A UTOPIA E A VIABILIDADE DOS
DIREITOS HUMANOS
Jair
Krischke
“Mais
perigosa que a força bruta é aquela que brota da indiferença da
sociedade ante as violações dos direitos da pessoa humana.” (Martin
Luther King)
A
consciência universal sobre a importância dos Direitos Humanos chegou
a uma nitidez nunca antes atingida. Entende-se: já comemoramos o cinqüentenário
da Declaração Universal dos Direitos do Homem (aprovada pela Assembléia-Geral
das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, Paris).
Nunca se proclamaram tão alto esses
direitos e, nunca – é obrigação reconhecê-lo – foram tão
sistematicamente violados como em nossos tempos. A luta para estabelecê-los
firmemente em nossas consciências, na consciência de cada ser humano,
em especial na consciência dos governantes, passa obrigatoriamente por
uma luta constante por parte daqueles que se reivindicam “militantes
da causa dos Direitos Humanos”.
Esta tensão entre o crescente
interesse pelos Direitos Humanos e suas constantes violações, nos
chama dramaticamente à ação, em contribuir permanentemente para
dar-lhes vigência. Não basta, não é suficiente que estejam
formalmente declarados, firmados e confirmados no plano internacional,
bem como, na maioria dos casos, inseridos no direito positivo interno
dos Estados. Na verdade uma grande exigência se faz presente: agir
diuturnamente para transformá-los em realidade bem VIVA! Conhecida e
aceita por todos.
No próprio ventre da Revolução
Francesa, de onde os Direitos Humanos de primeira geração se
originaram, estabeleceu-se a crítica, portanto, a luta não é nova.
A voz de Babeuff denunciou o abismo
existente entre a igualdade proclamada e a desigualdade real. E, que
veio a agravar-se com o advento da Revolução Industrial. As péssimas
condições de vida das massas sociais agrupadas em torno dos centros
mineiros e fabris, inspirou a busca de uma nova ordem, que garantisse
condições de vida digna
Começa então a luta pelo
reconhecimento dos Direitos Humanos de segunda geração, ou seja: os
Direitos de Igualdade Econômica, Social e Cultural. Que passa a ser uma
nova exigência desde as reuniões da Internacional Socialista e dos
Congressos Sindicais que ocorreram durante o século XIX.
As primeiras incorporações à ordem
jurídica de um Estado correspondem ao século XX: são incluídas na
Constituição Mexicana de 1917; na Russa de 1918 e na República de
Weimar de 1919.
No plano Internacional, somente em
1966 os Direitos Humanos de segunda geração serão reconhecidos através
do “Pacto Internacional de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais”, aprovado pela Assembléia-Geral
das Nações Unidas.
O referido Pacto, em seus primeiros
artigos, reconhece o direito ao trabalho e a uma remuneração que
assegure condições de uma existência digna, direito à sindicalização,
ao descanso e ao lazer, à segurança social, direito à proteção e
assistência à família, à mãe e às crianças, bem como o direito à
saúde e à educação
Em outro Artigo é reconhecido o
direito fundamental de toda pessoa estar protegida contra a FOME.
Novamente nos deparamos com a grande
contradição entre o que se proclama e o que é a realidade concreta em
nossa América Latina.
A miséria latino-americana é
simplesmente ESCANDALOSA, na verdade, nos últimos tempos, temos
produzido uma orda de milhões e milhões de novos pobres, sendo que a
metade desse contingente é formado por miseráveis que não conseguem
sequer satisfazer minimamente as suas necessidades básicas.
O que está acontecendo?
A democracia não funciona?
Passamos um quarto de século
atribuindo nossa mazelas as ditaduras militares que infernizaram nossas
vidas, matando, torturando, desaparecendo, prendendo e exilando aqueles
que lutavam por democracia.
Certamente, nessa luta, perdemos uma
das melhores parcelas de nossa juventude. Sim, pagamos um alto preço
para reconquistarmos a democracia: e, aqui nos encontramos. Recuperamos
a democracia formal, temos escolhido através do voto os nossos
governantes. E o resultado obtido não é absolutamente animador.
Nossos velhos problemas sócio-econômicos
não são resolvidos, e a cada dia novos e mais graves problemas são
incorporados ao nosso cotidiano.
O que estará acontecendo? A
democracia não funciona? Especulemos!
Em meados da década de oitenta, um
novo sistema de coordenadas surgiu com uma rapidez impressionante,
impulsionado pelos satélites, a micro-eletrônica e as novas
tecnologias em comunicação. Para além dos limites nacionais surgiu um
mercado único e global.
Nossos governos estavam acostumados a
estabelecer o contexto dentro do qual as elites e o mercado operavam.
Mas, agora, são as elites e o mercado que estabelecem os limites dentro
dos quais os governos governam. Simplificando: os governos não
governam! Agora quem governa é o dinheiro. Especialmente o capital
financeiro.
Mesmo que nossas idéias sociais e
nossos “sentimentos políticos”
ainda façam referências ao espaço histórico do Estado Nação, esta
é uma realidade que pertence ao passado. Estamos frente ao fim do
Estado Nação, pelo menos em termos econômicos, com forte repercussão
no social.
A economia privada avança todos os
limites mas o Estado permaneceu – de acordo com a sua natureza –
restrito as fronteiras territoriais.
Dissolvidos em uma rede de
telecomunicações, através dos bancos de dados e do correio eletrônico,
as elites corporativas não necessitam mais de raízes nacionais para
sobreviver. Tudo passou a ser negociado em qualquer momento do dia ou da
noite e em qualquer parte do planeta. Afinal, chegamos ao grande mercado
universal, onde tudo se compra e tudo se vende: dívidas do terceiro
mundo, mão-de-obra barata, tecnologias superadas, órgãos humanos,
etc.
O desenvolvimento hoje só é
encontrado nas “Zonas de
Rentabilidade”, que se alteram quase que diariamente, e estão
distribuídos por todo planeta. São verdadeiras “ilhas
de prosperidade” – na verdade uma grande obscenidade – cercada
de miséria por todos os lados
As pessoas olham para seus
governantes, esperando que eles as protejam contra as transformações,
contra a competição selvagem e voraz, contra o misterioso e enigmático
“Mister M”, que com sua
vara mágica faz desaparecer como que por encanto: o emprego, a previdência
social, a saúde pública, a educação pública, a segurança pública
etc., etc., etc. . . Em contrapartida, nosso governantes, eleitos pelo
voto universal e secreto, em pleitos nos quais em que foram observados
todas as exigências da democracia formal, não conseguem explicar sua
própria situação.
Ou seja, na verdade, agora estão
respondendo a uma meritocracia internacional “não eleita”. E, para manter-se no poder, realizam exercícios
verdadeiramente mirabolantes, acrescidos de uma retórica pomposa e
vazia, complementadas por campanhas de “marketing”
de uma pirotecnia duvidosa, ajudando a drenar ainda mais nossos parcos
recursos.
Mas, já existem novidades no “front”:
o FMI e o BIRD, conforme registra a imprensa diária, estão realizando
uma mega auto-crítica.
Para nosso espanto, o atual discurso
desses organismos, temos que reconhecer, parece advir de grupos da
esquerda mais avançada!
O presidente do Banco Mundial (BIRD),
James Wolfensohn, ao abrir a reunião anual conjunta BIRD-FMI, disse que
as duas instituições já aprenderam que o desenvolvimento é possível
e que o crescimento é necessário, mas que isso não tem sido
suficiente para garantir a redução da pobreza.
“-
Aprendemos que temos de colocar a pobreza à frente de tudo e que as
questões sociais e estruturais devem andar de mãos dadas com as questões
macroeconômicas e financeiras.”
Ele apontou que o mundo terá 8 bilhões
de habitantes dentro dos próximos 25 anos e, dos atuais 6 bilhões, 3
bilhões sobrevivem com menos de US$ 2 por dia. Outros 1,3 bilhões, com
menos de US$ 1 por dia. – “Isso
não é um legado para nosso filhos.”
“-
Os países devem ter uma sólida política fiscal e monetária, mas se não
tiverem boa administração, se não tiverem um sistema legal que
proteja os direitos humanos, seu desenvolvimento estará fraudado e não
vai durar.”
Michel Camdessus, diretor-gerente do
Fundo Monetário Internacional (FMI), disse que é preciso compreender
que finanças e mercados “têm a
ver com as pessoas e com o servir a elas”. “Os governos, afirmou, têm agora de ouvir os gritos dos pobres.”
Em linhas gerais, a mídia saudou o
FMI como um novo Saulo ferido nas estrada de Damasco: afinal, o opressor
“ex-officio” dos povos
oprimidos caiu do cavalo, cegado pela luz da evidência. Suas receitas
de salvação econômica estavam erradas e ele reconhecia que o grito
dos miseráveis devia ser escutado.
Metáfora à parte, essa conversão
chegou tarde e não parece sincera.
Os
Direitos Humanos e as Organizações Não Governamentais (ONGs)
Costumamos
dizer que Direitos Humanos, na verdade, são regras de convívio social,
com uma abrangência integral e completa, que vai desde o individual ao
coletivo, desde o político ao econômico, do cultural ao social.
Os Direitos Humanos não são
propriedade de governos, nacionalidades, raças, credos ideológicos ou
religiosos, porque pertencem a todos os seres humanos, de todos os
continentes.
Possuem também uma característica
fundamental: são indivisíveis e interdependentes.
A Assembléia-Geral das Nações
Unidas, (Dez/1977), os reafirmou:
“todos
os Direitos Humanos e liberdades fundamentais são indivisíveis e
interdependentes e deve-se observar a mesma valoração na sua aplicação
e proteção, tanto dos direitos civis e políticos, como dos direitos
econômicos, sociais e culturais.”
Assim sendo, não é possível a
realização plena dos direitos civis e políticos, sem o desfrute dos
econômicos, culturais e sociais, ou vice-versa.
Ao longo dos tempos e, invariavelmente
através de ingentes esforços e muita luta, em que não faltaram a violência,
a dor e o sofrimento, a humanidade logrou alcançar avanços
significativos no campo dos Direitos Humanos, assim como também
vivenciou retrocessos brutais. Assim se constrói a história.
Hoje podemos dizer que os Direitos
Humanos já calaram fundo na consciência coletiva da humanidade, e sua
observância ou violação, comprometem a toda comunidade internacional.
Ousamos afirmar: quando
um ser humano, apenas um ser humano, tem seus direitos violados, toda a
humanidade foi violada.
É exigência permanente defender e
promover os Direitos Humanos, pois existe e sempre existirá o risco de
que sejam ignorados, minimizados e aviltados. Tal qual a democracia, os
Direitos Humanos nunca terminam de consolidar-se, é necessário manter
uma atitude sempre vigilante. O ser humano colocado em posição de
poder, tende a manifestar uma inclinação ao abuso, a arbitrariedade,
concretizados em atitudes que geralmente poderiam ser tipificadas como “ditatoriais”.
E, quando assim ocorre, justificam seu
agir em razões e motivações da melhor nobreza e altruísmo e, em caráter
de extrema transitoriedade. Certamente, esse tipo de comportamento
poderia ser atribuído a uma pré-disposição originada na própria
condição humana ou a problemas relacionados com a educação. Exigir
permanentemente o respeito e a observância aos Direitos Humanos é uma
tarefa que compete a todo ser humano, em qualquer parte do planeta, sem
importar o regime político, econômico ou social em que se viva ou a fé
religiosa que se professe.
Espaço de Atuação das Organizações
Não Governamentais
Cidadania
é o direito a ter direitos reconhecidos e aceitos por todos – o fato
de serem aceitos pela maior parte da sociedade, de fazerem parte da
consciência coletiva viabiliza a exigência do seu cumprimento – e é
nesta diapasão que as Organizações Não Governamentais podem e devem
desempenhar um relevante papel na construção do respeito as garantias
e direitos individuais e coletivos.
E
os Direitos Humanos que são, por definição, uma utopia em marcha, um
desafio permanente, uma obra sempre em construção, sempre inacabada,
exigem que a dinâmica para a sua implantação e seu aperfeiçoamento
seja feito na sociedade organizada.
A
luta faz a lei, faz o direito positivo, no entanto, não é suficiente
para impedir que o Estado (em nível municipal, estadual e federal), que
os mais diversos grupos, que as pessoas, de maneira geral, violem,
desrespeitem os direitos assegurados pela legislação vigente. De tal
constatação advém a necessidade de introjetá-los, de transformá-los
em consciência coletiva, esta sim verdadeiramente obstaculizadora das
transgressões.
Promoção e Proteção dos Direitos
Humanos
É
indiscutível que os Direitos Humanos serão mais ou menos respeitados,
na exata medida em que a comunidade, as pessoas em geral, estejam bem ou
mal informadas de seus direitos e deveres, e os direitos e deveres dos
demais, especialmente aqueles que são de responsabilidade do ESTADO. As
ONGs, deverão atuar permanentemente junto aos meios de comunicação
social, explicitando de forma clara e precisa (retirando o tom solene
das convenções internacionais) o tema DIREITOS HUMANOS, tendo como
objetivo principal formar uma consciência coletiva sensível e
vigilante.
Episodicamente, tomar casos exemplares
e, de maneira pedagógica, denunciá-los junto às instâncias
competentes do Poder Executivo, do Ministério Público, do Poder Judiciário.
As
ONGs nunca devem substituir o ESTADO, naquilo que legalmente esteja
obrigado a cumprir, por determinação Constitucional ou
infra-constitucional. Nos casos de violações aos Direitos Humano,
cujas vítimas sejam pessoas esclarecidas e detentoras de meios e condições
para denunciá-los, o que é muito raro, cabe as ONGs tão somente
orientar e sugerir os encaminhamentos.
Caso
contrário, quando as vítimas são pobres e carecedoras de
conhecimentos sobre seus direitos, cabe as ONGs – além de orientar,
dar encaminhamento aos órgãos do Estado encarregados de prestar os
serviços correspondentes, realizando posteriormente o acompanhamento e
a fiscalização. Quando for necessário levar ao conhecimento do
diversos órgãos internacionais que se ocupam da promoção e da proteção
dos Direitos Humanos, como o Comitê de Direitos Humanos da ONU, a
Comissão Inter-Americana de Direitos Humanos da OEA, OIT, UNESCO, o
Comitê para eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial,
etc., etc., etc.
Elaboração
de Normas Sobre Direitos Humanos
Promover
a elaboração e a aprovação de Leis, no âmbito Federal, Estadual e
Municipal que tratem da proteção e da promoção dos Direitos Humanos.
Como também, agir junto ao Poder Executivo quando da sua regulamentação.
Propor a alteração, modificação ou criação na legislação interna
existente, tendo em vista a necessidade de cumprir novas exigências
decorrentes da adesão e/ou ratificação, por parte do Brasil de Convenções,
Pactos ou Tratados Internacionais, conforme o previsto na Constituição
Federal, Art. 5º, inciso LXXVII, parágrafo 2º.
Educação
em Direitos Humanos
Desenvolver
projetos de educação em Direitos Humanos, tendo como objetivos:
-
tornar o homem sujeito ativo na história e, como ser social, o
verdadeiro agente de sua própria liberdade, detentor da coerência
entre o pensar e o agir;
-
possibilitar a esperança de um mundo com justiça;
-
informar o indivíduo de seus direitos humanos fundamentais,
buscando alcançar o ideal de liberdade, igualdade, paz e justiça;
-
promover a compreensão de
que a liberdade de uns não é nada sem a liberdade de todos, que a
liberdade não é nada sem a igualdade, que a igualdade deve estar no
coração e na cabeça de cada um e não pode ser comprada ou imposta.
Um bom projeto de Educação em
Direitos Humanos deve levar em conta, para atingir seu fim último, que
o mais importante são as atitudes e não os conteúdos. O fracasso ou
sucesso dependerá basicamente do comportamento dos professores, dos
monitores, enfim, daqueles que estiverem envolvidos.
Em educação não existe momento “neutro”:
ou se está educando, ou se está deseducando. Sem exemplos não se
consegue educar em Direitos Humanos:
Estudo
e Pesquisa
Uma
ONG, para cumprir de forma adequada seus objetivos, deverá privilegiar
esforços na área de estudos e no desenvolvimento de projetos e de
pesquisas sobre vários aspectos da realidade e fatores que concorram
para determinar e/ou influir de forma cabal na observância e na proteção
aos Direitos Humanos.
Temas prioritários: trabalho, habitação,
saúde, educação, saneamento básico, infância e juventude, meio
ambiente, segurança pública, sistema penal e penitenciário,
discriminação, violência.
Memória
Social
Outra
tarefa, igualmente importante, e que não se concluirá nunca, é a
construção e a consolidação da memória social.
Se a justiça legal não puniu os
responsáveis pelos crimes da lesa humanidade perpetrados durante os
tristemente famosos “anos de
chumbo”, a sociedade pode e deve fazê-lo. Existem formas, as mais
variadas, e que devem ser estimuladas, como por exemplo:
-
criação de centros documentais e arquivos testemunhais;
-
estimular a publicação de livros como “Brasil
Tortura Nunca Mais”;
-
incentivar a realização de documentário em vídeos e/ou
filmes;
-
colocar os arquivos existentes permanentemente à disposição de
pesquisadores.
Requisitos
Indispensáveis
Para
alcançar seus objetivos uma ONG de Direitos Humanos deve reunir entre
outros, os seguintes requisitos:
-
organização interna democrática e pluralista;
-
é condição indispensável não responder a interesses político-partidários;
-
seus membros e, especialmente quem as dirige, devem estar
convencidos da importância dessa luta;
-
o trabalho deve ser militante, com elevada vocação para servir,
e a determinação de entregar-se a uma causa nobre, ou seja, a causa
dos DIREITOS HUMANOS.
Movimento
de Justiça e Direitos Humanos – 20 Anos de História
No Brasil, em plena ditadura militar,
as violações dos Direitos Humanos estavam na ordem do dia.
Arbitrariedades de toda a natureza eram cometidas, em especial as
policiais, com pessoas honestas sendo presas para “averiguações”,
e aquelas a que atribuíam “atividades
subversivas” eram presas e declaradas “incomunicáveis”
por largos períodos, sendo-lhes negado até o simples contato com um
advogado. Pessoas simplesmente desapareciam sem deixar vestígios. A
tortura desenfreada era prática comum e cotidiana. Frente a realidade
brutal existente um grupo de pessoas, à luz de uma reflexão cristã,
decidiu engajar-se politicamente na luta ao lado dos oprimidos, em oposição
à ditadura militar.
E, este trágico quadro acabou por
envolver todos os países da região, não sendo mais um monopólio do
Brasil.
Todo o Cone Sul da América acabou por
contagiar-se. Através do poderoso vírus denominado “Doutrina
da Segurança Nacional”, disseminado por toda a América Latina
pela “Escola das Américas”,
então sediada na Zona do Canal, Panamá.
Assim sendo, Porto Alegre pouco a
pouco foi transformando-se em encruzilhada dos Direitos Humanos pois a
cada dia mais aumentava o número de refugiados políticos vindos da
Argentina, do Uruguai, do Chile e do Paraguai, todos em busca de asilo
político.
Neste clima, em 1979, esse mesmo grupo
de pessoas, que já haviam acumulado uma certa experiência, fruto do
estudo, da reflexão e de algumas ações, e, tendo em vista o fim da
vigência do Ato Institucional n.º 5 (31/12/1978), fez nascer o
Movimento de Justiça e Direitos Humanos, com objetivos bem definidos: ser a voz dos que não têm voz e buscar a celebração da JUSTIÇA.
Para atingir tais fins, utilizar-se-ia
da Não-Violência-Ativa, a organização e a mobilização popular
(neste período, ajudamos a criar 132 Associação de Moradores)
juntamente com a educação para a cidadania.
E, inicia-se a luta através de
atividades extenuantes contra a violência policial, na ajuda aos
refugiados políticos, na luta e na denúncia contra a tortura e as péssimas
condições carcerárias dos presos comuns e políticos, contra as
desaparições forçadas, no apoio aos agricultores sem-terra, em
assessoria aos sem teto, em favor da Anistia Ampla, Geral e Irrestrita,
contra a Lei de Segurança Nacional. . . .
Enfim, poder-se-ia dizer que o
Movimento de Justiça e Direitos Humanos caracterizava-se, na época,
por uma série de atividades dirigidas para a reafirmação do DIREITO
daqueles que eram violados em sua dignidade, tanto pelo aparato de
repressão do Estado, como também pela ação nefasta da estrutura sócio-política-econômica
que marginalizava e excluía, como ainda hoje marginaliza e exclui,
amplas camadas da população.
Logo ao nascer, o MJDH imediatamente
engajou-se em uma das mais difíceis lutas de toda sua existência:
denunciar, esclarecer e buscar a punição dos responsáveis pelo seqüestro
em Porto Alegre dos uruguaios Universindo Rodriguez Diaz, estudante
universitário, na ocasião com 27 anos, Lilian Celiberti, professora
(28 anos) e seus filhos Camilo (9 anos) e Francesca (3 anos). O referido
seqüestro, ocorrido em 12/11/1978, uma clássica “Operación
Condor”, foi levado a efeito, em uma operação conjunta entre o
DOPS/RS (braço operativo da repressão militar brasileira) e militares
uruguaios da Companhia de Contra-Informações. É evidente que ações
de tal envergadura, estavam contempladas com a devida autorização dos
generais de plantão. Segue até hoje sendo o único caso comprovado e
punido pela Justiça, pelo menos um dos responsáveis foi condenado, e
como é da tradição, o menor dentre eles. A pena aplicada, diga-se de
passagem a máxima, foi de seis meses de detenção por “abuso de autoridade”. Nenhum outro caso semelhante, em todo o
Cone Sul da América, alcançou tal resultado. E foram muitos os casos,
talvez atinja a mais de um milhar de vítimas em toda a região.
Em 1988, suprema ironia, o Capitão
Glauco Yanonne, um dos militares uruguaios que coordenaram o seqüestro,
foi condecorado com o Prêmio Nobel da Paz, por sua atuação como um
dos “capacetes azuis” das
Forças de Paz da ONU.
O Movimento de Justiça e Direitos
Humanos, na condição de pioneiro na luta pelos Direitos Humanos no Rio
Grande do Sul, também foi o propulsor na criação de outras instâncias
de promoção e defesa dos Direitos Humanos
Exemplifiquemos: partiu de advogados
militantes do MJDH a iniciativa de criar, no âmbito da OAB/RS, a “Comissão
Sobral Pinto de Direitos Humanos”, sendo sua primeira Coordenadora
a Dra. Rejane Brasil Felippe, membro do núcleo de fundadores do MJDH.
Também estivemos presentes,
articulando e gestionando para criar a primeira Comissão de Direitos
Humanos em um parlamento no Brasil. Trata-se da Comissão de Direitos
Humanos da Assembléia Legislativa, do Estado do Rio Grande do Sul, que
foi instituída através de projeto de autoria do então Deputado
Estadual Dr. Antenor Ferrari, também membro do núcleo fundador do MJDH.
No ano de 1984, o MJDH, em parceria
com o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RS, da Associação dos
Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do RS e da Comissão
Sobral Pinto de Direitos Humanos da OAB/RS, instituiu o “Prêmio
Direitos Humanos de Jornalismo”, visando estimular o trabalho dos
profissionais do jornalismo gaúcho na denúncia das violações e na
vigilância ao respeito aos Direitos Humanos, para repórteres de
jornal, rádio e televisão, fotógrafos e chargistas que se destacaram
em seus trabalhos durante o ano.
A experiência por nós acumulada ao
longo dos anos, no que diz respeito às ações voltadas para a erradicação
da violência institucionalizada, levou-nos a conclusão de que, para
combater de forma bem mais efetiva, toda e qualquer violação aos
Direitos Humanos, faz-se necessário um esforço mais concentrado em ações
de prevenção pois, não é difícil compreender, trabalhar sobre as
conseqüências de violações já ocorridas, além de frustrante
raramente são obtidos resultados positivos.
A partir dessa constatação, em 1985,
elaboramos um projeto piloto e, deu-se início a um trabalho de “EDUCAÇÃO
POPULAR PARA OS DIREITOS HUMANOS”, desenvolvido, de maneira
informal, junto as Associações de Moradores, Grupos de Base,
Sindicatos, etc. etc.
A metodologia de trabalho empregada,
consistia basicamente em reunir pessoas, distribuir cartilhas ou
projetar audio-visuais e desencadear o debate utilizando técnicas de
dinâmica de grupo.
Com o transcorrer do tempo, nos
apercebemos que seria necessário e urgente ampliar o universo do
alcance do projeto e, para tanto, seria fundamental envolver a escola
como polo irradiador do processo.
E, quando falamos escola, estamos nos
referindo a toda a comunidade educativa, ou seja: direção,
professores, especialistas, pais e funcionários. Em decorrência, em
1987, o Movimento de Justiça e Direitos Humanos elege como prioritário
o projeto “Educar para os
Direitos Humanos”, tanto no âmbito formal como também no
informal e, em caráter interdisciplinar.
Para isso, fomos buscar parcerias
junto a organizações que detivessem conhecimento e recursos
financeiros, o que efetivamente acabou por acontecer; juntou-se a nós o
Instituto Inter-Americano de Direitos Humanos, com sede em San José,
Costa Rica.
Também foi de fundamental importância
o apoio recebido por parte do CPERS-Sindicato, do SINPRO, da APMPA, da
AEC/RS, do IPJ, da ADERGS, da ASSERS, e de algumas Prefeituras da Região
Metropolitana.
Outra conquista, ainda hoje carente de
regulamentação, foi o advento, em Porto Alegre, da Lei Municipal n.º
6383, de 01/02/1989, de autoria de nosso Conselheiro Vereador Pedro Ruas
e, que “Institui, na rede de
ensino municipal de 1º grau, a disciplina de Direitos Humanos e dá
outras providências.”
A experiência acumulada em relação
ao “Projeto Educar para os
Direitos Humanos”, pode ser dividida em três momentos distintos:
1º) de 1985 até
1987 realizamos um trabalho pouco organizado, poderíamos dizer, de mera
especulação, buscando reunir uma base de experiências junto as populações
mais carentes e a segmentos de trabalhadores sindicalizados;
2º) De 1987 à 1990
– período que compreende desde as primeiras tratativas com o
Instituto Inter-Americano de Direitos Humanos, até a realização de
Seminários Internacionais, encontros regionais, palestras, etc., ou
seja, a operacionalização do próprio projeto, com o respectivo
treinamento de Professores e de consultores, inclusive a organização
da ação por regiões. É de ressaltar que a aceitação de nosso
Projeto, por parte dos educadores, foi a melhor possível e os números
o confirmam: 800 professores e especialistas de todo o Estado
participaram dos seminários e se prontificaram a realizar nossa
proposta;
3º) De 1991 até o
presente – frente à crise que veio a estabelecer-se no mundo da educação
do Estado do Rio Grande do Sul, motivada por vários fatores, tais como:
baixos salários, falta de condições estruturais, uma permanente
desconsideração com a educação e suas exigências mínimas, um
verdadeiro abandono promovido pelos últimos governos, vem inibindo os
profissionais da educação. Eles próprios estão sendo vítimas de
violações de seus Direitos Humanos.
Ainda no âmbito da Educação em
Direitos Humanos, o MJDH participou da criação e do desenvolvimento da
“REDE BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO
EM DIREITOS HUMANOS”, que tem sua sede atualmente em São Paulo.
Material
Produzido
Cartilhas,
Audio-visuais, Boletins, Planos de Aula para várias disciplinas, Subsídios
para professores de 1º e 2º Graus.
Racismo
Em
1989 o MJDH, em conjunto com o Movimento Negro e o Movimento Judeu criou
o MOPAR – Movimento Popular Anti-Racismo, que vem funcionando em nossa
sede, desenvolvendo permanentemente um trabalho de conscientização,
denúncia e responsabilização judicial de racistas. Nossa maior vitória
foi alcançada em 31/10/1996, quando o Tribunal de Justiça, do Estado
do Rio Grande do Sul, através de sua 3ª Câmara Criminal, condenou
Siegfried Ellwanger, a pena de dois anos de reclusão, com sursis por
quatro anos, por praticar, induzir e incitar à discriminação racial.
Siegfried
Ellwanger é o principal sócio-proprietário da Revisão Editora que se
dedica quase que unicamente a publicação de livros racistas e
anti-semitas, dedicados a difundir o ideário neo-nazista.
Em
reconhecimento a essa luta, a Sherit Hapleitá (organização dos
sobreviventes do nazismo) com sede em Jerusalém, agraciou com medalhas
de ouro, por relevantes serviços prestados, aos Conselheiros do MJDH
Luis Francisco Corrêa Barbosa, Carlos Josias Menna de Oliveira e Jair
Krischke.
De
mencionar, ainda, que o Conselheiro do MJDH, Vereador Pedro Ruas, foi o
autor do projeto de Lei Municipal, que aprovada, instituiu em Porto
Alegre, o “Dia da Memória dos
Heróis e Mártires da luta contra o Nazi-Facismo”, a ser
comemorado anualmente no dia 8 de maio.
Meio
Ambiente
Uma
das mais destacadas atuações do MJDH no campo da proteção ao
meio-ambiente, foi a vitória na Justiça Federal, que impediu a construção
da “Pista de Eventos” (Sambódromo) no Parque da Harmonia.
Também,
em 1998, denunciamos o cultivo e a comercialização do fumo Y1 no Rio
Grande do Sul. Tal variedade, contém o dobro de nicotina do que
comumente é encontrado nas demais variedades. Essa denúncia alcançou
grande repercussão internacional.
Finalmente,
cabe ainda, o registro de que todas as atividades desenvolvidas pelo
MJDH são, anualmente, reunidas em um relatório.
Este relatório especifica cada uma das ações efetivadas tais como: denúncias,
processos movidos, participações em rádio, televisão e jornal, em
palestras, seminários, debates, em entidades das quais fazemos parte
como membros, na elaboração de projetos de lei, etc., e que se
encontra disponível na homepage: www.direitoshumanos.org.br,
cujo o e-mail é direitos_humanos@hotmail.com.
Desta
forma, como a luta pelo respeito aos Direitos Humanos é uma utopia em
marcha, cabe sempre relembrar Thiago de Mello e os Estatutos do Homem,
abaixo transcrito, que nos termos do artigo 1º estabelece:
“Fica
decretado que agora vale a verdade, que agora vale a vida e que de mãos
dadas trabalharemos todos pela vida verdadeira.”