Educando
para a Cidadania
Os
Direitos Humanos no Currículo Escolar

Educando para a
Cidadania nas séries iniciais
A educação para a cidadania deve e pode
ser trabalhada desde os primeiros contatos da criança com a escola.
Esta não pode omitir-se dessa responsabilidade, uma vez que é nela que
a criança passa grande parte do seu tempo e tem a experiência de
participar efetivamente de um grupo social organizado.
Sabe-se que na nossa sociedade não
existem condições mínimas para um trabalho educacional com a desejada
qualidade: as turmas são numerosas, há falta de escolas públicas e de
recursos materiais e não há valorização do educador. Essa não
valorização expressa-se de forma clara nos baixos salários
oferecidos. O educador é obrigado a ter mais de um emprego e faltam-lhe
tempo e condições econômicas para aperfeiçoar-se. Todos estes
aspectos geram um sentimento de incapacidade e impotência, tornando-o
cada vez mais passivo frente a esta situação. As condições daquelas crianças que
conseguem ter acesso à escola pública não são melhores. Além de
chegarem com fome e sem saber o porquê de estarem ali, ainda se deparam
com uma escola que não
corresponde às suas necessidades. Não restam muitos caminhos para
estas crianças. Isto explica os altos índices de evasão, repetência
e analfabetismo que predominam no nosso país e que garantem o poder da
classe dominante.
Estas condições de trabalho, aliadas à
falta de posicionamento do educador, fazem com que, em sala de aula,
sejam reproduzidas as relações de desigualdade, autoritarismo e
competição existentes na sociedade.
Todo esse contexto nos ajuda a
compreender o drama dos educadores, mas não os exime de necessidade de
definir seus valores.
O que vemos, na realidade, é que a maior
parte dos educadores não têm a prática de refletir sobre a dimensão
destas questões.
Quando se fala em educação, é preciso
que se tenha clareza do tipo de pessoa que se quer formar. Piaget fez
uma diferenciação entre indivíduo e pessoa. O indivíduo seria o eu
centrado sobre si mesmo, enquanto a pessoa seria o indivíduo que
pertence a um grupo, que participa ativamente da construção de suas
regras e que, por isso, submete-se ao cidadão que buscamos formar com a
nossa prática.
Neste sentido, a formação do educador
tem grande importância, pois a sua postura frente ao mundo tem
conseqüências neste processo de formação para a cidadania, para o
ser cidadão. O educador precisa ter clareza dos valores nos quais
acredita e que permeiam a sua ação pedagógica. Estes valores implicam
numa concepção de mundo que aparece, na prática, de uma forma
comprometida ou não com a educação para a cidadania.
Cabe-lhe, então, optar por um exercício
que favoreça o individualismo e a competição ou que favoreça a
troca, a solidariedade, a cooperação e a construção do grupo no
verdadeiro sentido da palavra. Este, pressupõe, o respeito às idéias
de cada um, ao tempo de cada um, às regras nele são construídas.
O educador deixa de ser aquele que possui
e transmite o saber para ser aquele que orienta e desafia, que desperta
na criança o desejo de construir o próprio conhecimento.
Na medida em que se trabalha na
construção da equipe e no fortalecimento das relações entre as
pessoas que a integram, as trocas tornam-se mais intensas e
significativas.
Nesta dinâmica de trabalho, todos são
chamados a juntos fazer uma leitura crítica da realidade e buscar
alternativas de solução para as questões que preocupam e desafiam a
comunidade ou um integrante seu, especificamente.
No início, a interferência do professor
é de fundamental importância para que cada criança perceba que tem o
seu espaço e que este é limitado, uma vez que precisa respeitar o
espaço do colega. É justamente este colega que a leva a refletir sobre
suas ações, confrontar suas hipóteses, perceber e respeitar
diferentes pontos de vista. Então, ela deixa de vê-lo como alguém com
quem precisa competir e passa a percebê-lo como alguém que a desafia a
crescer.
Este processo vai sendo construído
gradualmente e, na medida em que se fortalece com as relações de
cooperação, cresce também a confiança mútua. É no grupo onde
sente-se valorizada e respeitada que a criança conseguirá expressar o
que pensa e posicionar-se frente às situações.
É imprescindível, para o crescimento
deste grupo, que as pessoas que o integram estejam unidas em torno de um
objetivo comum. A definição e a clareza desse objetivo é o que move o
conjunto a concretizar seus desejos, seus projetos e anseios. Mas não
basta apenas definir objetivos. É preciso decidir juntos qual o caminho
a seguir para alcançar o que nos propomos.
A criança percebe que pode realizar
muitas coisas junto com outro, que o que foi sonhado com todos pode
tornar-se realidade, que a idéia de cada um pode enriquecer o trabalho
de todos. Um trabalho que exige tal engajamento passa a envolver,
também, os pais e a comunidade onde a escola está inserida. Estes são
chamados a participar ativamente deste processo. As crianças, enquanto
integrantes da comunidade, assumem algumas das questões que preocupam
este grupo maior, refletindo e buscando soluções para elas.
Cada criança sente o quanto é
necessário, importante e prazeroso ser ativa, ser capaz de criar a
história de sua sala de aula e, consequentemente, sente-se encorajada a
transformar a realidade que a cerca.
É por isso que, na nossa sala de aula, o
momento da “rodinha” é considerado de grande importância para
todos. É nela que nasce toda a motivação e o envolvimento com o
trabalho. Na “rodinha”, não apenas contamos aos colegas asa
chamadas “novidades”, mas, principalmente, planejamos as atividades
diárias, combinamos de que forma vamos realizá-las, trocamos idéias,
retomamos decisões. É necessário que, neste momento, quando o grupo
está reunido, seja definido o que se quer realizar. Estes objetivos
devem surgir a partir de interesses e/ou necessidades das crianças.
Quando organizamos o trabalho desta forma, todos ficam com uma idéia
clara das etapas pelas quais teremos que passar para a concretização
dos nossos objetivos. Assim, cada criança percebe que a sua presença e
participação em cada um dessas etapas é importante para ela e para os
demais. Esses momentos de “rodinha” podem acontecer sempre que o
professor ou as crianças sentirem necessidade.
É junto com seus colegas que a criança
tem oportunidade de refletir sobre a sua ação e de avaliar a sua
participação, tendo em vista os critérios estabelecidos por todos. A
partir desta avaliação, surgem desafios de crescimento para o grupo e
para cada criança individualmente.
Durante este tempo de convívio na sala
de aula, também o professor, como um integrante ativo, propõe
situações previamente planejadas. Uma das situações mais
significativas é o jogo. Neste contexto, onde a ênfase está em tudo o
que se realiza durante o mesmo, onde é possível criar e recriar
regras, onde o prazer de jogar e fazer descobertas é mais importante, o
fato de ser o vencedor torna-se secundário. O que temos visto é que
nossas crianças ficam muito mais interessadas em torcer pelos seus
colegas do que em competir com eles.
Muitas vezes nos organizamos em pequenos
agrupamentos para jogar. Em cada jogada um colega pode atuar como
representante da equipe. Isto significa que a sua atuação traz
conseqüências para todos, independente do que tenha ocorrido. Nestes
momentos, as crianças têm a possibilidade de se colocar no lugar do
outro: a equipe cooperando com o colega para que este faça sua jogada
da melhor forma e o representante entendendo a responsabilidade que lhe
foi atribuída.
É nesta caminhada que se dá a
construção do conhecimento e a tomada de consciência de que esta
construção é resultado da ação de cada um e implica num esforço
pessoal neste sentido.
“O ideal da educação não é
aprender, ao máximo, maximalizar os resultados, mas é, antes de tudo,
aprender a aprender, é aprender a se desenvolver e aprender a continuar
a se desenvolver depois da escola” (Piaget, 1983, p. 225).
Este sujeito autônomo que age, que cria,
que coopera, que percebe que o outro tem um papel fundamental no seu
conhecimento, sente-se fortalecido para expressar seus posicionamentos.
O sujeito que chega ao entendimento deste
processo, vivenciado com seus colegas, sente-se comprometido com a
formação do cidadão, com a construção de uma sociedade mais justa,
onde predominam as relações de solidariedade e igualdade.
Ana
Maira Zortéa*
Mônica
Hess**
*Educadora na Escola Estadual Prudente de
Morais, em Porto Alegre, e atua como psicopedagoga no NAP (Núcleo de
Apoio Pedagógico).
**Educadora na Escola Estadual Souza Lobo,
e também atua como psicopedagoga no NAP. |