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EDUCAÇÃO  EM DIREITOS HUMANOS   E  ESTRATÉGIAS  METODOLÓGICAS

 

Vera Maria Candau[1]

 

Esta breve apresentação pretende defender uma tese: não é possível definir estratégias metodológicas para a educação em Direitos Humanos dissociadas  de uma visão político - filosófica, de uma concepção contextualizada e histórico-crítica, do papel dos Direitos Humanos na nossa sociedade. 

Com o objetivo de trabalhar esta perspectiva, começaremos por fazer uma síntese das principais questões abordadas no seminário promovido em novembro de 1999 pelo Instituto Interamericano de Direitos Humanos (IIDH) da Costa Rica, sobre a educação em Direitos Humanos na década de 90  no continente.  Na segunda parte desta comunicação, discutiremos a questão das estratégias metodológicas, a partir do enfoque privilegiado pela abordagem anteriormente apresentada.

 

A problemática da educação em Direitos Humanos hoje na América Latina

 

            No primeiro semestre de 1999, o Instituto Inter-Americano de Direitos Humanos  (IIDH) da Costa Rica começou a desenvolver, com a coordenação do professor Abraham Magendzo,  do Chile, educador com uma ampla exeriência de educação em Direitos Humanos no ãmbito latino-americano, um processo orientado a  fazer um balanço crítico da educação em Direitos Humanos nos anos  90  na América Latina.  O início das experiências nesta perspectiva, na maior parte dos países do continente, se deu  nos anos 80  e, nesse momento, o Instituto Inter-Americano teve um protagonismo muito grande, inclusive entre nós,  como estimulador e financiador de muitas realizações.

            No  processo   de construção do balanço crítico, foi indicado um pesquisador de cada país para realizar um estudo de caso no seu respectivo contexto.  Os países participantes foram os seguintes: Argentina, Chile, Peru, Brasil, Colômbia, Guatemala e México. Uma vez realizados os estudos de caso de caráter nacional,  estes foram enviados a todos os pesquisadores e foi convocado um seminário pelo IIDH em Lima, Peru, no mês de novembro de 1999, para discussão e elaboração da síntese final do processo e levantar questões consideradas importantes para o desenvolvimento da educação em  Direitos Humanos a partir do 2000. Apresentarei brevemente os principais temas discutidos.

Um primeiro  bloco se relacionava ao sentido da educação em Direitos Humanos  no novo marco político, social, econômico e cultural, isto é, na transição modernidade/pós-modernidade, no contexto de democracias débeis ou de “baixa intensidade”  e de hegemonia neoliberal.  A temática de educação para direitos humanos nos anos 80, principalmente nos países que  passaram por  processos de transição democrática depois de traumáticas  experiências de ditadura , como é o nosso caso, foi  introduzida como um componente orientado ao fortalecimento dos  regimes democráticos. No entanto, hoje a realidade é outra. O clima político-social, cultural e ideológico é diferente.  Vivemos um contexto de políticas neoliberais, de debilitameno da sociedade civil, de crescente exclusão social e falta de horizonte utópico para a construção social.  Por outro lado,  em contraste com os anos 80 em que , a maior parte das experiências de Educação em Direitos Humanos foram promovidas por ONG’s e administrações públicas de “esquerda”, nesta última década  houve uma grande entrada dos estados, em geral de caráter neoliberal, na questão da educação em Direitos Humanos. Quase todos os países latino-americanos atualmente têm legislações orientadas a promover e instituir a educação em Direitos Humanos nos sistemas de ensino.   Neste novo cenário é importante analisar e debater as questões relativas ao sentido da educação em Direitos Humanos e os objetivos que pretende alcançar.

            Uma problemática especialmente significativa nesta perspectiva diz respeito à polissemia das expressões utilizadas neste âmbito. É importante não deixar que a expressão Direitos Humanos seja substituída por outras mais ambíguas ou que restrinjam a educação em Direitos  Humanos a uma educação em valores, inibindo seu caráter político. Por outro lado, hoje a  educação em Direitos Humanos admite muitas leituras e esta expressão  foi se  “alargando” tanto que o seu sentido  passou a englobar desde a educação para o transito,  os direitos do consumidor, questões de  gênero, étnicas, do meio-ambiente, etc.. até temas relativos à ordem internacional e à sobrevivência do planeta, de tal modo que pode correr o risco de englobar tantas dimensões que perca especificidade e uma visão mais a articulada  e confluente., terminando por se reduzir a um grande "chapéu" sob o qual podem ser colocadas  coisas muito  variadas, com os mais diversos enfoques.

         Um tema que suscitou acalorada discussão  foi o da cultura escolar e as possibilidades da educação em Direitos Humanos.  A cultura escolar se encontra muitas vezes tão “engessada”,  pensada de uma  maneira tão rígida e monolítica, que dificilmente deixa espaço para  que a cultura dos  Direitos Humanos possa penetrá-la. Na maior  parte das vezes, o único que se consegue é introduzir no currículo formal alguns conteúdos. Outra coisa se torna muito difícil,  pois a maneira de se conceber a cultura escolar já, de alguma forma, entra em choque com a cultura dos direitos humanos.

 

 

Qual o horizonte de sentido da educação em Direitos Humanos?

 

Este tema permeou todo a discussão realizada durante o seminário, ao final do qual se chegou ao consenso de que hoje era importante reforçar três dimensões da educação dos Direitos Humanos.

A primeira diz respeito à formação de sujeitos de  direito. A maior parte dos cidadãos latino-americanos tem pouca consciência de que são sujeitos de direito. Esta consciência é muito débil, as pessoas –inclusive por ter a cultura brasileira uma impronta  paternalista e autoritária – acham que os direitos são dádivas. Por exemplo, expressões como "o patrão é bom porque me deu férias", expressam esta posição; as férias viram uma questão de "generosidade" e não de direito. Os processos de educação em Direitos Humanos devem começar por favorecer processos de formação de sujeitos de direito, a nível pessoal e coletivo, que articulem as dimensões ética, político-social e as práticas concretas.

Outro elemento fundamental na educação de Direitos Humanos é favorecer o processo de "empoderamento" (“ empowermwnt”),  principalmente orientado aos atores sociais que historicamente  tiveram menos poder na sociedade, ou seja menos capacidade de influir nas decisões e nos processos coletivos. O "empoderamento" começa por  liberar a possibilidade, o poder, a potência que cada pessoa tem para que ela possa ser sujeito de sua vida e ator social. O "empoderamento" tem também uma dimensão coletiva, trabalha com  grupos sociais minoritários, discriminados, marginalizados, etc, favorecendo sua organização e participação ativa na sociedade civil.

          O terceiro elemento diz respeito aos processos de  mudança, de transformação necessários para a construção de sociedades verdadeiramente democráticas e humanas. Um dos componentes fundamentais destes processos se relaciona a  "educar para o nunca mais", para resgatar a memória histórica, romper a cultura do silêncio, romper a cultura do silêncio e da impunidade que ainda está muito presente em nossos países. Somente assim é possível construir a identidade de um povo, na pluralidade de suas etnias, e culturas.

Estes três componentes, formar sujeitos de direito, favorecer processos de empoderamento e educar para o “nunca mais”,  constiuem hoje o horizonte de sentido da educação em Direitos Humanos..

 

 

Educação em Direitos Humanos e Estratégias Metodológicas

 

          Quanto às  estratégias metodológicas a serem utilizadas na  educação em Direitos Humanos, estas têm de estar em coerência com as finalidades acima assinaladas o que supõe a utilização de metodologias ativas, participativas, de diferentes linguagens . Exigem, no caso da educação formal, a construção de uma cultura escolar diferente, que supere as estratégias puramente frontais e expositivas, assim como  a produção de materiais adequados, que promovam interação entre o saber sistematizado sobre direitos humanos e o saber socialmente produzido. Devem ter como referência fundamental a realidade e trabalhar diferentes dimensões dos processos educativos e do cotidiano escolar, favorecendo que a cultura dos Direitos Humanos penetre em todo o processo educativo.

        Trata-se, portanto, de   transformar  mentalidades, atitudes, comportamentos, dinâmicas organizacionais e práticas cotidianos dos diferentes atores sociais e das  institucionais educativas. É importante também assinalar que contextos específicos necessitam também de abordagens específicas. Isto é,  não se trabalha da mesma maneira na universidade, numa sala de ensino fundamental ou médio, com o movimento de mulheres, com promotores populares, etc. No entanto, o enfoque metodológico deve sempre privilegiar estratégias ativas que estimulem processos que articulem teoria e prática, elementos cognitivos, afetivos e envolvimento em práticas sociais concretas.

            Não é difícil promover eventos, situações esporádicas, introduzir alguns temas relacionados com os Direitos Humanos. O difícil é promover processos de formação que trabalhem em profundidade e  favoreçam a constituição de sujeitos e atores sociais, no nível pessoal e coletivo.

Quando pode ser considerada uma experiência como promotora dos Direitos Humanos na escola ou fora dela? Quais seriam os indicadores que a especificam? Que estratégias metodológicas devem ser privilegiadas? Estas são questões importantes sobre as quais devemos continuamente refletir.

Facilmente falamos de metodologias quando elas têm muitos pressupostos, supõem uma concepção  de aprendizagem, de educação, de educar em Direitos Humanos. O importante  é não dissociar a abordagem metodológica das finalidades que se persegue nos processos de educação em Direitos Humanos.

 

[1] Professora da PUC/RIO e membro da NOVAMERICA.

 
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