Artigo X - Toda pessoa tem
direito, em condições de plena igualdade, a uma
audiência justa e pública perante um tribunal
independente e imparcial, para determinação de
seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer
acusação criminal contra ela.
Os conflitos entre as pessoas
e entre estas e o Estado são resolvidos, freqüentemente,
pelo Poder Judiciário, por meio dos juízes e tribunais.
O artigo I O da Declaração Universal
dos Direitos do Homem, exprime a síntese de como
devem se comportar os juízes e tribunais, segundo
as regras da democracia.
O que significa tuna audiência
justa?
A justiça, bem se sabe, é um ideal.
As expressões latinas jus, justitia e justum seriam
derivadas do radical ju (yu), de uma língtia antiga,
o sânscrito, significando unir. Daí as primeiras
civilizações a considerarem um sinal de união
dos homens com a ordem eterna. Para Platão,
a virtude suprema; para Aristóteles, a mais elevada
forma de excelência moral.
Se a ordem ética e a ordem jurídica
estiveram juntas entre os gregos e os romanos,
a experiência histórica dos homens fez evoluir
o conceito de justiça. Por um lado o direito
ganhou autonomia relativamente à moral; por outro,
as leis cada vez mais passaram a se guiar por
princípios tidos e havidos como o caminho para
atingir aquele ideal.
Os princípios, escritos ou não,
são os alicerces sobre os quais se edifica a ordem
jurídica. A democracia tem os seus.
Quando falamos, hoje, em audiência justa são esses
princípios que devem ser postos em prática.
Muitos estão em tratados ou pactos internacionais
e na própria Constituição do Brasil. Dentre
eles podemos citar: o princípio da presunção de
inocência, pelo qual a pessoa acusada de crime
não deve ser considerada culpada até que, produzida
a prova de sua culpa, seja condenada, esgotados
todos os recursos previstos na lei; o da igualdade,
pelo qual todos são iguais perante a lei, seja
pobre, seja rico, e que manda que o Estado dê
defensor a quem não o tenha; o da ampla defesa,
que garante possa o acusado esgotar os meios para
rebater as acusações; o do contraditório, pelo
qual o acusado ou seu defensor deve sempre ser
ouvido sobre um fato ou prova.
O artigo fala também em audiência
pública.
Pública quer dizer aberta, à qual
todos tenham acesso. Vivemos numa república,
que quer dizer exatamente isto: res publica, em
latim, ou coisa pública, em português. Público
é o que é de todos e de ninguém em particular.
Todos têm interesse em como é
realizada a justiça. A publicidade é fator de
transparência sem a qual não há democracia.
Visa possibilitar ao cidadão o controle dos atos
pelos meios legais. Por isto, a Constituição
brasileira, em seu artigo 93, IX, diz que "todos
os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário
serão públicos, e fundamentadas todas as decisões,
sob pena de nulidade .
Do que já foi dito se extrai que
o direito de uma pessoa ser ouvida por um tribunal
deve ser exercido pessoalmente. Não se pode
considerar audiência justa e pública o interrogatório
feito por meio de rede interligada de computadores,
em que o réu fica do outro lado da linha, num
presídio, como tem sido feito por alguns juízes,
no Brasil. Tanto que o Pacto Internacional
de Direitos Civis e Políticos diz que o preso
deve ser conduzido sem demora à presença do juiz
(artigo 9, 3) e a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, que ele deve ser apresentado ao juiz
para ser ouvido com todas as garantias (artigo
8 , I).
Além da audiência pública e justa,
exige a Declaração Universal
dos Direitos do Homem que o tribunal seja independente
e imparcial.
Tais atributos dizem respeito
a cada um dos juízes. O juiz, ao julgar,
não pode estar sujeito a pressões ou ameaças,
sejam externas ou dos outros poderes do Estado,
sejam de outros membros do próprio Judiciário.
O ato de julgar é um momento de liberdade.
A independência é o exercício consciente dessa
liberdade, nos termos da lei do país.
As pessoas a serem julgadas têm
interesse em que o juiz faça uma reflexão sobre
o assunto, com serenidade e sem pressões.
Têm direito também de que sua causa seja julgada
por aquele juiz que se tomou certo, por sorteio
e atribuições de cargo previamente previstas em
lei, e que deve estar àquela vinculado até o final.
A isto chamai-nos de princípio do juiz natural.
Os recursos, que significam revisão
democrática, para garantir maior segurança ao
sistema, e que são julgados de forma colegiada,
por três juízes, no mínimo, podem ser usados por
quem não esteja contente com a decisão.
E a imparcialidade? Seria
o juiz imparcial um ser diferente do homem comum,
que tem lá suas ideologias, preferências estéticas,
preconceitos?
Nada disso. Como qualquer
ser humano, o juiz não está impedido de ter suas
convicções políticas. Não está livre de
ser um homem, com as qualidades e defeitos que
todos têm.
Não se quer juiz neutro, Exige-se
dele, sim, que, em obediência aos mencionados
princípios, se abra, com liberdade, tolerância
e generosidade, a se deixar convencer pelos argumentos
e pelas provas que cada litigante traga ao processo,
procurando superar, com tal conduta, eventuais
prejulgamentos.
Em nome da justiça, que, exprimindo
um certo consenso, uma direção, um vetor indicado
pela experiência histórica dos homens, não pode
ser jamais substituída por conceitos individuais,
íntimos.
* Texto preparado para a Cartilha
de Direitos Humanos, editada pela Secretaria Nacional
de Direitos Humanos.