O
Direito à Habitação
Sumário
1.
Introdução
2.
O
direito à habitação
3.
Problemática
habitacional
4.
Breve
histórico da política habitacional brasileira
5.
Legislação
referente ao direito à habitação
6.
Conclusão
7.
Bibliografia
8.
Anexo:
Comentário Geral n. 4 do Comitê sobre Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais
1.
Introdução
Os
direitos humanos são inerentes à dignidade da pessoa
humana. São direitos sem os quais os indivíduos não
conseguem desenvolver plenamente suas potencialidades.
Este trabalho se deterá, especificamente, em um
desses direitos, que é o direito à habitação.
O
direito à habitação, como ressaltam vários
instrumentos internacionais, não se restringe apenas
à presença de um abrigo, ou um teto, mas engloba uma
concepção mais ampla. Este direito se estende a
todos e, assim, toda a sociedade e cada um de seus
membros têm de ter acesso a uma habitação provida
de infra-estrutura básica e outras facilidades, ou
seja, acesso a uma habitação adequada.
Mostrar-se-ão
a necessidade de uma moradia adequada na vida dos
cidadãos, a grande problemática existente neste
setor, como também, a legislação nacional e
internacional que ampara a defesa do cumprimento a
esse direito. Um
histórico da política habitacional brasileira
e suas tentativas em diminuir a crise nacional de
moradias merecerá uma breve abordagem.
Por
fim, será posto, em anexo, um comentário geral do
Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais, fazendo recomendações e analisando a
implementação do direito à habitação nas diversas
nações.
2.
O direito à habitação
A
habitação adequada é condição fundamental para o
homem exercer plenamente a sua cidadania, estando
inserido na concepção de um padrão de vida
adequado.
O
direito à habitação é de grande relevância, sendo
tratado tanto em legislações nacionais como
internacionais. Referem-se a esse direito
muitos documentos internacionais, sendo os mais
importantes a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, o Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais, a Convenção sobre todas as Formas de
Discriminação Racial, a Convenção sobre os
Direitos da Criança, a Convenção sobre a Eliminação
de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher.
Entretanto, muitos sistemas regionais de proteção
aos Direitos Humanos, como a Carta Africana de
Direitos Humanos e dos Povos e o Protocolo Adicional
à Convenção Americana de Direitos Humanos
(Protocolo de San Salvador), não incluíram o direito
à habitação em seus dispositivos.
O
Direito à habitação enquadra-se no rol dos direitos
econômicos e sociais. Esses direitos caracterizam-se,
geralmente, por exigirem dos Estados maior atuação
para que sejam implementados. Eles exigem um maior
gasto de recursos para que existam na prática e saiam
da teoria. Embora haja uma maior dificuldade em cobrar
sua eficácia, os direitos econômicos, sociais não
devem ser deixados em segundo plano, pois, como
apregoa a Declaração Universal dos Direitos Humanos,
os direitos humanos são interdependentes e indivisíveis.
Isto implica dizer que os direitos civis e políticos
não sobrevivem sem os direitos econômicos, sociais e
culturais e vice-versa.
Relativamente
a este direito, os Estados estão sujeitos a quatro níveis
de obrigações governamentais: respeitar, proteger,
promover e preencher (desincumbir-se).
A
obrigação de respeitar exige do Estado e, dessa
forma, de todos os seus órgãos e agentes, de
abster-se de qualquer prática, política ou medida
legal que viole a integridade dos indivíduos ou
infrinja sua liberdade de usar materiais ou recursos
disponíveis que estes acharem mais apropriados para
satisfazer suas necessidades.
Enquanto
o dever de respeitar implica basicamente uma série de
limites nas ações dos Estados, a obrigação de
promover impõe aos governos reconhecer as diversas
dimensões do direito à habitação e tomar passos
para assegurar que nenhuma medida seja tomada com o
intuito de diminuir ou restringir este direito. A
promoção também exige que os Estados dêem ênfase
suficiente à realização completa do direito à
habitação, através de uma série de medidas ativas,
que incluem o reconhecimento deste direito nas
diversas legislações, a incorporação do direito à
habitação em políticas de construção de moradias,
objetivando o seu
pleno gozo por todos os setores da sociedade.
A
obrigação de proteger obriga o Estado e seus agentes
a evitar a violação
do direito à habitação dos indivíduos por
outrem. Os beneficiários deste direito devem,
portanto, ser protegidos de abusos provocados por
aqueles que busquem restringi-lo ou limitá-lo.
Medidas efetivas que protejam as pessoas de despejos,
discriminação racial e outras formas de discriminação,
incômodo, retirada de serviços e outras ameaças
também devem ser estabelecidas.
A
obrigação para preencher o direito à habitação
adequada é a que mais exige intervenção. O dever do
preenchimento inclui medidas ativas pelo governo,
necessárias a garantir, para cada pessoa sob sua
jurisdição, oportunidades de acesso ao direito à
habitação, que não pode ser obtido, por alguns
indivíduos, exclusivamente através de esforços
particulares.
A
Segunda Conferência das Nações Unidas sobre os
Assentamentos Humanos – HABITAT II, realizado em
Istambul em 1996, teve o objetivo de discutir como e
onde moram os habitantes da Terra.
O compromisso de aceitar de forma progressiva que se
torne realidade o direito à moradia para todos foi
firmado pelo Brasil e diversas outras nações.
Programas especiais, objetivando examinar as soluções
utilizadas para melhorar
a qualidade de vida em centros urbanos, tendo como
critérios eficiência na reabilitação de áreas
degeneradas, uso de desenvolvimento sustentado e grau
de inovação, foram selecionados pela organização
do evento. Afirmou-se, nesta conferência, que uma
moradia adequada requer mais que um teto sobre a cabeça
dos indivíduos. Uma moradia adequada também
significa privacidade adequada, espaço adequado,
acesso físico, segurança adequada, estabilidade e
durabilidade estrutural, iluminação, aquecimento e
ventilação adequados, infra-estrutura básica
adequada, como abastecimento de água e facilidades
sanitárias e de coleta de lixo; qualidade ambiental
saudável e adequada; localização adequada e acessível
em relação ao trabalho e facilidades básicas, tudo
em um custo razoável. A adequação deveria ser
determinada de forma conjunta com as pessoas
interessadas, tendo em vista um desenvolvimento
gradual. A concepção de adequação varia entre os
diversos países, dependendo de fatores culturais,
sociais, ambientais e econômicos.
3.
Problemática Habitacional
Embora
se reafirme a importância do total respeito ao
direito à habitação adequada, observa-se, em grande
partes das nações, inclusive naquelas com alto grau
de desenvolvimento, uma grande indiferença em relação
a esse direito. As Nações Unidas estimam que mais de
um bilhão de pessoas vivem em habitações
inadequadas e mais de cem milhões não possuem
moradia, em todo o mundo.
Assim,
número alarmante de pessoas carece do direito à
habitação, e este contingente desfavorecido
verifica-se, mais facilmente, nos países menos
desenvolvidos economicamente, onde as desigualdades
sociais manifestam-se de forma mais acentuada e
gritante.
A
problemática habitacional, no geral, acentuou-se com
a desorganização
das formas tradicionais de economia agrária e
com o processo de industrialização, que, com a criação
de empregos, atraiu milhares de pessoas às cidades,
em busca de uma maneira mais viável de sobrevivência.
Nas cidades, a grande demanda por moradias não foi
acompanhada, inicialmente, por sua oferta.
Proliferaram-se, desta forma, as favelas e os subúrbios,
que não dispunham, na maioria das vezes, de condições
básicas e infra-estrutura necessárias para uma vida
saudável.
Com
a consolidação do capitalismo, novas mudanças
surgem no campo, e a presença da concentração fundiária,
como também a mecanização da agricultura, expulsam
grandes massas populacionais, que, novamente, migram
para os centros urbanos, buscando soluções.
A
crise de moradia no Brasil está associada ao modelo
capitalista concentrador e excludente, ou seja, a
falta de habitações populares é conseqüência
direta dos baixos salários, do desemprego e do
subemprego massivo. O déficit habitacional decorre,
principalmente, de uma distribuição profundamente
desigual da renda e também das condições específicas
da produção e comercialização capitalista da
moradia, que impõem um elevado preço a essa
mercadoria.
Em
decorrência disso tudo, há um agravamento da crise
da moradia, cujas manifestações são: a especulação
imobiliária, alto custo dos imóveis e elevação dos
preços dos aluguéis, dentre outras.
As
tabelas seguintes servirão para mostrar alguns
indicativos dessa problemática no Brasil. A primeira
tabela refere-se às condições de infra-estrutura
presentes nos domicílios brasileiros, de acordo com
as regiões. A segunda,
às condições de saneamento nos domicílios
brasileiros, observadas
também por regiões, segundo a cor do chefe da família.
Domicílios
por condição de saneamento e luz elétrica (1996)
– Porcentual.
|
Água
tratada
|
Rede
coletora **
|
Fossa
séptica ***
|
Lixo
coletado
|
Luz
elétrica
|
Brasil
|
74,2
|
40,3
|
23,3
|
87,4
|
92,9
|
Região
Norte Urbana *
|
59,7
|
8,9
|
39,7
|
64,7
|
96,8
|
Região
Nordeste
|
56,2
|
15,3
|
22,4
|
72,9
|
81,7
|
Região
Sudeste
|
86,5
|
69,0
|
13,9
|
92,9
|
97,8
|
Região
Sul
|
77,0
|
14,0
|
52,6
|
95,6
|
96,8
|
Região
Centro-Oeste
|
65,5
|
15,0
|
11,3
|
89,2
|
93,2
|
Fonte:
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Síntese
de indicadores 1996. Rio de Janeiro: IBGE, 1997. P.
97-99 (tabela 6.1.2).
*
exclusive a população da área rural de Rondônia,
Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.
**
Rede coletora: A canalização das águas servidas ou
dos dejetos é ligada a um sistema de coleta que os
conduz para o desaguadouro geral da área, região ou
município, mesmo que o sistema não tenha estação
de tratamento da matéria esgotada.
***
Fossa séptica: As águas servidas e os dejetos são
esgotados para uma fossa, onde passam por um
tratamento ou decantação, sendo a parte líquida
absorvida no próprio terreno ou canalizada para um
desaguadouro geral da área, região ou município.
Domicílios
por condição de saneamento segundo a cor do chefe
(1996) – Porcentual.
|
Água
tratada
|
Esgoto*
|
|
Branca
|
Preta
e parda
|
Branca
|
Preta
e parda
|
Brasil
|
81,0
|
64,7
|
73,6
|
49,7
|
Região
Norte Urbana **
|
63,0
|
54,8
|
56,5
|
41,6
|
Região
Nordeste
|
64,2
|
52,6
|
47,0
|
33,5
|
Região
Sudeste
|
89,1
|
52,6
|
86,8
|
74,8
|
Região
Sul
|
77,0
|
52,6
|
69,2
|
50,0
|
Região
Centro-Oeste
|
72,0
|
76,8
|
43,6
|
35,1
|
Fonte:
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 1996.
[CD-ROM]. Microdados. Rio de Janeiro: IBGE, 1997.
*
Rede coletora ou fossa séptica
**
Exclusive a população da área rural de Rondônia,
Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.
Como
se percebe, a habitação, no Brasil, não é atendida
de forma satisfatória. Água tratada, esgoto, lixo
coletado e luz elétrica são privilégio de parte da
população, excluindo outra parcela da sociedade, que
fica desprovida de requisitos fundamentais para a
formação de uma moradia adequada.
É
interessante perceber, através da segunda tabela,
que, de acordo com a cor da pele do chefe da família,
se diferencia a infra-estrutura básica presente nos
domicílios. Segundo dados do IBGE, os domicílios
cujos chefes são brancos dispõem de melhores condições
de infra-estrutura, como água tratada e esgoto.
Observa-se, por outro lado, que nos domicílios com
chefes de cor parda ou negra a porcentagem da existência
de infra-estrutura cai sensivelmente. Isso resulta, no
Brasil, do predomínio de uma sociedade preconceituosa
e discriminatória, em que a cor da pele, muita vezes,
regula os rendimentos financeiros dos indivíduos,
interferindo diretamente em suas condições gerais de
vida, como a qualidade de suas moradias.
4.
Breve Histórico da Política Habitacional Brasileira
No
Brasil, até a década de 30, verifica-se
uma pequena interferência estatal no setor
habitacional, que se ligava mais a medidas de cunho
sanitarista objetivadas a diminuir as más condições
de higiene das moradias dos trabalhadores urbanos. Com
isso, buscava-se evitar a propagação de epidemias,
que constituíam uma ameaça à saúde da população.
A
partir da década de 30, a política habitacional
brasileira mudou consideravelmente. Esse período é
marcado pelo avanço da industrialização e pelo
deslocamento do centro dinâmico da economia para a área
urbana, que provocou, entre outros, um grande problema
econômico-social: o crescente descompasso entre a
declinante disponibilidade de espaço habitável e a
sua elevada demanda. O Estado deu os primeiros passos,
intervindo na oferta de moradia com a criação dos
Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), dentro
do sistema de Previdência Social instituído no país
neste período.
Já
na década de 40, aumenta a pressão dos trabalhadores
sobre os Estados, exigindo, dentre outras coisas, o
acesso à habitação. Em 1946, no governo de Vargas,
criou-se a Fundação da Casa Popular (FCP), que
visava a atender a população que não participava do
mercado formal de trabalho e, por isso, não tinha
acesso aos IAPs. Constituía-se a imagem de um
“Estado Bem-Feitor”, responsável pelo bem estar
social. Segundo
alguns autores, a FCP teve sua atuação norteada pelo
clientelismo político, sendo utilizada pelas elites
dirigentes como medida político-eleitoreira e como
meio para se contrapor à penetração popular do
Partido Comunista. As condições da FCP para obter o
financiamento das moradias eram obstáculos para
grande parte da população de baixa renda.
Verifica-se,
na década de 50, o declínio destes programas de
habitação, devido, em parte, à lei do inquilinato,
que congelava os aluguéis e tornava os conjuntos cada
vez mais onerosos aos Institutos e em especial à FCP,
mas também devido à inflação do período e à
aplicação indevida de recursos em outras atividades.
Em 1961, surgiu o Plano de Assistência Habitacional,
cuja principal inovação consistia na proporção
entre a prestação do financiamento e o salário mínimo
(a prestação não poderia comprometer mais de 20% do
salário mínimo). Para a seleção dos requerentes de
moradia, exigia-se estabilidade no emprego e tempo de
residência na localidade. Esses requisitos
funcionaram como um mecanismo excludente de grandes
segmentos da população de baixa renda sem moradia.
O
período pós-64 corresponde ao novo Estado autoritário,
em que houve mudanças mais intensas do Estado em relação
à política habitacional. O regime militar procura,
através do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e
do Banco Nacional de Habitação (BNH), produzir
habitação em massa para garantir a expansão do
capitalismo. O surgimento do BNH caracterizou-se pela
preocupação de incentivar a indústria de construção
civil, na crença de que seus efeitos refletissem
positivamente nos demais setores da economia, que se
encontravam bastante estagnados. Além disso, o
surgimento do BNH visava à conquista da simpatia dos
setores populares, financiando-lhes a moradia e
absorvendo-lhes a força de trabalho.
O
BNH passou a nortear a política habitacional do país,
centralizando toda a ação do setor, agrupando, em um
sistema único, todas as instituições públicas e
privadas. O BNH concentrou uma grande soma de capital
vinda, principalmente, da arrecadação do FGTS,
criado em 1966. O FGTS destina-se a substituir o
antigo sistema de indenização, paga aos
trabalhadores demitidos sem justa causa e garante o
confisco regular de 8% do salário mensal dos
trabalhadores, o qual o governo transforma,
administrativamente, em capital imobiliário, mediante
repasses do BNH aos agentes financeiros e aos
promotores do setor imobiliário e urbanístico.
Depois, criou-se o Sistema Brasileiro de Poupança e
Empréstimo (SBPE) para aumentar a captação de
recursos originários da poupança privada. Coube
ainda ao BNB, a responsabilidade de financiar habitação
popular e implantar infra-estrutura urbana. No
discurso oficial, dava-se atendimento prioritário à
população de baixa renda.
A
partir de 1969, os indícios de que a política de
habitação popular fracassara eram evidenciados através
de altos índices de inadimplência. O BNH
transformou-se em um banco de 2ª linha, transferindo
para seus agentes os recursos financeiros e as cobranças
das dívidas dos financiamentos. O BNH retomou
programas voltados para a habitação popular, como as
Companhias Habitacionais (COHABs), o Plano de Habitação
Popular (PLANHAP) e o Sistema Financeiro de Habitação
Popular (SIFHAP), que não obtiveram o êxito
desejado.
O
BNH foi extinto em 1986. Pode-se verificar,
progressivamente, o agravamento da situação
habitacional, concomitante com a maximização das
precárias condições de vida das classes populares
brasileiras.
Atualmente,
há uma ausência de políticas do Estado voltadas
para a habitação. Fala-se da busca de materiais e técnicas
alternativas, bem como da parceria entre Estado e
iniciativa privada como um caminho a ser seguido.
5.
Legislação referente ao direito à habitação
A
Declaração Universal dos Direitos Humanos, criada em
1948 pela Assembléia Geral da ONU, em seu artigo XXV
afirma que toda pessoa tem direito a um padrão de
vida capaz de assegurar a si e sua família saúde e
bem-estar, inclusive alimentação, habitação,
cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis,
o direito à segurança em caso de desemprego, doença,
invalidez, velhice e outros casos de perda dos meios
de subsistência em circunstâncias fora de seu
controle. A lacuna gerada pelo fato de não apresentar
caráter vinculante foi preenchida por alguns tratados
internacionais, que obrigariam os Estados que os
ratificassem a obedecer a seus dispositivos.
O
Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
foi adotado em 16 de dezembro de 1966 e ratificado
pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992. O artigo 11(1)
deste pacto enuncia:
"Os
Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito
de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio
e para sua família, inclusive à alimentação,
vestimenta e moradia adequadas, assim como uma melhoria contínua de suas condições
de vida. Os Estados-partes tomarão medidas
apropriadas para assegurar a consecução deste
direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância
essencial da cooperação internacional fundada no
livre consentimento".
O
monitoramento deste pacto é feito através do envio
periódico de relatórios pelos Estados-partes ao
Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais,
instituído pelo Conselho Econômico e Social da ONU.
A
Convenção sobre Todas as
Formas de Discriminação contra a Mulher, no
artigo 14 (2), alínea h, afirma que os Estados-partes
adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a
discriminação contra a mulher nas zonas rurais, a
fim de assegurar, em condições de igualdade entre
homens e mulheres, que elas participem no
desenvolvimento rural e dele se beneficiem, e em
particular assegurar-lhes-ão o direito a gozar de
condições de vida adequadas, particularmente nas
esferas da habitação,
dos serviços sanitários, da eletricidade e do
abastecimento de água, do transporte e das comunicações.
Essa convenção foi adotada pela Assembléia Geral
das Nações Unidas em 18 de dezembro de 1979 e
ratificada pelo Brasil em primeiro de fevereiro de
1984.
A
Convenção Internacional sobre Todas as Formas de
Discriminação Racial trata do direito à habitação
em seu artigo 5º (e), ao determinar que os Estados
partes comprometem-se a proibir e eliminar a
discriminação racial em todas as suas formas e a
garantir o direito de cada um à igualdade perante a
lei, sem distinção de raça, de cor, ou de origem
nacional ou étnica , no gozo deste direito. A
Assembléia Geral das Nações Unidas adotou
essa convenção em 21 de dezembro de 1965, sendo
ratificada pelo Brasil em 27 de março de 1968.
A
Convenção sobre os Direitos da Criança, no artigo
27 (3), mostra que os Estados-partes reconhecem o
direito de toda criança a um nível de vida adequado
ao seu desenvolvimento físico, mental, espiritual,
moral e social e, de acordo com as condições
nacionais e dentro de suas possibilidades, adotarão
medidas apropriadas a fim de ajudar os pais e outras
pessoas responsáveis pela criança a tornar efetivo
esse direito e, caso necessário, proporcionarão
assistência material e programas de apoio,
especialmente no que diz respeito à nutrição, ao
vestuário e à habitação.
Adotou-se esta convenção em 20 de novembro de 1989 e
o Brasil a ratificou em 20 de setembro de 1990.
O
Pacto de San José da Costa Rica foi adotado em 22 de
novembro de 1969 e ratificado pelo Brasil em 25 de
setembro de 1992. Este pacto faz parte do sistema
regional de proteção, abrangendo vários países
americanos. Em seu artigo 26, enuncia que os
Estados-partes comprometem-se a adotar medidas para
que os direitos econômicos, sociais e culturais sejam
progressivamente efetivados, com a utilização de
todos seus recursos disponíveis. Isso inclui, de
maneira implícita, o direito à habitação.
Apresenta força vinculantes àqueles Estados que o
ratificarem.
Constituição
Federal
A
Constituição brasileira de 1988 não prevê
expressamente um direito à moradia, embora estabeleça
como dever do Estado, nas esferas Federal, Estadual e
Municipal, “promover programas de construção de
moradias e a melhoria das condições habitacionais e
de saneamento básico” (art. 23, IX). Esse dever de
construir moradias certamente decorre de ter o Estado
brasileiro, como fundamentos, “a dignidade da pessoa
humana” (art. 2º, III), e como objetivo
“construir uma sociedade justa e solidária”,
erradicar a pobreza”, e “promover o bem de
todos” (art. 3º, I e III).
Além
disso, no artigo 5º, inciso XI, a casa é asilo
inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo
penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso
de flagrante delito ou desastre, ou para prestar
socorro, ou, durante o dia, por determinação
judicial. No artigo 7º, inciso IV, a Constituição
enuncia que são direitos dos trabalhadores urbanos e
rurais, além de outros que visem à melhoria de sua
condição social: salário mínimo fixado em lei,
nacionalmente unificado, capaz de atender às suas
necessidades vitais básicas e às de sua família com
moradia,
alimentação, saúde, lazer, vestuário, higiene,
transporte e previdência social, com reajustes periódicos
que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua
vinculação para qualquer fim. O artigo 21, inciso
XX, afirma que compete à União instituir diretrizes
para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação,
saneamento básico e transportes urbanos. Os artigos
182 e 183 tratam da política urbana, dando este último
artigo uma autorização ao usucapião urbano para
aquele que utilizar uma área urbana de até 250
metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente, e
sem oposição, para a sua moradia ou de sua família.
Excluem-se deste direito aqueles que já sejam
proprietários de outro imóvel urbano ou rural. O
artigo 191 enuncia que, aquele que, não sendo
proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como
seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área
de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta
hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de
sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á
a propriedade.
Como
se vê, vários artigos constitucionais mencionam a
habitação e moradia, devido à sua importância
fundamental para a vida da sociedade.
6.
Conclusão
Pelo
exposto, observa-se a importância do respeito ao
direito à habitação adequada, como maneira de
garantir a implementação dos demais direitos econômicos
e sociais.
Apesar
da definição constitucional da habitação como
responsabilidade comum à União, Estados e Municípios,
os instrumentos que concretizariam essa
co-responsabilidade são insuficientes e , na prática,
dividem mais as responsabilidades do que o poder de
realizações. Por essa razão, milhares de
brasileiros continuam excluídos desse direito.
Assim,
o Governo, instituições internacionais e entidades não-governamentais
precisam se empenhar mais em relação à efetiva
implementação do direito à habitação. A cada dia,
ressalta-se como necessária e evidente a importância
do estabelecimento de uma política habitacional como
instrumento insubstituível de inclusão social e de
melhoria da qualidade de vida dos próprios cidadãos.
Morar
de forma adequada e regularizada num local seguro e
saudável, com acesso à infra-estrutura e outros
benefícios é, na verdade, uma forma concreta de
afirmação de cidadania, uma forma de possibilitar a
todos o acesso a uma vida mais saudável, segura e
feliz.
7.
Bibliografia
EIDE,
Asbjorn; KRAUSE, Catarina; ROSAS, Allan. Economic,
Social and
Cultural Rights. Netherlands: Martinus Nijhoff
Publishers, 1995.
MAIA,
Luciano Mariz. O Cotidiano dos Direitos Humanos. João
Pessoa: Editora Universitária, 1999.
PAVIANI,
Aldo. Brasília: Moradia e Exclusão. Brasília:
Editora Universidade de Brasília, 1996.
PIOVESAN,
Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional
Internacional. 3 ed. São Paulo: Editora Max Limonad,
1997.
SILVA,
Iranise Alves da. A Crise da Moradia. João Pessoa:
Editora Universitária, 1987.
SILVA,
Maria Ozanira da Silva e. Política Habitacional
Brasileira: Verso e Reverso. São Paulo: Cortez
Editora, 1989.
_______.
Habitat Agenda and Istambul Declaration: Second United
Nations Conference on Human Settlements. New York:
United Nations Department of Public Information, 1996.
Constituição
Federal de 1988.
8.
Anexo: Comentário Geral n. 4 do
Comitê sobre os Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais
Comentário
Geral n.º 4 (Sexta sessão, 1991)
[UN
doc E/1992/23]
O
Direito à habitação adequada – artigo 11(1) da
Convenção
1.
Consoante o artigo 11(1) da Convenção, os
Estados-partes “reconhecem o direito de todos a um nível
de vida adequado para si próprio e para sua família,
incluindo alimentação, vestuário e habitação
adequados, como também uma melhoria contínua de suas
condições de vida”. O direito humano à habitação
adequada, que é derivado do direito a um nível de
vida adequado, é de central importância para o gozo
de todos os direitos econômicos, sociais e culturais.
2.
O Comitê pôde acumular uma grande quantidade
de informações pertinente a este direito. Desde
1979, o Comitê e seus predecessores examinaram 75
relatórios lidando com o direito à habitação
adequada. O Comitê também dedicou um dia de discussão
geral para o tema em cada uma de suas
3ª (veja E/1989/22, parágrafo 312) e 4ª sessões.
Além disso, o Comitê tomou nota cuidadosa da informação
gerada pelo Ano Internacional da Habitação para os
sem moradia (1987), incluindo a Estratégia Global
para Habitação para o ano 2000, adotada pela Assembléia
Geral em sua Resolução 42/191 de 11 de dezembro de
1987. O Comitê também revisou relatórios relevantes
e outros documentos da Comissão dos Direitos Humanos
e a Subcomissão sobre Prevenção contra Discriminação
e Proteção de Minorias.
3.
Embora uma grande variedade de instrumentos
internacionais se reporte às diferentes dimensões do
direito à habitação adequada, o artigo 11(1) da
Convenção é o mais abrangente e talvez o mais
importante das provisões relevantes.
4.
Apesar do fato da comunidade internacional ter
freqüentemente reafirmado a importância do total
respeito ao direito à habitação adequada, permanece
uma diferença preocupante entre os níveis tratados
no artigo 11(1) da Convenção e a situação que
prevalece em muitas partes do mundo. Enquanto os
problemas são freqüentemente acentuados em alguns países
em desenvolvimento, que confrontam restrições quanto
aos recursos disponíveis, o Comitê observa que
problemas significantes de falta de moradia e habitação
inadequada também existem em algumas das sociedades
mais desenvolvidas economicamente. As Nações Unidas
estimam que há mais de 100 milhões de pessoas sem
moradia e mais de 1 bilhão com habitação inadequada
em todo o mundo. Não há nenhuma indicação de que
este número está decrescendo. Parece claro que
nenhum Estado-parte esteja livre de problemas
significantes de um tipo ou de outro em relação ao
direito à habitação.
5.
Em algumas instâncias, os relatórios dos
Estados-partes examinados pelo Comitê reconheceram e
descreveram dificuldades em assegurar o direito à
habitação adequada. Para a maior parte, entretanto,
a informação conseguida foi insuficiente para
possibilitar o Comitê a obter um quadro real da situação
que prevalece no Estado interessado. Este Comentário
Geral, assim, objetiva-se
a identificar alguns dos principais pontos que o Comitê
considera ser importante em relação a este direito.
6.
O direito à habitação adequada aplica-se a
todas as pessoas. Enquanto a referência a “si próprio
e sua família” reflete a crença a respeito dos papéis
desempenhados pelo gênero de atividade econômica
comumente aceitos em 1966, quando a Convenção foi
adotada, a expressão não pode ser lida hoje
implicando quaisquer limitações sobre a
aplicabilidade do direito aos indivíduos ou a domicílios
chefiados por mulheres ou outros grupos. Assim, a
concepção de “família” deve ser entendida em
sentido amplo. Além disso, os indivíduos, assim como
as famílias, têm o reconhecimento de seu direito à
habitação adequada independentemente de
idade, condição econômica, grupo ou outra pertinência
a um grupo ou quaisquer outros fatores como tais. Em
particular, o gozo deste direito não deve, de acordo
com o artigo 2(2) da Convenção, ser sujeito a
qualquer forma de discriminação.
7.
Segundo o ponto de vista do Comitê, o direito
à habitação não deveria ser interpretado em um
sentido estreito ou restrito que o equipara com, por
exemplo, o abrigo provido meramente de um teto sobre a
cabeça dos indivíduos ou julga o abrigo
exclusivamente como uma mercadoria. Diferentemente,
isso deveria ser visto mais propriamente como um
direito a viver, onde quer que seja, com segurança,
paz e dignidade. Isto é apropriado por, pelo menos,
duas razões. Em primeiro lugar, o direito à habitação
é integralmente vinculado a outros direitos humanos e
a princípios fundamentais sobre os quais a Convenção
é baseada. Esta “inerente dignidade da pessoa
humana”, de que os direitos na Convenção são
ditos derivar, exige que o termo “habitação”
seja interpretado de forma que leve em conta uma
variedade de outras considerações, fundamentalmente
que o direito à habitação deveria ser assegurado a
todas as pessoas independentemente da renda ou acesso
a recursos econômicos. Segundamente, a referência no
artigo 11(1) deve ser lida, referindo-se não apenas
à habitação, mas à habitação adequada. Como a
Comissão sobre Assentamentos Humanos e a Estratégia
Global para Habitação para o ano 2000 afirmaram,
“habitação adequada significa ... privacidade
adequada, espaço adequado, segurança, iluminação e
ventilação adequadas, infra-estrutura básica
adequada e localização adequada em relação ao
trabalho e facilidades básicas, tudo a um custo razoável”.
8.
Assim, a concepção de adequação é
particularmente significante em relação ao direito
à habitação, desde que serve para realçar um número
de fatores que devem ser levados em consideração
para constituir “habitação adequada”, pelos propósitos
da Convenção. Enquanto a adequação é determinada
em parte por fatores sociais, econômicos, culturais,
climáticos, ecológicos e outros fatores, o Comitê
acredita, contudo, que é possível identificar certos
aspectos do direito que devem ser levados em consideração
para este propósito em qualquer contexto particular.
Eles incluem os seguintes:
a.
Segurança legal de posse. A posse toma uma
variedade de formas, incluindo locação (pública e
privada) acomodação, habitação cooperativa,
arrendamento, uso pelo próprio proprietário, habitação
de emergência e assentamentos informais, incluindo
ocupação de terreno ou propriedade.
Independentemente do tipo de posse, todas as pessoas
deveriam possuir um grau
de sua segurança, o qual garanta proteção
legal contra despejos forçados, pressões incômodas
e outras ameaças. Estados-partes deveriam,
conseqüentemente, tomar medidas imediatas com o
objetivo de conferir
segurança jurídica de posse sobre pessoas e domicílios
em que falta proteção, em consulta real com pessoas
e grupos afetados.
b.
Disponibilidade de serviços, materiais,
facilidades e infra-estrutura. Uma casa adequada deve
conter certas facilidades essenciais para saúde,
segurança, conforto e nutrição. Todos os beneficiários
do direito à habitação adequada deveriam ter acesso
sustentável a recursos naturais e comuns, água
apropriada para beber, energia para cozinhar,
aquecimento e iluminação, facilidades sanitárias,
meios de armazenagem de comida, depósito dos resíduos
e de lixo , drenagem
do ambiente e serviços de emergência.
c.
Custo acessível. Os custos financeiros de um
domicílio associados à habitação deveriam ser a um
nível tal que a
obtenção e satisfação de outras
necessidades básicas não sejam ameaçadas ou
comprometidas. Passos deveriam ser tomados pelos
Estados-partes para assegurar que a porcentagem dos
custos relacionados à habitação seja, em geral,
mensurado de acordo com os níveis de renda.
Estados-partes deveriam estabelecer subsídios
habitacionais para aqueles incapazes de arcar com os
custos da habitação, tão como formas e níveis de
financiamento habitacional que adequadamente refletem
necessidades de habitação. De acordo com o princípio
dos custos acessíveis, os possuidores deveriam ser
protegidos por meios apropriados contra níveis de
aluguel ou aumentos de aluguel não razoáveis. Em
sociedades em que materiais naturais constituem as
principais fontes de materiais para construção,
passos deveriam ser tomados pelos Estados-partes para
assegurar a disponibilidade desses materiais.
d.
Habitabilidade. A habitação adequada deve ser
habitável, em termos de prover os habitantes com espaço
adequado e protegê-los do frio, umidade, calor,
chuva, vento ou outras ameaças à saúde, riscos
estruturais e riscos de doença. A segurança física
dos ocupantes deve ser garantida. O Comitê estimula
os Estados-partes a, de modo abrangente, aplicar os
Princípios de Saúde na Habitação, preparado pela
OMS, que vê a habitação como o fator ambiental mais
freqüentemente associado a condições para doenças
em análises epidemológicas, isto é,
condições de habitação e de vida
inadequadas e deficientes são invariavelmente
associadas com as mais altas taxas de mortalidade e
morbidade.
e.
Acessibilidade. Habitações adequadas devem
ser acessíveis àqueles com titularidade a elas. A
grupos desfavorecidos deve ser concedido acesso total
e sustentável para recursos de habitação adequada.
Assim, a grupos desfavorecidos como idosos, crianças,
deficientes físicos, os doentes terminais, os
portadores de HIV, pessoas com problemas crônicos de
saúde, os doentes mentais, vítimas de desastres
naturais, pessoas vivendo em áreas propensas a
desastres, e outros deveriam ser assegurados
um patamar
de consideração prioritária na esfera
habitacional. Leis e políticas habitacionais deveriam
levar em conta as necessidades especiais de habitação
desses grupos. Internamente, muitos Estados-partes,
aumentando o acesso a terra àqueles que não a
possuem ou a segmentos empobrecidos da sociedade,
deveriam constituir uma meta central de políticas.
Obrigações governamentais precisam ser
desenvolvidas, objetivando substanciar o direito de
todos a um lugar seguro para viver com paz e
dignidade, incluindo o acesso para o terreno como um
direito reconhecido.
f.
Localização. A habitação adequada deve
estar em uma localização que permita acesso a opções
de trabalho, serviços de saúde, escolas, creches e
outras facilidades sociais. Isso é válido para
grandes cidades, como também para as áreas rurais,
em que os custos para chegar ao local de trabalho
podem gerar gastos excessivos sobre o orçamento dos
lares pobres. Similarmente, habitações não deveriam
ser construídas em locais poluídos nem nas
proximidades de fontes de poluição que ameacem o
direito à saúde dos habitantes.
g.
Adequação cultural. A maneira como a habitação
é construída, os materiais de construção usados e
as políticas em que se baseiam devem possibilitar
apropriadamente a expressão da identidade e
diversidade cultural da habitação. Atividades
tomadas a fim do desenvolvimento ou modernização na
esfera habitacional deveriam assegurar que as dimensões
culturais da habitação
não fossem sacrificadas, e que, entre outras,
facilidades tecnológicas modernas sejam também
asseguradas.
9.
Como se notou acima, o direito à habitação
adequada não pode ser visto isoladamente de outros
direitos humanos contidos nos dois Pactos
Internacionais e outros instrumentos internacionais
aplicáveis. Alusão já foi feita nesta consideração
para a concepção da dignidade humana e do princípio
da não-discriminação. Além disso, o pleno gozo dos
outros direitos – tanto o direito de liberdade de
expressão, o direito de liberdade de associação
(tais como associações de locatários e outras
associações comunitárias), o direito de liberdade
de residência e o direito de participar na tomada das
decisões públicas – é indispensável se o direito
à habitação adequada é para ser realizado e
mantido por todos os grupos da sociedade. Do mesmo
modo, o direito de não ser sujeito à interferência
arbitrária ou ilegal em sua privacidade, família,
lar ou correspondência constitui uma dimensão muito
importante na definição do direito a uma habitação
adequada.
10.
Independentemente do estado de desenvolvimento
de qualquer país, há alguns passos que devem ser
tomados imediatamente. Como reconhecido na Estratégia
Global para Habitação e em outras análises
internacionais, muitas das medidas requeridas para
promover o direito à habitação exigiriam apenas a
abstenção pelo governo de certas práticas e o
comprometimento a facilitar
a “auto-ajuda" pelos grupos afetados.
Para que se considere que tais passos são
considerados além do máximo de recursos disponíveis
para um Estado-parte, é apropriado que uma solicitação
seja feita assim que possível de cooperação
internacional de acordo com os artigos 11(1), 22 e 23
do Pacto, e que o Comitê seja informado disto.
11.
Estados-partes devem dar prioridade devida àqueles
grupos sociais que vivem em condições desfavoráveis,
dando-lhes particular consideração. Políticas e
legislação não deveriam ser criadas para beneficiar
grupos sociais já favorecidos, em detrimento de
outros. O
Comitê é ciente que fatores externos podem afetar o
direito a uma melhoria contínua das condições de
vida, e que em muitos Estados-partes as condições de
vida em geral declinaram durante a década de 80.
Entretanto, como foi percebido pelo Comitê no Comentário
Geral 2 (1990) (E/1990/23, annex III), apesar de
problemas causados externamente , as obrigações do
Pacto continuam a aplicar-se e são talvez até mais
pertinentes durante tempos de contração econômica.
Assim, pareceria para o Comitê que o declínio geral
nas condições de vida e habitação, diretamente
atribuíveis a decisões políticas e
legislativas pelos Estados-partes e à falta de
medidas compensatórias que se façam acompanhar,
seria inconsistente com as obrigações assumidas no
Pacto.
12.
Enquanto os meios mais apropriados para alcançar
a realização total do direito à habitação
adequada inevitavelmente variem de forma significativa
de um Estado-parte para outro, o Pacto claramente
exige que cada Estado-parte adote quaisquer medidas
que sejam necessárias para tal propósito. Isto irá,
quase que invariavelmente, exigir a adoção de uma
estratégia nacional de habitação que, como consta
no parágrafo 32 da Estratégia Global para Habitação,
“define os objetivos para o desenvolvimento das
condições de habitação, identifica os recursos
disponíveis para atingir esses objetivos e a melhor
relação custo-benefício para sua utilização e
estabelece as responsabilidades e o cronograma para a
implementação das medidas necessárias”. Por razões
de relevância e efetividade, assim como a fim de
assegurar respeito aos outros direitos humanos, uma
estratégia deveria refletir uma consulta real e a
participação de todos afetados, incluindo os sem
teto, aqueles com moradias inadequadas e seus
representantes. Além disso, passos deveriam ser
tomados para assegurar coordenação entre ministérios
e autoridades regionais e locais a fim de harmonizar
políticas (economia, agricultura, meio ambiente,
energia, etc.) relacionadas com as obrigações
assumidas no artigo 11 do Pacto.
13.
Monitoramento efetivo da situação referente
à habitação é outra obrigação de efeito
imediato. Para que um Estado-parte satisfaça suas
obrigações sob o artigo 11(1), ele deve demonstrar,
entre outros, que tenha tomado quaisquer medidas
necessárias, sozinho ou com base na cooperação
internacional, para identificar a extensão total de
sem teto e daqueles com habitação inadequada, sob
sua jurisdição. Nesta consideração, as diretrizes
gerais revisadas, respeitando a forma e o conteúdo
dos relatórios adotados pelo Comitê (E/C.
12/1991/1), enfatizam a necessidade de prover informação
detalhada sobre aqueles grupos da sociedade ...
que são vulneráveis e desfavorecidas com relação
à habitação”. Elas incluem, em particular,
pessoas e famílias sem teto, aquelas com moradias
inadequadas e sem acesso pronto a serviços básicos,
aquelas vivendo em assentamentos ilegais, aquelas
sujeitas a despejos forçados e grupos de baixa renda.
14.
Medidas indicadas para satisfazer as obrigações
de um Estado-parte em relação ao direito à habitação
adequada podem refletir uma mistura de medidas do
setor público e privado consideradas apropriadas.
Enquanto que em alguns Estados o financiamento público
de habitações poderia mais utilmente ser gasto com
construção direta de novas habitações, na maioria
dos casos a experiência mostrou a inabilidade dos
governos para satisfazer totalmente déficits na
habitação com habitações construídas pelos
governos. A promoção pelos Estados-partes de
“estratégias habilitadoras”, combinadas com um
total comprometimento para obrigações decorrentes do
direito à habitação adequada, deveriam ser, assim,
estimuladas. Em síntese, a obrigação é demonstrar
que, no geral, as medidas que estão sendo tomadas são
suficientes para realizar o direito de cada um em um
tempo mínimo possível de acordo
com o máximo de recursos disponíveis.
15.
Muitas das medidas que serão exigidas envolverão
alocação de recursos e iniciativas políticas de
modo geral. Entretanto, o papel de medidas
administrativas e legislativas formais não deveriam
ser subestimadas nesse contexto. A Estratégia Global
para Habitação (parágrafos 66-67) chamou atenção
para os tipos de medidas que poderiam ser levadas em
consideração e sua importância.
16.
Em alguns Estados, o direito à habitação
adequada é firmemente estabelecido na Constituição.
Nestes casos, o Comitê é particularmente interessado
em aprender o significado legal e prático de tal
abordagem. Detalhes de casos específicos e de outras
formas em que essa inclusão demonstrou ser favorável
deveriam ser assim fornecidos.
17.
O Comitê vê muitos elementos componentes do
direito à habitação adequada como sendo ao menos
consistente com a provisão de remédios jurídicos
domésticos. Dependendo do sistema jurídico, tais áreas
poderiam incluir, mas não sendo limitadas a: (a)
apelos jurídicos objetivando evitar despejos ou
demolições planejadas através da emissão de uma
contra ordem judicial; (b) procedimentos jurídicos
objetivando uma indenização posterior a
um despejo ilegal; (c) queixas contra ações
ilegais cumpridas ou defendidas por locadores ( tanto
público quanto privado) em relação a níveis de
aluguel, manutenção de moradia, e discriminação
racial e outras formas de discriminação; (d) alegação
de qualquer forma de discriminação na alocação e
disponibilidade de acesso à habitação; e (e)
queixas contra locadores concernentes a condições
insalubres ou inadequadas de moradia. Em alguns
sistemas jurídicos seria também apropriado explorar
a possibilidade de facilitar ações coletivas em
situações envolvendo níveis significativamente
aumentados de desabrigados.
18.
Com relação a isso, o Comitê considera que
exemplos de despejos forçados são, à primeira
vista, incompatíveis com as requisições do Pacto e
podem ser apenas justificados em condições as mais
excepcionais, quando de acordo com os princípios
relevantes da legislação internacional.
19.
Finalmente, o artigo 11(1) conclui com a obrigação
dos Estados-partes para reconhecer “a importância
essencial da cooperação internacional baseada no
livre consentimento”. Tradicionalmente, menos que 5%
de toda a assistência internacional foi dirigida à
habitação ou assentamentos humanos, e geralmente a
maneira pela qual tais fundos são fornecidos faz
pouco para atender as necessidades habitacionais dos
grupos desfavorecidos. Estados-partes, tanto os
recebedores quanto os fornecedores, deveriam assegurar
que uma proporção substancial de financiamento seja
usada para criar condição que conduza a um número
maior de pessoas morando adequadamente. Instituições
de financiamento internacional, promovendo medidas de
ajuste estrutural, deveriam assegurar que estas
medidas não comprometessem o gozo do direito à
habitação adequada. Estados-partes deveriam, quando
examinando cooperação financeira internacional,
procurar indicar áreas relevantes para o direito à
habitação adequada em que o financiamento externo
teria os maiores resultados. Tais solicitações
deveriam levar em conta as necessidades e a opinião
dos grupos atingidos.