Livros
Direitos Humanos
Direitos
Humanos
Direitos
Humanos em Moçambique
Josué
Bila
Parte
II
Capítulo
V
Entrevistas
Josina
Nhantumbo: “Direitos humanos existem
dentro de peculiaridades culturais”
Antropóloga
de verbo refinado e de competência
profissional reconhecida. Sabe esgrimir
idéias sobre o trilho convergente/divergente
entre antropologia e direitos humanos.
Aliás, essa é a razão
por que o bantulândia convida-a,
em entrevista, para deixar seus traços
intelectuais. Seu nome é Josina
Nhantumbo.12
Na entrevista abaixo, ela alerta que os
direitos humanos não devem ser
vistos como antagónicos às
peculiaridades culturais. “Porque
dentro das peculiaridades culturais existem
direitos que muitas vezes até se
cruzam com os universais... valorizemos
os pontos comuns e negociemos mudanças
nos pontos divergentes
Bantulândia
- Que contributo o(a) antropólogo(a)
pode dar ao crescente debate sobre direitos
humanos em Moçambique?
Josina
Nhantumbo (JN) - Moçambique
é um país rico em diversidade
cultural. Esta riqueza é muitas
vezes vista como obstáculo para
o discurso universalista dos Direitos
Humanos. O papel de antropólogo
é permitir que estes dois extremos
se cruzem com passividade. Papel difícil
na medida em que o debate de direitos
humanos se apresenta aliado ao poder,
o que leva a que o antropólogo
tome uma posição em defesa
da cultura.
Cabe ao antropólogo ver como a
legislação dos direitos
humanos vai enquadrando e dando forma
às ordens normativas locais e como
estas, por sua vez, resistem ou se apropriam
da legislação universalizada.
Isto significa assegurar a articulação
entre a particularidade da cultura e a
universalidade dos direitos humanos.
Bantulândia
- Como Moçambique, enquanto Estado,
pode sustentar a ética de direitos
humanos, em face aos seus diversos sistemas
culturais e morais (Moçambiques),
que, às vezes, entram em choque
com a universalidade de direitos humanos?
JN
- Em Moçambique, o papel do Estado
nesta matéria apresenta-se como
fraco. Não existe um critério
claro para a divulgação
e sensibilização sobre os
Direitos Humanos. Não se tem estado
a dar a devida importância a este
aspecto.
Muitas vezes, este discurso aparece ligado
a crimes. Temos a Liga Moçambicana
de Direitos Humanos, que embora esteja
a realizar muitas actividades, as mais
divulgadas são aquelas que envolvem
crimes. Para não falar de outras
organizações que trabalham
nesta matéria e não têm
tido o espaço devido.
O que tem acontecido no nosso país
são campanhas, de quando em vez.
E ao falar de campanhas, tratamos apenas
de direitos de grupos específicos,
neste caso concreto fala-se mais de direitos
da mulher e criança. Tudo bem que
sejam desfavorecidos. Mas, o facto é
que, mesmo que o homem “discrimine”
a mulher, não é pelo conhecimento
dos seus direitos, isso resulta das “ordens
normativas locais”.
Então, talvez precise conhecer
perfeitamente os seus direitos e deveres
para mudar de atitude. Ou seja, nem são
só os homens que discriminam, é
a sociedade em si; então, toda
a sociedade precisa conhecer os seus direitos/deveres.
Bantulandia - Que propostas
avanças para que a sociedade conheça
seus direitos/deveres?
JN - Para terminar, permita-me
dizer que a lei deve ser vista como tendo
um carácter pedagógico,
para isso deve ser divulgada como tal.
Pela sua circulação pode
inaugurar novos estilos de moralidade
e desenvolver sensibilidades éticas
desconhecidas. A lei deve ser publicitada
por forma a instalar novas sensibilidades
e introduzir mudanças na moral
vigente. Mas, o que acontece, neste momento,
é que a lei aparece como inimiga
do povo, apenas para criminalizar.
Bantulândia - Em
nossa fase contemporânea, o que
melhor deve comandar a sociedade moçambicana:
“Universalidade de direitos humanos”
ou “Peculiaridades culturais”?
JN
- Eu acho que não devemos colocar
isso como extremos. Porque dentro das
peculiaridades culturais existem direitos
que muitas vezes até se cruzam
com os universais, apenas se manifestam
de formas diferentes. Ou seja, os direitos
humanos existem dentro de peculiaridades
culturais. Nem sempre existe conflito
entre o local e o universal, pois então,
valorizemos os pontos comuns e negociemos
mudanças nos pontos divergentes.
A divulgação da lei e a
sensibilização para o seu
seguimento podem contribuir para a aliança
entre o local e o universal.
Muitas vezes, o discurso dos direitos
humanos é visto como uma força
que pretende tornar homogéneo a
sociedade global; porém, sabemos
que a partir deste discurso, tem-se estado
a afirmar diversas minorias sócio-culturais
em todo o mundo. Nesta óptica,
retira-se a visão simplesmente
de dominação. Isto significa
dizer que o universal e o local bem partilhados
podem trazer benefícios para as
comunidades. Desde que sejam reforçadas
as capacidades de diálogo para
as normas locais, para as peculiaridades
culturais.
Bantulândia - O
direito dos direitos humanos aponta, por
exemplo, a não agressão
física à mulher por parte
de seu cônjuge, porque caso assim
o faça pode ser incriminado pela
Justiça.
- De que forma podemos reduzir as incriminações/tribunalizações,
em favor de educação em
direitos humanos aos moçambicanos?
JN - “Agora dizem que já
nem posso bater na minha própria
mulher porque se não vou preso...”.
Esta é uma passagem de uma peça
teatral espontânea, passada numa
sessão de capacitação
sobre violência doméstica.
Isso quer dizer que só deixam de
bater, não que tenham percebido
algo ligado a direitos/deveres humanos.
Então, só não bate
porque dizem para deixar de fazê-lo.
Isto mostra que a questão dos direitos
é tomada como punitiva e não
de forma educativa.
Primeiro, é importante que os Homens
conheçam os seus direitos, independentemente
do sexo, idade e etc. Devemos conhecer
os direitos humanos como uma forma de
relações sociais, onde cada
pessoa tem deveres e direitos para assegurar
uma harmonia social. O que acontece, agora,
é que parece que uns têm
direito e outros não os têm.
É uma atitude de remediar.
Segundo, mudança de consciência
não deve ter prazos muito curtos.
Não podemos tomar isto como políticas
de assimilação, em que as
pessoas fazem ou deixam de fazer para
serem bem vistas ou o que seja politicamente
correcto.
Só reduziremos as incriminações
quando deixarmos de colocar prazos curtos
para a mudança de consciência.
Trabalharmos para harmonizar o local e
o global. Porque a tendência de
erradicar o local e implementar o global
resulta em resistências, o que faz
com que coloquemos a criminalização
em primeiro plano. Quando, a meu ver,
a questão criminal deveria ser
complementar.
Bantulândia
- Antropologicamente, como explica o facto
de as mulheres parlamentares, apesar de
constituírem 40% de deputados da
Assembléia da República,
demonstrarem fraqueza na apresentação
de propostas legais sobre direitos humanos?
JN
- Primeiro, digo que todos os parlamentares
não transpiram liberdade de expressão.
E poucos têm mostrado domínio
sobre os direitos humanos.
Indo directo ao assunto, as mulheres parlamentares
são mulheres do nosso país.
Para além do problema geral de
falta de liberdade de expressão
e fraco domínio sobre direitos
humanos no exercício da actividade
política, elas sofrem pelo facto
de serem mulheres. Elas transmitem o que
são de facto. O que muda é
que ganham certa independência económica,
inerente ao facto de serem deputadas e
se tornam arrogantes.
Seria importante que as mulheres parlamentares
tivessem formações sobre
direitos humanos e participação
política. Mas, isso não
resolveria, pois elas não constituem
um grupo externo à sociedade. Por
isso, elas podem ser formadas ao seu nível,
mas toda a sociedade deve estar preparada
para aceitá-las como deputadas
e como detentoras do poder político.
Bantulândia - Qual
tem sido o impacto sócio-cultural
de visibilização das mulheres
nos media e alta esfera de administração
pública?
JN
- Isso tem estado a contribuir positivamente
porque num momento em que se pretende
maior participação da mulher,
as que integram meios de tomada de decisão
servem de referências.
Bantulândia
- Quero insistir em uma pergunta que fi-la
à socióloga Conceição
Osório: Em Moçambique, há
um tipo de excesso de dominação
masculina velada que, às vezes,
inibe a liberdade de expressão
e de imprensa das mulheres.
- Como tem visto esta inibição
desta liberdade na Imprensa?
JN
- Bem, na nossa sociedade o homem só
é ‘julgado’ nos meios
públicos, o que o torna de certa
forma livre. Mas com a mulher é
diferente; ela é ‘julgada’
a todos os níveis. A mulher deve-se
controlar muito mais. A mulher deve evitar
errar, enquanto o homem aprende errando.
Bantulândia
- Mudando um pouco de assunto. Como é
que o governo Guebuza respeitou e protegeu
os direitos humanos?
JN
- Este Governo foi muito punitivo, ou
seja, se de certa forma havia algo para
mudar tinha que ser por medo de uma punição.
Agora, não sei se o problema é
com o Governo ou com o Povo... Mas o Governo
é do povo... Exemplo clarividente
disso são as excessivas expulsões
de funcionários públicos.
Adicionalmente, as acções
do governo não têm a perspectiva
de direito. Só um exemplo: no nosso
país, quando se fala de combate
à fome, não se está
a falar de direito à alimentação.
São assuntos diferentes; no primeiro
caso as pessoas só se alimentam
para não morrerem “objectivamente”
de fome. Mas não estamos preocupados
com o quando, o que e como é que
comem.
Atibaia,
13 de Outubro de 2010
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Nota:
12
- Josina Aurora Nhantumbo, 33, nasceu
em Xai-Xai, província de Gaza.
É licenciada em Antropologia, desde
2006, pela Universidade Eduardo Mondlane.
Desde o período de formação,
participa em formações e
pesquisas sociais, concretamente para
área de saúde pública
e género que actualmente integram
questões sobre mudanças
climáticas.
Começou
a trabalhar em 1997, na Direcção
Provincial da Mulher e da Acção
Social, na área administrativa.
Durante a formação em Maputo,
mudou de área para assistência
social às pessoas portadoras de
deficiência, com mais enfoque para
a deficiência mental. Depois da
licenciatura, em 2006, na cidade de Pemba,
trabalhou na área de desenvolvimento
da mulher e promoção da
equidade de gênero e na área
de integração de aspectos
de género no processo de descentralização
e governação local. Neste
momento, coordena Iniciativas de Desenvolvimento
de Erati-Nampula, um programa da Actionaid-Mozambique.
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