos, seriam eles exemplo da
sua verdade. Não sei, porém, por que tolice recusam o melhor.
Quinta objeção. E, ao contrário,
uma suprema felicidade viver virtuosamente, como diz São Crisóstomo,
e se cometes uma falta, logo a corriges, antes de sofrer-lhe os
efeitos. A licenciosidade é a causa dos males, sendo feliz a
necessidade que nos força ao bem. A nós, habituados ao mal, é
que nos parece duro esse gênero de vida, como aos jogadores e aos
discolos a vida dos bons cidadãos, e a estes a vida dos monges.
Mas, experimentai, e vereis que os religiosos nunca se revoltam
pela severidade da disciplina, e, quando isso acontece, é pelo
comércio dos laicos, pela ambição das honras e o amor da
propriedade, ou pela libidinagem. Mas, em nossa república, foram
previstas e evitadas todas essas causas. Não segue, pois, o
exemplo daqueles.
Sexta objeção. Procuramos,
igualmente, para a nossa república, fazer tesouro das observações
da experiência e da ciência de toda a terra. Para isso,
estabelecemos até peregrinações, comunicações de comércio e
embaixadas. E nem os monges se privam desses bens mudando muitas
vezes de cidade e de província, nem a ignorância da experiência
se verifica nos melhores monges, umas somente nos vulgares. Suas
querelas são um meio de melhor discutir as coisas; depois que se
esclarecem, ficam tranqüilos todos os virtuosos. Não acharás
nenhum lugar em que mais se tenha feito pela doutrina e a conservação
das ciências do que nas ordens dos monges e dos frades. Quanto
aos monges antropomorfitas (99),
que se insurgiram contra Orígenes por instigação do maligno
patriarca Teófilo, nada obtiveram depois de um exato exame. É
claro, porém, que tais sedições não se verificarão na Cidade
do Sol. O monaquismo (100)
foi instituído para o aumento da santidade e da ciência, e não
para agravar a submissão, como pretendem os hipócritas.
ARTIGO SEGUNDO
Se é mais conforme à natureza e
mais útil à conservação e ao aumento da república e dos
particulares a comunidade dos bens externos, como sustentam Sócrates
e Platão, ou a divisão defendida por Aristóteles.
Primeira objeção. Contra a
comunidade dos bens, no segundo livro da Política, argumenta
Aristóteles deste modo: nessa comunidade, diz ele, ou os campos
seriam próprios e os frutos comuns ou vice-versa, ou ainda comuns
tanto uns como os outros. No primeiro caso, quem tivesse mais
terra deveria trabalhar mais para cultivá-la e obter uma parte de
frutos igual à dos que não trabalhassem, o que provocaria discórdias
e ruína. No segundo caso, ninguém seria estimulado ao trabalho e
os campos seriam mal cultivados, porque cada qual pensaria mais em
si do que nas coisas comuns. Com efeito, onde há uma multidão de
servos, o serviço é pior, cada qual deixando para o outro o
trabalho que deveria fazer. No terceiro caso, aconteceria o mesmo
e, além disso, um novo mal, pois cada qual desejaria ter a melhor
e a maior parte dos frutos e a menor das fadigas, de maneira que,
em lugar da amizade, só haveria discórdia e fraude.
Segunda objeção. Contra a
comunidade dos bens úteis, objeta-se que são necessárias mais
classes de pessoas para o bom governo da república, como
soldados, artífices e governadores, segundo Sócrates; que, se
todas as coisas fossem comuns, cada um recusaria as fadigas da
agricultura e desejaria ser soldado, sendo que, em tempo de
guerra, preferiria ser agricultor, além de não combater sem
estipêndio; que, em suma, todos quereriam ser regedores, juizes
ou sacerdotes. Dessa forma, honrando alguns, deprimir-se-iam os
outros, cabendo aos primeiros menor trabalho, de forma que
subsistiria a injustiça. Por conseguinte, é melhor dividir os
bens.
Terceira objeção. A comunidade
destrói a liberalidade e a faculdade de praticar a hospitalidade,
de socorrer os pobres, porque quem nada possui de seu de nada pode
dispor.
Quarta objeção. É uma heresia
negar a justiça da divisão dos bens, sustentada por Santo
Agostinho contra os que tinham em comum as mulheres e os bens, sob
a alegação de que assim viviam os apóstolos. Scot, no livro De
Justitiae et Jure, diz que o concílio de Constança (101),
condenou João Huss por negar que se pudesse ter alguma coisa em
particular. E Cristo disse: Reddite que sunt Caesaris Caesari (102).
Em resposta, replicamos, em geral,
com as palavras do papa São Clemente na epístola 4, citadas por
Graciano (103)
no cânone 2, questão I: "Caríssimos, o uso de todas as
coisas que estão neste mundo devia ser comum; por iniqüidade,
porém, um diz que isto é seu, outro aquilo, etc." E
acrescenta que os apóstolos ensinaram e viveram de modo que tudo
fosse comum, inclusive as mulheres. Assim ensinam, igualmente,
todos os padres, ao comentarem o princípio do Gênese, segundo o
qual Deus não distribuiu nada e deixou tudo em comum aos homens,
para crescerem, multiplicarem-se e povoarem a terra. E também
assim ensina Isidoro (104),
no capítulo do jus natural. Quanto a terem os apóstolos vivido
dessa maneira, como todos os cristãos primitivos, vê-se por São
Lucas, São Clemente, Tertuliano, Crisóstomo, Agostinho, Ambrósio,
Filão, Orígenes e outros. Esse sistema de vida restringiu-se,
depois somente aos clérigos que viviam em comum, como o atestam
eles próprios e São Jerônimo, Próspero (105),
o Papa Urbano e outros. Mas, sob o papa Simplício, mais ou menos
no ano 470, foi feita pelo mesmo a divisão dos bens da Igreja, de
forma que uma parte coubesse ao bispo, outra à fábrica, outra ao
clero e uma aos pobres. Mais tarde, Gelásio, papa pouco depois, e
Santo Agostinho não quiseram ordenar clérigos, porque estes
punham tudo em comum. Mas, em seguida, para evitar os hipócritas
que ocultavam o que era seu, isso foi permitido, mas não de bom
grado. É, pois, uma heresia condenar a vida comum ou dizê-la
contra a natureza. Ao contrário, Santo Agostinho pensa que tomar
a propriedade é uma razão de maior esplendor. Assim, quer para a
vida presente, quer para a futura, é melhor a comunidade dos
bens. E São Crisóstomo informa que esse gênero de vida existiu
entre os monges e ele o adota, insinuando-o e pregando-o a todos.
Ensina ainda, na homília, ao povo da Antióquia (106),
que ninguém é dono dos seus bens, mas apenas despenseiro, como o
é o bispo dos da igreja, sendo culpável todo laico que abusa dos
seus bens sem comunicá-los aos outros. Diz São Tomaz que somos
donos da propriedade, não do uso, pois que, em extrema
necessidade, todas as coisas são comuns. Por isso, se refletires
bem, uma tal propriedade é antes um tributo pela obrigação de
reconhecer a má distribuição, o que é, aliás, confirmado por
São Basílio no sermão aos ricos e por Santo Ambrósio no sermão
81. São Crisóstomo inculca-o em quase todas as suas homilias e,
particularmente, no capítulo 6, sobre São Lucas, onde se acham
estas palavras: Nemo dicat proprio a Deo percipimus omnia:
mendacii verba sunt meum et tuum (107).
O mesmo afirma Sócrates na República de Platão ou de Timeu (108),
o mesmo Santo Agostinho no tratado 8o. sobre João, e o mesmo o
poeta Cristiano:
Si duo de nostris tollas pronomina
rebus, Proelia cessarent, pax sine lite foret. (109)
Ovídio (110),
nas Metamorfoses, I, põe esse sistema de vida no século de ouro.
Ambrósio, na carta L, sobre o salmo 118, diz: Dominus noster
terras hanc possessionem omnium hominum voluit esse communem; sed
avaritia possessionum jura distribuit (111).
E, no livro de Virg., diz que a violência, o morticínio e a
guerra distribuíram as coisas aos hebreus carnais, e não aos
levitas (112),
que representavam o cristianismo e o clero. São Clemente, mais
tarde, afirma que isso se deve à iniquidade dos gentios. O mesmo
Santo Ambrósio, no livro I dos Ofícios, capítulo 28, prova, com
a escritura e com a autoridade dos historiadores, que todas as
coisas eram comuns, tendo sido divididas por usurpação; e, no
Hexam, V, ensina, com o exemplo da república civil das abelhas, a
vida em comum, tanto dos bens como da geração, e, com o exemplo
dos grus, desenvolve a vida comum numa república militar. Jesus
Cristo prova o mesmo com o exemplo dos pássaros, que não possuem
nada de próprio, nem semeiam, nem ceifam, nem dividem o pasto; no
entanto, como diz o jurisperito, jus naturale est id quod natura
omnia animalia docuit (113).
É, pois, certo que, por direito natural, todas as coisas são
comuns.
Scot, no 4 das sentenças 15,
responde que a comunidade é de direito natural no estado de
natureza, tendo sido tal direito derrogado com o pecado de Adão.
Falsa, porém, é essa resposta, porque, como diz São Tomaz, o
pecado não destrói os bens de natureza, mas apenas os de graça.
Isso ofende a natureza e a razão, mas não introduz um novo
direito; portanto, se a comunidade era de direito, só a injustiça
poderia ter introduzido a divisão. Eis porque também a glosa
sobre o texto de São Clemente diz que esta foi introduzida per
iniquitatem, idest per jus gentium contrarium juri naturali (114).
Mas, como pode ser um direito, se é contrario à natureza, que é
a arte divina? Nesse caso, o direito seria um pecado. Scot
responde que isso se deve à iniqüidade, isto é, ao pecado
original, mas esse comentário é falso, porque como explicará
ele as palavras de Santo Ambrósio, que diz ter sido a divisão
introduzida pela avareza e pela violência? De resto, São
Clemente diz que os apóstolos nos fizeram voltar ao estado de jus
natural, de onde resulta que o que foi iniqüidade o é também
agora, Caetano ensina que se tratava de uma comunidade natural
negativa, isto é, que a natureza não ensinou a divisão, e não
afirmativa, como se tivesse dito que se vivia em comum e não de
outro modo. E Scot, como de costume, adere a essa opinião, mas
acrescenta: "Como é, então, que a divisão provém da iniqüidade
e da avareza, como ensinam os santos, se a comunidade no estado de
natureza era apenas negativa?" Por isso, com mais razão
ainda, ensina São Tomaz que o uso comum é de direito natural,
sendo a distribuição e a aquisição da propriedade de direito
positivo. E essa divisão não pode ser contrária à natureza,
porque essa propriedade é, no caso, de necessidade, e, em tudo o
que sucede, o necessário se torna comunidade, como ensina ao
falar das esmolas, e tudo o que excede as necessidades da pessoa e
da natureza deve ser dado, pois de outra forma não seriam
condenados no dia do juízo os que não aliviaram os necessitados.
E, embora essa doutrina de São Tomaz pareça justificar, até
certo ponto, a divisão, só lhe reconhece, contudo, o direito de
distribuir e de aliviar, de onde se conclui, segundo a doutrina de
São Crisóstomo, Basílio, Ambrósio e do papa Leão (ser. V, de
Collectis), que os ricos são distribuidores e não donos das
coisas; que, se são senhores, só o são de distribuir e dar,
como os bispos da parte da Igreja; que, por conseguinte, a parte
de que são senhores se limita à comida e ao vestuário. E essa
parte a possuem também os monges, como lhas atribui e prova o
papa João XXII nas Extrav. Uma vez que o monge e o apóstolo
comem de direito e não injustamente, têm eles igualmente o uso
de direito e não somente de fato, já que este último direito o
tem o ladrão quando come as coisas de outrem. Scot acha que esse
papa errou, tendo assim decidido pelo ódio contra os franciscanos
(115), pois os
pontífices Clemente V e Nicolau III concedem aos franciscanos
somente o uso de fato, não de direito, como um convidado à ceia
come somente de fato e não de direito. Mas, Scot se engana e
injustamente condena um papa, pois os pontífices por ele citados
não destroem o direito de jus natural, mas apenas o direito
positivo, e também São Tomaz pensa que, nas coisas que se
destroem com o uso, não se pode distinguir o uso do domínio,
como se vê no tratado do usufruto das coisas que se consomem com
o uso (livro 2). Eis porque esses pontífices não se contradizem
entre si, como ensina João XXII, mas, ao contrário, é herege
quem nega o uso de direito aos apóstolos e a Cristo, porque então
não teriam comido de direito, mas injustamente, como o ladrão. O
ladrão tem o direito de fato, mas na necessidade tem também o
direito natural. De tudo isso resulta a solidez da doutrina dos
santos contra os tolos que põem a boca no mundo. O convidado come
de direito e o seu título é a doação, não menor que o título
de venda. Mas, pergunto: São os ricos obrigados a restituir o supérfluo?
a quem? aos pobres ou à república? Respondo que à república e
aos pobres, mas, para não haver lugar para disputa, porque não
adquiriram um direito positivo, digo que a Deus, a quem deverão
prestar contas no dia final, como ensinam São Basílio (116),
Ambrósio e Leão.
Por conseguinte, com a nossa república,
são tranqüilizadas as consciências, eliminada a avareza, raiz
de todo mal, bem como as fraudes cometidas nos contratos, os
furtos, as rapinas, a indolência e a opressão dos pobres, a
ignorância que invade também os engenhos mais bem formados,
porque fogem à obrigação quando pretendem filosofar, e as
preocupações inúteis, as fadigas, o dinheiro que mantém os
negociantes, a iliberalidade, a soberba e os outros males
produzidos pela divisão: o amor próprio, as inimizades, as
invejas, as insídias, como já se mostrou. Distribuindo-se as
honras segundo as aptidões naturais, evitam-se os males causados
pela sucessão, pela eleição e pela ambição, como ensina Santo
Ambrósio falando da república das abelhas. É assim seguimos a
natureza, que é ótima mestra, como no caso das abelhas. A eleição
de que fazemos uso não é licenciosa, mas natural, sendo eleitos
os que se distinguem pelas virtudes naturais e morais.
Respondendo agora, em particular, à
primeira objeção, digamos que Aristóteles erra espontaneamente
e de má fé, pois também para Platão os fundos, os frutos e as
tarefas são comuns. Em nossa república, as tarefas são distribuídas
pelos magistrados das artes, segundo a capacidade e a força de
cada um, e executadas pelos chefes das artes com toda a multidão,
como se vê no texto. Nada pode ser usurpado de alguém,
nutrindo-se todos à mesa comum e recebendo a roupa do magistrado
do vestuário, segundo a qualidade e as estações e conforme à
saúde. E é também o que se verifica entre os monges e os apóstolos.
Portanto, Aristóteles tagarela inutilmente. Não era o caso de
examinar, no texto, o modo de distribuição das roupas segundo as
estações, o trabalho, a arte, a execução, etc., nem ninguém
encontrará nisso dificuldade, pois todas as coisas são feitas
com razão, de forma que cada um gosta de fazer aquilo que é
conforme à sua disposição natural. E é justamente o que se
pratica na nossa república.
À segunda objeção, responda-se
que cada um, desde a infância e segundo as disposições
naturais, é aplicado pelos magistrados às várias artes, e quem
quer que por experiência e por doutrina se revele ótimo é
preferido na arte para a qual é idôneo. Dessa forma, só os que
forem excelentes podem tornar-se supremos magistrados, de acordo
com a ordem observada no texto. Portanto, nem o soldado desejaria
tornar-se capitão, nem o agricultor sacerdote, pois os cargos são
distribuídos segundo a experiência e a doutrina, não por favor
ou parentesco, mas adequados aos conhecimentos. E cada um exerce a
profissão no ramo em que se distingue. Os primeiros magistrados não
podem honrar uns e reprimir outros; não governando
arbitrariamente, mas seguindo a natureza, dão a cada um a profissão
conveniente. Como não possuem nada de próprio para poderem
violar o direito alheio com o fim de engrandecer os filhos, convém-lhes
agir bem para serem honrados. Eis porque, considerando-se todos
como irmãos, filhos e parentes, um igual amor se mantém por
todos sem nenhuma distinção. Ninguém combate mediante
pagamento, mas por si, pelos filhos e pelos irmãos. Possuindo
cada qual com que viver bem, ninguém tem necessidade de estipêndio,
mas da honra que obtém dos irmãos por suas ações valorosas. Os
romanos, até à guerra de Tarracina (117),
combateram sem estipêndio e porfiavam em morrer pela pátria;
vindo, porém, o amor da propriedade, principiou a faltar a
virtude. Salústio e Santo Agostinho ensinam que eles alcançaram
tanto império por amor à comunidade. Citado por Salústio (118),
diz Catão: Publicae opes et privata paupertas, foris justum
imperium, intus indicendo animus liber, neque formidini neque
cupiditati obnoxius, rem Romanam auxere. Em nossa república,
essas coisas se conservam muito melhores pela comunidade dos bens
úteis e honestos, sob a guia da natureza.
Terceira
objeção. Tanto Aristóteles como Scot falam inconsideradamente,
para não dizer impiamente. Não serão liberais os monges e os apóstolos
por não possuírem nada de próprio? A liberalidade não consiste
em dar o que se usurpou, mas em pôr tudo em comum, como afirma São
Tomaz. Podes ver, no texto, como se honram os hóspedes da república
e como se socorrem os miseráveis por natureza, pois não há,
entre nós, nenhum miserável por fortuna, de vez que todas as
coisas são comuns e todos irmãos, sendo indicados os mútuos ofícios
com os quais se mostra a liberalidade. E, se se insistir ainda a
esse respeito, direi que transformaram a liberalidade em beneficência,
que é superior à primeira.
Quarta objeção. Scot argumenta,
como de costume, com púnica fé, pois o próprio Santo Agostinho,
no capítulo 4 de haeres, e São Tomaz 2, 2 quest. 66, art. 2,
ensinam que são hereges os que dizem não poderem ser salvos os
que possuem alguma coisa em propriedade, do mesmo modo que os que
sustentam dever usar-se o vago concúbito das mulheres, não
porque preguem a comunidade, mas porque constitui maior heresia
negar a comunidade, que os apóstolos e os monges observam, do que
a divisão. Concedamos, pois, que a Igreja reconheceu a divisão,
antes tolerante do que positiva e diretamente. Mas, como diz Santo
Agostinho, foi porque era melhor ter clérigos coxos do que
mortos, isto é, proprietários do que hipócritas. E o próprio
Scot sustenta, depois, que a divisão foi introduzida em virtude
da negligência com que se tratavam as coisas comuns e da cobiça
do próprio interesse, cuja raiz sendo má, a divisão não pode
ser boa, mas apenas permitida, não desejada pela natureza. Como
ousa, pois, chamar de hereges os que seguem a natureza e louvar os
que pregam, com Aristóteles, a permissão introduzida pela corrupção?
Digamos que a Igreja pode conceder a divisão e permiti-la, do
mesmo modo que se toleram as meretrizes como um mal menor e os
coxos de preferência aos mortos, no dizer de Santo Agostinho. Por
conseguinte, a maneira pela qual a Igreja concedeu a propriedade já
foi explicada como tendo sido apenas uma tolerância e não o uso
do supérfluo. Alexandre, Alonso, Thomas Valden, Ricardo e o
Panormita (119)
consideram herege quem afirma serem os clérigos verdadeiros donos
dos bens da Igreja, e concedem a estes somente o uso. São Tomas dá-lhes
apenas o domínio da pequena porção que consomem, pois não
passam de usufrutuários dos fundos, não podendo deixá-los aos
filhos nem aos amigos. Assim, o que se disse dos laicos o foi
superiormente. Os ignorantes estão prontos a chamar de herege
todo aquele que eles não podem convencer com razões. A palavra
de Cristo: Reddite quae sunt Caesaris Caesari só torna o mesmo
senhor de dispensar, ou de nada, pois nada pertence a César. Que
possui ele que não o tenha recebido? Todas as coisas, portanto, são
de Deus, sendo César apenas um administrador. Veja-se, na
Monarquia do Messias, o que se escreveu a esse respeito. Diz ainda
Oristo: Reges gentium dominantur corum, vos autem non sic, sed qui
major est fiat minister. Eis porque, com justiça, São Tomaz
prega a propriedade de administração e concede a comunidade do
uso. O papa é o servo dos servos de Deus, e o imperador o servo
da Igreja.
ARTIGO TERCEIRO
Se a comunidade das mulheres é mais
conforme à natureza e mais útil à geração e, portanto, a toda
a república, do que a propriedade das mulheres e dos filhos.
A Aristóteles parece mais
conveniente a propriedade e nociva a comunidade, à qual opõe:
Primeira objeção. Sócrates pensa
que o amor aumentaria entre os cidadãos se cada um considerasse
os velhos como seus genitores, estes os jovens como filhos e os
iguais como irmãos. Ao contrário, porém, isso destruiria o
amor, porque, ou se consideram todos coletivamente, ou é verdade
que todos os velhos são pais de todos os jovens, mas, neste caso,
o amor de cada velho, em particular, seria bem pequeno em relação
àqueles, como uma gota de mel em muita água, e logo se
extinguiria, pois ninguém conheceria os próprios filhos e nem
estes o seu pai.
Na verdade, se se reunissem os
desejos de forma que cada um se considerasse pai de cada um, isso
aumentaria o amor, mas é impossível que alguém tenha mais de
uma mãe e de um pai. Além disso, cada um conheceria os próprios
filhos pela fisionomia e, portanto, teria mais afeto por estes.
Segunda objeção. Surgiriam discórdias
entre as mulheres e, muitas vezes, entre os pais e os filhos
incertos.
Terceira objeção. No vago concúbito,
não se conhece a prole, e, no entanto, é natural no homem o
desejo de conhecer a própria descendência em que se perpetua.
Quarta objeção. Verificar-se-iam
adultérios, fornicações e incestos com as irmãs, as mães e as
filhas, além dos ciúmes pelas mulheres e das contendas por causa
das que se desejassem abraçar.
Quinta objeção. Scot objeta as
palavras: Erunt duo in carne una (120).
Não se podem, pois, ter mais mulheres sem licença divina.
Sexta objeção. A heresia dos
nicolaitas consistiu em pôr as mulheres em comum.
Primeiramente, respondamos, em
geral, com a autoridade de São Clemente no cânone citado:
Conjuges secundum Apostolorum doctrinam communes esse debere. (121)
Como, porém, isso seria contra a honestidade cristã, deve
admitir-se a glosa nesta passagem expressa: Communes quo ad
obsequium non quo ad thorum. (122)
E, na verdade, como o atesta Tertuliano, assim viveram os
primeiros cristãos, que possuíam tudo em comum, exceto as
mulheres para o tálamo, pois é patente que as mulheres serviam a
todos. Mas, os nicolaitas introduziram a comunidade no tálamo, e
também eu condeno essa heresia, mas sustento a comunidade nas funções,
embora não no governo político. Com efeito, a mulher não pode
ser magistrado nem ensinar aos homens, mas somente entre as
mulheres e no mister da geração. São lhes cometidas as artes
que se executam com pouca fadiga, ou ainda a guerra em defesa das
muralhas. E lemos que as mulheres espartanas defenderam a pátria
na ausência dos maridos, sendo que, entre os animais, as fêmeas
se batem como os machos. Na Ásia, outrora, e atualmente na África,
as amazonas fazem a guerra. Mas, Caetano, no livro de Pulchro, diz
que isso não é conforme à natureza, tanto assim que elas
precisavam cortar o seio direito para poderem manejar a lança.
Mas, com Galeno (123)
e talvez com maior fundamento, afirmo que o faziam para que a força
que servia para nutrir o seio direito passasse a reforçar o braço
direito. E nem o seio direito impede, em absoluto, de manejar a
lança, mas apenas de apoiá-la no peito. Além disso, há outras
maneiras de combater que convêm às mulheres, como se vê entre
os africanos. Aristóteles não pode recusar esse argumento das
amazonas. De resto, não as envolvemos em todos os serviços de
guerra, mas somente na defesa das muralhas e nos prontos socorros.
Não queremos formar com elas uma república de amazonas, pois nos
limitamos a fortificá-las, para servirem à defesa e à prole.
Aristóteles rejeita o argumento das fêmeas que combatem entre as
feras, sob a alegação de que estas não têm a preocupação das
coisas familiares, como sucede com as nossas, que só para isso
foram destinadas pela natureza. Engana-se, porém, porque as feras
cuidam dos seus filhotes e procuram para eles alimento e defesa.
Por outro lado, muitos homens se ocupam com as coisas familiares,
como acontece, sobretudo, entre os monges. Não é, pois, contra a
natureza, como ele o ensina.
Diremos, ainda, que a comunidade
das mulheres para o concúbito não é contra o direito natural,
sobretudo como foi estabelecida por nós. Ao contrário, é
conforme a ele e, por conseguinte, não é heresia ensiná-la num
estado dirigido por puras luzes naturais, depois de conhecido o
jus divino e eclesiástico positivo, da mesma forma que não é
heresia comer carne todos os dias e ensinar, no estado natural,
que isso é útil. Mas, depois da promulgação da lei eclesiástica
sobre a proibição de alimento, em certos dias, para a abstinência
cristã, é uma heresia fazer uso dela e ensinar que isso é lícito.
Prova-se, ainda, que todo pecado contra a natureza destrói o
indivíduo ou a espécie, ou tende a essa destruição, como
ensina São Tomaz. Por conseguinte, os assassínios, o furto, a
rapina, a fornicação, o adultério, a sodomia, etc., são contra
a natureza, porque ofendem o próximo, ou impedem a geração, ou
tendem a isso. Mas, a sociedade comum das mulheres não destrói
as pessoas, nem impede a geração; e não é contra a ordem, mas,
ao contrário, auxilia grandemente o indivíduo, a geração e a
república, como se depreende do texto.
Deve, pois, notar-se que há três
espécies de vago concúbito.
Uma, pela qual cada um pode ligar-se
a quem desejar e como quiser, o que é contra a natureza racional
do homem, embora seja normal em alguns animais, como entre os
cavalos, os burros, as cabras, etc. Eis porque a natureza
providencia para que esses animais só em épocas determinadas
sintam os estímulos à geração. Como os homens estejam sempre
dispostos para esse fim, poderiam ligar-se com cada uma,
enfraquecendo-se continuamente; procurariam todos as mais belas e
estas, pela confusão dos semens e pela ação contrária, não
conceberiam, como acontece com as meretrizes. Quanto às mulheres
feias, excitadas pelo ciúme e pela dor, imaginariam todos os
males contra as bonitas. Por esse motivo, esse vago concúbito é
uma heresia e uma impiedade contra a natureza, tendo sido
justamente a dos agnósticos (124)
e dos nicolaitas, bem como de alguns hereges modernos e de alguns
religiosos da seita de Maomé na África, que consideram lícito
unir-se a cada uma e até em público.
Outro gênero de concúbito vago é
o que se segue às núpcias legais, pela ligação em épocas
determinadas, nas quais é lícita, nas trevas, a união com quem
a sorte oferece. Foi o que se descobriu, recentemente, na Gália e
em certas regiões da Alemanha, tendo acontecido que muitos,
depois de receberem o sinal, reconheceram que se haviam unido às
próprias mães. Esse sistema é, também, contra a natureza e,
certamente, contra a lei divina positiva, pois não tem por escopo
a geração, mas unicamente a sensualidade. Dessa forma, a união
vaga dos animais é ainda melhor, porque os animais geram, não
sendo a sua união contra a natureza, de vez que é produzida a
prole. Nessas uniões de hereges, ao contrário, a geração é
puramente acidental, sendo a luxúria seu único escopo, uma vez
que, para a geração, bastam os maridos em casa.
A terceira modalidade de concúbito
é, finalmente, a que descrevemos numa sociedade quase natural, na
qual só geram os mais robustos e os melhores, sob a direção dos
médicos e dos magistrados, em épocas próprias para geração,
de acordo com a astrologia, com temor e obséquio à divindade, e
somente depois dos 25 anos e até aos 53. Para as mulheres,
prescrevemos também um tempo no qual são para isso mais aptas.
Por outro lado, destruímos as uniões inconvenientes, isto é, as
que se fazem exclusivamente em atenção às riquezas, das quais a
república não obtém prole ou, quando a obtém, é uma prole
covarde, disforme e imbecil, como se vê pela experiência e foi
notado por Pitágoras, supremo filósofo. Impedimos, igualmente, a
debilidade produzida pelo excesso de coito ou pelas moléstias de
esterilidade. Com efeito, se uma mulher não concebe com este,
pode conceber com aquele, sendo a mudança justamente o que a
natureza nos ensina nesse caso. Já o princípio que as nossas
leis estabeleceram de que cada um só tenha relações com a própria
mulher, mesmo quando esta seja estéril, não pode ser facilmente
aprovado pelo filósofo apenas com as luzes naturais. Eis porque
me limito a sustentar que os instituidores de uma república sob o
regime da comunidade das mulheres não pecam no estado das puras
luzes naturais, a não ser que a revelação ensine que assim não
se deve praticar. Pela mesma razão, Durando e outros sustentam
que nem mesmo a fornicação é contra a lei natural, e muitos teólogos
confessam que a lei positiva não a proíbe. Quanto à opinião de
São Tomaz, que a considera contrária à geração e educação,
não pode ser sustentada quando se sabe que a mulher é estéril.
Todavia, estou de acordo com São Tomaz num ponto: através de
longas deduções, é possível prová-lo exclusivamente com a razão,
mas não torná-lo conhecido de todos. Assim, Sócrates não pecou
bebendo veneno, constrangido pela lei, embora os teólogos provem
ser isso um pecado, porque ninguém pode ser obrigado pela lei a
agir contra si próprio. Mas, essas sutis deduções, nascidas da
luz evangélica, não podiam ser conhecidas pelos antigos filósofos,
os quais provaram, ao contrário, que era lícito a alguém
matar-se por si, sendo nós os donos da própria vida, como o
estimaram Catão, Sêneca (125)
e Cleômenes. Sustento, por conseguinte, que a comunidade das
mulheres, da forma pela qual a consideramos, não é contra o
direito natural e, se o é, não pode sabê-lo o filósofo apenas
com as luzes naturais. E que isso não se deduz diretamente do
direito natural, como conclusão imediata, mas somente como dedução
remota e, além do mais, fundada sobre o direito positivo, que
pode variar. As razões de Aristóteles não nascem, pois, da
natureza da coisa, mas exclusivamente da inveja que ele tinha de
Platão, tanto mais quanto ele próprio recorda muitas nações
que viveram desse modo. Vem, igualmente, em nosso apoio, São
Tomaz, que, na 2, 2 quest. 154, art. 9, confessa que nenhuma
conjunção é contra a natureza, salvo a do filho com a mãe e a
do pai com a filha, pois que, segundo Aristóteles, os próprios
cavalos a repelem. Eu próprio vi, em Montedoro, um cavalo que não
queria unir-se com a mãe. E assim é, não porque não resulte a
geração, mas por uma reverência natural. No entanto, segundo o
testemunho de Tolomeu, a união com as mães era um costume comum
entre os persas. Entre os animais, os galináceos e muitos outras
praticam o mesmo. Apesar disso, na república, evitei que as mães
se unissem aos filhos e os pais às filhas, embora este último
caso seja menos contra a natureza. Também Caetano prova, apoiado
no espírito de São Tomaz e na razão natural, que a união com a
irmã, ou com os afins e consangüíneos, não é contra o direito
natural, mas apenas contra o legal; que é um preceito judicial, não
moral, a proibição dos outros graus; que os filhos de Adão se
uniram com as irmãs, assim como os patriarcas Abraão (126)
e Jacó (127),
do primeiro dos quais Sara era irmã. E S. Tomaz aduz duas razões
dessas proibições, a saber: o respeito aos parentes, para que
pudessem viver conjuntamente sem escrúpulo e as amizades se
multiplicassem por meio dos matrimônios, e a sensualidade, a fim
de que não se tornasse mais doce com o próprio sangue. Segundo
Caetano, essas razões decidiram também da lei cristã. Mas, na
república solar, não se verificaram, pois as mulheres moram
separadamente e a união só se verifica de acordo com a lei, os
tempos e os lugares prefixados. Assim, o que se estabelece na república
solar, para evitar a sodomia ou um mal maior, é igualmente
estabelecido pela religião cristã, pois o marido pode, sem
pecado, servir-se até da mulher grávida, com o fim de extinguir
o desejo e não para a geração. Providenciei para que o sêmen não
se perdesse e dei todos os preceitos para a conservação da república.
Quanto aos demais, não são reprovados pelos próprios filósofos
segundo o direito natural, sendo que Aristóteles, em benefício
da saúde, recomenda o coito aos que não geram, do mesmo modo que
Hipócrates e outros, a fim de evitar males piores.
Respondo, agora, em particular, à
primeira objeção. Aquele todos pode ser tomado nos dois
sentidos, porque todos, até a uma certa idade, determinada no
texto, são pais de todos coletiva e separadamente: o primeiro é
verdadeiro segundo o ato natural, o outro segundo a caridade
natural. Nem por isso diminui a caridade, mas só a cobiça e a
avareza, porque o homem, sob o regime da divisão, tende a amar os
próprios filhos mais do que convém e a desprezar os alheios além
da medida. Por conseguinte, o homem sábio ama mais os melhores,
mesmo que sejam alheios, e se preocupa mais com os maus, para
melhorá-los. Com efeito, é desagradável ver tantas deformidades
no gênero humano: horrorizamos os coxos, os cegos, os miseráveis,
porque são do nosso gênero e representam a cada um a própria
infelicidade Pela comunidade dos filhos, dos irmãos, dos pais,
das mães, providencia-se de modo que diminua o excessivo amor próprio,
que é a cobiça, e aumente o amor comum, isto é, a caridade. É
por isso que diz Santo Agostinho: Amputatio proprietatis est
augmentum caritatis (128).
E, na verdade, é melhor crer em Santo Agostinho do que em Aristóteles.
Com o primeiro está, igualmente, São Paulo (129),
que diz: Caritas non querit quae sua sunt (130),
antepondo as coisas comuns às próprias e não as próprias às
comuns. Na união dos monges, observa-se o mesmo: não possuindo
nada de próprio, o monge ama a comunidade como o pé a todo o
corpo; e, se algo possui, é como um membro amputado ou um pé
cortado, só se preocupando com o que é seu. O mesmo acontece na
república romana: quando os cidadãos eram pobres e a república
rica, todos queriam morrer pela pátria; quando, porém, os cidadãos
ficaram ricos, cada qual tornou-se capaz de matar a própria pátria
em benefício próprio. Aduz o Apóstolo o exemplo dos membros e
do corpo, o mesmo ensinando Ambrósio e Crisóstomo. Por
conseguinte, o amor, na comunidade, não seria como uma gota de
mel em muita água, mas como um pequeno fogo, em muita estopa.
Porque o amor é uma das primalidades e, por natureza, difusivo
como o fogo. Só se é feliz, na sociedade de muitos, pela fama,
pela difusão do nome, pela memória e pelo maior número de auxílios
que se recebem.
Separadamente, embora filho de um só,
cada um pode ser amado por todos os que formam um só na caridade.
E é assim que o tio, por se considerar de uma mesma família, ama
os sobrinhos, embora estes não tenham sido gerados por ele. E
quanto ao papa e aos cardeais, quem não vê quanto amam os
sobrinhos e consangüíneos, que eles não geraram? Amamos os
amigos e os filhos dos amigos, do mesmo modo que os velhos, nos
mosteiros, amam os noviços, sobretudo os virtuosos, desprezando
os inimigos da caridade.
A fisionomia engana, pois nem sempre
os filhos se parecem com o pai, mas muitas vezes com os estranhos.
De pouco obstáculo seria, aliás, essa pequena propensão em
nossa república, onde tudo é ordenado segundo a lei da natureza
e do mérito. Jacó também amou mais José, assim como outros
amaram mais a outros Isso não prejudicaria a comunidade nem a
caridade. Os filhos, na comunidade, não conjurarão entre si,
pois vivem todos sob a mesma disciplina. As santas mulheres dos
patriarcas, como Raquel e Lia, consideravam também seus os filhos
das criadas. Aristóteles, porém, não conhece tal caridade.
Segunda objeção. Nega-se a conseqüência,
quando o todo é governado segundo as regras e a ciência dos médicos,
das matronas e da astrologia. Pela posição do céu, segundo São
Tomaz (Polit. 5, lect. 13), conhecem-se as inclinações morais
que ela origina. Os nossos solares considerariam ilícita a união
por mero prazer e por sanidade, casos nos quais providenciaram de
outra forma. Quanto às rixas, veja-se o texto.
Terceira objeção. Como todos são
membros de um mesmo corpo, consideram-se os jovens menores como
filhos, sabendo todos perpetuar-se melhor na comunidade que nos
filhos próprios. Além disso, como todos ensinam, viver a fama
que nos é proporcionada pelas boas obras é preferível a viver a
que temos nos filhos. Com efeito, os filósofos conquistam filhos
com o sêmen de sua doutrina e não com o sêmen carnal. E nem os
piolhos, por nascerem em nós, são nossos filhos. Nem os
verdadeiros filhos de Abraão são, agora, os judeus, mas os cristãos.
Buscamos a eternidade em Deus e na república uma vida feliz, como
ensina Ambrósio. Nem os animais conhecem os filhos depois de
crescidos, o que não se dá diretamente, mas só indiretamente,
por natureza.
Quarta objeção. Digamos, com
Caetano e São Tomaz, que só é incesto contra a natureza o que
é cometido pela mãe, e nós o evitamos na república; com as irmãs,
é apenas legal, e, onde não há essa lei, não há incesto nem
adultério algum. Porque o adultério ou é natural ou é legal: o
natural, como ensina Santo Ambrósio no 5 Hex., cap. 3, se observa
entre animais de espécie diferente, o burro e a égua por
exemplo; o legal se verifica quando alguém se serve da mulher de
outrem, coisa que a lei proíbe, exceto em nossa república, onde
essa lei não existe: há geradores públicos, mais úteis para
essa função, não havendo, portanto, adultério, nem prole
adulterina, nem união ilegal. Assim, entre os monges, não
pratica um furto quem come pão, porque todas as coisas são
comuns. O adultério não consiste na sensualidade; seria, porém,
adúltero o marido que se servisse de mulher alheia somente por
prazer. No entanto, agora, a lei a torna sua e só prejudicaria a
república quem dela se servisse contra a regra, do mesmo modo que
rouba os bens do mosteiro o monge que usurpa as coisas comuns sem
permissão. Mas, dir-se-á, São Tomaz ensina também que todos os
preceitos do Decálogo são preceitos naturais. Responde-se,
instituída a divisão: é que o fruto não existe sem estar
estabelecida a divisão dos bens. Outros doutores, não todos,
sustentam que aqueles preceitos são de direito natural. Na nossa
república, porém, não há divisão de propriedade, mas somente
de uso, com o fim de manter o engenho e a força dos cidadãos. Não
se, reconhece, pois, que a fornicação seja pecado só pela
natureza das coisas, e nem na República do Sol há fornicação,
uma vez que há a comunidade. Quanto às demais torpezas, o ciúme
e os conflitos, não podem verificar-se onde se regulam as coisas
segundo uma lei e uma disciplina agradável a todos. E nada do que
é próprio dos animais e de certos hereges existe aqui. Veja-se o
texto.
Quinta
objeção. Se fosse de direito natural ter uma só mulher, o próprio
Deus não nos poderia concedê-la, segundo São Tomaz. Mas, Jacó
toma duas irmãs, Davi cinco mulheres, Salomão (159) setecentas,
e quase todos os patriarcas tiveram mais mulheres. E não se veja
nisso nenhuma licença, embora assim se costume julgar, pois claro
que a pluralidade das mulheres não é contra a natureza. Todos os
animais, exceto talvez a rola e o pombo, que se une somente à irmã,
conjugam-se com mais fêmeas. E, nessa república, que se governa
com as leis naturais, e não com as reveladas, isso não podia ser
conhecido. Ao contrário, a natureza ensina que quem não gera com
uma deve unir-se a outra: foi o que Sara pediu a Abraão, desde
que não houvesse revelação contrária, sendo que Lia e Raquel
deram ao marido as próprias criadas. E como poderão os solares
saber se isso é contra a natureza, quando nem os homens nem os
animais podem descobri-lo? Além disso, os nossos cidadãos não
possuem nem uma nem muitas, mas cada qual, na época prescrita
para a geração, se aproxima daquela que a lei lhe destina para o
bem da república. E não geram para si, mas para a república:
nem mesmo nós, pois o pai, entre nós, não tem sobre o filho
tanto poder quanto a república, de vez que a parte é pelo todo e
não o todo pela parte. Se, portanto, o todo cuida da totalidade
na república solar, sem confiá-la aos particulares, isso dá
bons resultados. O marido que se une à mulher por lascívia,
quando lhe apraz, produz uma prole imbecil e degenerada.
Preocupamo-nos em possuir uma ótima geração nos nossos cavalos,
não para a nossa espécie. O próprio Aristóteles considera
contra a natureza o cruzamento que se verifica quando alguém, de
ânimo servil, procura ligar-se a mulheres generosas, e de fato a
estas se une como bem lhe parece. E São Crisóstomo, no livro do
sacerdócio, reprova, de modo figurado, o bispo ignorante que se
une à Igreja generosa.
Disse o Senhor: Erunt duo in carne
una. É uma verdade e é o que se observa em nossa república,
pois Deus não ensinou, com isso, que ninguém não devesse
unir-se senão a uma. Do contrário, nem Jacó teria tomado
simultaneamente duas mulheres, nem, morta uma, lhe seria lícito
tomar outra. Assim, pois, quando de dois se faz uma carne, é para
que da mistura dos semens nasça uma prole. E Santo Ambrósio diz,
com São Paulo, que não teria conhecido esse pecado se a lei não
o ordenasse.
Sexta objeção. A heresia dos
nicolaitas consistia em que admitiam ser lícito a cada um unir-se
a cada uma como bem lhe parecesse, o que é contrário ao direito
natural e impede a geração, como já se disse. Na república
solar, porém, a união obedece às regras da filosofia e da
astrologia, de forma tão ordenada que a geração resulte melhor
e mais numerosa. É, pois, uma união conforme à natureza, só se
tornando heresia depois de condenada pela Igreja. Hortênsio, ou
Catão, homem sapientíssimo e doutíssimo, emprestou a própria
mulher a Bruto para ter prole dela, como se aquele rígido estóico,
assim procedendo, quisesse ensinar que isso estava de acordo cem a
ordem natural. Como é, então, que os habitantes solares,
orientados apenas pelas luzes naturais, podem saber que, a não
ser a nossa forma de matrimônio, todas as outras constituem
pecado, quando os próprios hebreus e os romanos admitiram o divórcio,
os filósofos reconheceram a permuta, e Sócrates e Platão assim
nos ensinaram? Aristóteles não os censura por se afastarem do
direito natural, mas porque isso não lhe parece útil; ao contrário,
ele informa que algumas nações viveram dessa maneira. Concedo,
pois, que se trate, agora, de uma heresia na Igreja cristã, mas
sustento que não basta a guia da natureza para se reconhecer
nisso um mal, quando não se procede de modo bestial ou como os
nicolaitas. Afirma São Tomaz que o matrimônio é contra a
natureza quando não favorece a prole e a sociedade. Ora, em nossa
república, ao contrário, a união é sumamente favorável a
ambas.
Os argumentos aduzidos por Aristóteles
contra a comunidade, segundo os quais esta é supérflua, como se
alguém pretendesse mostrar-se por um só pó, ou tirar harmonia
de uma só corda, são argumentos pueris e contrários à caridade
e à república dos monges e dos apóstolos, que, nesse caso,
deviam ser condenados, pois tinham um só coração e uma só
alma, e não diziam que qualquer coisa fosse própria, mas que
possuíam todas as coisas em comum.
Por conseguinte, essa unidade não
destrói a. pluralidade, mas a fortifica pela união, não já de
um só homem, mas de todos os estados e condições. É o que não
obtém Aristóteles em sua república. Não é de uma só corda,
mas de várias, que eles tiram a harmonia. Aristóteles não
estabelece senão a discórdia, quando compõe a sua república de
dois contrários. Nós, ao contrário, temos a união como um
carme, uma vez que todas as coisas concordam entre se, ao passo
que Aristóteles não faz senão compor o seu carme de dois pés
contrários e discordes, como se mostrou no exame da sua república.
A nossa é, pois, totalmente apostólica, quando estabelece a
comunidade, não por prazer, mas por obséquio, como se vê em
nosso diálogo.
NOTAS
(1) "A Filosofia Demonstrada pelos
Sentidos".
(2) "Pródromo da Filosofia em Instauração".
(3) "Os Dogmas da Filosofia. Universal".
(4)."As Quatro Partes da Filosofia
Real".
(5) Thomas More (1478-1535). Nascido em
Londres. Grande chanceler da Inglaterra sob o reinado de
Henrique VIII. Autor da Utopia romance político e social.
Morreu decapitado por não ter continuado fiel ao catolicismo
e não ter querido reconhecer o poder espiritual do rei.
Beatificado em 1886.
(6) Platão (429.348 a. C.). Célebre filósofo
grego, nascido em Atenas. Discípulo de Sócrates, fundou
a escola acadêmica. Expôs suas doutrinas nos Diálogos, que
trazem os nomes dos mais ilustres interlocutores: Pedro,
Protágoras, Timeu, etc. Escreveu várias obras sobre questões
políticas e sociais, destacando-se a República.
(7) Ordem religiosa baseada no serviço hospitalar.
(8) Ilha do mar das Índias, hoje Ceilão.
(9) Célebre geômetra, morto na tomada de
Siracusa pelos romanos.
(10) Famoso matemático de Alexandria.
(11) Fantástica ave da Arábia, da qual,
segundo a lenda, só existia um exemplar. Tinha o pescoço
dourado, o corpo vermelho e a cauda azul e rósea. Ao atingir
500 anos, impregnava a mata de aromas, deixava-se queimar
pelo sol e ressurgia.
(12) Profeta, general e legislador dos
hebreus. Autor dos cinco primeiros livros (Pentateuco) da
Bíblia: Gênese, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio.
(13) Divindade egípcia.
(14) Pai dos deuses, senhor do Olimpo.
(15) Deus dos viajantes, dos ladrões e
dos mercadores.
(16) Legislador espartano.
(17) Segundo dos sete reis de Roma: Rômulo,
Numa Pompílio, Tulo Hostilio, Anco Márcio, Tarquinio Prisco,
Sérvio Túlio e Lúcio Tarquinio (o Soberbo).
(18) Filósofo grego, nascido em Samos,
no ano 580 a. C. Admitia a imortalidade e a responsabilidade
da alma, o número como fundamento das coisas, a Terra no
centro do universo, etc. Morreu em Metaponto, mais ou menos
no ano 500 a. C.
(19) Escritor e legislador ateniense do
VI século.
(20) Legislador de Túrio.
(21) Filho de Ínaco, rei de Argos.
(22) Maomé (570-632). Profeta árabe, fundador
do islamismo (doutrina da "salvação"). Autor do
Corão, cujo dogma é a crença num deus único, do qual Maomé
é o profeta. Toda a moral maometana procura basear-se nas
leis naturais.
(23) César, Caio Júlio (100.44 a. C.).
Grande escritor, general e ditador romano. Autor dos Comentários
sobre a Guerra Gálica. Morreu assassinado no Senado.
(24) Alexandre Magno, filho de Felipe e
rei da Macedônia.
(25) Rei do Epiro (hoje, Albânia), célebre
por suas guerras contra os romanos.
(26) Famoso general cartaginês.
(27) Célebre filósofo, discípulo de Platão
e mestre de Alexandre da Macedônia.
(28) Santo Agostinho, (356-430). Grande
padre da Igreja romana. Autor de numerosas obras: As Confissões,
A Cidade de Deus, etc.
(29) 0 primeiro dos doze signos do Zodíaco:
Áries (Carneiro), Taurus. (Touro), Gemini (Gêmeos), Câncer
(Caranguejo), Leo (Leão), Virgo (Virgem), Libra (Balança),
Scorpio (Escorpião), Sagittarius (Sagitário), Capricornius
(Capricórnio), Aquarius (Aquário) e Pisces (Peixes).
(30) Manfredo (1232-1266). Filho de Frederico
II. Rei de Nápoles e da Sicília. Combatendo contra Carlos
d 'Anjou, morreu na batalha de Benevento.
(31) São Tomas de Aquino (1225-1274). Doutor
da Igreja, fundador do tomismo. Autor da Summa Theologica,
enciclopédia filosófica na qual sustenta o primado da inteligência
sobre a vontade, em oposição a Duns Scot
(32) Bispo e mártir, da Igreja.
(33) Sócrates (469-339 a.C.). Fundador
da filosofia. Não deixou obras, encontrando-se sua doutrina
nas obras dos discípulos, sobretudo Platão.
(34) Escritor eclesiástico, natural de
Cartago.
(35) Catão, M. Pórcio (239-149 a.C.). Político
e escritor romano.
(36) Sectários do heresiarca Nicolau.
(37) Filósofo do Lácio.
(38) Povo constituído exclusivamente de
mulheres da Capadócia e da Cítia. Participavam da guerra
e, para o porte das armas, cortavam o seio direito. Segundo
Amiano Marcelino, foram as amazonas as primeiras a utilizar
os cavalos nas campanhas guerreiras.
(39) Sectários do bramanismo, religião
da Índia, baseada na divisão em castas e na transmigração
da alma. Brama, Visnu e Siva constituem a trindade divina.
(40) Seguidores da escola de Pitágoras,
segundo a qual o número é o princípio essencial de todas
as coisas.
(41) Capitão dos hebreus, sucessor de Moisés.
(42) Rei dos hebreus.
(43) Judeus descendentes de Macabeu, martirizados
ao tempo de Antíoco Epífano.
(44) Sobrenome de um ramo da família Cornélia,
cujos membros mais famosos foram Públio Cornélio Cipião
(o Africano) e Cipião Emiliano, vencedores dos cartagineses.
(45) Pagãos.
(46) Deus dos exércitos.
(47) Rei da Tessália, filho de Peleu e
da deusa Tetis. Conta a lenda que sua mãe, para torná-lo
invulnerável, mergulhou-o no rio Styx, segurando-o pelo
calcanhar, que ficou sendo, assim, o único ponto vulnerável
de Aquiles. Com efeito, foi morto por Paris, que lhe lançou
uma seta no calcanhar, vindo dai a expressão calcanhar de
Aquiles.
(48) Rei da Ligúria, que chorou tanto a
desgraça do seu amigo Paetonte, morto por Júpiter, que se
transformou num cisne.
(49) Ramo da raça mongólica.
(50) Poema relativo à agricultura.
(51) Quarto planeta do sistema solar e
o mais próximo da Terra.
(52) 0 mais brilhante dos planetas, situado
entre Saturno e Marte.
(53) Constelação boreal.
(54) Poema pastoril.
(55) Herói, filho de Júpiter e de Alemena,
celebrado por sua força e por seus doze extraordinários
trabalhos.
(56) Duns Scot (1274-1308). Teólogo inglês,
cognominado o Doutor Sutil Adversário de São Tomas de Aquino.
Foi um dos mais brilhantes intérpretes da filosofia escolástica.
Defensor do "realismo".
(57) Poeta elegíaco, de Cirena, morador
de Alexandria ao tempo de Tolomeu Piladelfo.
(58) Lei mosaica cujo princípio é: olho
por olho, dente por dente.
(59) Supremo sacerdote dos hebreus, irmão
de Moisés.
(60) Cláudio Tolomeu, astrônomo grego.
Viveu mais ou menos no ano 160 a. C., em Alexandria. O seu
sistema, segundo o qual a Terra era fixa, foi seguido até
Copérnico
(61) Astrônomo polaco (1473-1543). Autor
do livro sobre a rotação dos astros em torno do Sol.
(62) Aristarco de Samos, astrônomo do III
século a.C. Foi o primeiro a afirmar que a Terra gira em
torno do seu eixo e em torno do Sol. Por essa opinião foi
acusado de perturbar o sono dos deuses.
(63) Filósofo pitagórico do V século a.
C., nascido em Crotona. Discípulo de Arquita.
(64) Culto de latria, adoração.
(65) Nome do primeiro homem, pai da espécie
humana.
(66) Deus da agricultura, pai de Júpiter.
(67) Descobridor da América (1492), nascido
em Gênova. Divergem os autores sobre a data do seu nascimento,
de 1436 a 1456. Morreu no dia 20 do maio de 1506, em Valladolid.
(68) Constelação situada. no círculo polar
ártico, entre as do Cefeu e de Andrômena.
(69) Primeiro rei dos medos.
(70) Agátocles (361-289 a. C.). Rei de
Siracusa, inimigo feroz dos cartagineses. Morreu envenenado.
(71) Filho de Tibério. Morreu envenenado
pela mulher, no ano 23 d. C.
(72) Rei da Macedônia (413-400 a. C.).
(73) Tycho Brahe, astrônomo dinamarquês
(1546.1601). Criador de um sistema astronômico diferente
dos de Tolemeu e de Copérnico. Cometeu o erro de tomar a
sério as quimeras astrológicas. Foi mestre de Kepler, a
quem suas observações permitiram a formulação das famosas
leis que lhe imortalizaram o nome.
(74) Bispo e santo da Igreja.
(75) Escritor eclesiástico do II e III
séculos, nascido na Grécia. Suas doutrinas foram condenadas
como heréticas pelo concílio de Constantinopla.
(76) Primeiro verso do Orlando Furioso,
poema de Ludovico Ariosto (1474-1532). Tradução: "As
mulheres, os cavaleiros, as armas, os amores."
(77) Nome antigo da Hungria.
(78) Muçulmanos descendentes de Maomé.
(79) Adeptos do sofismo (doutrina dos místicos
do Islam).
(80) John Wiclef, morto em 1384. Reformador
religioso inglês.
(81) João Huss (1369-1415). Precursor da
Reforma. Por ter adotado as doutrinas de Wiclef, foi excomungado
por Alexandre V e depois queimado vivo por decisão do concilio
de Constança.
(82) Lutero, Martinho (1483-1546). Nascido
em Eisleben. Iniciou sua reforma em 1517, em Wittenberg,
tendo conseguido separar grande parte da Alemanha da Igreja
católica.
(83) Ordem de frades franciscanos, instituída
por S. Francisco de Paula, em 1435.
(84) Frades da ordem de São Francisco,
segundo a regra restabelecida cm 1528.
(85) Ordem de frades, instituída em 1534
por Santo Inácio de Loiola, com o fim de sustentar a autoridade
da Igreja católica contra os protestantes.
(86) Fernando Cortez, grande navegante
espanhol, nascido cm 1485.
(87) Luciano, retórico samosatense, autor
do Diálogo dos Mortos. Tão satírico que não perdoava aos
próprios deuses. Foi por isso considerado ímpio e ateu.
(88) "Se supomos que não temos pecado,
iludimo-nos a nós mesmos."
(89) Galileu Galilei (1564-1642). Nascido
em Pisa. Astrônomo, matemático, filósofo, naturalista. Continuador
de Copérnico.
(90) Santo da Igreja. Tradutor da Bíblia.
(91) Juliano, o Apóstata. Imperador romano
que renegou a religião cristã. Morreu em combate, no ano
363 a. C.
(92) Santo Ambrósio (340-397). Bispo de
Milão, doutor da Igreja romana.
(93) Minos, filho de Zeus. Rei de Creta,
conta a lenda que suas leis eram sugeridas pelo próprio
Júpiter. O labirinto de Minos era uma construção complicada,
com uma corte central e muitos corredores, quartos, pórticos,
escadas. A disposição dos quartos fez com que se dissesse
que não era possível sair do labirinto sem guia.
(94) Primeiro rei e fundador de Roma.
(95) Autor do um evangelho.
(96) Idem.
(97) Um dos generais de Alexandre Magno.
(98) Um dos primeiros padres da Igreja,
tradutor da Bíblia.
(99) Sectários da doutrina que concebe
e representa a divindade com a forma e os atributos humanos.
(100) Série das instituições monásticas.
(101) Concílio de Constança, convocado
em 1414. Decidiu que João Huss fosse queimado vivo por defender
as doutrinas de Wiclef.
(102) Reddite ergo quae sunt Caesaris
Caesari et quae sunt Dei, Deo: "Dai a César o que é
de César e a Deus o que é de Deus."
(103) Fundador do direito canônico. Procurou
conciliar as leis do foro eclesiástico com as do secular.
O Decreto Gratiani, ou Concordia Discordantium Canonum,
foi publicado entre 1140 e 1150.
(104) Bispo e escritor do século VI.
(105) Santo e escritor cristão.
(106) Capital da Síria.
(107) "Ninguém diga que possui, pois
tudo recebemos de Deus: as palavras essa e teu são imposturas."
(108) Titulo de um Diálogo no qual Platão
discute a transmigração das almas.
(109) "Se tirares os dois pronomes
das nossas coisas, cessarão as guerras e reinará a paz sem
conflitos."
(110) Públio Ovídio Nasão (43 a. C. -
17 á. C.), nascido em Sulmona. Autor das Metamorfoses, da
Arte de Amar, dos Fastos, etc.
(111) "Nosso Senhor quis que esta
terra fosse propriedade comum do todos os homens; mas, a
avareza dividiu os direitos de posse."
(112) Descendentes de Levi, aos quais
foi confiado o serviço divino. Agruparam-se, ao tempo de
Daví, como cantores, diáconos, porteiros, guardas do templo,
escribas.
(113) "0 direito natural é aquele
que a natureza ensina a todos os animais."
(114) "Por iniqüidade, sendo o direito
das gentes contrário ao direito natural."
(115) Frades da ordem de São Francisco
de Assis, fundada cm 1215 e confirmada em 1223.
(116) Um dos padres da igreja grega.
(117) Cidade do Lácio.
(118) Caio Crispo Salústio (86-35 a. C.),
nascido em Amiterno. Autor das monografias sobre a conspiração
de Catilina e a guerra de Jugurta.
(119) Panormita (1394.1471). Antôno de
Palermo, o Panormita. Escritor italiano.
(120) "Serão dois num só corpo."
(121) "Os cônjuges, cegando a doutrina
dos apóstolos, devem ser comuns."
(122) "Comuns quanto ao obséquio,
não quanto ao tálamo."
(123) Cláudio Galeno (130-200). Célebre
médico de Pérgamo, na Ásia. Em Roma, foi médico da corte
imperial. Escreveu a Arte Médica.
(124) Hereges que, na primeira idade do
cristianismo, se atribuíam o conhecimento das coisas divinas,
tendendo a um panteísmo platônico.
(125) Filósofo e poeta trágico, mestre
de Nero. Condenado à morte por ter participado de uma conspiração,
preferiu cortar as veias no banho.
(126) Patriarca dos hebreus. Em hebraico,
esse nome significa pai de prole numerosa.
(127) Terceiro patriarca dos hebreus,
filho de Isaac.
(128) "Abolir a propriedade é aumentar
a caridade".
(129) 0 mais ilustre dos apóstolos escolhidos
por Cristo para pregar o Evangelho.
(130) "A caridade não cogita do que
é seu". |