A
Importância dos Conselhos Comunitários de segurança
-
CONSEGs -
no contextos da segurança pública e no fortalecimento
dos Direitos Humanos e da Cidadania
Ruberliro
Rodrigues de Souza
Capitão
da Polícia Militar de Goiás e Bacharel em Direito
Renan
Nahás de Gouvêa
Tenente
da Polícia Militar de Goiás e Bacharel em Direito
1
- INTRODUÇÃO - A HIERARQUIA DAS NECESSIDADES HUMANAS
Para
Maslow, as necessidades humanas estão organizadas em uma
hierarquia de necessidades, formando uma espécie de pirâmide.
A hierarquia das necessidades
a)
Necessidades fisiológicas: são as necessidades vegetativas
relacionadas com a fome, o cansaço, o sono, o desejo sexual etc.
Essas necessidades dizem respeito à sobrevivência do indivíduo
e da espécie, e constituem pressões fisiológicas que levam o
indivíduo a buscar ciclicamente a sua satisfação;
b)
Necessidades de Segurança: levam o indivíduo a proteger-se de
qualquer perigo real ou imaginário. físico ou abstrato. A
procura de segurança, o desejo de estabilidade, a fuga ao
perigo, a busca de um mundo ordenado e previsível aio manifestações
típicas destas necessidades de segurança. Como as necessidades
fisiológicas, as de segurança também estio relacionadas com a
sobrevivência do indivíduo;
c)
Necessidades sociais: relacionadas com a vida associativa do indivíduo
com outras pessoas: amor, afeição e participação levam o indivíduo
à adaptação social ou não. As relações de amizade, a
necessidade de dar e receber afeto, a busca de amigos e a
participação em grupos estio ligadas a este tipo de necessidade;
d)
Necessidades de estima: relacionadas com a autoavaliação e
auto-estima dos indivíduos. A satisfação das necessidades de
estima conduz a sentimentos de autoconfiança, auto-apreciação,
reputação, reconhecimento, amor próprio, prestigio, status,
valor, força, poder, capacidade e utilidade. A sua frustração
pode produzir sentimentos de inferioridade, fraqueza e desamparo e
e)
Necessidades de auto-realização: relacionadas com o desejo de
cumprir a tendência que cada indivíduo tem de realizar o seu
potencial. Essa tendência geralmente se expressa por meio do
desejo de tomar-se mais do que é o de vir a ser tudo aquilo que
se pode ser. Estão relacionadas com a plena realização
daquilo que cada um tem de potencial e de virtual, da utilização
plena dos talentos individuais.
2
- VIOLÊNCIA E CRIMINALIDADE
A
criminalidade e a violência são assuntos bastante atuais. E
certo que o mundo atual apresenta novos desafios. Vivemos em uma
sociedade tremendamente egoísta e individualista. As pessoas se
tornaram mais concentradoras de renda e conhecimento. A competição
entre elas é muito grande e os vínculos familiares estão a cada
dia se desfazendo, O consumo de todos os tipos de drogas está
destruindo. carcomendo a base de nossa sociedade, que é a família.
Os valores éticos, morais e sociais estão sendo esquecidos e se
perdendo com o passar do tempo. O atual sistema capitalista e
mercantilista integrado pelo processo de globalização, aliado às
premissas acima expostas, concorre para o crescimento da onda de
violência indiscriminada que grassa por todo mundo afora. Esse é,
sem dúvida, um processo de exclusão social.
Está
claro que tudo isso, somado às péssimas condições de vida
das pessoas mais pobres. os chamados excluídos, aqueles que
incham as periferias das regiões metropolitanas e, nessas condições,
não conseguem vislumbrar no horizonte nenhuma perspectiva de
melhoria em suas vidas, forma um caldo de cultura pró-criminalidade.
Para
Isonilda Souza. articulista do jornal O Popular, no Brasil, as
maiores vítimas da violência são basicamente ou negros, os
pobres ou miseráveis. para quem, segundo ela, nascer já é uma
violência.
Em
um levantamento recente do Núcleo de Estudos da Violência da
Universidade de São Paulo (USP), publicado naquele jornal,
constatou-se que em 1980 foram registrados 18 mil homicídios no
País. Há três anos, esse número subiu para 40 mil. Jovens
entre 19 e 25 anos encabeçam a lista dos mortos. Um detalhe
constatado pelo estudo é que boa parte desses jovens era
moradora de favelas ou de regiões periféricas, onde não há
perspectiva de melhorias e as carreiras do crime, puxadas pelo tráfico
de drogas e armas, são lucrativas.
Visto
por esse ângulo, é de se crer que a raiz da violência tal
qual a assistimos hoje está na carência provocada pela
desigualdade social, o que provoca a inveja, a cobiça e a ganância
em alguns dos deserdados pela sorte.
A
pobreza por si só, definitivamente, não é causa de violência.
pois que pobreza não é sinônimo de crime. Ela contribui para a
violência, mas é apenas uma das condições que levam ao
crime.
Como
visto, por vivermos em um sistema mercantilista, e como bem
afirmou o soci6logo Glaucio Ary Dillon Soares em recente
entrevista concedida à revista Veja, outra razão para o
aumento da criminalidade violenta é a divinização do consumo.
O
consumismo estimula a comparação entre as pessoas. no que diz
respeito à posse dos bens, ao status e ao nível de vida. Isto
eleva o nível de aspirações e necessidades, criando uma
insatisfação permanente a despeito dos ganhos de renda. O hiato
entre os desejos de consumo e a possibilidade de satisfazê-los
— ser uma fonte geradora do crime. Esse é um fator que atinge
especialmente os jovens mais pobres, que são estimulados ao
consumo, mas que não têm acesso a ele.
Se
todos tivessem acesso à saúde, à educação, à moradia e ao
emprego dignos talvez os números da violência seriam outros.
O
cientista francês Jean-Claude Chesnais, conceituado demógrafo
e especialista em violência urbana, cm visita que realizou ao
Brasil em outubro de 1995. traçou um respeitável estudo sobre a
violência criminal no Brasil.
Seis
causas foram elencadas por Chesnais como (atores responsáveis
pela atual situação:
1.
fatores sócio-econômicos: pobreza, agravamento das
desigualdades. herança da hiperinflação;
2.
fatores institucionais: insuficiência do Estado, crise do modelo
familiar, recuo do poder da igreja;
3.
fatores culturais: problemas de integração racial e desordem
moral;
4.
demografia urbana: as gerações provenientes do período da
explosão da taxa de natalidade no Brasil chegando à vida
adulta e surgimento de metrópoles (São Paulo e Rio de Janeiro),
ambas com população superior a dez milhões de habitantes;
5.
a mídia, com seu poder, que colabora para a apologia da violência
e
6.
a globalização mundial, com a contestação da noção de
fronteiras e o crime organizado (narcotráfico, posse e uso de
armas de fogo, guerra entre galgues).
Para
reverter — quadro, Chesnais propõe:
1.
a criação de um Conselho Superior dos Meios Audiovisuais;
2.
a reabilitação do Estado: a informação (estatística, melhores
informações criminais), a repressão ao crime (melhor
equipamento e investimento no pessoal da policia, justiça e
sistema prisional), a prevenção ao crime (escola, saúde, habitação,
emprego);
3.
política criminal: cooperação internacional, revolução na
informação, controle das rotas de droga, luta contra o crime
organizado, regulamentação das armas de fogo e
4.
mudança cultural: a integração social e a promoção da
igualdade dos cidadãos, e a descentralização e o controle dos
orçamentos públicos, a responsabilização das associações
locais e das elites intelectuais.
A
par dessas considerações, vê-se que o grave problema da
criminalidade violenta não será resolvido somente com repressão.
E preciso muito mais que ação de polícia.
3. A
IMPORTÂNCIA DOS CONSELHOS COMUNITÁRIOS DE SEGURANÇA - CONSEGs -
NESSE CONTEXTO
Como
está na Constituição da República Federativa do Brasil. em seu
artigo 144, cinco são as organizações policiais responsáveis
pela segurança pública: Polícia Federal, Polícia Rodoviária
Federal e Polícia Federal, na esfera de competência da União.
Na esfera de atribuição das Unidades Federativas (Estados e
Distrito Federal), temos a Polícia Civil e a Polícia Militar.
A
Polícia Civil é a Instituição responsável pela investigação
e apuração de infrações penais (exceto as militares), mudando
sua autoria. Suas conclusões, em forma de inquérito policial, são
enviadas à Justiça para que esta possa processar e levar a
julgamento o possível autor do delito.
A
Polícia Militar é a instituição responsável pela policia
ostensiva e pela preservação da ordem pública, prevenindo e
reprimindo os crimes, auxiliando, orientando e socorrendo os cidadãos
e, por meio do policiamento florestal e de mananciais, atuando
na preservação ambiental.
Mas
a segurança pública, no dizer do Professor José Afonso da
Silva, “(..) não é problema apenas de polícia, pois a
Constituição, ao estabelecer que a segurança pública é dever
do Estado, direito e responsabilidade de todos (art. 144), acolheu
a concepção (...) de que é preciso que a questão da segurança
pública seja discutida e assumida como tarefa e responsabilidade
de todos, Estado e população”.
Prossegue
o Professor José Afonso da Silva, citando o “1º Ciclo de
Estudos sobre Segurança”, afirmando que “(...) se faz necessária
uma nova concepção de ordem pública, em que a colaboração e a
integração comunitárias sejam os novos e importantes
referenciais”. Daí, a importância dos Conselhos Comunitários
de Segurança — Os CONSEGs.
Segundo
David Putnam, a capacidade de organização de uma comunidade é
fator determinante para seu progresso. Assim, quando as pessoas
passam a se relacionar com outros cidadãos, seus problemas comuns
tendem a ser encarados e compreendidos de maneira mais racional.
O grupo acredita em sua própria capacidade de ação e medidas
concretas substituem o antigo conformismo e a apatia.
Sob
todos os prismas, a participação comunitária torna a gestão
governamental mais legítima. E, no que diz respeito à segurança,
isso se aplica com todo vigor, pois a polícia tenderá a ser mais
efetiva se ajudar os cidadãos e as comunidades a se ajudarem a si
mesmos. Esse é o conceito básico sobre o qual se estrutura a
polícia comunitária. modelo de prevenção criminal e de
acidentes previsíveis, fundamentado na colaboração entre os
cidadãos e destes para com a polícia, visando oferecer segurança.
Nessa
nova filosofia de trabalho, a polícia busca estabelecer sólida
relação com a comunidade: leva a população a participar do
processo de prevenção criminal; fixa o policial no bairro em que
trabalha para que este atue além das condutas criminosas, levando
a polícia a fazer parte da recuperação das condições de vida
do bairro ou da cidade. Embora este modelo não substitua a
atividade policial convencional, tem sido considerado como a
mais significativa redefinição do trabalho policial nas últimas
décadas.
Adotado
em mais de trezentas cidades norte-americanas, implantado no
Reino Unido, Canadá e Japão, o policiamento comunitário
constitui para os órgãos de segurança governamentais otimiza,
na Polícia Estadual (Civil e Militar), a difusão dessa filosofia
de trabalho, reforçando o compromisso da polícia de operar em
função do cidadão e da comunidade. E a mais ativa, abrangente
e bem sucedida manifestação da polícia comunitária se
viabiliza por meio dos CONSEGs —Os Conselhos Comunitários de
Segurança, concreta materialização do artigo 144 da Constituição
da República Federativa do Brasil. que assim dispõe: “A
segurança pública, dever do Estado. direito e responsabilidade
de todos
Criados
pelo Decreto n.º 4.710, de 12 de setembro de 1996, os CONSEGs são
grupos de pessoas do mesmo bairro ou município que se reúnem
para discutir e analisar, planejar e acompanhar a solução de
seus problemas comunitários de segurança e desenvolver
campanhas educativas, estreitando os laços de entendimento e
cooperação entre as virias lideranças locais.
Calcados
numa idéia simples e inteligente, os CONSEGs tem atingido seus
objetivos. Hoje, no Estado de Goiás, são 136 CONSEGs
efetivamente implantados e em plena atividade, sendo 34 na
capital e 102 no interior do Estado, que se reúnem pelo menos uma
vez por mês para discutir o aprimoramento da segurança de suas
comunidades.
A
Secretaria de Segurança Pública e Justiça. através da
Coordenadoria dos Conselhos Comunitários de Segurança, efetua
o diagnóstico e detecta problemas e soluções, direcionado ao
florescimento de novos Conselhos em municípios ou bairros onde
ainda não estejam instalados ou não funcionem a contento.
Nesse
sentido, a Secretaria de Segurança Pública e Justiça tem
estimulado as lideranças locais e regionais da policia para que
convidem à participação nas reuniões as lideranças comunitárias
da área. oriundas dos mais variados segmentos representativos
da comunidade, sem espécie alguma de discriminação, sobretudo
de natureza política, por sentir que a força dos CONSEGs reside,
justamente, em seu caráter suprapartidário.
Assim,
para que um CONSEG represente legitimamente a comunidade não
basta contar com a participação de um ou dois abnegados, amigos
e defensores perpétuos da policia, mas de um espectro muito
mais amplo. É necessário englobar autoridades e lideranças do
Executivo, Legislativo federal, estadual e municipal, jornalistas,
ministros religiosos de diversas denominações, lideres de
clubes de serviço e associações comunitárias, profissionais
liberais, bancários, comerciantes e industriais, profissionais da
educação do setor de transportes e de outros serviços
essenciais, obras e saneamento, saúde, assistência e promoção
social, meio ambiente, agricultura e abastecimento, forças armadas,
guardas municipais, sindicatos e entidades não-governamentais,
especialmente as de proteção aos segmentos mais fragilizados
da comunidade.
Uma
comunidade engajada, sentindo a presença do poder público, tendo
liberdade para acessar a autoridade policial merecedora de seu
respeito, tenderá a gerar informações preciosas ao trabalho
policial. E a polícia não consegue trabalhar sem informações.
Os
CONSEGs, ao par de prosseguirem em sua competente atuação em
benefício de suas respectivas comunidades, serão estimulados a
exercitarem, com maior intensidade, seu poder de mobilização da
opinião pública, enveredando pela ação em áreas estratégicas
em que têm atuado em ritmo insuficiente. Isto reforçará a
auto-estima dos policiais, fazendo-os sentir que a comunidade
prestigia e respeita o bom profissional de segurança pública,
intensificando a realização de campanhas de comunicação
massiva e dirigida, visando reforçar os vínculos comunitários
e a educação para a segurança e formulando propostas aos
legisladores no intuito do aperfeiçoamento das leis, que
representem o mais eficiente e democrático escudo de defesa da
comunidade contra atos de violência.
Finalizando,
podemos afirmar que sem participação não existe cidadania e os
direitos humanos ficam ameaçados.
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