Minorias
Étnicas , Lingüísticas e Religiosas
Adriana
Carneiro Monteiro
Gley Porto Barreto
Isabela Lima de Oliveira
Smadar Antebi
ÍNDICE
GERAL
Introdução
1.
Conceito
de minorias
2.
Minorias
Étnicas , Lingüísticas e Religiosas
3.
Direitos
das Minorias
4.
Instrumentos
Internacionais
5.
Análise
da situação das Minorias no âmbito constitucional
Brasileiro
6.
Normas
Infraconstitucionais de Proteção às Minorias
7.
Outras considerações sobre
a situação dos direitos
das
minorias no Brasil
8.
Minorias
que fazem parte do processo civilizatório
brasileiro
Conclusão
Bibliografia
Introduçao
Ao
analisarmos o processo de formação da sociedade
brasileira sob qualquer aspecto, torna-se indispensável
mencionar o relevante papel desempenhado pelos
grupos minoritários em relação ao restante da
sociedade.
Para
podermos entender e defender tais grupos não apenas
em nome dos seus próprios direitos individuais e
coletivos, mas também em defesa dos interesses de
todo o restante da população, torna-se fundamental
que conheçamos e discutamos aspectos básicos do
tema. O próprio conceito de minoria e as
dificuldades e conseqüências de sua conceituação;
a situação desses grupos perante o direito como um
todo e especificamente perante o direito brasileiro;
alguns exemplos de grupos minoritários; os tratados
internacionais sobre o tema; a situação concreta
do posicionamento da sociedade e das autoridades públicas
para com o mesmo: essas são visões que devem ser
analisadas cuidadosamente, sem se perder de vista o
objetivo maior de promover a integração dos grupos
mais discriminados às parcelas majoritárias da
população, no sentido de eliminar quaisquer tipos
de estereótipos, preconceitos ou discriminação em
relação aos primeiros.
Assim,
mesmo com a notável escassez de informações sobre
o tema e a desconsideração freqüente para com as
mesmas, torna-se importante realizar e incentivar
pesquisas na área, que venham a contribuir com o
acréscimo de informações e, conseqüentemente,
com melhores resultados nas ações implementadas em
defesa da manutenção das minorias étnicas, lingüísticas
e religiosas.
1.
Conceito de minorias
Para
iniciarmos nosso estudo sobre minorias, faz-se
necessária uma análise de seu conceito, o que não
é questão das menos polêmicas. De fato, até a
Organização das Nações Unidas não conseguiu
formalizar um conceito universalmente aceito. Vale
salientar que sempre houve muita hesitação sobre o
assunto: a Declaração Universal não tratou
particularmente dos Direitos das Minorias, de modo
que o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966 foi o primeiro instrumento normativo internacional da
ONU [1],
a tratar sobre o tema, ainda assim, sem fornecer uma
definição de minoria, apenas exigindo o respeito
aos direitos dos grupos minoritários, como
evidenciado em seu artigo 27[2].
José
Augusto Lindgren Alves salienta que as argumentações
para tamanha hesitação provinham da dificuldade de
conciliação das posições assimilacionistas dos
Estados do Novo Mundo (formados por populações
imigrantes) e as dos Estados do Velho Mundo, com
grande gama de grupos distintos em seus territórios
nacionais. O mesmo autor adverte, porém, que as razões
mais profundas para as hesitações nessa área
acham-se expostas no Prefácio de Francesco
Capotorti ao seu estudo sobre minorias em 1977 (para
a regulamentação do artigo 27 do Pacto dos
Direitos Civis e Políticos), a saber: desconfianças
dos Estados em relação aos instrumentos
internacionais de proteção dos direitos das
minorias, vistos como pretextos para interferência
em assuntos internos; ceticismo quanto ao fato de se
abordar, em escala mundial, as situações distintas
das diversas minorias; a crença na ameaça à
unidade e à estabilidade interna dos Estados pela
preservação da identidade das minorias em seu
território e, finalmente, a idéia de que a proteção
a grupos minoritários constituiria uma forma de
discriminação.
Dada
a necessidade de
uma definição de minoria, a Subcomissão
para a Prevenção
da Discriminação e a Proteção das Minorias,
criada pela ONU, encomendou ao perito italiano
Francesco Capotorti (anteriormente citado) um estudo
que resultou na seguinte definição de minoria:
“Um grupo numericamente inferior ao resto da
população de um Estado, em posição não-dominante,
cujos membros - sendo nacionais desse Estado -
possuem características étnicas, religiosas ou
lingüísticas diferentes das do resto da população
e demonstre, pelo menos de maneira implícita, um
sentido de solidariedade, dirigido à preservação
de sua cultura, de suas tradições, religião ou língua.
”Como verificado no artigo inédito O Direito das
Minorias Étnicas, de Luciano Mariz Maia,
esse conceito de Capotorti assemelha-se ao do
antropólogo Fredrik Barth, que o situa na
autoperpetuação biológica, compartilhamento de
valores culturais comuns, integração de um campo
de comunicação e interação e identificação dos
membros do grupo entre si.
Cabe
aqui salientar que há duas definições com que
caracterizar minorias, envolvendo as concepções
sociológica e antropológica. Segundo Moonen[3],
“na sociologia o termo minoria normalmente é um
conceito puramente quantitativo que se refere a um
subgrupo de pessoas que ocupa menos da metade da
população total e que dentro da sociedade ocupa
uma posição privilegiada , neutra ou marginal”.
No
aspecto antropológico, por sua vez, a
ênfase é dada ao conteúdo qualitativo,
referindo-se a subgrupos marginalizados, ou seja,
minimizados socialmente no contexto nacional,
podendo, inclusive, ser uma maioria em termos
quantitativos. Moonen observa ainda que uma das
primeiras definições nesse sentido foi a de L.
Wirth, sendo minoria “um grupo de pessoas que, por
causa de suas características físicas ou
culturais, são isoladas das outras na sociedade em
que vivem, por um tratamento diferencial e desigual,
e que por isso se consideram objetos de discriminação
coletiva“. Verifica-se, portanto, que, no conceito
antropológico, a diferença não está em termos
quantitativos, mas no tratamento e no relacionamento
entre os vários subgrupos, nas relações de dominação
e subordinação. Sem nos pautarmos em números, o
grupo dominante é a maioria, sendo minoria o grupo
dominado.
Assim,
permanecem as dificuldades para o alcance de uma
definição consensual para o termo minorias. Nem a
Declaração sobre os Direitos das Pessoas
Pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas,
Religiosas e Lingüísticas (a ser tratada mais
adiante no presente trabalho) se propõe a uma
definição, nem em seu preâmbulo, nem em sua parte
dispositiva. Entretanto, a criação de um Grupo de
Trabalho pela Subcomissão para Prevenção da
Discriminação e Proteção às Minorias (através
da Resolução 1994/4, de 19 de agosto de 1994)
promete avanços nessa área
conceitual.
2. Minorias Étnicas, Lingüísticas
e Religiosas
As
minorias referidas são as únicas listadas para
proteção no Pacto dos Direitos Civis e Políticos
(artigo 27), pelo que é muitas vezes criticado.
As
minorias étnicas são grupos que apresentam entre
seus membros, traços históricos, culturais e tradições
comuns, distintos dos verificados na maioria da
população.
Minorias
lingüísticas são aquelas que usam uma língua
(independentemente de ser escrita) diferente da língua
da maioria da população ou da adotada oficialmente
pelo Estado. Vale salientar que não é considerado
língua mero dialeto com sutis diferenças em relação
à língua predominante.
Minorias
religiosas, por sua vez, são grupos que professam
uma religião distinta da professada pela maior
parte da população,
mas não apenas uma outra crença, como o ateísmo
.
Delimitadas
essas considerações, passemos aos critérios de
identificação das minorias, que envolvem aspectos
objetivos e subjetivos. O aspecto objetivo envolve a
observação da realidade concreta das minorias,
tendo provados seus laços étnicos, lingüísticos
e culturais através de documentos históricos e
testemunhos comprovadamente verídicos dos fatores
característicos distintivos. O critério subjetivo
envolve o reconhecimento da minoria (de existência
já objetivamente demonstrada ) pelo Estado, sendo
importante observar que o não reconhecimento, por
parte do Estado, de uma minoria, não o dispensa de
respeitar os direitos do grupo minoritário em questão,
conforme visão de Capotorti, também compartilhada
por Luciano Maia: “nem membros de um grupo nem o
Estado podem, discricionariamente, arbitrar se o
grupo possui os fatores característicos
distintivos, e se incide no conceito de minoria.”
3.
Direitos das Minorias
Ao
iniciarmos nossas apreciações sobre os direitos
das minorias, cabe analisarmos se tratam de direitos
individuais ou coletivos.
Sobre
essa questão, o Pacto dos Direitos Civis e Políticos,
em seu artigo 27, confere ênfase aos direitos dos
indivíduos pertencentes aos grupos minoritários,
”embora eles possam ser gozados em comunhão com
os demais integrantes do grupo”,[4]
o que pode impedir a utilização de remédios
processuais de defesa coletiva desses direitos[5]. Entretanto, o Comitê de Direitos Humanos determinou
que essa é uma questão que depende do caso,
devendo também haver a defesa dos direitos das
minorias enquanto direitos coletivos. Assim, nos
casos de respeito à língua, etnia ou religião de
uma determinada pessoa pertencente a uma minoria,
estamos tratando de direitos individuais. Quanto ao
reconhecimento dos direitos à existência e
identidade de um grupo minoritário enquanto tal,
trata-se de direitos coletivos.
3.1.
Conteúdo dos direitos das minorias
Os
direitos das minorias são regidos pelo princípio
da igualdade e não discriminação, não havendo
delimitação de um conjunto mínimo de direitos.
Possível é observar que, além dos direitos comuns
a todas as pessoas (como direito à vida, liberdade
de expressão, direito de não ser submetido à
tortura, entre outros), as minorias têm certos
direitos básicos - direito à existência, direito
à identidade e direito a medidas positivas.
O
direito à existência é o direito coletivo à
vida, contra a dizimação física do grupo minoritário,
conforme conteúdo proporcionado pela Convenção
para Prevenção e Repressão
do Crime de Genocídio. Entretanto, outros
direitos são requeridos para que as minorias se
desenvolvam plenamente; é o caso do direito à
identidade, já que a simples existência física não
garante a permanência das manifestações
culturais. As pessoas pertencentes a grupos minoritários
devem ter o direito de desenvolver, individualmente
ou com os demais membros do grupo, suas manifestações
culturais, como traço distintivo de seu modo de
ser.
As
medidas positivas, por sua vez, são necessárias no
sentido de tornar efetiva a promoção da identidade
das minorias e proporcionar condições para a
efetividade no gozo de direitos. Desse modo, os
Estados devem dar apoio às minorias em equilíbrio
com o apoio conferido à maioria da população (ou
, até mesmo, um tratamento diferenciado de modo a
se obter igualdade de condições na prática de
direitos). Os direitos das minorias, também
englobados nos direitos sociais e culturais, exigem
uma participação eficaz do Estado em seu processo
de implementação.
É
importante verificar que o Pacto dos Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, em seu artigo 11, reconhece,
por exemplo, o direito de todos à moradia adequada,
tendo o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais formulado um Comentário Geral em que
acentuou a necessidade de adequação cultural da
moradia e de políticas públicas que visem a adequá-la à expressão da identidade cultural dos diversos grupos.
4.
Instrumentos
Internacionais
Não
há um elenco exaustivo de Convenções
Internacionais voltadas para a proteção dos
Direitos Humanos. E talvez nem fosse necessária a
existência de inúmeras Convenções; poucas, mas
igualmente rigorosas e obedecidas já seriam
suficientes. Selecionamos a seguir aquelas
consideradas mais importantes, que dentro do conteúdo
de seus textos tratam dos direitos das Minorias, ou
os incluem ao tratar dos Direitos Humanos em geral.
4.1
Declaração
Universal dos Direitos Humanos
Aprovada pela Assembléia Geral das Nações
Unidas no dia 10 de Dezembro de 1948, por uma
unanimidade de 48 votos - entre eles o do Brasil - e oito abstenções, a Declaração Universal dos Direitos
Humanos foi adotada sob a forma de Resolução ( n.
217- A ( III ) ),
sem força de lei. Consiste em uma declaração
de princípios básicos de direitos humanos e
liberdades, em que estão elencados direitos civis,
políticos, econômicos, sociais
e culturais, divididos em 30 artigos. Destes,
o que mais nos interessa a respeito das Minorias é
o II, n.1, que dispõe:
Artigo
2º - 1. “Toda
pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as
liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem
distinção de qualquer espécie, seja de raça,
cor, sexo, língua, religião, opinião política ou
de outra natureza, origem nacional ou social,
riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição”.
No preâmbulo da Declaração, encontramos
que os Estados-membros se comprometem a promover,
junto com as Nações Unidas, o respeito e a observância
aos direitos e liberdades especificados na Resolução,
porém não
houve a implantação de nenhum órgão responsável
pelo monitoramento destas ações.
4.2.
Convenção
para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio
O que com certeza mais influenciou a ONU na
criação dessa Convenção foi o chocante contexto
histórico observado principalmente durante a 2ª
Guerra Mundial, quando houve o extermínio em massa
de membros de minorias – cerca de 6 milhões de
judeus, 600 mil ciganos e também um grande número
de homossexuais – justificado pelos chamados
“regimes totalitários”. Preocupadas com a provável
propagação dessas idéias, que bem disseminadas
poderiam levar até a total extinção dessas
minorias, as Nações Unidas aprovaram em 11 de
Dezembro de 1948, através da Resolução 96, a
Convenção para a Prevenção e a Repressão do
Crime de Genocídio. Composta por dezenove artigos,
esta Convenção, em seu artigo 1º, declara ser o
genocídio crime contra o Direito Internacional. No
artigo 2º fica estabelecido o que se entende por
genocídio:
Artigo
2º - “Na presente Convenção, entende-se por
genocídio qualquer dos seguintes atos, cometidos
com a intenção de destruir, no todo ou em parte,
um grupo nacional, étnico, racial ou religioso,
como tal:
·
matar
membros do grupo;
·
causar
lesão grave à integridade física ou mental dos
membros do grupo;
·
submeter
intencionalmente o grupo a condições de existência
capazes de ocasionar-lhe a
destruição física total ou parcial;
·
adotar
medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio
do grupo;
·
efetuar
a transferência forçada de crianças do grupo para
outro grupo”.
As
obrigações dos Estados assinantes estão
estabelecidas no artigo 5º:
Artigo
5º - “As Partes Contratantes assumem o
compromisso de tomar, de acordo com suas respectivas
constituições, as medidas legislativas necessárias
a assegurar a aplicação das disposições da
presente Convenção e, sobretudo, a estabelecer sanções
penais eficazes aplicáveis às pessoas culpadas de
genocídio ou de qualquer dos outros atos enumerados
no artigo 3º”.
Vale completar que esses “outros atos”
enumerados no artigo 3º são, além do genocídio
em si, a associação de pessoas e a incitação
direta e pública a cometê-lo, a tentativa e a
co-autoria do crime.
Enquanto
na Declaração Universal dos Direitos Humanos
apontamos o artigo 2º como referente às minorias -
quando é pregada a igualdade das pessoas,
independentemente de sua raça -
na Convenção para a Prevenção e a Repressão
do Crime de Genocídio não se encontra nenhum
artigo que trate especificamente da questão. Qual
seria, então, a relação dessa Convenção com os
direitos das minorias? A resposta é simples: de
todos os genocídios já registrados no mundo, a
grande maioria foi cometida contra representantes
das minorias raciais, étnicas e religiosas; o maior
exemplo disso foi o já citado caso de genocídio de
judeus e ciganos durante a 2ª Guerra Mundial. Ao
condenar “a
submissão intencional de um grupo a condições de
existência capazes de ocasionar-lhe a destruição
física total ou parcial” (Artigo 2º, alínea
“c”), por exemplo, a Convenção está
protegendo o direito que as minorias possuem de
sobreviver mantendo sua cultura e suas tradições.
A
Convenção para a Prevenção e a Repressão do
Crime de Genocídio foi ratificada pelo Brasil em 04
de Setembro de 1951, e promulgada pelo Decreto n.º
30.822 de 06 de Maio de 1952.
4.3.
Convenção Internacional sobre a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação Racial
O ingresso de dezessete novos países
africanos na ONU, o ressurgimento de atividades
nazifacistas na Europa e a conseqüente preocupação
ocidental com o anti-semitismo foram fatores que
influenciaram as Nações Unidas na criação da
Convenção Internacional sobre a Eliminação de
todas as Formas de Discriminação Racial, adotada
pela Resolução
2.106 A (XX) em 21 de Dezembro de 1965. O
objetivo era reorientar o estabelecimento de normas
internacionais de Direitos Humanos, dando prioridade
à erradicação do racismo. Nesta Convenção, que
também instituiu o Comitê sobre a Eliminação da
Discriminação Racial da ONU, está bem definido o
conceito de discriminação racial:
Artigo
1º - “Para os fins da presente Convenção, a
expressão ‘discriminação racial’ significará
qualquer distinção, exclusão, restrição ou
preferência baseadas em raça, cor, descendência
ou origem nacional ou étnica que tem por objetivo
ou efeito anular ou restringir o reconhecimento,
gozo ou exercício, em iguais condições, de
direitos humanos e liberdades fundamentais no domínio
político, econômico, social, cultural ou em
qualquer outro domínio de vida pública. ”
As obrigações impostas aos Estados estão
distribuídas do artigo 2º ao 7º; este último
sintetiza bem o dever daqueles que aceitam a Convenção:
Artigo 7º - “Os Estados-partes
comprometem-se a tomar as medidas imediatas e
eficazes, principalmente no campo do ensino, educação,
cultura, e informação, para lutar contra os
preconceitos que levem à discriminação racial e
para promover o entendimento, a tolerância e a
amizade entre nações e grupos raciais e étnicos,
assim como para propagar os propósitos e os princípios
da Carta das Nações Unidas, da Declaração
Universal dos Direitos Humanos, da Declaração das
Nações Unidas sobre a Eliminação de todas as
Formas de Discriminação Racial e da presente
Convenção”.
A
Convenção Internacional sobre a Eliminação de
todas as formas de Discriminação Racial foi
ratificada pelo Brasil em 27 de Março de 1968.
4.4.
Convenção da UNESCO para
Eliminação da Discriminação na Educação
Aprovada em 14 de Dezembro de 1960 através
da UNESCO – United Nations Educational,Scientific
and Cultural Organization (Organização de Cultura,
Ciência e Educação das Nações unidas). Ao
assinarem a Convenção para Eliminação da
Discriminação na Educação, os Estados-partes
concordam que :
“Deve ser reconhecido aos membros das
minorias nacionais o direito de exercer atividades
educativas que lhe sejam próprias, inclusive a direção
das escolas e o uso ou ensino de sua própria língua,
desde que, entretanto:
I ) Esse direito não seja exercido de uma
maneira que impeça aos membros das minorias de
compreender a cultura e a língua
da coletividade e de tomar parte em suas
atividades ou que comprometa a soberania nacional;
II ) O nível de ensino nessas escolas não
seja inferior ao nível geral prescrito ou aprovado
pelas autoridades competentes;
III )A freqüência nessas escolas seja
facultativa”.
4.5.Pacem
in Terris
Carta Encíclica proposta pelo Papa João
XXIII, no ano de 1963. As Cartas Encíclicas
consistem em circulares que publicam a posição da
Igreja Católica a respeito de determinado tema; não
têm valor jurídico. Nos itens 94 ao 97 da “Pacem
in Terris” o Papa faz referência ao tratamento
que deve ser ministrado às minorias: afirmando que
qualquer ação cujo intuito seja prejudicar ou até
exterminar um grupo minoritário constitui grave
injustiça, e ressaltando que o contato com pessoas
de outra cultura constitui precioso fator de
enriquecimento intelectual e espiritual, ele
responsabiliza os Governos no sentido de promover o
desenvolvimento dessas minorias, com medidas
eficazes em favor da respectiva língua, cultura,
tradições, recursos e empreendimentos econômicos.
O Papa também se dirige aos representantes das
minorias, ao pregar que estas não se isolem da
população majoritária do país, participando de
seus costumes e tradições e evitando o semeio de
divergências.
4.6.Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos
Adotado pela Resolução 2.200 – A (XXI) da
Assembléia Geral das Nações Unidas em 16 de
Dezembro de 1966, entrando em vigor apenas dez anos
depois, devido ao alcance do número mínimo de
ratificações para tanto, o Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos consiste em um tratado
internacional cujo objetivo foi, junto com o Pacto
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais, tornar juridicamente obrigatório e
vinculante tudo aquilo estabelecido anteriormente na
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Mas
estes dois tratados não se restringiram ao âmbito
da Declaração; o Pacto dos Direitos Civis e Políticos
impõe novos direitos e garantias não previstas
antes, como o direito à autodeterminação, a
proibição da propaganda de guerra ou de
incitamento à intolerância étnica ou racial e,
figurando como o mais importante para o presente
trabalho temos o artigo 27, que trata da proteção
dos direitos de minorias à identidade cultural,
religiosa e lingüística. Observemos agora as facções dos artigos onde se encontram
os assuntos acima referidos :
Artigo 1º -
1. “Todos os povos têm direito à
autodeterminação. Em virtude desse direito,
determinam livremente seu estatuto político e
asseguram livremente seu desenvolvimento econômico,
social e cultural”.
Artigo 20 – 1. “Será proibida por lei
qualquer propaganda em favor da guerra.”
2. “Será proibida por lei qualquer
apologia ao ódio nacional, racial ou religioso, que
constitua incitamento à discriminação, à
hostilidade ou à violência.”
Artigo 27 – “Nos Estados em que haja
minorias étnicas, religiosas ou lingüísticas, as
pessoas pertencentes a essas minorias não poderão
ser privadas do direito de ter, conjuntamente com
outros membros de seu grupo, sua própria vida
cultural, de professar e praticar sua própria
religião e usar sua própria língua”.
Foram observadas algumas confusões entre os
artigos 1º e 27; argumentava-se que a autodeterminação
citada no primeiro corresponderia aos direitos
defendidos no vigésimo sétimo. Uma análise mais
atenciosa dos textos resolveu o problema: a
autodeterminação citada no 1º artigo é referente
a todos os povos, sejam eles minoritários ou não;
já os direitos citados no artigo 27 pertencem aos
legítimos representantes de minorias.
As
proibições impostas pelo artigo 20 representam um
mínimo de conduta que todos devem seguir para
evitar um crescente movimento de discriminação
referente aos representantes de minorias, que podem
terminar em uma ojeriza violenta capaz até de levar
à extinção destas. Os direitos instituídos pelo
artigo 27 remetem à manutenção da sobrevivência
e do contínuo desenvolvimento da identidade
cultural, religiosa e social de cada minoria, visto
que a negação a esses direitos levaria à
miscigenação, de certa forma, forçada, com os
representantes da chamada “maioria” e que também
levaria ao desaparecimento da minoria.
Esse
Pacto também confirma em seu artigo 26 o ideal de
igualdade já previsto na Declaração Universal:
Artigo
26 - "Todas
as pessoas são iguais perante a lei e têm direito,
sem discriminação alguma, a igual proteção da
lei. A este respeito, a lei deverá proibir qualquer
forma de discriminação e garantir a todas as
pessoas proteção igual e eficaz contra qualquer
discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua,
religião, opinião política ou de outra natureza,
origem nacional ou social, situação econômica,
nascimento ou qualquer outra situação".
As obrigações estabelecidas aos Estados
assinantes estão estabelecidas no Artigo 2º, itens
1 e 2:
Artigo 2º - 1. “Os Estados-partes no
presente Pacto comprometem-se a garantir a todos os
indivíduos que se encontrem em seu território e
que estejam sujeitos à sua jurisdição os direitos
reconhecidos no presente Pacto, sem discriminação
alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua,
religião, opinião política ou de qualquer outra
natureza, origem nacional ou social, situação econômica,
nascimento ou qualquer outra situação”.
2. “Na ausência de medidas legislativas ou
de outra natureza destinadas a tornar efetivos os
direitos reconhecidos no presente Pacto, os
Estados-partes comprometem-se a tomar as providências
necessárias, com vistas a adotá-las, levando em
consideração seus respectivos procedimentos
constitucionais e as disposições do presente
Pacto”.
O principal órgão de monitoramento do Pacto
é o Comitê de Direitos Humanos da ONU; a ele devem
os Estados-partes apresentar relatórios sobre as
medidas legislativas, administrativas e judiciárias
adotadas pelo país visando a maior proteção aos
Direitos Humanos. Esta obrigação está
especificada no artigo 40, n.º1:
Artigo 40 – 1. “Os Estados-partes no
presente Pacto comprometem-se a submeter relatórios
sobre as medidas por eles adotadas para tornar
efetivos os direitos reconhecidos no presente Pacto
e sobre o progresso alcançado no gozo desses
direitos: dentro do prazo de um ano, a contar do início
da vigência do presente Pacto nos Estados-partes
interessados; a partir de então, sempre que o Comitê
vier a solicitar.”
O
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos
foi ratificado pelo Brasil em 24 de Janeiro de 1992.
4.7.Declaração
dos Direitos das Pessoas pertencentes a Minorias
Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Lingüísticas
Essa Declaração foi aprovada pela Assembléia
Geral da ONU, através da Resolução 47/135, de 18
de Dezembro de 1992. A preocupação com a situação
atual e futura das minorias, aparentemente mais
presente apenas de algumas décadas para cá, levou
as Nações Unidas a criarem esse documento,
composto de nove artigos, totalmente dedicado a
explicitar os direitos estabelecidos no artigo 27 do
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos,
este já citado anteriormente. Por não constituir
tratado, a Declaração dos Direitos das Pessoas
pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas,
Religiosas e Lingüísticas não possui caráter
obrigatório nem força vinculante, e não
estabelece um órgão de monitoramento para os
Estados que desrespeitem seus artigos. Isto não
quer dizer, porém, que esta Declaração seja algo
sem valor; ela insiste em reforçar o respeito a
direitos que já possuem “força jurídica” por
se encontrarem presentes em tratados. Um bom exemplo
disso nos obriga a voltar a falar do artigo 27 do
Pacto dos Direitos Civis e Políticos; a análise do
item 1º do artigo 2º revela, no mínimo, a imensa
semelhança entre os dois:
Artigo 2º - 1. “Pessoas pertencentes a
minorias nacionais, étnicas, religiosas e lingüísticas
têm o direito
de desfrutar de sua própria cultura, de
professar e praticar sua própria religião, de
fazer uso de seu idioma próprio, em ambientes
privados ou públicos, livremente e sem interferência
de nenhuma forma de discriminação”.
No item 1º do artigo 8º e no artigo 9º
encontramos comentários a respeito do caráter não-obrigatório
da Declaração, sem, porém, suspender às Nações
o dever de respeitá-la:
Artigo 8º - 1. “Nada nesta Declaração
prevê o cumprimento de obrigações internacionais
de Estados em relação a representantes de
minorias. Em particular, os Estados devem cumprir de
boa-fé as obrigações e compromissos assumidos,
referentes a tratados e acordos internacionais dos
quais participem”.
Artigo 9º - “As agências especializadas e
outras organizações do sistema das Nações Unidas
devem contribuir para a ampliação dos direitos e
princípios estabelecidos nesta Declaração, dentro
de seus respectivos campos de competência”.
4.8.Convenção
Americana de Direitos Humanos
Também conhecida como Pacto
de São José da Costa Rica, essa Convenção
tem caráter regional; refere-se apenas aos países que fazem parte da OEA –
Organização dos Estados Americanos. Possui 82
artigos, parte deles reconhecendo direitos já
previstos no Pacto dos Direitos Civis e Políticos,
como o direito à
liberdade de expressão, pensamento, opinião
e religião, à igualdade perante a lei, à proteção
judicial, entre outros. A Convenção Americana não
enumera expressamente nenhum direito social, econômico
ou cultural, restringindo-se à determinação das
obrigações dos Estados membros, descritas no
artigo 26:
Artigo 26 – “Os Estados-partes
comprometem-se a adotar as providências, tanto no
âmbito interno, como mediante cooperação
internacional, especialmente econômica e técnica,
a fim de conseguir progressivamente a plena
efetividade dos direitos que decorrem das normas
econômicas, sociais e sobre educação, ciência e
cultura, constantes da Carta da Organização dos
Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de
Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis,
por via legislativa ou por outros meios
apropriados”.
Os demais deveres dos Estados membros
encontram-se especificados nos dois primeiros
artigos da Convenção:
Artigo 1º - Obrigação de respeitar os
direitos
1.
Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a
respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos
e a garantir seu livre e pleno exercício a toda
pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem
discriminação alguma, por motivo de raça, sexo,
idioma, religião, opiniões políticas ou de
qualquer outra natureza, origem nacional ou social,
posição econômica, nascimento ou qualquer outra
condição social".
2.
Para efeitos dessa Convenção, pessoa é todo ser
humano.
Artigo 2º - “Dever de adotar disposições
no sentido interno
Se
o exercício dos direitos e liberdades mencionados
no artigo 1º ainda não estiver garantido por
disposições legislativas ou de outra natureza,
os Estados-partes comprometem-se a adotar, de
acordo com suas normas
constitucionais e com as disposições desta
Convenção, as medidas legislativas ou de outra
natureza que forem necessárias para tornar efetivos
tais direitos e liberdades”.
A Convenção
Americana de Direitos Humanos possui um eficiente órgão
de monitoria, a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos; a esta compete promover a observância e o
respeito aos direitos humanos nos países
participantes da Convenção, através de relatórios
anuais, estudos e pesquisas realizadas junto aos
governos dos Estados membros. Estes aceitam a
autoridade da Comissão no momento da assinatura do
Pacto. A
Comissão também trabalha examinando denúncias,
que podem ser enviadas através de petições por
pessoas físicas ou jurídicas. É composta de sete
membros, eleitos pela Assembléia Geral da OEA para
um mandato de quatro anos.
Há também a Corte Interamericana de
Direitos Humanos, que funciona como a última instância
da Convenção. Consiste num órgão jurisdicional,
composto por sete juízes, aos quais se dirigem os
casos de violação de direitos ditos “mais
graves”; quando a Comissão não consegue resolvê-los
através de acordos amistosos, estes casos são
encaminhados à Corte, cujas decisões têm força
jurídica vinculante e obrigatória.
A Convenção Americana de Direitos Humanos
foi adotada na Conferência Especializada
Interamericana sobre Direitos Humanos, realizada em
São José da Costa Rica, em 22 de Novembro de 1969.
O Brasil ratificou-a no dia 25 de Setembro de 1992.
5.
Análise da situação da Minorias no âmbito
constitucional brasileiro
5.1.
De 1824 a 1967 - Alguns pontos principais
É
importante deixar claro que nosso objetivo nesse
ponto do trabalho não é traçar exaustivos comentários
sobre o tema, mas apenas evidenciar o panorama geral
da situação das minorias ao longo das diversas
constituições brasileiras que não fazem mais
parte do nosso Direito Positivo, para facilitar a
posterior análise
das disposições constitucionais da
atualidade no
tocante à proteção das minorias e os reflexos que
a última Constituição recebeu dos instrumentos
internacionais de proteção dos direitos humanos.
*
Constituição
de 1824
A
Constituição de 1824 foi reflexo da Independência
do Brasil, sendo vista esta como obra da elite (e,
portanto, fora dos moldes do processo de independência
da América Latina, normalmente por lutas populares)
. É só a partir dessa primeira constatação que
entendemos como uma Constituição garante liberdade
e igualdade de todos perante à lei e continua
admitindo a escravidão.
A
relação entre a Igreja e o Estado era dirigida
pelo regime de padroado, que colocava os ministros
da Igreja sob o controle político do Estado. A
religião oficial era a Católica Apostólica
Romana; os cultos particulares a outras religiões
eram permitidos; os públicos, completamente vedados
(artigo 5º).
O
voto era censitário, e, mesmo para os eleitores,
havia restrições. Não podiam ser nomeados
deputados (artigo 95): os libertos, os estrangeiros
naturalizados e os que não professassem a religião
do Estado.
*
Constituição
de 1891
Reflexo
da “libertação dos escravos” em 1888 e da
Proclamação da República, em 1889, a Constituição
de 1891 coroa esse período de mudanças com o
estabelecimento da liberdade religiosa (mantida nas
Constituições seguintes) e a proibição de
qualquer diferença em razão de credo.
*
Constituição
de 1934
É
a Constituição do pós-Revolução de 1930,
que dá início ao Governo Constitucional de Getúlio
Vargas.
Em
seu artigo 121, parágrafo 4º, determinava a preferência
do trabalhador nacional na colonização e
aproveitamento das terras públicas, preferência
também referida na Constituição de 1946.
O
mesmo artigo, parágrafo 6º, tratava da entrada de
imigrantes no território nacional, sujeita a um
limite; ou seja, a corrente imigratória de cada país
não poderia exceder, anualmente,
o limite de dois por cento sobre o número
total dos respectivos nacionais fixados no Brasil
durante os últimos cinqüenta anos, limite esse
mantido na Constituição de 1937. Pelo parágrafo 7º,
ficava vedada a concentração de imigrantes no
território nacional, quanto à localização e
assimilação do estrangeiro.
Pelo
artigo129, ficava determinado o respeito à posse
dos silvícolas.
O
artigo 150 tratava do ensino primário gratuito e
obrigatório, em idioma pátrio, salvo ensino de língua
estrangeira.
*
Constituição
de 1937
Foi
a Constituição imposta por Getúlio Vargas para
regular a fase ditatorial de seu governo (1937-
1945), dando início ao Estado Novo.
O
artigo 122 garantia liberdade religiosa de crença e
culto, mas quanto à liberdade de expressão e de
imprensa, havia várias restrições. Os
estrangeiros, por exemplo, não podiam ser
diretores, proprietários ou acionistas de jornais,
proibição que é, em parte, mantida nas Constituições
de 1946 e 1967.
O
artigo 133 tratava do ensino religioso não obrigatório,
mantido nas Constituições seguintes.
Pelo
artigo 150, os estrangeiros naturalizados só podiam
exercer profissões liberais se tivessem prestado
serviço militar ao Brasil.
*
Constituição
de 1946
É
a Constituição da Redemocratização, depois do
Estado Novo.
Mantém
a liberdade religiosa e o ensino religioso
facultativo, mas ainda traz certas restrições. Em
relação ao voto, por exemplo: os analfabetos e os
que não soubessem se exprimir na língua nacional não
podiam se alistar como eleitores (artigo 132).
O
artigo 166 determinava que a educação era um
direito de todos, mas o artigo 168 traz que o ensino
primário é obrigatório e só será dado na língua
nacional. Vê-se, então, que havia a exclusão das
minorias lingüísticas do direito ao ensino primário
gratuito.
*
Constituição
de 1967
A
Constituição do período militar não traz nenhuma
inovação em relação às minorias. Apenas mantém
determinações já estabelecidas em Constituições
a ela anteriores, a saber: liberdade religiosa de
crença e culto, ensino primário obrigatório e na
língua nacional, restrições aos eleitores (estas
últimas já citadas na análise da Constituição
de 1946), entre outras.
Desse
modo, depois da análise das Constituições
brasileiras de 1824 até 1967, o que se observa é
uma grande falha em relação à proteção dos
grupos minoritários. Verificamos que nenhuma das
Constituições até esse ponto comentadas traz avanços
realmente significativos na regulamentação dos
direitos das minorias enquanto objetivamente
consideradas, a orientar-nos o fato de que não há,
em quaisquer delas, referência à proteção das
minorias em si, à promoção de sua expressão
cultural como grupo presente e atuante na sociedade.
5.2.
O Impacto dos Instrumentos Internacionais de Proteção
dos direitos humanos na Constituição atual
Antes
de iniciarmos nossa análise sobre os direitos das
minorias na Constituição de 1988, cabem algumas
considerações sobre o impacto dos documentos
internacionais de Direitos Humanos a nível
constitucional.
Sobre
esse assunto, manifesta-se Antônio Augusto Cançado
Trindade: “Já não mais se justifica que o
direito internacional e o direito constitucional
continuem sendo abordados de forma estanque ou
compartimentalizada, como o foram no passado. Já não
pode haver dúvida de que as grandes transformações
internas dos Estados repercutem no plano
internacional, e a nova realidade neste assim
formada provoca mudanças na evolução interna e no
ordenamento constitucional dos Estados afetados”.
Nesse sentido, as discussões cada vez mais
aprofundadas na órbita dos direitos humanos têm
levado a um novo constitucionalismo, mais aberto a
novas tendências divulgadas pelo Direito
Internacional. É assim que encontramos no artigo 5º,
parágrafo 2º da Constituição Federal (1988):
“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição
não excluem outros decorrentes do regime e dos
princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do
Brasil seja parte”.
Em
seu preâmbulo firma-se clara a necessidade da
instituição de “um Estado Democrático,
destinado a assegurar o exercício dos direitos
sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o
bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça
como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos“, disposição essa
confirmada no artigo 1º, inciso III, que ressalta
como fundamento da República Federativa do Brasil a
dignidade da pessoa humana; bem como no artigo 3º,
inciso IV, que assinala como objetivo fundamental a
promoção do bem de todos, “sem preconceito de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação”.
Vejamos
agora como estão fundamentados os direitos das
minorias na Constituição de 1988. Os artigos que
tratam de minorias em seu aspecto geral são
fundamentalmente os de número 215 e 216,
localizados no Título VIII (Da Ordem Social), Capítulo
III (Da Educação, da Cultura e do Desporto), Seção
II (Da Cultura), a saber:
”Art. 215. O
Estado garantirá a todos o pleno exercício dos
direitos culturais e acesso às fontes da cultura
nacional, e apoiará e incentivará a valorização
e a difusão das manifestações culturais.
Parágrafo 1º:
O Estado protegerá as manifestações das culturas
populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de
outros grupos participantes do processo civilizatório
nacional.
Parágrafo 2º: A
lei disporá sobre a fixação de datas
comemorativas de alta significação para os
diferentes segmentos étnicos nacionais.
Art. 216:
Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens
de natureza material e imaterial, tomados
individualmente ou em conjunto, portadores de referência
à identidade, à ação, à memória dos diferentes
grupos formadores da sociedade
brasileira, nos quais se incluem:
I
- as formas de expressão;
II
- os modos de criar, fazer e viver;
III
- as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV
- as obras, objetos,
documentos, edificações e demais espaços
destinados às manifestações artístico-culturais;
V
- os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico,
paisagístico, artístico , arqueológico, paleontológico,
ecológico e científico”.
Nesse
ponto, são necessárias algumas considerações.
Primeiramente, é preciso observarmos que a cultura
nacional, à qual o artigo 215 se refere, não
corresponde apenas à cultura do grupo majoritário;
é, antes disso, constituída pela contribuição de
todos os grupos, inclusive os minoritários, no
processo de formação da sociedade brasileira. A
Constituição invalida, então, qualquer tentativa
de hierarquia de culturas, tendo também colocado
como dever do Estado a proteção à manifestação
das diferentes culturas.
E
por manifestações culturais entendem-se bens
materiais e imateriais referidos no artigo 216 e
colocados como patrimônio cultural brasileiro
(entre eles, as formas de expressão, os modos de
criar, fazer e viver, as criações científicas,
artísticas e tecnológicas). Entre as formas de
expressão, destaca-se a língua de um grupo, de
importante papel, figurando muitas vezes como o
elemento fundamental de identidade entre seus
membros.
E
é essa identidade que a Constituição também
procura garantir, no artigo 216. Na proteção da
identidade, deve-se também incluir a promoção da
ação e memória do grupo. O processo de formação
da identidade deve ser entendido como um fenômeno
dinâmico, sujeito à ação política do grupo,
através de suas decisões e de sua interação com
o restante da sociedade, exigindo o cumprimento de
seus direitos. É nesse aspecto que ressaltamos a
necessidade de proteção à memória do grupo, como
fator impulsionador da identidade cultural e tendo
papel preponderante na conseqüente ação política
dos grupos minoritários.[6]
Verifica-se
ainda a importância dos seguintes incisos do artigo
5º:
“VI
- é inviolável a liberdade de consciência e de
crença, sendo assegurado o livre exercício dos
cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a
proteção aos locais de culto e a suas
liturgias”;
“VIII
- ninguém será privado de direitos por motivos de
crença religiosa ou de convicção filosófica ou
política, salvo se as invocar para eximir-se de
obrigação legal a todos imposta e recusar-se a
cumprir prestação alternativa, fixada em lei“ [7]
Em
relação aos índios, é assegurada pela Constituição,
além do ensino ministrado em língua portuguesa,
“a utilização de suas línguas maternas e
processos próprios de aprendizagem” (artigo 210,
parágrafo 2º). Além disso, de grande importância
é o caput do
artigo 231: “São reconhecidos aos índios sua
organização social, costumes, línguas, crenças e
tradições, e os direitos originários sobre as
terras que tradicionalmente ocupam, competindo à
União demarcá-las, proteger e fazer respeitar
todos os seus bens”.
A intervenção do Ministério Público na
defesa dos direitos e interesses dos índios é
determinada no artigo 232.
Assim,
podemos concluir com as palavras de Antônio Augusto
Cançado Trindade: “É alentador que as conquistas
do direito internacional em favor da proteção do
ser humano venham a projetar-se no direito
constitucional, enriquecendo-o, e demonstrando que a
busca de proteção cada vez mais eficaz da pessoa
humana encontra guarida nas raízes do pensamento
tanto internacionalista quanto
constitucionalista“; pensamento esse que podemos
completar conforme lição de Álvaro Augusto
Ribeiro Costa: “A realidade, porém, mostra que a
violência contra a cidadania no País assume dimensões,
formas e alcance nunca dantes verificadas. Por isso,
superar a distância entre o Brasil normativo -
abstrato - e o Brasil real - concreto - é o grande
desafio que enfrenta a Nação”. [8]
6. Normas Infraconstitucionais
de Proteção às Minorias
6.1.
Lei 7716/89 (crimes resultantes de preconceito de raça
ou de cor)
Em
1951, foi celebrada a LEI Afonso Arinos, que
considerava crime a recusa de atender clientes,
fregueses ou estudantes em estabelecimento comercial
hoteleiro ou educacional,
em razão de preconceito de raça ou de cor.
Em 1989 foi promulgada nova lei (Lei 7716) estando
em vigor até hoje, sofrendo pequenas alterações
pela Lei 8081 de 1990 e pela Lei 9459, de 1997.
Estabelece punições para crimes resultantes de
discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia,
religião ou procedência nacional. São punidas as
condutas de impedir acesso a cargo público, negar
emprego em empresa privada, recusar aluno em escola
pública ou privada, impedir acesso a transportes públicos,
impedir ou obstar por qualquer meio ou forma o
casamento ou convivência social, tudo isso em
decorrência da discriminação ou preconceito em
virtude dos elementos já citados acima. Também
pune a incitação à discriminação ou
preconceito, bem como a sua divulgação nos meios
de comunicação. Essa lei conta com 22 artigos dos
quais 4 foram vetados.
6.2.
Lei
2889/56 (de prevenção ao genocídio)
Art.
1º - Quem, com intenção de destruir no todo ou em
parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso,
como tal:
a)
Matar membros do grupo;
b)
Causar lesão grave à integridade física ou
mental de membros do grupo;
c)
Submeter intencionalmente o grupo a condições
de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição
física total ou parcial ;
d)
Adotar medidas destinadas a impedir os
nascimentos no seio do grupo;
e)
Efetuar a transferência forçada de crianças
de um grupo para outro grupo.
Será
punido:
Com
as penas do art. 121, § 2, do Código Penal, no
caso da letra a;
Com
as penas do art. 129, § 2, no caso da letra b;
Com
as penas do art. 270, no caso da letra c;
Com
as penas do art. 125, no caso da letra d;
Com
as penas do art. 148, no caso da letra e.
A
Lei 2889/56, portanto, protege coletivamente etnias
em seu direito à existência, o que implica tutelar
não apenas a vida, mas igualmente a subsistência e
sua reprodução física e cultural.
7.
Outras considerações sobre a situação dos
direitos das minorias no Brasil
A
legislação brasileira referente às minorias étnicas,
lingüísticas e religiosas como um todo é muito
escassa. Excetuando-se as referentes aos índios,
negros, e estrangeiros, não há, no Brasil, leis
específicas sobre os demais grupos minoritários,
como ciganos e judeus ou qualquer outro grupo
minoritário que seja alvo de perseguições por
parte de uma maioria. Ressalta-se ainda que, na
legislação brasileira, são tratados objetivamente
como minorias apenas os índios, enquanto os demais
grupos (inclusive negros e estrangeiros) são
mencionados sem levar em conta o próprio conceito
do termo minoria, seja sob o aspecto sociológico
(quantitativo), seja sob o aspecto antropológico
(qualitativo); o que só vem a prejudicar a defesa
dos interesses dos mesmos como grupos minoritários
que, de fato, são.
A
Constituição Federal de 1988, em seu artigo 232,
atribui ao Ministério Público Federal a defesa dos
direitos e interesses indígenas, não se referindo,
porém, à proteção do Ministério Público
Federal em relação aos demais grupos minoritários.
Foi
somente com a Lei Complementar 75, de 20.05.1993,
que as minorias étnicas, como as comunidades negras
isoladas (antigos quilombos) e ciganos, por exemplo,
foram inclusas sob a tutela do MPF.
A
CF, em seu artigo 215, inciso1º, também afirma
que: “O Estado protegerá as manifestações das
culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e
das de outros grupos participantes do processo
civilizatório brasileiro”.
Nota-se
que, nas citações legislativas, os grupos indígenas
e, às vezes, afro-brasileiros sempre aparecem em
primeiro plano (visto as suas maiores participações
numéricas no processo de formação nacional),
enquanto os demais grupos minoritários permanecem
sempre sob um segundo plano. Isso dificulta, muitas
vezes, a defesa dos direitos e interesses desses últimos,
o que é demonstrado, por exemplo, por haver, para
os índios, uma legislação específica – o
Estatuto do Índio/Lei n.º 6.001/73 – e um órgão
governamental – a Fundação Nacional do Índio
(FUNAI) -, inexistindo tais mecanismos aos demais
grupos.
O
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos,
de 16.12.1966, em seu artigo 27, afirma que: “Nos
Estados-partes onde haja minorias étnicas,
religiosas ou lingüísticas, as pessoas
pertencentes a essas minorias não poderão ser
privadas do direito de ter, conjuntamente com outros
membros de seu grupo, sua própria vida cultural, de
professar e praticar sua própria religião e usar
sua própria língua“.
O
Brasil, ao assinar o pacto supracitado, em
24.01.1992, concedeu-lhe o status
de norma constitucional. Assim, independentemente de
ter ou não uma legislação específica sobre
aquelas minorias, assumiu o compromisso
juridicamente vinculante de cumprir as determinações
daquele tratado.
Através
de um relatório periódico enviado ao Comitê de
Direitos Humanos (órgão das Nações Unidas
encarregado pela supervisão dos itens estabelecidos
no Pacto dos Direitos Civis e Políticos), o Brasil
reporta sobre a situação dos Direitos Civis e Políticos
no âmbito nacional, relacionando todos os 27
artigos do pacto – inclusive o referente às
minorias étnicas, religiosas ou lingüísticas –
às devidas providências tomadas pelo governo em
defesa e implementação das mesmas. Porém, mais
uma vez, observa-se a prevalência de citações
constantes sobre indígenas, ocasionais sobre
afro-brasileiros e raríssimas sobre os demais
grupos minoritários.
Em
relação ao crime de genocídio, assunto de grande
interesse em relação às
minorias, tendo em vista que geralmente são
elas os alvos de tal crime, o Código Penal Militar,
através do seu artigo 208, estabelece como pena,
reclusão de 15 a 30 anos a quem “matar membros de
um grupo nacional, étnico, religioso ou pertencente
a uma determinada raça, com o fim de destruição
total ou parcial deste grupo”. Estabelece, ainda,
pena de 4 a 15 anos para casos similares.
Além disso, a Lei n.º 2.889, de 01.10.56,
define e pune o crime de genocídio, indicando as
penas do Código Penal a serem aplicadas a cada
qualificação do crime.
O
Programa Nacional de Direitos Humanos, do Governo
Fernando Henrique Cardoso, de 1996, “sugere
medidas para tornar a Justiça mais eficiente, de
modo a assegurar mais efetivo acesso da população
ao Judiciário e o combate à impunidade”. Nota-se
que são tratados especificamente nesse documento a
População Negra, as Sociedades Indígenas e os
Estrangeiros, Refugiados e Migrantes Brasileiros, não
havendo citações específicas sobre os demais
grupos minoritários. Sobre as minorias como um
todo, há apenas uma breve citação no Prefácio.
Apesar
das metas estabelecidas no Programa supracitado, as
ações concretas referentes ao tema ainda estão
muito longe de assegurar a implementação dos
direitos estabelecidas na legislação. Desnecessário
é dizer que esses direitos são freqüentemente
desrespeitados, muitas vezes por representantes do
próprio Estado que, no entanto, insiste em
preservar sua aparência de respeitador dos direitos
humanos e procura, de todas as formas, evitar o
conhecimento público de suas omissões e atitudes
prejudiciais para com as minorias. Os poucos atos
concretos realizados em relação ao tema, ainda
assim, mostram-se insuficientes e ineficazes, na
maioria das vezes.
A
imprensa e as Organizações Não-Governamentais
(ONG’s) - estas
últimas como microorganismos do processo democrático
que são, ocupando os espaços públicos sem ter, no
entanto, a proposta de substituir o papel do Estado
- desempenham um papel importantíssimo na luta
pelos direitos das minorias: monitoram e denunciam
as violações a esses direitos, auxiliando o Ministério
Público na difícil tarefa de fiscalizar todo um país
onde são tão freqüentes tais violações.
Há
algumas décadas, a situação de monitoramento e
divulgação dos direitos das minorias era bem mais
difícil, tendo em vista que inexistiam as ONG’s e
a imprensa era muito recatada (sem falar na censura
sofrida durante o período de ditadura militar que,
a propósito, levou ao surgimento das ONG’s).
A
mídia e as ONG’s vêm conseguindo realizar um
feito de esplêndida significação: conscientizar a
população sobre seus direitos e instigá-la a
lutar pelos mesmos, denunciando, recorrendo à Justiça
e não aceitando passivamente a impunidade. Assim,
hoje se tem uma população muito mais ativa e
participativa sob todos os aspectos; fruto do
trabalho daquelas instituições que mostram a árdua
realidade dos grupos minoritários, comparando-a a
situações semelhantes em outros países e
apontando soluções aos problemas mais comumente
enfrentados por aqueles grupos.
8.
Minorias que fazem parte do processo civilizatório
brasileiro
8.1.
Índio
É
um membro de uma comunidade indígena; e comunidade
indígena, nos termos da Constituição, é um
“grupo local” pertencente a um povo que “se
considera segmento distinto da sociedade nacional em
virtude da consciência de sua continuidade histórica
com sociedades pré-coloniais“. [9]
Para
os índios, a terra é seu habitat
natural, espaço de reprodução biológica e
cultural, de definição e diferenciação étnica.
Logo, a terra é de extrema importância para a
consolidação desses grupos.
Na chegada dos
portugueses ao Brasil, havia aqui cerca de 5 milhões
de índios, que tinham o domínio de todo o território
brasileiro. Hoje são apenas 250 mil índios. A
nossa história registra a desapropriação e extermínio
físico e cultural desse grupo. Para amenizar esses
problemas, eles estão procurando se organizar
principalmente em torno da UNI (União das Nações
Indígenas), reivindicam terra para sobreviver e
respeito às suas tradições. Vale lembrar que eles
também são sujeitos de direitos básicos, como a
maioria. E esses direitos, além de fundamentais, são
também direitos históricos dos povos indígenas,
pois foram eles os primeiros ocupantes do território
nacional.
As
instituições públicas, como a FUNAI
e o Ministério Público, têm o dever de
atuar na defesa desses direitos, mas é preciso que
cada índio esteja disposto a lutar em defesa própria.
8.2.
Negro
A
palavra negro tem sido usada pelos cientistas
sociais brasileiros para designar pretos e pardos e
suas expressões sociais e culturais do conjunto da
vida do país. A população negra vem crescendo nas
últimas décadas; porém, isso não contribui para
mudar significativamente a posição do negro no
mercado de trabalho, na distribuição da renda, no
grau de instrução, etc.
De
um modo geral, os negros fazem parte do grupo social
mais pobre e com menores oportunidades de acesso à
instrução e preparação profissional, comprovando
a discriminação social a que estão sujeitos.
Foi
sob o regime escravagista que o negro africano
entrou no Brasil, o que desde logo caracterizou sua
situação. A herança que temos não é do negro da
África, mas do negro escravo, o que significa que o
legado ideológico que nos foi transmitido não foi
o do negro como pessoa, produtor de uma cultura
peculiar e importante, mas sim do negro objeto e
marginalizado. Daí vem a idéia de inferioridade de
sua cultura e etnia .
Desde
o regime escravagista, os negros se rebelavam contra
a opressão e até hoje eles procuram ampliar e
fortalecer suas organizações para participar livre
e democraticamente da sociedade brasileira. Desde
1930, quando foi fundada a Frente Negra, que de São
Pulo espalhou-se por todo o Brasil, até a criação
do Movimento Negro Unificado (1978), os negros não
têm cessado de denunciar e resistir contra todas as
formas de discriminação que ocorrem em escolas,
sindicatos, partidos políticos, órgãos públicos,
etc. O objetivo dessas organizações é o mesmo:
defender a cultura negra e fortalecer o grupo para
que possa participar em condição de igualdade com
os demais grupos da vida social.
8.3.
Cigano
Os
ciganos são descendentes de grupos nômades que saíram
da Índia há cerca de 1000 anos. No século XIV,
sua presença foi registrada nos Bálcãs e, no início
do século XV, migraram para a Europa Ocidental.
Sabe-se hoje da existência de ciganos em
praticamente todos os países do mundo. No Brasil, não
existem dados confiáveis sobre o número de ciganos
nômades e semi-sedentários. Em primeiro lugar,
porque os censos demográficos normalmente não
informam a identidade étnica das pessoas
recenseadas; em segundo lugar, porque quase
inexistem estudos científicos sobre esse grupo e,
em terceiro lugar, porque, em decorrência da
discriminação, os ciganos muitas vezes preferem
esconder sua identidade. Entretanto, alguns estudos
apontam que, no Brasil, o número de ciganos atinge
mais de 1 milhão, e a maioria encontra-se no Rio de
Janeiro e em São Paulo. Apresentam-se em dois
grupos (não integrados entre si) : os caloms,
que falam o calé
e vivem do artesanato e da leitura da sorte, sendo nômades;
e os roms, que, em geral, fixam residência e adaptam-se mais facilmente
ao país em que
estão.
Longa
foi a história de perseguições e discriminações
sofridas pelos ciganos. Muitos foram queimados nas
fogueiras da Santa Inquisição. Na II Guerra
Mundial, nos campos de concentração nazista, foram
exterminados de 250 a 500 mil ciganos (alguns
estudos apontam 600 mil). É até hoje a minoria
mais perseguida e discriminada na Europa.
Vale
lembrar que a sociedade majoritária, no entanto, só
pode desenvolver respeito pela cultura da minoria
cigana se conhecer os valores e as manifestações
dessa cultura. Mesmo na Europa, são escassas as
monografias detalhadas e confiáveis sobre as
culturas ciganas; no Brasil, então, a situação é
ainda mais desoladora.
É
necessário derrubar as barreiras entre ciganos e a
sociedade dominante para que seus direitos possam
ser reconhecidos e exercidos com maior eficácia.