Liga dos Direitos Humanos
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A
Corrupção no Sistema
de Justiça em Moçambique
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CAPÍTULO I
Os
Órgãos da Administração da Justiça em Moçambique
CAPÍTULO II
CAPÍTULO III
Nota
de Abertura
A
Liga dos Direitos Humanos cumpre sua tradição de, anualmente, se
dedicar a uma temática de utilidade social relevante para a vida
dos cidadãos moçambicanos, desta feita a reflexão sobre a CORRUPÇÃO
NO SISTEMA DE JUSTIÇA EM MOÇAMBIQUE.
Ninguém
em Moçambique ou no mundo duvida da evidência da corrupção no
sistema de administração da justiça que, como conseqüência,
pode resultar em detenções ou solturas ilegais dos cidadãos,
inversão de vantagens dos autores para os réus, enriquecimento ilícito
de polícias, funcionários que exercem funções de oficiais
judiciais, advogados, procuradores, juízes, acumulando riqueza à
custa do cidadão pacato.
A
administração da justiça é tarefa de todo o povo moçambicano.
Por conseguinte, a todos nós interessa o combate à corrupção,
por todos os meios ao alcance de cada cidadão.
Os
actos de corrupção são sistemática e reiteradamente reportados
por cidadãos, implicando agentes da polícia que, inclusive, se
apropriam dos artigos recolhidos nas buscas, sem que os mesmos
cheguem aos tribunais, de funcionários e oficiais de justiças, que
condicionam o andamento dos processos dos cidadãos a certas ofertas
monetárias, de advogados que se desdobram em esforços para com
presentes monetários influenciarem os juízes a favorecerem os seus
intentos, de procuradores que em vez de assumirem o seu papel legal
de acusadores públicos, assumem um vergonhoso papel de advogados
dos argüidos que deveriam acusar, de juízes que condicionam as
suas sentenças ou despachos a certas ofertas ou alteram despachos
ou sentenças inalteráveis sob o ponto de vista legal, em virtude
de certas ofertas em bens ou em dinheiro.
A
Liga dos Direitos Humanos pretende, com mais este trabalho, levar à
reflexão a problemática da corrupção que grassa no país, no
interesse de todos nos empenharmos por uma justiça justa.
A
Constituição da República de Moçambique estabelece no seu artigo
100 número 2, que “o Estado garante o acesso dos cidadãos aos
tribunais e garante aos argüidos o direito de defesa e o direito à
assistência e patrocínio judiciário”.
No
entanto, todos temos a certeza de que as práticas de corrupção,
seja como e qual for a sua manifestação, reduzem-se na sonegação
da justiça aos cidadãos. Isto é, a lei permite o acesso dos cidadãos
aos tribunais que, todavia, a corrupção pode inviabiliza-lo.
É
interesse da LDH continuar a ser útil para os cidadãos e, através
do presente trabalho, oferecer a todos uma contribuição para o
combate à corrupção no sistema de justiça no nosso país.
Oxalá
este objectivo se torne, nos próximos tempos, uma realidade!
Maputo,
Outubro de 2000
Maria
Alice Mabota
Presidente da LDH
Capítulo I
OS
ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA EM MOÇAMBIQUE
Ao iniciar
o tema sobre a corrupção, importa falarmos dos órgãos e das
instituições que em Moçambique têm por lei a obrigação de
administrar a justiça. Esses órgãos são:
1
– Os Tribunais
2
– A Procuradoria Geral da República
3
– O Ministério da Justiça
4
– O Ministério do Interior
5
– Os Advogados
6
– Os Assistentes e Técnicos jurídicos
7
– Os Peritos
passemos,
então, ao desenvolvimento.
A)
OS TRIBUNAIS
Como
se corporizam os tribunais? Estabelece o artigo 167 número 1 da
Constituição da República de Moçambique que: “Na República
existem os seguintes tribunais:
a)
O Tribunal Supremo e outros tribunais judiciais
b)
O Tribunal Administrativo
c)
Os Tribunais Militares
d)
Os Tribunais Aduaneiros
e)
Os Tribunais Fiscais
f)
Os Tribunais Marítimos
g)
Os Tribunais de Trabalho”
Isto
significa que há, em Moçambique, lugar para tribunais:
Judiciais
Administrativos
Militares
Laborais
Marítimos
Fiscais
e
Aduaneiros.
A
Constituição estabelece ainda que a República de Moçambique
compete ao Tribunal Supremo a garantia da aplicação uniforme da
lei, com extensão a todo o território nacional, de acordo com o
artigo 168 da lei fundamental.
Seja
como for, pela explanação feita, e de acordo com a Constituição
da República, existindo um único Tribunal Supremo com autoridade
para se encarregar pela aplicação uniforme do Direito em todo o país
é evidente que incumbe ao Tribunal Supremo o exercício de jurisdição
a todos os tribunais pela via de recurso de todos estes para aquele,
apesar de haver correntes em sentido diverso, quanto ao Tribunal
Administrativo.
Na
prática do dia-a-dia, quando se fala de corrupção nos tribunais,
todos somos levados a concluir que não é nos Tribunais Supremo e
Administrativo que existe corrupção, sem querer excluir que a esse
nível também possa existir. Não restam dúvidas para ninguém que
não há corrupção:
-
Nos Tribunais Judiciais de Distrito;
-
Nos Tribunais Judiciais de Província;
-
Nos Tribunais Militares;
-
Nos Tribunais Aduaneiros;
-
Nos Juízos Privados das Execuções Fiscais.
Os
tribunais laborais e marítimos, embora criados por lei, ainda não
se mostram instalados, e as suas funções e competências incumbem
aos tribunais judiciais.
Normalmente,
quando se fala em corrupção em Moçambique, os visados são todos
os tribunais que arrolamos.
Para
falarmos da corrupção nos tribunais temos que ter uma visão mínima
de como se apresente por dentro um tribunal. Além do juiz, um
tribunal tem funcionários que o auxiliam no seu desempenho que têm
no seu topo um escrivão de direito que normalmente é o funcionário
mais categorizado e experiente, coadjuvado por ajudantes e escriturários.
Além destes estão os oficiais de diligência que são os que no
dia-a-dia entram em contacto com os cidadãos dentro ou fora dos
tribunais, notificando, despejando pessoas das casas em cumprimento
de ordem do juiz, penhorando ou arrolando bens, desde os mais
pequenos até aos navios, prendendo se for necessário cidadãos,
etc, etc. Isto é, os cidadãos não conhecem o tribunal senão que
esteja corporizado na pessoa do oficial de diligência do tribunal.
Outro
aspecto importante é que um processo quando entra no tribunal quem
o recebe ou é o escrivão de direito ou os seus ajudantes, sendo
excepcionalmente os escriturários e destes para o juiz que em princípio
só fala com os papéis que hajam sido a si remetidos o que se diz
tecnicamente de conclusos.
B)
A PROCURADORIA
O
artigo 176 número 1 da Constituição da República estabelece: “O
Procurador-Geral da República fiscaliza e controla a legalidade,
promove o cumprimento da lei e participa na defesa da ordem
jurídica estabelecida.”
Existe
no país a seguinte organização da Procuradoria da República:
Procuradoria
Geral da República;
Procuradoria
Provincial;
Procuradoria
Militar;
Procuradoria
Distrital;
Normalmente,
as Procuradorias distritais só têm um procurador. As províncias têm
mais que um, o mesmo acontecendo com os militares e a Procuradoria
Geral da República.
As
Procuradorias têm, tal como os tribunais, corpos de funcionários
que auxiliam os procuradores que, no contexto processual, são
chamados de magistrados do Ministério Público. Um processo para
chegar às mãos do procurador passa por vários funcionários,
sendo relevante considerar que, tal como nos tribunais, há na
procuradoria oficiais de diligência que cumprem mandatos,
exteriorizando a instituição, agindo no cumprimento das ordens
emitidas pelos procuradores.
C)
O MINISTÉRIO DO INTERIOR
Ao
referirmo-nos ao Ministério do Interior, deveríamos dizer a Polícia,
porque é o ministério que vela pelos assuntos internos do país,
no que diz respeito à segurança interna, à tranqüilidade dos
cidadãos. É onde está a polícia de diversas categorias e funções.
As polícias que interessam para esta abordagem são: Polícia de
Proteção, Aduaneira, Camarária e a de Investigação Criminal,
mais conhecida por PIC. Esta tem o papel muito importante na
transmissão dos processos-crime. Ninguém tem dúvida que em Moçambique
a maior parte da corrupção ocorre na PIC, o que veremos em detalhe
mais adiante. No entanto, não queremos excluir os restantes ramos
da polícia, nos quais também podemos encontrar fenómenos de
corrupção.
D)
O MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
Este
ministério exerce a direcção efectiva das cadeias, agindo como
depositário dos reclusos à ordem dos tribunais ou das
procuradorias, ou mesmo à ordem da PIC. Há alguns detidos que
antes de ser reconhecida a sua situação prisional por ordem do
juiz, ao recluso ficam nomeadamente à guarda da polícia na
esquadra ou no comando da polícia, nas chamadas celas transitórias.
Os tribunais também têm celas transitórias, daqueles reclusos que
tenham de estar presentes para inquisição ou julgamento, e onde os
detidos esperam a chamada do juiz para entrar na sala de audiência
e funcionam apenas durante o dia.
E)
OS ADVOGADOS
Um
dos pilares essenciais da justiça, que é dos maiores focos da
corrupção, como veremos, são os advogados, que exercem um papel
relevante como defensores ou como assistentes de acusação em
processo-crime, como patronos de partes tal como autores ou réus em
processos cíveis.
F)
OS TÉCNICOS JURÍDICOS
São
pessoas que, podendo ter formação em Direito, ainda não têm a
licenciatura, fazendo trabalhos jurídicos ao seu nível, com limitações
fixadas na lei. Os assistentes jurídicos estão abaixo, assistem,
auxiliam como aqueles os advogados com limitações cada vez maiores
das suas intervenções jurídicas.
G)
OS PERITOS
Embora
seja pouco freqüente o papel dos peritos na promoção de corrupção
no sistema de administração da justiça, podemos indicar que, quer
nos processos cíveis como criminais, pode ser exigível a intervenção
de peritos. Estes são pessoas especializadas em determinadas áreas
do saber, nomeadamente médicos, economistas, engenheiros de construção
civil, arquitetos que, indicados pelas partes ou directamente pelo
tribunal, podem alimentar a corrupção.
CAPÍTULO II
A CORRUPÇÃO NO SEIO DO ESTADO MOÇAMBICANO
CORRUPÇÃO,
O QUE É?
Antes
de mais, talvez seja importante começarmos por definir o que
entendemos por corrupção. Vamos a isso!
O
nosso país tem estado a ser classificado ao nível internacional
como um dos países com maior índice de corrupção. No plano
interno, as queixas dos cidadãos crescem cada dia que passa, devido
ao elevado nível de corrupção na Administração Pública ou
mesmo das municipalidades.
Hoje,
nas repartições do Estado, nos ministérios e nas instituições
locais, para que um cidadão consiga ter documentos tem que
alimentar o “cabrito onde está amarrado”, “falar
como homem” ou “bater na mesa”. Os grupos
Dinamizadores, os técnicos das Direcções de Construção e
Urbanização, das Direcções Distritais de Agricultura e
Desenvolvimento Rural, entre outras, cobram a tramitação dos
pedidos dos cidadãos, relativos ao uso e aproveitamento da terra.
Como
referimos atrás, não nos parece evidente qualquer manifestação
de corrupção ao nível dos Tribunais Supremo e Administrativo. No
entanto, o nível de corrupção nos tribunais provinciais, nos
tribunais distritais, nas Procuradorias Geral, provincial e
distrital, nos tribunais militares, nos tribunais fiscais e
aduaneiros, a todos os níveis da PIC e nas cadeias, não constitui
novidade para ninguém.
CAPÍTULO III
MANIFESTAÇÃO
DA CORRUPÇÃO NOS TRIBUNAIS
1.
Acção dos funcionários judiciais
1.1.
Como se manifesta a corrupÇão no seio dos tribunais
São
vários os cenários que podem ser considerados para explicar o fenômeno
corrupÇão nos tribunais.
1º
Cenário
Vamos
supor que um cidadão tem um filho ou irmão preso há mais de seis
meses. Faz tudo o que está ao alcance para ver o seu familiar fora
da cadeia. Dirige-se ao tribunal e junto dos funcionários procura
saber o que fazer para a soltura de seu familiar. Os funcionários
pedem tempo para ver o processo e mandam-no vir no dia seguinte.
Passam-se semanas com o ‘venha amanhã’. Por fim, um
funcionário diz-lhe para trazer alguma coisa para o juiz, para ele
emitir o mandado de soltura.
2º
Cenário
Um
trabalhador de uma empresa X é despedido. Ele acha que o
despedimento é injusto. Dirige-se a um Cartório para pedir explicações
de como fazer um requerimento para contestar junto da Direcção do
Trabalho. Os funcionários do Cartório pedem que ele explique o que
se terá passado. O trabalhador explica e os funcionários acham que
ele tem razão e oferecem-se a tratar, eles próprios, os
documentos. E, já no fim, impõem a divisão dos valores.
3º
Cenário
Uma
cidadão tem um caso de divórcio. Vai ao Tribunal de Menores para a
regulação do poder maternal. O ex-marido paga aos funcionários do
tribunal para o processo não andar. Ela passa mensalmente pelo
tribunal para saber do andamento do processo e nunca mais consegue,
até que desiste.
Por
estes cenários, estamos perante um fenômeno que nos induz à
corrupção. Têm, no entanto, havido outras formas de corrupção.
Vamos supor que um advogado leva ao tribunal um documento fora do
prazo. Chegado à secretaria do tribunal, para fazer passar o seu
documento como estando dentro do prazo, o advogado paga dinheiro ao
funcionário que o recebe e consegue, assim, o seu propósito.
Mas,
até pode ser que o advogado nem sequer se aperceba que o seu
documento está fora do prazo. É o funcionário que recebe o
documento que se apercebe disso. Tal funcionário alerta o advogado
que o documento está fora do prazo, sugerindo-lhe que se “falar
como homem” ele – o funcionário – pode fazer um jeito.
Também
pode acontecer com um oficial encarregue de notificações. Por
exemplo, um oficial de justiça leva determinado número de notificações
para um advogado. Chegado ao escritório deste, o advogado, no lugar
de receber as notificações, tira uma nota de cinqüenta mil
meticais, entrega ao oficial e diz-lhe para regressar ao tribunal e
que diga que não o encontrou, combinando, no entanto, uma outra
data que seja de sua conveniência. O oficial, que não ganha este
dinheiro por dia, recebe o valor e volta, realmente, para dizer aos
seus superiores que não encontrou o advogado visado.
Pode
igualmente acontecer o contrário. O próprio oficial pode pedir
qualquer coisa ao advogado, com a promessa de voltar no dia de
conveniência deste e com a garantia de ir dizer ao tribunal que não
o encontrou.
Outros
casos são aqueles em que, em resultado de um processo terminado no
tribunal, há necessidade de se ir penhorar bens de um determinado
cidadão. O funcionário do tribunal telefona e avisa o cidadão que
vai ser penhorado, para esconder todos os seus bens para não serem
encontrados na penhora ordenada. Por esse “serviço” o
funcionário tem a promessa de receber alguma soma em dinheiro e
algum presente. Também nesse caso, estamos em presença de
corrupção.
Pode
acontecer que o Juiz tenha despachado favoravelmente um requerimento
de um cidadão qualquer. P requerente, chegado à secretaria do
tribunal para saber do despacho, depara-se com dificuldades que o
obrigam a ter de “falar como homem”, pagando dinheiro para saber
do despacho. Até pode o funcionário pedir dinheiro para agilizar
um assunto já despachado.
Muitas
vezes, os funcionários do Tribunal dizem ao cidadão: “o seu
documento para ser despachado mais rápido, o juiz precisa de alguma
coisa”. Às vezes dizem isso já com um despacho favorável do
juiz. Depois de o cidadão pagar, oi falar como homem, o documento
sai da gaveta com data anterior ao pagamento. Isso é corrupção.
Nas
secções laborais, os trabalhadores depois de ganharem as acções
contra os seus patrões têm que “engraxar” com somas em
dinheiro aos funcionários das secretarias dos tribunais, para verem
o processo andar, ou tem que assumir o compromisso de que vão dar a
esses funcionários uma parte do dinheiro que recebem de
indenização.
Alguns
advogados pagam aos funcionários das secretarias dos tribunais para
não darem andamento a processos que não lhe sejam favoráveis,
prejudicando desse modo aqueles que a lei lhes favorece.
Nas
secções criminais, em conivência com os arquidos ou réus e seus
advogados, os funcionários fazem desaparecer processos-crime,
recebendo em troca elevadas somas em dinheiro ou bens materiais,
defraudando na base disso a aplicação da justiça.
Mas
pode acontecer que o juiz tenha ordenado a soltura de um cidadão
preso inocentemente. Com o mandado de soltura do juiz em seu poder,
o funcionário de secretaria retém-no, criando dificuldades até
ser-lhe pago dinheiro. Até nestes casos, pode o funcionário dizer
que o juiz pede alguma coisa para o soltar, numa situação em que a
ordem já foi emitida. Depois do pagamento, o funcionário vai logo
entregar o mandado de soltura. Outras vezes, o juiz pode ordenar a
captura ou levar os mandados de captura à PIC, o funcionário
corrupto, em antecipação, com o objectivo de cobrar dinheiro,
comunica o visado antes de serem desencadeados os procedimentos para
a captura do suspeito, facilitando-lhe assim a fuga.
1.2.
ACÇÃO DOS JUÍZES
Até
agora estivemos a falar de actos de corrupção praticados pelos
funcionários dos tribunais ou com eles relacionados. Que actos de
corrupção podem ser praticados pelos juízes?
Passemos,
então, a falar do papel dos juízes no fomento da corrupção.
O
impacto de um acto de corrupção praticado por um juiz é
multiplicador, isto é, a sua conduta negativa pode influenciar a
todos os que estão à sua volta, desde os funcionários judiciais,
os procuradores, os advogados, a Polícia, entre outros.
Em
conivência com os funcionários judiciais que consigo trabalham,
pode um juiz cultivar o espírito de só despachar os processos,
naquilo que é sua obrigação, mediante pagamento de dinheiros ou
ofertas de bens materiais.
Nessa
ordem de idéias o juiz retém o processo, mesmo sabendo que podia
despachar em tempo útil. Mesmo que a pessoa tenha razão, o juiz
demora propositalmente para criar o espírito de ser ele quem
resolveu tudo o que emperrava o processo.
Nestes
casos, o juiz tem alguns funcionários que vão comunicando às
partes interessadas as condições que podem obrigar o juiz a
favorecer a parte que pagar.
É
freqüente nos distritos e mesmo nas províncias, haver só um juiz
e um procurador.
Se
o procurador for muito amigo do juiz, todas as pessoas com boas relações
com o procurador, falam com este, que por sua vez, contacta o juiz.
Depois de receber ofertas ou dinheiro entregue via procurador,
decide a favor das pessoas que lhe tenham pedido. Mas, pode
acontecer que o próprio juiz use o seu amigo procurador para cobrar
dinheiro ou bens, como condição para se pronunciar sobre
determinado processo.
Muitas
vezes a corrupção dos juízes é alimentada pelos advogados.
Alguns advogados procuram conhecer a casa do juiz, a quem lhe mandam
presentes ou dinheiro, indicando a razão da oferta. Outros
telefonam para o juiz, pedem encontros em locais discretos para
fazer ofertas condicionadas. Outros advogados marcam audiência com
juízes e, lá chegados, fazem ofertas fabulosas, obrigando os juízes
inseguros a ceder. Contam-se exemplos de juízes encontrados nos
seus próprios gabinetes a receber dinheiro de advogados com
interesse em determinado processo.
Há
juízes que chegam a comprometer a sua nobre missão por causa de
uma garrafa de whisky, oferecida por um advogado ou um almoço num
restaurante de 2ª classe, ou ainda a promessa de uma vantagem
qualquer. Há juízes que, movidos por interesse corruptor dos
advogados, chegam a viajar para fora do país para receber dinheiro,
de modo a tomar uma decisão favorável ao seu constituinte. Há juízes
que condicionam o despacho favorável a uma oferta do advogado de
parte do dinheiro que o advogado vai receber do seu cliente.
Na
área criminal, há juízes que pactuam com os agentes da PIC,
inspectores ou outros com funções de comando na policia, promovem
solturas ilegais contra pagamento de elevadas somas de dinheiro ou
contra troca de benesses. Há juízes que preferem partilhar com os
criminosos o produto do roubo, em troca da soltura daqueles, sem no
entanto se importarem com a sua perigosidade social, nem com
eventuais danos humanos que tenham criado.
Nas
secções laborais, é maior a tendência de juízes se aproveitarem
da fragilidade técnica dos trabalhadores na dedução dos seus
pedidos, e que obrigando a lei aos juízes proteger os
trabalhadores, por serem a marte mais fraca, ao aparecer como
favorecedores dos trabalhadores, exigem a repartição com aqueles
dos valores das indenizações.
Há
casos de juízes que ajudam os trabalhadores a deduzir ou a fazer
requerimentos que eles próprios vão despachar, favorecendo o
trabalhador, recebendo em contrapartida uma oferta valiosa em
dinheiro ou bens.
Nas
acções de indenização dos trabalhadores, para estes ganharem têm
que assegurar ao juiz metade do valor reclamado. Noutros casos
ainda, se as empresas emitem os cheques de indenização para os
tribunais para aí serem pagos os valores aos trabalhadores que
tenham ganho as acções, os juízes que terão de assinar os
cheques a favor dos trabalhadores, condicionam tal procedimento a
uma fatia do valor do cheque a emitir.
São
muitas as informações de juízes que ficam nas barracas momentos
antes de irem ao serviço, e que, chegada a hora da diligência,
mandam chamar para a barraca o réu ou arquido, pedindo-lhe para que
pague uma ‘média’ sob pena de a decisão lhe sair
desfavorável.
1.3. O PAPEL DOS ADVOGADOS NA PROMOÇÃO
DA CORRUPÇÃO
Conhecem-se
numerosos exemplos de advogados que, à margem da lei, fogem às
notificações endereçadas pelos oficiais de diligências.
Normalmente, por saberem que os oficiais de justiça são mal pagos
pelos Estado, dão ao oficial 50 mil meticiais para o oficial de
diligências lhe notificar só quando lhe convier.
Às
vezes, o advogado para dinheiro aos funcionários do cartório para
conseguir dar entrada a documentos fora do prazo indicando-se uma
data favorável ao advogado.
São
freqüentes as vezes que os advogados se abeiram dos escrivãos de
direito para, contra pagamento, conseguirem juntar documentos ou peças
processuais fora do prazo.
Mas,
os casos mais gritantes são aqueles em que os advogados conseguem
ter acesso ao juiz. Advogados há que vão aos gabinetes dos juizes
com elevadas somas de dinheiro para ‘comprar’ ao juiz uma dada
sentença ou despacho. Por vezes a corrupção a este nível tem
contornos caricatos: por vezes é possível comprar sentenças por
uma simples garrafa de whisky, por um simples almoço ou lanche, o
que torna a corrupção de tamanha baixeza.
Há
advogados que prometem aos juízes a metade dos honorários que lhes
são devidos pelos seus constituintes, no intuito de obter uma
sentença que lhe dê vantagem, ou simplesmente emitem cheques ou vão
deixar bens na casa dos juizes, designadamente electrodomésticos,
chaves de viaturas, tudo isso para conseguirem despacho favorável
do juiz.
No
domínio criminal, o papel dos advogados é cada vez mais activo com
recurso até a pessoas próximas do juiz, ora marcando encontro em
grandes hotéis, no país ou no estrangeiro, ora fazendo chegar
dinheiros ou bens que chegam até a incluir viaturas ou imóveis,
tudo dependendo dos indiciados ou do tipo do crime.
Há
até advogados mais atrevidos: chegam a deslocar-se a casa de
juízes para lhes propor ‘pactos de ilegalidade’, para
persuadi-los a tomar decisões que lhes sejam favoráveis, contra a
entrega de razoáveis somas de dinheiro fresco e promessa de outras
benesses depois do desfecho do caso.
Mas
a corrupção do advogado na administração da justiça não se
esgota no tribunal. No dia-a-dia, o advogado fala e tenta corromper
os agentes da PIC, pagando-lhes até somas de dinheiro para um
determinado processo não prosseguir, sonegar provas ou fazer uma
recolha deficiente da mesma para, por uma ou outra forma, conduzir
à soltura dos indiciados.
O
mesmo acontece com o papel que desempenha um advogado, com relação
aos procuradores. É frequente os advogados estarem em conluio com
os procuradores para estes retirarem o papel acusatório ao Ministério
Público, agindo não como advogado do Estado, mas tomando um papel
ridículo de advogado do argüido ou indiciado, só e somente por
causa de bens ou dinheiro.
1.4.
ACÇÃO DA POLÍCIA
Como
antes dissemos, a polícia é uma fonte significativa de promoção
da corrupção para o sistema judicial, sobretudo a PIC - Polícia
de Investigação Criminal.
Vamos
supor que um cidadão é detido na esquadra da polícia, em virtude
da suspeita de ele ter praticado determinado crime. Ao ser levado
para a PIC, o agente instrutor do processo, contra troca de
dinheiro, fá-lo de modo a não escrever nos autos o que o cidadão
indiciado fez para os inspetores, os procuradores ou mais tarde os
juizes não encontrarem matéria para o manterem detido e, assim,
soltarem um criminoso ou indiciado.
Muitas vezes os
cidadãos são molestados pela polícia para confessarem crimes que
não cometeram e, ainda por cima, são obrigados a pagarem a sua
soltura.
Pode
acontecer que os familiares de um cidadão detido, ao se aperceberem
da sua passagem da Esquadra para a PIC, entrem em contacto com esta
para saberem quem é o agente instrutor do processo. Ao encontrarem
o agente, falam com ele, pagam dinheiro e o processo é arquivado,
enquanto é solto o indiciado de criminoso. Tais actos do agente,
podem ser praticados com a colaboração dos próprios inspectores,
que acabam recebendo a sua fatia em dinheiro ou bens, para
corroborarem com os subordinados.
Alguns
inspectores e agentes da PIC fazem um papel caricato: depois de
receberem o dinheiro, dão-se ao luxo de rasgar processos-crime,
soltando em seguida os argüidos. Conhecem-se muitos casos.
Algumas
pessoas, indiciadas ou familiares destas, chegam a fazer grandes
pagamentos aos inspectores ou agentes da PIC, que não incluem só
dinheiro, mas também bens materiais (aparelhos sonoros, casas de
habitação, viaturas etc.) ou viagens para o estrangeiro,
nomeadamente para a África do Sul ou Dubai. Os pagamentos são
proporcionais à gravidade da infracção criminal de que o cidadão
é indiciado, se se tratar de tráfico de droga ou de roubos
(assaltos), bem como homicídios, crimes econômicos ou furtos em
bancos, o pagamento aos agentes da PIC é bem maior.
A
polícia, no seu todo, também pratica corrupção. Quantas vezes a
polícia de proteção, quando faz ronda, encontra cidadãos em
infracções criminais que, depois de intimados a ir à esquadra,
acabam voltando a caminho daquela ou são da esquadra soltos sem
justificação? Quantas vezes o cidadão não assistiu, do interior
de um chapa, um polícia de transito a receber dinheiro de um
motorista infractor?
1.5.
A ACÇÃO DAS CADEIAS
Não faz
muito sentido que, estando preso, um cidadão apareça em bailes de
fim-de-semana. Há cidadãos que, encontrando-se presos, são vistos
nas lojas da cidade a fazer compras. Outros, simplesmente dormem em
casa todos os dias, apresentando-se todas as manhãs na cadeia.
Quantas vezes nos cruzamos, nos semáforos, com criminosos a
conduzirem seus carros, depois de os termos visto na televisão com
indicação de estarem condenados a muitos anos de prisão?
Quantas
vezes nos cruzamos em aniversários ou casamentos com pessoas que
deviam estar na cadeia? Estas práticas todas, não são isoladas. A
saída de um cidadão da cadeia para passear na cidade, com o risco
de voltar a praticar o mesmo crime, tem a ver com a contraparte de
troca, que é o dinheiro. Isso reporta a corrupção por excelência.
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