As Gerações de Direitos Humanos, suas relações
entre si e com a prática social
Quais gerações?
1ª
geração: direitos de proteção da
integridade da pessoa, das liberdades
pessoais, da participação
política. 2º geração: direitos de seguro,
econômico e social, do uso real dos direitos da 1ª geração
e da participação social e cultural. 3ª geração: direitos
de soberania e auto-determinação
de povos e nações.
A
1ª Geração de Direitos Humanos
A
1.ª geração - conteúdo, interpretação e origem da 1º geração -
constatações, teses, explicações.
Constatações
Trata-se
de direitos quanto à
-
proteção e a liberdade da pessoa - perante o Estado e seus poderes políticos;
-
participação política
nos processos de formação de opiniões, programas e estratégias e nos
processos de constituição e exercício dos poderes legislativos,
executivos e judiciários.
Teses:
O
princípio básico é o direito ao reconhecimento da dignidade humana da
pessoa
- fundamento dos
demais direitos humanos - de todas as gerações.[2]
A
pobreza pode e deve ser compreendida como conjunto de feridas da
dignidade.
A
dignidade é a aura da auto-determinação de pessoas e grupos, do
desenvolvimento abrangente e harmonioso de suas capacidades. A dignidade
exige o respeito e o apoio à manutenção da auto-determinação.
Baseado
em dignidade mantida e respeitada, o direito à felicidade é direito
humano ulterior.
Constatações
e explicações
A
auto-determinação das pessoas e
grupos é condição para alcançar a felicidade e um de seus conteúdos.
Felicidade é a capacidade real de pessoas e grupos para poder livre e
conscientemente, na forma da auto-determinação, (a) desenvolver todas as
capacidades criativas, (b) todas as sensibilidades e perceptibilidades
sensoriais-emocionais pessoas, (c) o reconhecimento mútuo entre pessoas;
(d) a convivência e cooperação entre pessoas e com a natureza. - A
sustentação do meio ambiente natural do homem e de sua própria corporéidade,
é uma pré-condição e um aspecto da felicidade do homem.
Entendemos
aqui felicidade não apenas e
diretamente como prazeres. Isto seria uma idéia reducionista. Felicidade
seria compreendida como conjunto de propriedades e relações, conforme a)
– d) e com prazeres causadas
por eles.
A
justiça deve ser compreendida como conjunto de condições e recursos
socialmente iguais para a auto-determinação de cada pessoa, conforme sua
essência diferente e única
Explicação
do aspecto ecológico da dignidade humana e dos direitos humanos
O
viver do homem digno e em liberdade lhe permite escolher entre extensões
e intensidades diferentes da necessidade de ter uma base natural da
manutenção da dignidade, ou seja, ele pode e deve escolher entre
alternativas, quanto a seu metabolismo
com a natureza externa aquelas que respeitam ao máximo possível a
natureza. Para o homem digno não há coações internas ou externas para
fazer realmente tudo, o que ele pode fazer, quanto à relação com a
natureza a través da ciência e tecnologia. Modéstia no aspecto
quantitativo do uso e consumo e exigência de qualidades seriam partes
daquela felicidade.
O
homem, em sua dignidade realizada e mantida, reconcilia-se consigo mesmo,
com o outro e com a natureza. Apenas o homem, reconciliado consigo mesmo e
com os outros homens, pode-se reconciliar
com a natureza - objetivo ulterior de cada ecologia.
Explicação
O
viver do homem em liberdade e justiça, quanto a sua auto-determinação, levaria
para caracteres psico-sociais das
pessoas que precisam apenas de um
mínimo de recursos naturais
para manter a individualidade pessoal. Em outras palavras, principalmente,
a manutenção da saúde
integral - conforme da definição da OMS/ONU - e da qualidade da vida -
conforme o índice do desenvolvimento humano da PNUD/ONU - seriam
asseguradas. Isso incluiria condições materiais para as atividades políticas
e culturais.
Para
realizar, positivamente, além de sua mera defesa, os direitos como um
conjunto de reconciliações,
cooperação e democracia direta são as formas institucionais para
realizar socialmente o reconhecimento mútuo das pessoas e para as ações
sociais, necessárias pelas necessidades da sobrevivência e necessárias
para-se obterem os prazeres das qualidades da vida inteira, ou de se ser
feliz. Os direitos da participação
política, conforme experiência com ele, só podem efetuar-se, se fossem
estendidos à participação econômica, social e cultural e se sua forma
for um conjunto de instituições
cooperativistas e diretamente democráticas. A participação como
democracia direta precisa abranger todas as instituições sociais, incluídas
as econômicas. Assim, a democracia direta substituiria a gerência
capitalista e estatal.
Reconhecimento
e, se for necessário, apoio, mútuos formam a prática da
ética humana. Eles são a base da prática de uma ética
ambiental.
Explicação
O
reconhecimento da dignidade, exigido pela outra pessoa, é
um exercício e prepara para o reconhecimento da dignidade da natureza. Apenas
a pessoa reconhecida e reconhecendo as outras pessoas, saberia e
teria vontade de fazer o reconhecimento da natureza. Apenas a pessoa que
vive em dignidade emocional e conscientemente seria sensibilizada para
perceber e respeitar a dignidade da natureza - senão não poderia conhecê-la
e usá-la adequadamente.
Sensorialmente,
a dignidade humana, enquanto auto-determinação reconhecida, aparece
na beleza da pessoa reconhecida. Esta é o
brilho da dignidade. A pessoa, vivendo em dignidade, é sensibilizada
para as possibilidades e obrigações de uma estética individual.
Só
essa pessoa tem sensibilidade para perceber sensorial e pensar
intelectualmente a grandeza e beleza da natureza que são intrinsecamente
vinculadas a sua dignidade. A
grandeza da natureza é o conjunto de suas forças e poderes, percebidos
como impressionantes ou até perigosos. A sua beleza é o conjunto de
formas, cores, luzes da natureza, também conforme a sua percepção
sensorial.
A
pessoa, sendo serena na paz de sua dignidade apenas precisa, entre limites
estreitos, tratar a natureza pragmático e utilitariamente. Por isso, é
interessada em todos os conhecimentos ecológicos que se desenvolvem "desinteressados" quanto às exigências do homem.
Resumo
A
dignidade humana, possibilitada e mantida, realiza os direitos humanos da
1º geração, leva à possibilidade e ao motivo de se reconhecer a
natureza. Esse reconhecimento é realizado na ética do respeito
à dignidade da natureza; na estética da percepção
e reflexão da sua grandeza e beleza; na consciência científica,
"desinteressada" conscientemente, da riqueza de sua
multiplicidade, conhecível através da ecologia como ciência.
A
vida digna do homem fundamenta a afirmação e aceitação da natureza. E
estas aceitações mútuas entre o homem e a natureza são um exercício
do reconhecimento mútuo entre os próprios homens.
Anotações
sobre dignidade, pobreza, utopia, resistência e direitos humanos
Desenvolvemos
até aqui teses normativo-analíticas sobre um conjunto de dignidade, de ética e
de estética do homem, e de dignidade, grandeza, beleza e multiplicidade
ecológica da natureza. Tudo isso forma um conjunto de potencialidades
reais para uma convivência homem – natureza. Essas potencialidades obedecem
à lógica de cada utopia, ou seja, de uma oscilação entre o
ainda-não e o já-ser, ameaçadas por um nunca-mais. Esta ameaça tem
dois nomes: o capital, o estado. Ambos, hoje, principalmente o capital,
interferem naqueles potenciais. Bloqueiam-nos, danificam-nos e até
destroem-nos causam, portanto, as múltiplas formas de pobreza e miséria.
Estes compreendemos aqui amplamente como conjunto
de feridas concretas da dignidade do homem e a da natureza.
Aquelas
instituições básicas da sociedade moderna - o capital e o estado -
hoje sobretudo na sua forma capitalista, causam as feridas da
dignidade, assim a pobreza integral por uma "cultura
da morte", como expressou publicamente o Papa João Paulo II numa
visita aos EUA, em 1998, na presença do presidente Clinton.
Seria
possível, concreto e detalhadamente, expor o panorama infernal dessa
pobreza e miséria. Não é intenção aqui. Só queremos desenvolver uma
compreensão normativo-analítica (e não empírico-analítica) de
direitos humanos, da dignidade, humana e da natureza, e do desenvolvimento
sustentável. Apenas indicamos os levantamentos recentes do IPEA e do
IBGE: 10% dos brasileiros vivem em miséria, 33%, 57 milhões, em pobreza
com menos que R$ 60,- por mês.
As
feridas permanentes da dignidade, ou seja a permanência da pobreza e miséria,
constituem o direito humano à indignação, resistência e, se for necessário
e não há outra solução, o
direito à revolução.
Esse
direito não pré-determina o uso de violência. A aprendizagem da história
- para ser capaz de separar a revolução da violência – é uma
necessidade no presente e no futuro próximo.
Dignidade
ferida e resistência.
A
indignação é a forma para a qual se transforma a dignidade ferida que
se conscientiza em si mesma. Então, o desenvolvimento dos conceitos acima
expostos fundamenta um entendimento do conjunto real da pobreza e da miséria,
ou seja, de dignidade ferida, e dos direitos humanos. Capitalismo e estado
causam as feridas. Tornam-se, consequentemente, alvos da indignação. Na
indignação, a dignidade e os direitos humanos baseados nela, se
(re-)transformam em forças reais e "poderosas",
saindo, assim, da impotência de ser apenas normas, opostas à realidade
opaca. Por saber bem este potencial, as forças de opressão do homem e da
natureza temem os direitos humanos, percebem o potencial subversivo deles,
que se tornaria concreto em projetos
de vida para além do capital e do estado.
As
primeiras declarações dos direitos humanos,
como direitos da proteção da liberdade pessoal e da participação política
dirigiam-se, historicamente, contra um sistema de falta de liberdade e da
injustiça concreta: o feudalismo.
Assim, negativamente (quer dizer: pela negação do feudalismo),
participaram num movimento poderoso de emancipação, que culminou na
Grande Revolução Francesa de 1789 e nas revoluções na primeira metade
do século XIX.
Realmente,
os direitos humanos foram confrontados,
logo, com as distorções e limites do exercício efetivo dos direitos
pelas estruturas e impactos individuais e coletivos da sociedade
capitalista. Daí brotava uma alternativa: permanecer com os limites
para o exercício dos direitos humanos na sociedade burguesa, por motivo
de interesses de dominação econômica e poder político, ou exigir e pôr
em prática transformações
sócio-econômicas que superariam ou, pelo menos, diminuiriam o bloqueio
aos direitos humanos da 1ª geração pela sociedade
capitalista – transformações, sejam reformistas, sejam
revolucionarias. O impulso, surgido praticamente, por experiências
concretas, de criar condições para que todos possam exercer os direitos
humanos, pessoais e políticos, transformou-se em exigências normativas.
Assim
nasceu a segunda geração dos direitos humanos. Eles abrangem os direitos
a condições, recursos, seguros econômicos, sociais e culturais. Essa 2º
geração tem duas funções: indicar os pressupostos necessários para
realizar os direitos da 1º geração e ampliar o sistema dos direitos
humanos para mais áreas da vida.
A
2ª Geração dos Direitos Humanos
Explicando
a 1ª geração dos direitos humanos, exponhamos idéias gerais
sobre dignidade humana e da natureza, pobreza e miséria como ferida das
dignidades, sobre reconhecimento, convivência e cooperação entre homens
e com a natureza, em instituições da democracia participativa e direta.
Todas
as constatações podem e devem ser, cum
grano salis, aplicadas as outras gerações. Estas saiam do
desenvolvimento da consciência sobre os limites da geração anterior
respectiva, vislumbrado no confronto com a realidade sócio-política.
Desenvolvimento
histórico das gerações
A
primeira geração, sobretudo dos
direitos da pessoa à liberdade, à
felicidade, à propriedade, foi
muito abstrata. Fez-se a experiência de que a realização ou o benefício
com estes direitos era, em limites até hoje, muito difícil até impossível
para a maioria das pessoas nas sociedades capitalistas. A estrutura e dinâmica
concretas da sociedade capitalista reduzem, até hoje, a pessoa humana a
uma mera força de trabalho, fonte de mais valia e lucro, uma mercadoria
negociada e usada como fornecedor de trabalho, assim dominada nas empresas
e burocracias. Além disso, através
de trabalho exagerado, salário insuficiente, desemprego, crise, educação
e saúde insuficiente ou ausente etc. essa sociedade limita demais os
recursos e condições para se beneficiar da primeira geração desses
direitos humanos. Essa alienação e marginalização abrangentes e
intensas dificultam também, até
impedir realmente, a participação social, política, cultural das
pessoas. A exclusão reduz as pessoas a um nível que faz ainda mais
impossível essas participações.
Politicamente,
da consciência crescente até mesmo da indignação perante estes
impactos negativos do capitalismo à dignidade, incluídos os direitos
humanos, surgiram historicamente os movimentos socialistas, comunistas e
anarquistas.[3] Eles ambicionavam a abolição dos bloqueios ao
aproveitamento dos direitos humanos, como são inseridos nas constituintes
dos países democráticos ou exigidos por combatentes nos países não ou
anti-democráticos. A razão ulterior do pensamento de Marx e de marxianos
até hoje era e é a generalização das liberdades, direitos, participações
para todas as pessoas em sociedades. Essa razão mostra uma semelhança
com o sentido da 2º geração dos direitos humanos, os econômicos,
sociais e culturais. O projeto marxiano era
realizar um conjunto de
reformas estruturais chamadas de revolução[4] que forneceriam as condições sócio-econômicas,
políticas, culturais para que todos os cidadãos de uma sociedade fossem
realmente livres e capazes de participar em todos os assuntos públicos
numa democracia efetiva, por ser direta. Assim, seria superado um estado
de coisas no qual esses direitos permanecem privilégios das classes
sociais alta e média e a maioria seria quase excluída de seu uso.
Juridicamente,
do problema da concretização real da 1º geração dos direitos surgiu a
2º. Para se ter proveito da primeira categoria dos direitos humanos
efetivamente, seriam necessárias reformas econômicas, sociais, políticas,
culturais e ecológicas, beneficiando a maioria das pessoas. Os direitos
da 2º geração eram e são a expressão jurídica da necessidade
daquelas reformas. A forma concreta desses direitos são, desde 1966, os
pactos – entre muitas nações – sobre os direitos econômicos,
sociais e culturais etc. Os pactos jurídicos constituem
obrigações confiáveis dos governos das nações que participam
dele. Eram os direitos econômicos
da participação no desenvolvimento e progresso
através do trabalho, renda e
consumo; direitos sociais de
acesso suficiente a alimentos, moradia, educação, saúde e de previdência
social; direitos culturais de participar mediante condições suficientes
e favoráveis, providenciadas
como materiais e educativas.
Direitos
humanos e desenvolvimento sustentável do homem
A
realização de todos os direitos da 1ª e da 2ª
geração possibilitariam e constituiriam um desenvolvimento
sustentável do homem, de sua natureza.
Entendemos
a natureza do homem, como objeto dos direitos, a manter e desenvolver
sustentavelmente, como um conjunto de fatores físicos e histórico-culturais.
O homem tem um direito natural de manter e desenvolver a sua natureza. A
´natureza` (= essência) dessa
natureza do homem é o desenvolvimento histórico da sua vida em
sociedades e culturas - natureza, portanto, que integra as dimensões
fisiológicas, psíquicas, mentais, individuais e sociais. Dever-se-ia
expressar tudo isso nos direitos humanos.
Precisamos
de uma concepção ampla e
abrangente do desenvolvimento sustentável do homem, porque apenas
assim, esse desenvolvimento corresponde à sua natureza e a seus direitos
respectivos. O desenvolvimento sustentável das pessoas seria a
realização efetiva dos direitos da 1ª e da 2ª
geração: praticar liberdade; usar a liberdade para construir
instituições; construir instituições que
realizam direitos humanos por si mesmas e apóiam a realização daqueles
direitos – então, instituições, na última instância, como condições
para conseguir a felicidade.
Para
se saber o que seria um desenvolvimento sustentável do homem como
conjunto de direitos a realizar e manter, podemos usar, livremente, várias
definições da essência do ser humano, na história e no presente. São
mencionados só os mais importantes. A idéia do filósofo Kant,
de ser respeitado o outro homem como meta em si mesmo: autônomo e livre;
as idéias do poeta Schiller
sobre a estética como esfera autêntica e destacada da vida do homem,
seria portanto conseqüente exigir a sua educação estética; as idéias
de Hegel e de Marx sobre a auto-realização do homem através de um
trabalho livre, criativo e social; as diferentes definições históricos
– a serem sintetizadas – dos direitos humanos; as definições do
desenvolvimento humano do PNUD
(Programa das Nações Unidos para o Desenvolvimento Humano) da
ONU (Organização das Nações Unidas) e da
OMS (Organização Mundial de Saúde), também da ONU.
A
3ª Geração
Após
o surgimento da 1ª e da 2ª geração de direitos
humanos e de experiências suficientes com os problemas de sua realização,
se conscientizam-se sobre a experiência, principalmente dos povos
e nações da metade sul do globo, que esses direitos eram feridos
fortemente, dentro de uma dinâmica, sobretudo econômica, da sociedade
mundial. Essa dinâmica restringe,
bloqueia até impede, em muitos casos, a escolha livre do caminho de
desenvolvimento e o aproveitamento dos recursos de um povo ou de uma
nação respectiva. A conscientização sobre essa carência se transforma
no direito básico da 3ª
geração: a auto-determinação de povos e nações sobre o modelo de
desenvolvimento, incluída a
formulação soberana de objetos e
estratégias para alcançá-los e, dentro disso, o uso soberano dos recursos
materiais e culturais. Este direito humano eras proclamado como
Declaração da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas em
New York, no 4 de dezembro de 1986.
A
história após a Segunda Guerra Mundial contém
uma cadeia de intervenções violentas – do atentado planejado até
a agressão militar – sobretudo por parte dos EUA, na soberania de
outros estados, que limitam e até impedem um auto-desenvolvimento dos
povos e nações respectivos. Na América Latina, sempre se deve lembrar
os casos do Guatemala 1953, da República Dominicana 1956, da Cuba 1961,
do Chile 1973, da Nicarágua 1980-1989. Nestes casos concretos acontecem
feridas concretas dos direitos da 1ª e da 2ª geração
para se implantarem ou retomarem estruturas que feririam os direitos da 3ª geração. As ditaduras
militares na Argentina, na Chile, no Brasil, por exemplo, anulam a
auto-determinação democrática dos povos, e preparam, sobretudo no
Brasil e no Chile, a exploração irracional dos recursos naturais pelo
capital internacional – um modelo insustentável. A realização do
direito humano ao desenvolvimento é complicado pelo fato de que a
re-democratização daqueles países permanece na sombra de resultados
estruturais das ditaduras, não abolidas. Interage esse fato com um outro,
poderoso: a pressão de uma inserção fraca no capitalismo mundializado.
Algumas
Reflexões e Conclusões
Da
dinâmica do desenvolvimento da vida do homem em sociedades e da relação
dessa dinâmica com os três gerações dos direitos humanos brotavam
experiências fundamentais.
Dentro
da sociedade moderna, na sua variação ocidental,
o padrão das instituições e do desenvolvimento privilegia, aparentemente, a 1ª geração – liberdade
da pessoa e participação política – e
negligencia a 2ª, os direitos econômicos e sociais, por
exemplo, e a 3ª geração: soberania e auto-determinação dos
povos e nações. (aproveitando os recursos respectivos soberanamente.)
Esse direito era, até hoje, violado até impedido pelos padrões reais do
colonialismo, imperialismo, incluído o neo-imperialismo, que se forma e
age na ultramodernidade, ou seja, hoje. Mas, na
realidade, a negligência dos direitos da 2ª e da 3ª
geração leva para limites até bloqueios dos direitos da 1ª
geração, supostamente realizados. Em outras palavras, na sociedade
capitalista, o homem não é livre e não participa suficientemente,
porque lhe falta a realização dos direitos da 2ª e da 3ª
geração.
A
variação oriental da sociedade
moderna, auto-denominada socialismo, mostra a mesma estrutura, agora com
conteúdo inverso, quanto à realização dos direitos humanos. Aparentemente, privilegia os direitos da 2ª e da 3ª
geração. Mas a negligência da 1ª levou a formas injustas,
além de não serem livres, das sociedades respectivas: unificação e
hipercentralização dos poderes econômico-políticos; hierarquização
dentro e entre as instituições; privilégios de poder e de consumo.
Conseqüentemente, a estes países do "real-socialismo"
não apenas faltou a liberdade mas também a justiça e a autodeterminação
do caminho pelo povo respectivo, organizada democraticamente.
Diferentemente
desse sistema, implodido na virada da 8º à 9º década do século XX,
a justiça, conjunto de direitos da 2ª geração, seria
a liberdade concreta de cada pessoa, baseada nos direitos da 1ª
geração, mas, possibilitada e concretizada pela implantação dos
direitos da 2ª e da 3ª geração. Sem essa
liberdade, porém, seria impossível praticar a autodeterminação e o uso
auto-responsável dos recursos dentro de um desenvolvimento de povos e nações.
Sem
se constituir livre e democraticamente, os povos não se auto-governam
usando seus recursos naturais e culturais em prol da liberdade pessoal e
da igualdade social de cada homem e cidadão e em prol da conservação e
do desenvolvimento sustentável da natureza.
Os
direitos humanos sofriam até hoje uma dupla fraqueza séria:
1.°
-
já na forma de direitos,
eles afirmam um estado das coisas, no qual permanece uma "dialética gelada" entre os direitos, como normas, e a realidade diferente até contrária a estes.
2ª - A separação e
instrumentalização das diferentes gerações de direitos humanos para
velar, justificar, endurecer estruturas que levam ao contrário dos
direitos, porque os paralisam. Sabendo isso, surgem duas conclusões.
Primeiro:
as diferentes gerações dos direitos humanos só podem
ser realizadas simultaneamente para que uma ajude a outra, como é
necessário para todos. Cada uma precisa dessa ajuda para realizar-se e
manter a realização.
Segundo:
quanto ao sujeito-objeto e alcance da luta
para os direitos humanos, predomina, apesar das 2ª e 3ª
gerações, até hoje, a defesa da pessoa contra feridas de sua
integridade e liberdade - por exemplo, física (tortura).
Um trabalho que é representado exemplarmente pela Anistia
Internacional e pela Comissão para os Direitos Humanos da Associação
Internacional de Juristas.
Uma
análise possível da sociedade moderna, não prioritária neste momento,
mostraria que a ferida até ignorância
dos direitos humanos é conseqüência de estruturas não livres e
injustas. Eles produzem as violações dos direitos humanos. A falta
da consideração e realização dos direitos humanos existe dentro de
estruturas e mecanismos impessoais de violência
estrutural[5]:
o capital e, institucionalizados, os poderes estatais.
Daí
brota, consequentemente, através de uma dinâmica necessária, o
complemento ou até a transferência da defesa dos direitos da pessoa pela
ofensiva da construção de estruturas nas quais os direitos humanos são
realizados no máximo possível.
Etapas
possíveis: a) a negação jurídica dos crimes contra a humanidade, por
exemplo no caso do ditador Pinochet, negação que aperfeiçoar-se-á na negação dos
crimes de outras pessoas responsáveis
e, b), mais ainda, numa superação das estruturas que facilitam essas
crimes e os favorecem. A luta pelos
os direitos humanos consegue, assim, uma perspectiva revolucionária. Uma
revolução integral levaria ao cumprimento de todos os direitos humanos.
Os nega, supera e conserva, simultânea e dialeticamente, nas
estruturas da sociedade revolucionada. Quanto à insuficiência de
todas as criações humanas, feitos ou ainda possíveis, essa revolução
seria permanente. A perspectiva
revolucionária corresponderia ao fato e ao conhecimento de que a violência
contra os direitos humanos seria mais estrutural e institucional que
pessoal. Predominantemente, as pessoas são agentes
das estruturas acima de serem livres e justas Portanto, a realização dos
direitos humanos é e será o trabalho que cria as instituições de uma
outra sociedade. A defesa das pessoas e grupos, indígenas, por exemplo,
cujos direitos humanos são feridos, permanece na época
transitória, na qual nós vivemos ainda, entre as diferentes formações
sociais. A defesa dos feridos seria o estado pré-revolucionário dos
direitos humanos.
Resumo
dos Aspectos Ecológicos e de Desenvolvimento Sustentável Dentro dos
Direitos Humanos ou Vinculados a Estes
Ecologia,
entendida como ciência aplicada da natureza e como desenvolvimento
sustentável, pressupõe a realização do conjunto das gerações dos
direitos humanos. Isso se evidencia quando falta a realização de uma
destas categorias e de um direito dentro da categoria respectiva.
A
falta da liberdade e da integridade das pessoas
nega a sua 'natureza' (a essência física, psíquica, social e cultural)
e nega, assim, uma condição necessária para tomar decisões sobre um
desenvolvimento sustentável. E ademais: essa falta é uma forma de existência
que não permite e não mantém a auto-sustentação do homem e da
natureza. Os direitos da 1º geração, realizados, são uma esfera e uma
condição necessária, mas não suficiente, do desenvolvimento sustentável.
A
falta das condições econômicas, sociais e culturais das pessoas
e grupos sociais nega a possibilidade real daquela liberdade e integridade
da pessoa – na realidade, aquém das liberdades formais, e nega a
auto-sustentação do homem naquelas esferas de sua vida. Esta carência
impede o desenvolvimento da vontade e capacidade de reconciliação com a
natureza, bloqueando, então, a sustentação da natureza do homem e
daquela que o circunda.
A
falta real da auto-determinação dos povos e das nações,
em formas democráticas autonomamente construídas, impede escolher um
modelo coletivo do desenvolvimento sustentável.
Se
a realização dos direitos humanos é necessária para um desenvolvimento
sustentável, mas não suficiente, então, o que falta?
O
que falta é um modelo estrutural e aberto de convivência e cooperação
com a natureza baseada: (a) numa ética praticada que inclui a ética de
reconhecimento mútuo entre homem e natureza; (b) no impacto ético da
percepção e vivência estética da natureza; afinal; (c) no aspecto ético
da conscientização sobre a ecologia da natureza, ecologia "desinteressada".
Assim, chegamos à questão do relacionamento concreto do homem com a
natureza – com a sua e com a do seu meio ambiente.
A
base daquela ética seria a realidade dos direitos humanos, como realidade
refletida da dignidade do homem e de sua reconciliação. Isto seria a
base imprescindivelmente necessária do respeito à dignidade da natureza.
Mas, também o inverso. O reconhecimento praticado, da dignidade da
natureza seria um exercício privilegiado, uma educação prática, para o
reconhecimento da dignidade do homem pelo próprio homem.
Será
necessária a complementação dos direitos humanos, ainda hoje, por um
direito da natureza a sua vida plena, direito que seria,
simultaneamente e ao inverso, uma obrigação complexa do homem. Essa
obrigação inclui: o reconhecimento da dignidade da natureza; a aprendizagem de como é a
natureza ecologicamente compreendida; a percepção e reflexão sobre
a grandeza e beleza da natureza, baseadas em vivência e experiência
estética. Ao último cabe o potencial precioso de se poder despertar
e estimular, como impacto dessas vivências e experiências, o respeito
pela dignidade da natureza e a vontade de compreendê-la ecologicamente.
A
natureza é calada. Não pode lutar por si mesma. O homem, em geral,
percebe tarde demais as suas violações, quando começam, diretamente, a
molestá-lo, através das repercussões causadas pelas feridas. Portanto,
entendemos a necessidade, como necessidade
para a mera sobrevivência do ser humano e da natureza, do homem novo, o homem feliz, vivendo na bondade e no amor. Estes não
são um luxo ou uma exigência que poderiam cumprir apenas alguns santos e
santas, uma minoria diminuta, destacada. O destacamento da santidade
como caraterística de uma minoria deve ser superado pela sua democratização.
A comunidade dos santos e santas conviverá com a natureza. Ou, expresso
em palavras menos religiosas: uma sociedade comunitária, enquanto
anarco-comunismo, tem que superar sua forma meramente utópica através de
presentificar-se, em passos possíveis, começando ainda hoje.
Precisamos
dar dois passos: resgatar a utopia, mas dialeticamente. Isto é, primeiro,
aprender da rejeição às utopias nas décadas oitenta e noventa – se há
algo para aprender; segundo, responder àquela rejeição com práxis
utópica. A práxis utópica responderia criativamente à rejeição e à
utopia restrita a um sonho, uma mera consciência. Daquela práxis podem
ser tomados passos, ainda que pequenos, em cada segundo que, assim, se
torna preciosa.[6]
Para
começar a ajudar à natureza sofrendo, só existe um único caminho:
desencadeiar o seu aparente oposto: o pensamento autônomo e uma práxis
humana consciente que lhe corresponda.
[7]
Nessa práxis, que criaria o homem novo que sente, pensa e faz a
reconciliação consigo mesmo e com a natureza, os direitos do homem e da
natureza virão de direitos contra
realidades para realidades mudadas revolucionariamente. As palavras do
profeta Jesaía: "a minha lei
quero implantar em seu coração"
[8] é uma indicação antiga dessa perspectiva:
reconciliação de consciência com a práxis, do direito com a realidade,
do homem com a natureza. Num outro lugar, numa outra linguagem, moderna,
expressa-se: "a práxis é o critério da verdade".(Marx)
[9]
Arriscamos, quanto à importância do cooperativismo, entendido como um
conjunto de células de uma sociedade além do capital e do estado,
potencialmente, uma seqüência de idéias: (a) um cooperativismo sustentável seria: economicamente
eficiente, socialmente justo e ecologicamente preservatório (idéia de
José Odelso Schneider); (b) a relação entre a eficiência econômica,
por um lado, e, por outro, a justiça social e a preservação ecológica
seria um balanço entre estes lados, a serem equilibrados cada vez
novamente, ou uma verdadeira síntese destes três momentos (idéia de
Otto Guilherme Konzen); (c) a justiça social pode agir economicamente
como eficiente, porque essa justiça, incluída a democracia direta, como
um padrão institucional seu, aumenta a identificação com o
cooperativismo e a motivação para o trabalho; a preservação ecológica
evita um aumento dos custos e, conseqüentemente, uma queda da
rentabilidade, através da manutenção da oferta dos recursos naturais,
continuo e suficientemente, exigida pela economia; (d) realizar esta
perspectiva exige um fundamento espiritual - não materialista e
economicista - do cooperativismo. Isto seria o exercício continuo
da convivência de cada sócio e de sua comunidade com o Espírito
vivo de Deus, por experiências místicas, sobretudo. Agora cometemos um
risco maior: a sociedade, além do capital e do estado, seria um
anarco-comunismo, fundamentado em teocracia autêntica. ( (c) e (d): idéias
do autor.)
[10]O
autor desses reflexões sabe que, deste modo, caminha sobre gelo frágil,
ou se movimenta em terreno minado, mas, por outro lado, sabe que uma
repressão da questão da teocracia seria perigoso porque, indiretamente,
fomentaria as teocracias de poder e domínio profanas, isto é de repressão
horrível. O mundo é cheio de religiões, no limiar do século XXI.
Apenas uma teocracia autêntica pode vencer as pseudo-teocracias e
fundamentalismos religiosos já existentes, como poderes espirituais e, em
numerosos casos, políticos. O crescimento das religiões, igrejas,
comunidades esotéricas fala, inconsciente e alienadamente, a verdade
contra o capitalismo ultramoderno e mundializado, sobre a miséria física,
psíquica e mental das pessoas nele e sobre a insustentabilidade de um
simples ateísmo. A realidade exige uma solução que integraria uma parte
importante enraizada no chão da religião. Essa solução trataria
dialeticamente o esclarecimento moderno, incluída a crítica à religião,
negando a razão instrumental - o que conteria, pragmaticamente a aceitação
de uma parte dela, minimizada - mas guardando a razão substancial com
seus valores humanistas que permaneceriam imperdíveis.
Essa solução não seria formulada pelas teologias políticas e não
pelas carismáticas e pentecostais, aparentemente contrárias. As
primeiras não respeitam e aceitam, suficientemente, a vida, as
necessidades e as exigências da alma. Por isso, eles perdiam "as
almas". A grande maioria das outras que conseguiram seduzir os
decepcionados, se ligam - contra a sua expressa impoliticidade - com forças
políticas conservadores até reacionárias (achamos o neoliberalismo como
uma das formas específicas da reação na ultramodernidade).
Por
outro lado, ambos (!) incluem elementos e fragmentos da verdade como
materiais de uma solução-síntese livre e criativa, superando a dialética
quebrada entre carisma e política
de libertação. Pode-se distinguir uma carismática oportunista e uma
subversiva. Pode-se também distinguir uma política, separada da alma e
da cultura, de uma outra que volta para essas e cria - neste encontro
entre política libertadora e carisma - uma política nova: a política da
anti-política, ou seja, uma política que ambiciona superar cada violência,
dominação, poder, não apenas quanto os objetivos, mas já nos meios.
A
carismática subversiva é a carismática como tal,
não alienada e não instrumentalizada pelo "reino
deste mundo", expressa em palavras de Jesus. Tem, portanto,
conseqüências políticas, criando o caminho da anti-política. Essa
"política" nega cada política - seja direta, esquerda ou de
outra posição - conforme Nietzsche e Weber o uso da violência para
impor a vontade do poder contra qualquer resistência. A anti-política,
ligada dialeticamente com o carisma, tenta realizar o sentido secreto - além
de Nietzsche e Weber - também atribuído à política. A carismática autêntica
domina e supera a política, por suas conseqüências necessariamente
anti-políticas, que negam cada dominação
e poder, são, assim, emancipação, preparam o solo para a
sociedade libertada. Ela tem numerosos nomes o que indica seu pluralismo
aberto. Aqui, lembramos a noção anarco-comunismo teocraticamente
fundamentado; acrescentamos sociedade eco-comunitária, com o mesmo
fundamento.
[4]
Quanto á questão do uso de meios violentos em revoluções,
indicamos aqui a posição de Marx e Engels, como exemplo. Eles
tratavam o assunto pragmaticamente. Quando seja necessário o uso de
meios violentos para derrubar um velho sistema de dominação eles o
justificam. Quando seja possível revolucionar a sociedade através de
um conjunto de reformas, numa democracia efetiva, existente, eles
preferiram esse caminho civil e pacífico.
[6]
“Cada momento” , assim pensava Walter Benjamin - um
fundador e representante da Teoria
Crítica
- reunindo na sua pessoa o teólogo, o filósofo, o ensaísta e
o crítico “pode ser a porta
pequena através da qual o Messiah
entra” – ou alteramos a palavra, através dela serão sopradas
cintilas de sua aura, para serem
percebidas pela alma do homem. C.
Helmut Thielen,
Dialética
em suspenso .Constituição teológica e conceito da práxis histórica
na Teoria Crítica, com
Walter
Benjamin como ponto principal. Edição em 2000 ou 2001.