Relatório da
II
Caravana de Nacional Direitos Humanos
"Já me tiraram
a comida e o sol,
já levei chute e
bofetada.
Abriram as pernas da
minha mulher,
arrancaram a roupa de
minha mãe.
Não tem mais o que
tirar de mim,
só ódio."
J. M. E.
31 anos, preso no Rio
de Janeiro.
Apresentação
Os presídios
talvez sejam o outro lado da moeda, a face obscura que nos
recusamos a ver de nós mesmos. É difícil penetrar no interior
dessas instituições totais e resistir à estranha lógica
produzida nos seus limites. Falamos de um mundo à parte que, não
obstante, é uma expressão desse mundo. Sua mais completa e traiçoeira
tradução. As reações daqueles que, em nome da sociedade,
entram em contato com o sistema prisional são, por certo, bem
variadas. Há os que revelam a inacreditável capacidade de
transitar pelos corredores desses labirintos modernos sem
descobrir neles o indefinido mal estar que costumamos sentir
diante do implacável. Para esses, tudo se passa como se a
instituição da própria sociedade nos fosse legada em termos
irrecorríveis. Os presídios, afirmam, são um mal necessário.
Assim, se há necessidade no mal, importa aceitá-lo e, ato contínuo,
identificar como mal inaceitável as pretensões críticas que o
contestam. Se a maldade cumpre, dessa forma, função legítima
entre nós, então os que a sustentam são funcionários do mal.
De outra parte, há
os que, diante do horror construído pelo fenômeno moderno da
privação da liberdade, encontram sua própria identidade e se
reconhecem humanamente no sofrimento de internos e condenados. Não
se trata, por óbvio, de uma escolha, mas de uma imposição
ditada por um determinado senso moral. A solidariedade é uma
conduta tanto mais urgente e evidente quanto maiores forem as
privações e a dor dos seres humanos que, quando conhecidas,
passam a ser compartilhadas por nós. A solidariedade devida aos
encarcerados, entretanto, é rarefeita em sociedades como a nossa
e é superada largamente pela indiferença, quando não pela noção
medieval de vingança. Naturalmente, o senso comum produz a redução
de todos os seres humanos que cumprem a pena privativa de
liberdade à condição de "delinqüentes" ou, como
prefere a cultura policial no Brasil, à classificação de
"vagabundos". Não há, entretanto, qualquer ontologia
do crime ou uma "essência"a definir o
"criminoso". As pessoas que se encontram encarceradas
possuem entre si pouco em comum além do fato de serem
invariavelmente pobres, jovens e semi-alfabetizadas. O que as
distingue não é, comumente, mais nem menos do que aquilo que nos
faz diferentes. Nesse sentido, a instituição prisional é
produtora de uma identidade criminosa além de ser, concretamente,
um dos fatores criminogênicos mais importantes. O fato é que as
chamadas "instituições totais" organizam de tal forma
as privações e distribuem com tanta radicalidade o mal que,
imediatamente, nos vemos confrontados em nossa condição humana
pela própria desumanidade da instituição.
Quando falamos em
presídios - como de resto de qualquer outro fenômeno social - há,
então, antes mesmo da fala, uma posição preliminar que
seleciona nossa atenção, que hierarquiza nossos sentimentos, que
fixa ou desvia nosso olhar. A depender da posição da qual
falamos, teremos chances distintas de compreender o que se passa e
captar o real em suas dimensões mais significativas. Digo
"posição", mas poderia dizer "predisposição".
Ocorre que não me refiro a um conjunto mais ou menos coerente de
noções político-ideológicas que estariam, necessariamente,
informando a atitude dos sujeitos. Antes disso, quero me referir a
uma determinada escala de valores que portamos e que, ao mesmo
tempo, nos suporta. A idéia de "dignidade", por
exemplo, haverá de perturbar o visitante que a possua. O que
vemos no interior dos presídios, particularmente nas atuais condições
de encarceramento, é uma afronta permanente a este e a muitos
outros valores fundamentais para a condição humana. É impossível
dar conta desse estranhamento a partir de uma visão formatada
desde o exterior dos presídios. Alguém que experimente as condições
de vida em sociedade nesse final de século vive, necessariamente,
em coordenadas espaço-temporais que não guardam qualquer relação
com aquelas vividas realmente pelos encarcerados. Os seres humanos
dessa época são, também, aqueles que descobrem-se
progressivamente em um mundo onde as distâncias diminuem. Por
conta disso, pode-se afirmar que nossos espaços são
infinitamente maiores do que já foram. Pela mesma razão, nosso
tempo é cada vez menor. Se disséssemos, então, que nossa época
nos oferece cada vez mais espaço e cada vez menos tempo estaríamos
sintetizando uma das mais importantes características da vida
moderna. Os encarcerados, por contraste, são aqueles para os
quais não há qualquer espaço e que dispõem de todo o tempo.
"Todo o tempo" é o tempo infinito. Mas o sofrimento
diante do tempo infinito é, também, um sofrimento infinito. É
preciso compreender isso para que possamos situar verdadeiramente
o primeiro pressuposto da experiência prisional.
A II Caravana
Nacional de Direitos Humanos, que teve como tema a realidade
prisional brasileira, esteve em 6 estados: Ceará, Pernambuco, Rio
de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná. Ao todo,
entre presídios, penitenciárias e delegacias, foram 17 instituições
visitadas. O conjunto de estabelecimentos inspecionados reuniu
cerca de 15 mil presos, o que nos confere uma amostra bastante
significativa. Foram 9 dias de trabalho ininterrupto, com visitas
que se estenderam, muitas vezes, noite a dentro. A Caravana foi
organizada em uma relação estreita de colaboração com muitas
pessoas e entidades. Deve-se destacar, não obstante, o papel
desempenhado em todas suas fases pela Pastoral Carcerária da
CNBB. O trabalho anônimo e a dedicação de seus integrantes no
cotidiano da vida prisional escreve uma das páginas mais honrosas
da militância pelos Direitos Humanos no Brasil. Nossas inspeções
se realizaram, todas, sem prévio aviso, o que garantiu a
possibilidade de inúmeros flagrantes de situações irregulares e
procedimentos ilegais. A sensação que temos, ao final dos nossos
trabalhos, é a de que conhecemos um sistema absolutamente
"fora da lei". Os imperativos definidos pela Lei de
Execução Penal (LEP) são solenemente ignorados em todos os
estados. Realidade do arbítrio, os presídios brasileiros são
uma re-invenção do inferno. A resultante, entretanto, não é
uma construção metafísica ou uma especulação religiosa. Aqui,
os demônios tem pernas e visitam os presos a cada momento.
Deputado Marcos Rolim
Presidente da Comissão
de Direitos Humanos
I - CEARÁ
Iniciamos nossos
trabalhos no Ceará, em 28 de agosto de 2000. A Comissão de
Direitos Humanos vinha acompanhando com preocupação as notícias
sobre a crise aguda enfrentada no Instituto Penal Paulo Sarasate (IPPS)
de Fortaleza. Ali, sabía-se pela imprensa, havia um estado já
prolongado de descontrole marcado por cenas de violência e troca
de tiros entre policiais e internos. Essa crise nos fez escolher o
Ceará para o início da Caravana.
Do aereoporto, a
comitiva integrada pelo Deputado Marcos Rolim (PT/RS), presidente
da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados (CDH),
pelo Deputado Dr. Rosinha (PT/PR) e pelas assessoras da CDH Janete
Lemos e Marilda Campolino, nos dirigimos à Assembléia
Legislativa para uma reunião na Comissão de Direitos Humanos,
presidida pelo Deputado estadual João Alfredo (PT). Participaram
dessa reunião o Deputado Federal José Pimentel (PT/CE) os
senhores Deodato Ramalho Júnior, presidente da Comissão de
Direitos Humanos da seção estadual da OAB, e Murilo Rocha Lima,
vice-presidente; os representantes da Pastoral Carcerária do Ceará,
Padre Marcos Passerini; e a Sra. Velma Lima Verde; a advogada
Roberta Lia Sampaio Araújo, do Escritório Frei Tito e Najuc; a
psicóloga Núbia Dias Costa, do Fórum da Luta Antimanicomial; Lúcia
de Fátima Nogueira Holanda, representando a Anistia Internacional
e o Conselho Regional de Psicologia; além de acadêmicos de
direito e representantes do Sindicato dos Agentes Penitenciários.
Durante duas horas, ouvimos as opiniões dos presentes sobre a
situação penitenciária do estado, recolhendo informações que
nos ofereceram uma idéia aproximada do contexto da crise vivida
pelo sistema penitenciário cearense.
O sistema penitenciário
cearense é integrado por 140 estabelecimentos. Desse total, 135 são
cadeias públicas, 3 presídios (IPPS com cerca de 1.200 detentos,
Instituto Penal Paulo Olavo Oliveira – IPPOO - com mais de 400
internos, e Instituto Penal Feminino Desembargadora Auri Moura
Costa, com 112 detentas) além de 2 Colônias Penais Agrícolas.
No total, o complexo abriga aproximadamente 5.200 presos e dispõe
de uma capacidade de encarceramento para, no máximo, 3.600 vagas.
Não se tem notícia
de iniciativas concretas desenvolvidas pelo Ministério Público
Estadual que tenham obrigado o Estado a qualquer ação que
resgate suas obrigações legais para com a população carcerária.
As condições de execução penal são, de resto, agravadas pela
conduta no geral omissa e distante de vários magistrados. Por
inacreditável que pareça, em que pese a situação já insuportável
de superlotação de todos os estabelecimentos penais no Ceará e
o histórico de violência em algumas dessas instituições onde,
nos últimos dois anos, morreram 23 presos, o Juiz da Vara de
Execuções Criminais de Fortaleza, Sr. Cláudio de Paula Pessôa,
oficiou, em 21de junho do corrente, ao Presidente da Comissão de
Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado do Ceará,
Deputado João Alfredo, comunicando a impossibilidade de estagiários
do curso de direito do Centro de Assessoria Jurídica Universitária
(CAJU/UFC) terem acesso aos processos dos apenados para a prestação
de assistência jurídica devida aos mesmos que lhes é negada
objetivamente pela omissão do Estado. O ilustre magistrado,
fundamentando-se na "inexistência do devido instrumento ou
mandado" considerou a pretensão de tão relevante projeto
"prejudicada". Como o advogado encarregado de coordenar
o projeto com os acadêmicos não pode, pessoalmente, ter acesso a
todos os presos, nem saber de antemão quais aqueles que
encontrar-se-íam em condições de receber algum dos benefícios
previstos na LEP, a decisão judicial concorre objetivamente para
que os direitos dos apenados sejam solenemente desconsiderados.
Tudo, é claro, em nome da "Lei"; possivelmente a
"lei da selva" que impera nos presídios sob a sua
jurisdição. Outro destacado magistrado cearense, certamente
motivado pelo mesmo espírito público e sensibilidade social do
Sr. Cláudio de Paula Pessôa, Juiz do Município de Boa Viagem,
Sr. Pedro Pia de Freitas, proibiu a TV para os presos sob a psicótica
alegação de que "ela é coisa do demônio".
O sindicato dos
agentes penitenciários do Ceará estima em 800 profissionais a
carência de funcionários no sistema. Recentemente, por conta das
péssimas condições de trabalho e defasagem salarial, a
categoria realizou uma greve com duração de 12 dias. Em resposta
ao movimento, o governo do estado contratou os serviços de 60
vigilantes em uma empresa privada; providência sem qualquer
amparo legal. Esses vigilantes, mesmo após o retorno ao trabalho
dos agentes, continuam prestando serviços e estão hoje responsáveis
pela custódia de centenas de presos.
Cerca de 80% dos
presos cearenses são analfabetos ou semi-alfabetizados e
percentual ainda maior não dispõe de advogado ou defensor. Vivem
na mais absoluta ociosidade. Do total de presos no estado, cerca
de 200, apenas, desenvolvem alguma atividade laborativa, via de
regra em tarefas de manutenção e cozinha. Enquanto isso, no IPPS
há um galpão industrial onde poderiam estar trabalhando em um
mesmo turno 600 presos. Além de maquinaria e recursos produtivos
ociosos, o estabelecimento dispõe de 3 tanques para piscicultura,
também abandonados. Se eles funcionassem, poderiam estar
produzindo alimentos para toda a população carcerária do IPPS
com excedentes para a comunidade. Os detentos comem com as mãos e
os alimentos, via de regra comida estragada, lhes são oferecidos
acondicionados em sacos plásticos.
Há casos de presos
mortos, alvejados por policiais, quando empreendiam tentativa de
fuga. A praxe de permitir ou tolerar que agentes públicos
encarregados de fazer cumprir a lei disparem contra presos quando
todas as circunstâncias típicas dessas ocorrências demonstram
à exaustão a inexistência de risco ou ameaça à vida de alguém
, caracteriza frontal violação dos princípios da resolução
169/80 da ONU, subscrita pelo Brasil, que introduziu no Direito
Internacional o "Código de Conduta para os Funcionários
Encarregados de Fazer Cumprir a Lei". Por esse instrumento
jurídico, ainda hoje desconhecido por muitos dos próprios
operadores do direito, só há uma circunstância que pode
legitimar o disparo de armas de fogo: quando esta for uma
necessidade incontornável para salvar a vida de alguém,
incluindo-se aí a do próprio agente que pode estar ameaçado.
Atirar em presos, normalmente desarmados e pelas costas, passou a
ser no Brasil um ato da rotina e expressão do "estrito
cumprimento do dever legal". Em casos do tipo, inexistindo
ameaça iminente à vida do agente, a providência que se exige da
guarda externa é a captura. O emprego de balas de borracha, em
cirunstâncias também especiais, seria admissível nestes casos.
Nossa tradição, entretanto, é outra. Urge alterá-la em nome da
tutela do bem maior: a proteção da vida, incluída, bem
entendido, a do preso que intenta a fuga.
Terminada a reunião,
mantivemos contato telefônico com a Sra. Sandra Dond, Secretária
de Justiça do Estado, para solicitar a oportunidade de sermos
recebidos em audiência para tratarmos, particularmente, da situação
do IPPS. Era nossa intenção efetuarmos uma visita à instituição
no dia seguinte. Sabedores da crise vivida naquele estabelecimento
penitenciário, queríamos combinar procedimentos para a visita e
estabelecer as condições adequadas de segurança para tanto. De
início, a sra. Sandra mostrou-se absolutamente contrária à idéia
da visita. Seu argumento básico era que as condições de segurança
seriam inexistentes, o que impediria nossa entrada. Na conversa
mantida com o Deputado Marcos Rolim, a Secretária acrescentou que
as pessoas que estariam nos acompanhando, particularmente o Padre
Marcos, o Deputado João Alfredo e o Dr. Deodato - por serem
conhecidos dos presos - poderiam acrescentar elementos de
instabilidade à instituição. O Deputado Rolim ponderou, então,
que, quanto à segurança da comitiva, seria possível combinar
procedimentos e que uma eventual decisão do governo contrária à
nossa visita seria comunicada à imprensa o que, por certo e
contra a nossa vontade, haveria de acrescentar elementos de
instabilidade à situação de crise. A Sra. Secretária afirmou,
então, que examinaria nossa solicitação e que, mais tarde, nos
daria o retorno. Em contato posterior, a secretária confimou a
possibilidade da visita, ficando acertado que seríamos recebido
no IPPS na manhã do dia 29, às 10 horas.
O "DISTRITO MODELO"
fome e tortura na Aldeota
Ainda na noite do
dia 28, realizamos nossa primeira inspeção, visitando de
surpresa o II Distrito Policial, situado no coração da Aldeota,
bairro privilegiado de Fortaleza. Esse distrito localiza-se a
cerca de 500 metros da Secretaria de Segurança Pública do Estado
do Ceará, à qual está subordinado administrativamente. No
Distrito, nomeado pelo marketing político local de "Distrito
Modelo", há um prédio destacado dos demais onde situam-se
três celas para custódia de pessoas com prisão preventiva. Nas
três celas estavam amontoados 28 presos. Alguns há vários
meses. Um dos presos com quem nos entrevistamos, Joubert Messias
Santos Figuiredo, encontrava-se ali há exatos seis meses,
respondendo processo penal por tentativa de furto de um toca fitas
(!). Antes de descrever a situação dramática imposta àqueles
seres humanos, jovens pobres envolvidos, em geral, em delitos
contra o patrimônio, é preciso descrever o local que habitam: as
celas são imundas. De tal forma que o odor fétido que exalam
pode ser sentido ainda no pátio interno do distrito policial.
Todas elas são escuras e sem ventilação. Ao alto, em uma das
paredes, há uma pequena abertura gradeada com não mais que 15
centímetros de largura. No chão, em meio à sujeira e ao lixo,
transitavam com desenvoltura dezenas de baratas. Nas paredes
laterais das celas, inscrições firmadas com o sangue dos seus
autores nos oferecem a sugestão de sofrimentos passados. Também
nas paredes, outras mensagens gravadas com o auxílio de cascas de
banana complementam a sujeira toda. Ao alto, no teto desses cárceres,
centenas de pequenos aviõezinhos de papel, confeccionados pelos
internos, encontram-se grudados pelo "bico", como se ali
se depositasse simbolicamente uma compreensível vontade de
"voar". A visão geral é deprimente.
Todos esses presos
estão obrigados a dormir no chão, sobre a lage, sem que lhes
seja oferecido sequer um colchão ou uma manta. Disputam, assim,
espaço com os insetos. A nenhum deles é permitido que tenham
acesso, mesmo que restrito, a qualquer área aberta. Não tomam
sol, não caminham nem se exercitam. A longa permanência naquele
lugar nojento lhes provoca crises nervosas, acessos de choro e
doenças as mais variadas, destacadamente as doenças de pele e as
bronco-pulmonares. Lhes assegura, também, uma coloração
especial, algo assim como um tom esmaecido entre o branco e o
amarelo pelo que é possível lembrar, alternadamente, as imagens
de hepáticos que perambulassem ou de cadáveres que insistissem
em viver.
Se é possível
imaginar, ainda, condições agravantes a essas, não seria demais
relatar que nenhum daqueles presos que sequer foram sentenciados -
pelo que presume-se, como o assegura a Constituição Federal,
suas inocências - recebem do Estado a alimentação que lhes é
devida por lei. Repetimos: não recebem qualquer alimentação do
Estado. Sobrevivem às custas de parcos mantimentos que lhes são
entregues por familiares quando das visitas. Assim, famílias
miseráveis que já se deslocam com dificuldade ao Distrito,
descobrem-se na obrigação de evitar que seus filhos morram de
inanição. Assinale-se que a maior parte das pessoas detidas
naquela pocilga não recebem visitas de familiares. Assim, os
mantimentos recebidos devem ser escrupulosamente divididos. Em
muitos momentos, os policiais que ali trabalham oferecem os restos
de suas refeições aos internos. Como se tudo isso não bastasse,
os presos relataram com detalhes procedimentos usuais de
espancamentos e maus tratos oferecidos por dois policiais. Entre
essas iniciativas, encontra-se, por exemplo, o sofrimento imposto
a um dos internos a quem se fez algemar em uma das celas, na
grade, por uma noite inteira. Assim trata-se, "modelarmente",
os presos no Ceará.
Por conta das
circunstâncias descritas sumariamente aqui, o Deputado Marcos
Rolim, o Deputado João Alfredo, o representante da OAB, Dr.
Deodato Ramalho, o representante da Pastoral Carcerária, Padre
Marcos, e a advogada Roberta Lia Araújo, subscreveram representação
ao Ministério Público Estadual, protocolada na tarde do dia 29,
na qual solicitam, com base no que dispõem os Tratados
Internacionais, a Lei de Execução Penal e a Lei contra a
Tortura, que o órgão fiscalizador da Lei determine a imediata
interdição das celas do II Distrito Policial de Fortaleza e que
DENUNCIE OS RESPONSÁVEIS PELA MANUTENÇÃO DAQUELES PRESOS PROVISÓRIOS
NAS CIRCUNSTÂNCIAS DESCRITAS COMO RESPONSÁVEIS PELA PRÁTICA DO
CRIME DE TORTURA.
NSTITUTO PENAL
PAULO SARASATE
- a visita que não
houve
No dia 29 de
agosto, pela manhã, conforme o combinado, estivemos no Instituto
Penal Paulo Sarazate. Fomos recebidos por integrantes da Polícia
Militar e encaminhados à sala da Guarda, situada logo à entrada
do estabelecimento. Não foi permitido o acesso da imprensa. Ninguém,
em nome do Instituto Penal, nos recebeu. Entramos em contato telefônico
com o Sr. Bento Laurindo, coordenador do Sistema Penitenciário do
Ceará, que encontrava-se na sala da direção do IPPS. Fomos
informados que a direção do estabelecimento havia
"selecionado" 20 apenados com quem poderíamos manter
conversação. Afirmamos que não iríamos conversar com presos
escolhidos pela direção e que poderíamos indicar presos com
quem gostaríamos de manter entrevista. Em sucessivos contatos
telefônicos, iniciamos uma negociação em torno dos
procedimentos a serem adotados tendo em vista a argumentação
sustentada pelo Sr. Bento Laurindo, de que não havia condições
de segurança para uma visita como a que desejávamos. Em certo
momento das tratativas, o Sr. Laurindo concordou que o Deputado
Marcos Rolim e o Padre Marcos subissem até a sala onde ele se
encontrava; vetava, entretanto, a presença do Deputado João
Alfredo. Tal postura nos pareceu inaceitável. O deputado João
Alfredo é o presidente da Comissão de Direitos Humanos da AL/CE.
Não havia qualquer argumento relevante que fundamentasse tal
exclusão. Além do mais, nos era negada qualquer inspeção às
instalações do IPPS e mantinha-se a impossibilidade de qualquer
contato com a massa carcerária. Avaliando conjuntamente com as
demais pessoas que integravam a comitiva, consideramos que a posição
sustentada pelo Sr. Bento Laurindo significava, concretamente, a
impossibilidade de uma inspeção séria. Assim, os Deputados
integrantes da Caravana e as entidades ali representadas tomamos a
decisão de nos retirarmos do estabelecimento, registrando nosso
protesto junto aos órgãos de imprensa que aguardavam na parte
externa. Posteriormente, a versão produzida pelas autoridades
locais a respeito do que ocorreu construiu a fantasia de que os
presos planejavam um "sequestro" dos Deputados; as
dificuldades impostas ao trabalho parlamentar, então, teriam sido
motivadas apenas pela preocupação com a nossa segurança.
CADEIA PÚBLICA DE
MARACANAÚ
- a liberdade é
uma rua
Frustrada a visita
ao IPPS, nos deslocamos ao município vizinho de Maracanaú, para
inspeção de sua Cadeia Pública. Trata-se de um pequeno
estabelecimento penal com apenas 5 celas. Sua lotação máxima,
admitindo-se 4 presos por cela, seria de 20 internos. Na manhã em
que lá estivemos, havia 74 presos encarcerados; uma media de 15
por cela (!) A cadeia não possui diretor. Fomos recebidos pelo
agente Francisco Eliano Ferreira da Silva, que prestou as informações
solicitadas e nos acompanhou à galeria.
Segundo o
levantamento do próprio estabelecimento (algumas folhas de papel
com apontamentos a lápis), cerca de metade dos presos cumprem
pena por delitos contra o patrimônio. Encontramos três pessoas
detidas com base no artigo 16 do Código Penal (consumo de drogas)
e 15 com base no artigo 12 (tráfico de drogas). Assim,
praticamente ¼ dos presos dessa cadeia pública estão detidos
por suas relações com as drogas ilícitas. Examinando mais
detidamente essas situações, percebe-se aquilo que parece ser
uma constante no sistema penitenciário brasileiro: em nosso país,
mandamos para a cadeia, na condição de traficantes, alguns
milhares de jovens pobres responsáveis pela venda de pequenas
quantidades de maconha ou cocaína. Em se tratando do crime de tráfico,
esses condenados são enquadrados na tristemente célebre
"Lei dos Crimes Hediondos" devendo cumprir suas penas
integralmente no regime fechado. Perdem, assim, o direito à
progressão de regime e superlotam os presídios. Este tipo de
prisão, por óbvio, não oferece qualquer embaraço aos
verdadeiros traficantes que, imediatamente, substituem a "mão
de obra" aprisionada. Nas periferias de qualquer cidade
brasileira, há milhares de jovens pobres "na fila",
aguardando uma vaga como prestadores de serviço nesse negócio -
o mais lucrativo do mundo - cujos donos não costumam frequentar a
prisão.
Na cadeia pública
de Maracanaú trabalham 3 policiais militares, um agente penitenciário
e dois vigilantes. Não há médicos ou dentistas, nem assistentes
sociais ou psicólogos. A cadeia não dispõe, também, de farmácia;
logo, não há remédios disponíveis. Entre os presos,
entretanto, muitos estão doentes. Encontramos casos de
tubercolose e um dos detentos possuía hanseníase. Há, pelo
menos, um caso de doença mental entre os internos. Os presos
recebem visita de familiares duas vezes por semana e têm acesso a
um pequeno pátio interno. Os familiares são desnudados quando da
revista. Os internos mantém relações sexuais com suas mulheres
quando das visitas organizando o acesso às celas em rodízio. Não
há no estabelecimento qualquer programa de prevenção a DST-AIDS
e os presos não recebem preservativos. A comida é ruim. Nenhum
preso estuda, posto que o estabelecimento não oferece aulas. Os
que sabem ler não podem fazê-lo porque não há biblioteca. Do
total de internos, apenas 6 trabalhavam em serviços de manutenção
e na cozinha. O Juiz responsável pela execução penal, Geraldo
Bizerra de Souza, visita o estabelecimento duas ou três vezes ao
ano. Segundo dispõe a LEP, deveria fazê-lo pelo menos uma vez ao
mês. A cadeia não oferece assessoria jurídica aos presos e o único
Defensor Público que aparecia por lá encontra-se de licença. Os
presos possuem um acesso restrito aos meios de comunicação, o
que é considerado uma "regalia". O entendimento permite
que rádio ou TV sejam retirados das celas como punição
disciplinar. A correspondência dos presos é violada, em
flagrante atentado ao que dispõe a Constituição Brasileira.
Estamos no sistema prisonal brasileiro, um sistema "fora da
lei". Os presos com quem conversamos almejam acima de tudo a
liberdade. Por enquanto, para eles, ela continuará sendo apenas o
nome da rua onde se situa a Cadeia de Maracanaú.
Ficha Técnica:
Cadeia
Pública de Maracanaú - fone 371.3063
Rua
da Liberdade s/n, Maracanaú - CE
Capacidade
- 20 presos
Lotação-
74 presos
Revista
íntima - Sim
Violação
do sigilo de correspondência - Sim
Trabalho
prisional - inexistente
Atenção
à saúde - inexistente
Educação
dos presos - inexistente
Assistência
Jurídica - inexistente
Acesso
ao pátio - sim, diariamente
Visitas
- sim
Visita
íntima - sim
Comida
- ruim
Estrutura
dupla de alimentação para funcionários - sim
Acesso
aos meios de comunicação - restrito
Cela
de isolamento - não
Denúncias
de espancamento - não
Denúncias
de corrupção - não
Armas
no interior do presídio - não
INSTITUTO PENAL
FEMININO
DESEMBARGADORA AURI
MOURA COSTA
- Um labirinto em
Fortaleza
À tardinha, após
termos encaminhado representação ao Ministério Público local
por conta das condições da carceragem do Distrito Modelo e
terminada coletiva à imprensa na Assembléia Legislativa, onde
alertamos sobre os riscos de uma tragédia de maiores proporções
no Intituto Penal Paulo Sarazate, nos dirigimos ao Instituto Penal
Feminino, onde fomos recebidos pela vice-diretora, Dra. Solange.
O estabelecimento
é um prédio que impressiona por sua inadequação. Antigo
convento em Fortaleza, o prédio encontra-se em estado bastante
precário. O governo do estado está concluindo as obras do novo
presídio feminino, que deverá ser inaugurado até o final do
ano. Por hora, as presas cearenses estão recolhidas no Instituto
Penal, que lembra a figura mitológica do labirinto. Aqui,
entretanto, o Minotauro não é uma figura imaginária, metade
homem, metade fera. Ele parece estar configurado nas próprias
regras da administração e no arbítrio reinante. Segundo a
vice-diretora, o estabelecimento poderia receber uma lotação máxima
de 50 detentas. No dia de nossa visita, não obstante, lá estavam
112 apenadas. A maioria das presas estão reclusas em alojamentos
- quartos grandes que fazem lembrar uma enfermaria. As únicas
celas existentes são aquelas usadas para isolamento disciplinar
ou por motivo de incompatibilidade ao convívio com a massa carcerária.
Essas celas de isolamento estão entre as piores que vimos em toda
a Caravana. São três pequenos cubículos escuros e úmidos aos
quais se tem acesso após uma serpentina de corredores e portas
chaveadas. Em um deles, uma das internas recolhidas nos mostrou a
situação dramática do isolamento levantando o colchão onde
dormia por sobre uma espécie de estrado. Em baixo, havia um
buraco no concreto, uma verdadeira cloaca onde habitavam inúmeras
baratas. As presas nesse isolamento relataram que é norma da casa
encaminhar diretamente ao castigo as presas reincidentes. Assim,
sem qualquer amparo legal, o Instituto oferece às presas
reincidentes uma condenação extra-judicial. Quando de nossa
visita, uma das detentas estava em isolamento precisamente por
esse "motivo". Descobrimos que os castigos disciplinares
são impostos sem que haja o devido processo legal, prática que
foi sustentada perante os integrantes da Caravana pelo agente
penitenciário chefe da segurança do Instituto sem qualquer
constrangimento. Muitas das presas com quem nos entrevistamos
acusam esse mesmo agente, um antigo trabalhador do sistema, como o
principal responsável pelos maus tratos que recebem. Constatada a
irregularidade do isolamento, cuja essência era apenas o arbítrio,
o Deputado Marcos Rolim solicitou à vice-diretora que
determinasse a imediata abertura das celas e o encaminhamento das
detentas para seus alojamentos de origem. Após consulta telefônica
à diretora, a responsável assentiu determinando o retorno de
todas as presas em isolamento, menos uma cujo convívio com a
massa carcerária poderia colocar sua vida em risco.
O presídio pratica
a revista com desnudamento, mas não viola a correspondência das
internas. Há duas professoras com turmas na Casa e há oferta de
telecurso para um grupo pequeno de internas. A comida servida é
boa e todos – internas, funcionários e integrantes da direção,
servem-se dela. Cerca de 60% das presas aqui foram condenadas com
base no artigo 12 do Código Penal (tráfico de drogas). O
percentual de condenações por tráfico é a esmagadora maioria
dos casos de prisões de mulheres no Brasil. De todas as presas
com quem conversamos nesse instituto, entretanto, apenas uma delas
havia "caído" com uma quantidade significativa de droga
ilícita. Algumas foram presas quando tentavam levar pequenas
quantidades de drogas aos seus maridos na prisão. Mas todas são
consideradas pela Lei brasileira como "traficantes". A
ironia é que dentro desse instituto penal, é bem possível que
as usuárias de maconha, por exemplo, tenham acesso a quantidades
bem maiores da droga do que teriam se estivessem em liberdade.
Aqui, a droga é vendida por funcionários e fuma-se sem o risco
de um flagrante.
As presas recebem
visitas e podem manter relacionamento sexual com seus namorados
e/ou companheiros. Nos alojamentos, invariavelmente limpos e
decorados, as detentas constróem os "Venustérios" ,
nome dado aos espaços reservados - demarcados com lençóis e
cobertores - onde se exercitarão na arte do amor. De alguma
forma, a humanidade se afirma ali em meio ao arbítrio e às ameaças.
Ela está presente em cada fita, em cada laço, nos espelhos, nas
rendas, nos batons, na vaidade daquelas mulheres, mães, amantes,
prisioneiras.
As presas
denunciaram que a direção da Casa não tolera as relações
homossexuais. Assim, por exemplo, uma detenta que tenha recebido
um alvará de soltura não poderá mais visitar uma eventual
companheira que permaneça presa. A interdição, obviamente, não
possui base legal e só pode ser compreendida como expressão de
um preconceito bastante funcional à crueldade.
Ficha
Técnica:
Instituto
Penal Feminino Desembargadora Auri Moura Costa
Av.
Sargento Hermírio S/N Fortaleza, CE
Diretora
- Eloísa Ribeira
F:
281.2554
Capacidade
- 50 presas
Lotação
- 112 presas
Revista
íntima - Sim
Violação
do sigilo de correspondência – Não
Trabalho
prisional - Precário
Atenção
à saúde - Precária
Educação
das presas - Precária
Assistência
Jurídica - Precária
Acesso
ao pátio - Sim
Visitas
- Sim
Visita
íntima - Sim
Comida
- Boa
Estrutura
dupla de alimentação para funcionários - Nâo
Acesso
aos meios de comunicação - Sim
Cela
de isolamento - Sim
Denúncias
de espancamento - Sim
Denúncias
de corrupção - Sim
Armas
no interior do presídio - Não
II - PERNAMBUCO
Em Pernambuco, a
Caravana contou, além dos Deputados Marcos Rolim e Doutor Rosinha,
com a presença do Deputado Federal Marcos de Jesus (PSDB/PE). A
comitiva foi completada com a presença dos Promotores de Justiça
Dr. Marco Aurélio Farias da Silva e Dra. Patrícia Carneiro, com
a psicóloga Esther Correia, as Assistentes Sociais Maria Conceição
Delgado e Muirá Belém; com o Deputado Estadual João Paulo (PT);
com os integrantes da Pastoral Carcerária Lenílson Batista
Freitas, Padre Marcos J. de Lima, Luiz Gonzaga, Dra. Renê
Patriota e Arnaldo Martins de Miramoa; do integrante do Gajop,
Jayme Benvenuto Lima Jr.; de Shella Carneiro de Souza, da Comissão
de Familiares de Presos; de Marileide Araújo Sena, da Comissão
de Defesa da Cidadania da AL/PE; de Erivam Araújo, da Comissão
Penitenciária de Pernambuco; de Andréa Pessoa, da Assessoria do
Deputado João Paulo; e de Janaína Negreiros, da Assessoria de
Imprensa do Ministério Público do Estado; além de inúmeros
jornalistas da imprensa de Pernambuco.
PRESÍDIO PROFESSOR
BARRETO CAMPELO
- reclusão em
convivência
Nossa primeira
visita em Pernambuco deu-se na ilha de Itamaracá, vizinha de
Recife. Quando da Primeira Caravana Nacional de Direitos Humanos,
em junho, estivemos nessa cidade visitando o Manicômio Judiciário
do Estado, um dos piores do país. A expectativa que tínhamos,
então, era a de encontrar um presídio em péssimas condições.
Em que pesem os graves problemas enfrentados, entretanto, o
estabelecimento apresenta algumas características que permitem
que as condições gerais de execução penal sejam ao menos
suportáveis. Fomos recebidos pelo Vice-diretor, senhor Alexandre
Ferraz, que respondeu a todas as perguntas da comitiva e assegurou
que a inspeção se realizasse sem qualquer constrangimento.
O presídio
encontra-se superlotado. Sua capacidade máxima é de 370
internos. A lotação quando da visita, porém, alcançava 1.032
presos. A média é de 9 presos por cela, o que, além do
sofrimento, proporciona um próspero mercado de compra de camas.
Por R$ 100,00 um detento pode comprar um lugar mais adequado para
dormir. Estas condições de celas superlotadas, entretanto, é
amenizada pela determinação da direção do presídio em
permitir que todos os presos convivam durante o dia nos pátios
internos. Por uma medida de bom senso, assegurou-se no Barreto
Campelo uma condição muito rara de convivência entre os presos.
O acesso às cantinas que existem no estabelecimento -
administradas sempre por um preso que paga uma taxa de R$ 60,00 à
administração - mais as possibilidades, ainda que restritas, de
esporte e permanência às quartas e domingos com os familiares,
fazem do Barreto Campelo um lugar mais humano do que a média dos
presídios brasileiros.
Logo na entrada,
uma primeira boa surpresa: o presídio não realiza revista íntima
sobre os familiares. Todos são obrigados a passar por um detector
de metais que funciona bastante bem. Assim, preserva-se a segurança
do estabelecimento sem submeter os familiares à humilhação do
desnudamento. De todos os presídios visitados pela Caravana, esse
foi o único a não adotar o desnudamento das visitas como praxe
de revista.
As instalações são
precárias e apresentam problemas graves de higiene. No lugar onde
a comida é servida aos presos, há vazamentos no esgoto, o que
oferece riscos à saúde de todos. Lixo acumulado no lado externo
do edifício exala mal cheiro e reúne grande quantidade de
insetos. A chamada enfermaria é uma sala onde ficam alojados os
doentes., a maioria deles com tuberculose. O local é inadequado,
as paredes são de pintura simples, desgastada, o que
impossibilita a boa higiene. A parte hidráulica é precária. Os
presos relatam dificuldades extraordinárias para atendimento médico
e reclamam da falta de medicamentos. Há uma farmácia cujo
estoque, conforme certificou o Deputado e médico Dr. Rosinha, é
precário. Não há programa de prevenção a DST-AIDS e os presos
não recebem preservativos. Os soropositivos, entretanto, recebem
medicação adequada. Do total de internos, 183 trabalham
em serviços de manutenção e cozinha, percebendo R$ 90,00 por mês.
Não há oficinas de profissionalização, nem convênios com a
iniciativa privada para trabalho prisional. Há aulas regulares no
presídio mas apenas 53 presos estudam, o que perfaz pouco mais de
5% do total; 82% dos internos são analfabetos. Numa situação
assim, percebe-se o quanto seria adequado que os Juízes
concedessem remição por dias de estudo. O presídio conta com os
serviços de l médico e 1 dentista, ambos com 20h semanais. Dispõe,
ainda, dos serviços de uma terapeuta ocupacional e de uma
enfermeira. A comida é de baixa qualidade e o estabelecimento não
dispõe de nutricionista. O presídio oferece assessoria jurídica
aos presos com 3 advogados que, entretanto, não dão conta da
demanda em função da superlotação. Os juízes de execução,
Dr. Cícero Bitencourt e Adeíldo Nunes, tanto quanto os
promotores Paulo la Pedra e Marco Aurélio, visitam regularmente o
estabelecimento. O estado de Pernambuco, por uma portaria do Poder
Judiciário, estabeleceu pioneiramente o direito de visitas
homossexuais nos presídios. No Bruno Barreto há um pavilhão
para ospresos homossexuais. Ali convivem em uma comunidade e
recebem suas visitas. Os funcionários - 74 ao todo - são agentes
penitenciários. Oitenta por cento deles possuem formação
superior e seu salário médio fica em torno de 650,00. Admite-se
que os agentes portem armas dentro do presídio. Os presos têm
acesso aos meios de comunicação e não se admite puni-los
subtraindo esse direito. Não há mecanismos de representação
prisional formais. Os "chaveiros" - presos que portam
chaves e auxiliam na administração - fazem o "meio de
campo" entre a direção e a massa carcerária. Os detentos
queixaram-se, basicamente, da falta de assistência jurídica. Há,
ao que tudo indica, casos de violência. Presos queixaram-se de
que um outro interno - ex-policial - estaria acostumado a bater em
internos impunemente. Afirmaram, também, que alguns detentos
tiveram seu cabelo raspado à força à guiza de punição
disciplinar. A própria direção informou que há um caso grave
de violência perpetrada por agente contra preso, que encontra-se
em investigação. Encontramos um preso - Ivanildo Clementino de
Oliveira - que é portador de sério problema de saúde mental.
Ele estava em uma cela de isolamento na companhia de outros três
detentos.
Um censo penitenciário
realizado no Presídio em 1998 nos oferece um conjunto de dados
que, muito provavelmente, traçam um perfil aproximado da
realidade carcerária atual no Barreto Campelo. Segundo aquele
censo, para um total de 978 presos, existirtiam 23,1% de
condenados por tráfico; 39,8% condenados por homicídio; 15, 8%
condenados por furto; 40,7% condenados por roubo e 7,8% condenados
por estupro. As penas acima de 20 anos alcançariam 33% dos
presos; entre 13 e 20 anos, 25,6%; entre 09 e 13 anos, 13,5%; de 5
a 8 anos, 17,6%; de 2 a 5 anos, 9,5% do total; sendo 0,2% o
percentual de presos provisórios. 40,3% dos presos eram brancos;
8,5% negros e 51,2% mestiços. Os reincidentes perfaziam 25,4%
contra 74,6% de presos primários. Quanto à progressão de
regime, 72,7% deles jamais haviam obtido esse direito e 93% nunca
obtivram livramento condicional. Os analfabetos perfaziam 36,5% do
total. 52% não haviam completado o primeiro grau; 7,6% tinham o
primeiro grau completo; 2,1% o segundo grau incompleto; 1,4% o
segundo grau completo e apenas 0,4% dos presos possuiam formação
superior.
O presídio
costumava, quando de nossa visita, violar o sigilo de correspondência
dos apenados. Por solicitação do Deputado Marcos Rolim, o Sr.
Promotor Marco Aurélio Farias da Silva, ainda no interior do Presídio,
determinou ao sr. Vice Diretor que sustasse esse procedimento
imediatamente.
Aqui, como em todos
os presídios que visitamos, a miséria confunde-se com a delinqüência.
Há exemplos impressionantes que o confirmam de maneira eloqüente:
Genílson Lima da Silva tem apenas 20 anos. Foi condenado, por
conta de um assalto, a 4 anos de prisão em regime semi-aberto. Já
cumpriu quase a metade da pena em regime fechado e poderia alcançar
sua liberdade se tivesse um advogado. Genílson, no entanto,
deseja ser transferido para a penitenciária agrícola porque lá
terá certamente trabalho e com o que deverá receber do sistema
poderá ajudar sua família. "Se eu for solto, diz ele, não
vou arrumar emprego e aí, como é que vou viver?"
Ficha Técnica:
Presídio
Professor Barreto Campelo
Itamaracá,
Pernambuco
Rua
Engenho Macaxeira s/n Ilha de Itamaracá
F:
548.0326
Diretor
- Cel. Elias Augusto Siqueira
Capacidade
- 370 presos
Lotação
- 1.032 presos
Revista
Íntima - Não
Violação
do sigilo da correspondência - Sim
Trabalho
prisional - precário
Atenção
à saúde - precária
Educação
dos presos - precária
Assistência
Jurídica - precária
Acesso
ao pátio - sim
Visitas
- sim
Visitas
íntimas - sim
Comida
- ruim
Estrutura
dupla de alimentação de funcionários - sim
Acesso
aos meios de comunicação - sim
Celas
de isolamento - sim
Denúncias
de espancamento - sim
Denúncias
de corrupção - não
Armas
no interior do presídio - sim
PRESÍDIO PROFESSOR
ANÍBAL BRUNO
- violência e arbítrio
Um dos piores presídios
do país, atualmente, o Aníbal Bruno, de Recife, talvez seja um
dos recordistas mundiais em superlotação. Para uma capacidade de
524 presos, o estabelecimento contava com 2.988 internos no dia 30
de agosto, quando de nossa visita, ou seja: quase 6 vezes a sua
lotação máxima. Fomos recebidos pelo Oficial da PM Evandro
Carvalho Moura e Silva, diretor do estabelecimento. O presídio
conta com uma estrutura administrativa caótica, com policiais
militares e agentes penitenciários dividindo funções no contato
diário com os presos. Pelo que pudemos perceber, cabe aos PMs que
trabalham dentro do estabelecimento a manutenção da disciplina,
o que é feito com uma dose de violência absolutamente
despropositada e com uma série de castigos arbitrários e
ilegais. Em uma cela de castigo havia 28 presos
"isolados" por infração disciplinar. A Caravana
solicitou ao diretor do estabelecimento a oportunidade de se
entrevistar reservadamente com esses presos. Essa providência é
a única capaz de garantir que os presos falem abertamente sem
quaisquer constrangimentos. A entrevista nos foi negada
peremptoriamente. Mesmo assim, 14 dos presos amontoados nessa cela
falaram abertamente dos motivos irrelevantes pelos quais foram
encaminhados ao castigo, tudo isso na presença do diretor e de vários
PMs fortemente armados. Um dos presos nessa cela estava há 76
dias em isolamento, o que é simplesmente inadmissível.
O presídio possui
histórico de motins e fugas. Quando os presos chegam ao presídio
são encaminhados a uma cela de triagem e ali permanecem por uma média
de 8 dias. Muitos relataram casos de espancamento nesse período.
Há também casos de morte violenta em seu interior. Nem seria de
se esperar coisa diversa. Na cela de segurança número 4, Luciano
Batista Silva - o "Biba"- foi "isolado"
juntamente com 7 outros presos há pouco mais de um mês. Nesse
espaço minúsculo, escuro e sem ventilação, os presos são
apartados dos demais, sendo obrigados a conviver com as ratazanas
e a defecar em um saco plástico posto que não há instalações
sanitárias. Luciano já havia sido ferido à faca por um outro
preso, conhecido como "Pé de Burro". Ocorre que "Pé
de Burro" foi também encaminhado para isolamento e alojado
na mesma cela que Luciano. "Pé de Burro" foi
assassinado na mesma noite. Os responsáveis pela decisão de
colocar em uma cela de isolamento dois presos com uma ocorrência
recente de agressão por certo desejavam o desfecho e,
objetivamente, concorreram para ele. Encontramos outro preso, de
nome Eronildes Ferreira da Silva, paciente psiquiátrico que, por
conta de sua incapacidade mental, transformou-se em alvo fácil
para os presos que o curraram várias vezes. Muitos presos estão
doentes – HIV, tuberculose, osteomilite ,etc.. sem atendimento médico.
Geralmente são os próprios presos que dispensam cuidados de saúde
aos mais debilitados.
Trabalham no presídio
17 agentes penitenciários e 34 policiais militares. Outros 33 PMs
fazem a guarda externa. Há, ainda, 4 auxiliares de enfermagem, 1
enfermeiro, 2 médicos, 1 dentista, 2 psicólogos, 2 assistentes
sociais e 1 agente administrativo. As carências funcionais são
absolutamente evidentes. O estabelecimento realiza revista íntima.
As visitações ocorrem as quartas feiras, aos domingos, havendo a
possibilidade de pernoite a cada 15 dias para os presos
habilitados. Trezentos e dezesseis presos trabalham recebendo
pouco menos que um salário mínimo mensal. O presídio mantém
aulas para 140 presos. Há programa de prevenção para DST-AIDS e
os presos recebem preservativos. A Assessoria Jurídica é
precariamente realizada por 4 advogados. Há várias denúncias de
espancamentos. As correspondências dos internos são
sistematicamente violadas. Os PMs transitam pelo estabelecimento
fortemente armados.
Ao final da inspeção,
de volta à sala do diretor, o Deputado Marcos Rolim inquiriu o
diretor sobre os procedimentos utilizados para as punições
disciplinares. Em sua resposta, o diretor assumiu que naquele presídio,
o Conselho Disciplinar "só existe no papel". Dito de
outra forma, o diretor confessou que todas as punições ali
vigentes são ilegais. Diante disso, o Promotor Marco Aurélio
determinou que o diretor revogasse imediatamente todas as punições
disciplinares impostas arbitrariamente aos presos, anunciando que
iria lhe oficiar na manhã seguinte. Da mesma maneira, determinou
que a correspondência dos apenados parasse de ser violada.
Ficha Técnica:
Presídio
Professor Aníbal Bruno
Recife,
Pernambuco
Avenida
Liberdade s/n
F
- 215.0552 e 455.6959
Diretor
- Evandro Carvalho Moura e Silva
Capacidade
- 524 presos
Lotação
- 2.988 presos
Revista
íntima - sim
Violação
do sigilo de correspondência - sim
Trabalho
prisional - precário
Atenção
à saúde - precária
Educação
dos presos - precária
Assistência
jurídica - precária
Visitas
- sim
Visita
íntima - sim
Comida
- ruim
Estrutura
dupla para alimentação dos funcionários - sim
Acesso
aos meios de comunicação - sim
celas
de isolamento - sim
Denúncias
de espancamento - sim
Denúncias
de corrupção - não
Armas
no interior do presídio - sim
III - RIO DE
JANEIRO
Chegamos ao Rio de
Janeiro na noite de 30 de agosto. As visitas começaram na manhã
seguinte. Participaram da Caravana, além dos Deputados Marcos
Rolim e Dr. Rosinha, e da Assessoria da CDH, o Deputado Fernando
Gabeira (PV), o Padre Bruno Trombeta, da Pastoral Carcerária, as
Promotoras de Justiça Lauizelane Ribeiro Godinho, Rita de Cássia
Araújo Faria, Márcia Vieira Piatgorsky e Ana Cíntia Lazary
Serour; a Procuradora de Justiça Ligia Porter Santos, a médica
legista Tânia Donati Paes Rios e Renato Pinos, fotógrafo do
Ministério Público do RJ.
BANGU - I
- presídio de
"ociosidade máxima"
A Penitenciária Laércio
da Costa Pellegrino, mais conhecida como "Bangu I", é
um estabelecimento de segurança máxima do complexo penitenciário
de Bangu, no Rio. Trata-se de um presídio pequeno, para 48
presos, dividido em 4 galerias, cada uma com 12 celas individuais.
O critério empregado para a divisão dos presos nessas galerias
é o mesmo do conjunto das cadeias brasileiras: o pertencimento a
grupos de afinidade ou quadrilhas organizadas. Em Bangu I, as
galerias abrigam condenados vinculados ao "Comando
Vermelho", "Terceiro Comando" , "Amigos dos
Amigos" e "Independentes". Concebido para receber
os presos mais perigosos do estado, Bangu I recolhe hoje, na
verdade, alguns dos mais famosos chefes do tráfico de drogas dos
morros cariocas como "Marcinho VP", "Marcinho
Nepomuceno", "Uê", "Dênis da Rocinha",
entre outros. Pelas suas características especiais, Bangu I não
encontra-se superlotado. O estabelecimento não possui histórico
de fugas ou motins. Trata-se de uma instituição calma. Calma
demais. Os presos permanecem todo o tempo contidos dentro de suas
galerias recebendo, em regra, apenas uma hora de sol por semana. A
exceção de 4 internos que realizam serviços de faxina, nenhum
dos demais presos trabalha ou estuda. Segundo podemos constatar, não
se lhes oferece trabalho ou estudo porque se imagina que isto
possa representar riscos à segurança. Conversamos com vários
presos e a reclamação maior delas envolve, precisamente, a
ociosidade a qual estão obrigados. Um deles, que fala vários
idiomas, nos relatou que já há meses vem solicitando à direção
da casa um quadro negro e giz para que possa dar aulas aos seus
colegas de galeria. Inquirida a respeito, a diretora nos respondeu
que a solicitação estava sendo examinada de acordo com as
"preocupações com a segurança". Faz-se revista íntima
nos familiares; crianças e adolescentes também são desnudados
quando da entrada no estabelecimento. No presídio de segurança máxima
do Rio não se usa detectores de metal. As correspondências dos
presos são violadas. O atendimento à saúde é precário e
depende de requisição de médico junto ao sistema. Há cerca de
3 anos, uma visitante faleceu dentro do presídio, sem que tivesse
a chance de socorro médico. Nos últimos 12 meses, há registro
de uma morte de preso, por enforcamento. Os presos recebem visitas
semanalmente e podem privar com suas companheiras nas celas.
Quando o estabelecimento dispõe, oferece aos internos
preservativos. Não há regras disciplinares impressas a que os
internos tenham acesso: as visitas também não recebem uma
cartilha onde estejam fixadas regras e procedimentos. Nosso acesso
aos presos foi limitado. Tivemos apenas condições de conversar
com alguns deles na grade que dá acesso às galerias. Um dos
presos, Marcinho VP, expressou o sentimento de todos os demais
dizendo: "Uma semana tem 168 horas. Ficamos 167 delas aqui
dentro da galeria. É assim que pretendem nos recuperar?"
Fomos recebidos em
Bangu I pela agente que então ocupava o posto de Diretora da
Penitenciária, Sidnéia de Jesus. Ela nos relatou o caso de uma
funcionária que, há alguns anos, havia sido assassinada na rua
em circunstâncias que lhe pareciam caracterizar um crime "de
encomenda". Quatro dias depois, quando a Caravana
encontrava-se já em Porto Alegre, recebemos a notícia de seu
assassinato. Sidnéia foi fuzilada na porta de sua casa em um
crime "de encomenda".
Ficha Técnica:
Penitenciária
Laércio da Costa Pellegrino - Bangu I
Complexo
Penitenciário de Bangu, RJ
Fones
- 3995810 / 3326456
Capacidade
- 48 presos
Lotação
- 48 presos
Revista
Íntima - Sim
Violação
do sigilo da correspondência - Sim
Trabalho
prisional - Inexistente
Atenção
à saúde - Precária????AAE?E??¿/p>
p align="justify" style="margin-top: 7; margin-bottom: 7">Educação
dos presos - Inexistente
Assistência
jurídica – Todos os presos possuem advogado particular
Acesso
ao pátio - 1 hora por semana
Visitas
- Sim
Visita
Íntima - Sim
Comida
- Boa
Estrutura
dupla de alimentação para funcionários - Sim
Acesso
aos meios de Comunicação - Sim
Cela
de isolamento - Não
Denúncias
de espancamento - Não
Denúncias
de corrupção - Não
Armas
no interior do presídio - Não
PRESÍDIO ARI
FRANCO
- a porta do
inferno
No bairro de Água
Santa, visitamos o presídio que é a porta de entrada do sistema
penitenciário do Rio, o Ari Franco. O que nos chamou a atenção,
inicialmente, foi a arquitetura totalmente inadequada do prédio,
marcada por corredores e escadas que se multiplicam de forma
indescritível. O presídio encontrava-se superlotado, com uma média
de 16 presos por cela. Não se sabe, exatamente, qual a capacidade
do estabelecimento que abrigava no dia de nossa visita 1.030
internos. Trabalham no local 89 agentes e 12 técnicos. A grande
maioria dos presos está condenada a penas entre 4 e 8 anos.
Aparentemente, as condenações com base no artigo 12 são as mais
frequentes. Encontramos, também, presos com prisão provisória.
As celas lembram jaulas de um zoológico e são atravessadas por
uma rede de fios e cordas através das quais os presos se
comunicam por bilhetes. O sistema de comunicação por essa
complexa e engenhosa rede de fios é conhecido como
"Internet". A queixa mais frequente é a ausência de
assistência jurídica. Os presos, rigorosamente, desconhecem sua
situação jurídica. Aqui, como em todos os estabelecimentos
prisionais brasileiros, percebe-se que a faixa etária da massa
carcerária é muito baixa. No Ari Franco, os presos ficam, em média,
2 a 4 meses. São, então, encaminhados a outros presídios.
Durante o seu período de permanência lá não possuem o direito
de visitas íntimas ou conjugais por inexistência de espaço.
Contornam essa dificuldade, entretanto, revezando-se na área
coberta, nos dias de visita, para a ocupação rápida de um
pequeno banheiro onde transam de pé com suas companheiras. Chamam
esse sistema de "ratão". As visitas, mulheres e crianças,
são desnudadas quando da revista. O Ari Franco não dispõe de
detector de metal. Aqui ninguém estuda e, do total de presos, há
140 que trabalham na faxina. Segundo relato do diretor, não há a
prática de isolamento disciplinar, nem cela para tanto. As
correspondências não são violadas. Recolhemos inúmeras denúncias
de presos a respeito de um espaço conhecido como "Maracanã"
- uma sala grande, sem janelas, com um buraco usado como sanitário
("boi") - onde seria comum a prática de espancamentos.
Essa sala é utilizada, segundo o diretor, para triagem. Em uma
das celas, os presos relataram que a TV que possuíam havia sido
retirada do grupo em represália ao fato de ter sido encontrada
uma pequena quantidade de maconha sob um dos colchões. O fato
constitui sanção coletiva o que é vedado explicitamente pela
LEP. O deputado Fernando Gabeira solicitou ao diretor que
determinasse o retorno do aparelho à cela uma vez que não se
poderia punir todos os seus integrantes pelo fato cuja autoria não
havia sido identificada. O diretor consentiu. O fato tornou
evidente um método arbitrário de punições disciplinares que
parece imperar ali.
Ficha Técnica:
Presídio
Ari Franco
Rua
Violeta, 15 - Ágra Santa , RJ
Diretor
- Dilson Valente
F
- 596 9328
Capacidade
-
Lotação
- 1.030
Revista
Íntima - Sim
Violação
sigilo correspondência - Não
Trabalho
prisional - Precário
Atenção
à saúde - Inexistente
Educação
dos presos - Inexistente
Assistência
Jurídica - Inexistente
Acesso
ao pátio - Não há pátio.
Visitas
- Sim
Visita
íntima - Não
Comida
– nâo foi possível constatar sua qualidade
Estrutura
dupla para alimentação de funcionários - Não
Acesso
aos meios de comunicação - Sim
Cela
de isolamento - Não
Denúncias
de espancamento - Sim
Armas
no interior do presídio - Não
PRESÍDIO EVARISTO
DE MORAES
- das pessoas, dos
ratos e dos pombos
Imaginem um enorme
ginásio, velho e abandonado. Um espaço grande mesmo que pudesse
servir como garagem para caminhões, com um pé direito de mais de
20 metros e uma cobertura em telhas de Brasilit. Imagine, agora,
que nesse espaço se resolveu construir um "presídio" e
que ali foram encarcerados 1.500 pessoas, cuja média de idade é
20 anos. Faça um novo esforço e imagine que as "celas"
não possuem teto uma vez que as suas paredes possuem dois metros
de altura e a cobertura efetiva é a do próprio ginásio. Agora,
povoem a cobertura do ginásio com centenas de pombos que defecam
24 horas por dia na cabeça dos presos. Por decorrência, imaginem
que esses presos tenham erguido com ao panos que dispõe - trapos,
lençóis velhos, mantas puídas - uma proteção contra essa
chuva de merda, de forma que suas celas lembrem tendas miseráveis
enegrecidas pelos dejetos que aparam. Muito bem, você está
entrando no Presídio Evaristo de Moraes no Rio.
Aqui as celas
abrigam uma média de 52 presos. No dia de nossa visita eram 1.552
pessoas nesses alojamentos fétidos e insalubres. Segundo os números
que nos foram apresentados pelo diretor, o estabelecimento teria
ainda vagas a oferecer ao sistema.
Fossem só os
pombos, mas há os ratos. Muitos. Os presos nos relataram um caso
de morte recente por leptospirose. O diretor afirmou que
desconhecia o caso. O Deputado Dr. Rosinha solicitou, então,
acesso às fichas clínicas dos presos e à documentação legal
daqueles que haviam falecido. Comprovou, então, o caso relatado
pelos presos. Mais: descobriu que outro preso, com sintomas compatíveis
com a leptospirose, aguardava por internação hospitalar já há
vários dias solicitada com urgência pelo médico que o havia
atendido. Segundo o diretor, não havia viatura para remover o
preso. Constatado o problema pela Caravana, a viatura
"apareceu" e o preso foi internado. No Evaristo de
Moraes, há várias celas de isolamento utilizadas tanto para punição
disciplinar quanto para a separação de presos com
incompatibilidade de convívio com a massa carcerária. Essas
celas, as únicas com teto, são cubículos escuros e sem aeração,
com 6 metros quadrados mais um pequeno espaço onde funciona o
"boi". Aí dentro, chegamos a encontrar 16 presos. (!)
Um deles dormia sobre a água que inundava o "banheiro".
O calor ali dentro e o cheiro - que de tão forte impregna a roupa
- tornam a permanência naquelas celas, ainda que por alguns
minutos, um sofrimento. Nessa mesma ala do isolamento, encontramos
o preso Cláudio dos Santos, que havia sido espancado por um
agente penitenciário. Seu rosto estava, ainda, marcado por vários
hematomas e, em suas costas, eram bem nítidas as marcas de
ferimentos produzidos com algum tipo de fio. A água servida aos
presos é turva. Seus familiares são desnudados quando da revista
e apenas 126 do total de internos possuem o direito de receberem
suas companheiras em visita íntima. O presídio conta com 7
quartos utilizados especificamente para esse fim. O diretor
argumenta que o número reduzido de presos com acesso à visita íntima
deve-se ao fato de a casa não dispor de mais espaços. Perguntado
sobre as razões pelas quais não organiza, então, um rodízio
dos presos aos quartos, de tal forma que mais internos pudessem
privar com suas companheiras, não ofereceu qualquer resposta
compreensível. Os presos, por seu turno, oferecem uma explicação:
segundo inúmeros relatos, têm acesso à visita íntima os presos
que pagam por isso. Aliás, segundo eles, tudo no Evaristo de
Moraes é pago. Coversando com presos alojados em espaços
diferentes, checamos os preços da "tabela" em vigor no
estabelecimento: visita íntima – R$ 100,00; troca de cela –
R$ 30,00; exame criminológico – R$ 50,00; informações do
computador sobre a execução penal – R$ 10,00; saída ao pátio
para jogar futebol – R$ 10,00, etc... Há uma cela específica
onde estão alojados os presos homossexuais. Eles relatam que, à
noite, são visitados e, muitas vezes, obrigados por outros presos
a lhes prestar favores sexuais; se resistem, são currados e
feridos por pontaços de estoque. Assinale-se que 15% dos presos
no Evaristo de Moraes são portadores do vírus HIV. Em verdade,
para além do drama vivido pelos presos homossexuais, a
integridade física dos presos não é assegurada no
estabelecimento e nem será. Segundo nos foi relatado pelos
presos, é comum que policiais militares encarregados da guarda
externa efetuem disparos contra as galerias. Os detentos nos
passaram cartuchos que o confirmam.
De tudo o que
pudemos ver e ouvir, há apenas um fato positivo: O presídio mantém
aulas regulares - com 12 salas - onde estão matriculados mais de
600 internos. Fora isto, o estabelecimento é, sem qualquer dúvida,
um dos piores do mundo.
Ficha Técnica:
Presídio
Evaristo de Moraes
Rua
Bartolomeu de Gusmão, 1100, Rio de Janeiro
-
569.5744
Diretor-
Manoel Pedro da Silva
Capacidade
- 1.650 ( esse número, oferecido pelo diretor, é absolutamente
irreal)
Lotação
- 1.552
Revista
íntima - Sim
Violação
do sigilo de correspondência - Não
Trabalho
prisional - Precário
Educação
dos presos - Boa
Atenção
à saúde - Precária
Assistência
jurídica - Inexistente
Acesso
ao pátio - Restrito
Visitas
- Sim
Visita
íntima - Restrita
Comida
- Ruim
Estrutura
dupla de alimentação para funcionários - Sim
Acesso
aos meios de comunicação - Restrito
Cela
de isolamento - Sim
Denúncias
de espancamento - Sim
Denúncias
de corrupção - Sim
Armas
no interior do presídio - Não
IV - SÃO PAULO
Em São Paulo, a Caravana contou
com a participação, além dos Deputados Marcos Rolim, Dr.
Rosinha e suas Assessorias, com o Dr. Carlos Cardoso de
Oliveira Júnior, Promotor de Justiça e Assessor de Direitos
Humanos do Ministério Público Estadual; com o Promotor de
Justiça Criminal da Capital Dr. Gabriel Cesar Zaccaria de
Inellas; o Dr. Airton Grazzioli, Promotor de Justiça da
Promotoria de Justiça e Execuções Criminais da Capital; o
Padre Gunther Zgubic e Daniela Cecília Silva, ambos da
Pastoral Carcerária, com Francisco Carvalho do Movimento
Nacional de Direitos Humanos; com Isabel Peres da ACAT-Brasil
e com Ariel de Castro Alves, da ONG Justiça Global.
DEPATRI : A Idade Média em São
Paulo
Iniciamos o
trabalho em São Paulo na manhã do dia 02 de setembro, sábado,
com uma inspeção na Delegacia especializada no combate aos
crimes contra o patrimônio na capital, a Depatri. Lá, o Delegado
de Plantão, Antônio Álvaro Sá de Toledo, ao nos acompanhar à
carceragem da delegacia afirmou: -"vocês irão conhecer uma
masmorra medieval". De fato. Naquela manhã, havia quase 200
pessoas detidas na delegacia. O número exato não pôde ser
apurado. Aqui há dois carcereiros por turno e as visitas dos
familiares ocorrem às quintas-feiras, em horários escalonados.
Os presos não possuem direito à visita íntima. Naturalmente, não
há oportunidades de trabalho ou estudo aos internos. Os presos não
dispõem de assistência médica; não há remédios disponíveis,
sequer para os soropositivos. Como não há pátio na Depatri, os
presos não possuem qualquer atividade externa, nem têm acesso a
banho de sol. Os presos têm acesso aos meios de comunicação. As
celas da carceragem são escuras e sem ventilação. Em um espaço
em torno de 25 metros quadrados, cada uma delas abriga em torno de
50 presos (!) No dia em que visitamos a Depatri, fazia frio em São
Paulo. No calabouço, entretanto, fazia calor; muito calor. Nessa
Delegacia, as dificuldades vividas pelos presos conformam um próspero
mercado para os policiais corruptos, acostumados a cobrar dos
internos R$ 10,.00 para a compra de uma lâmpada; R$ 10,00 a R$
20,00 por um telefonema ou R$ 40,00 por um chuveiro, por exemplo.
Ocorrências de
abuso de autoridade e práticas de espancamento de presos parecem
ser bastante comuns. Colhemos inúmeros relatos que descreveram
com detalhes cenas de violência e tortura, inclusive com o
emprego de choques elétricos. Por esses relatos, os presos
indicaram uma sala, na parte térrea da delegacia, onde alguns
deles teriam sido torturados. Nos indicaram que a máquina
utilizadas para o suplício dos choques elétricos, aplicada
normalmente sobre os testículos das vítimas - prática que se
faria acompanhar de frases como "isso é para você não
botar mais bicho ruim no mundo" - estaria na sala indicada
dentro de um armário.
De posse dessas
informações, solicitamos ao Delegado de plantão que nos fosse
franqueado o acesso à referida sala. Fomos informados de que isto
não seria possível pois as chaves encontravam-se com outro
Delegado. Solicitamos, então, que o referido delegado titular
fosse localizado e convocado a se fazer presente para a abertura
da sala. Aguardamos por quase duas horas a chegada do Delegado
que, finalmente, abriu a sala. Dentro dela, havia vários armários.
Todos fechados com cadeados. Solicitamos, então, que os armários
fossem abertos. Fomos informados de que isso seria impossível
pois as chaves estariam com cada um dos "donos" dos armários,
policiais de folga ao final de semana. O espaço público de uma
Delegacia de Polícia, assim, é tratado como se fosse de domínio
privado. Na ausência de um mandado de busca e apreensão não
havia mais o que fazer. De qualquer modo, durante o longo período
de espera, descobrimos uma outra sala - também no andar térreo -
onde há uma pequena cela, utilizada, segundo as autoridades
policiais presentes, para triagem de presos. Na porta, há um
cartaz onde se proíbe terminantemente a presença de familiares
ou de visitas aos encarcerados nesse espaço, o que sugere uma
permanência maior do que a requerida para uma
"triagem". No interior da pequena cela, gradeada e
recoberta por uma tela, encontramos uma cadeira estofada e duas câmaras
de pneus. A presença desses objetos, absolutamente injustificáveis
naquele espaço, nos chamou a atenção. Em uma sala próxima,
encontramos outros objetos estranhos e de nenhuma serventia para a
investigação policial como várias cordas e uma forca.
PENITENCIÁRIA DO
ESTADO
- a disciplina como
sujeição
Na tarde de sábado,
visitamos, no complexo do Carandiru, a Penitenciária do Estado. O
prédio, antigo e imponente, foi delineado a partir de um projeto
arquitetônico concebido com gosto, requinte e funcionalidade. A
área do estabelecimento comporta não apenas as galerias e
pequenos pátios internos, mas um campo de futebol de dimensões
oficiais, espaços significativos para oficinas
profissionalizantes, além de boas áreas de circulação. A
penitenciária encontra-se superlotada. Para uma lotação máxima
de 1.250 presos, estava quando de nossa visita com 2.400 internos.
Neste estabelecimento, trabalham 480 funcionários, entre agentes
penitenciários e técnicos. A maioria das condenações aqui é
por crimes cometidos contra o patrimônio. As visitas ocorrem aos
domingos, entre as 7h30 e às 15h30. O que, por óbvio, conforma
um espaço bastante estreito de contato dos apenados com seus
familiares. As visitas são desnudadas através do procedimento de
revista íntima e o estabelecimento não dispõe de detectores de
metal. A visita íntima é admitida. Cerca de 1.100 presos
trabalham, seja em tarefas de manutenção, seja por convênios
vigentes com a iniciativa privada. Dentro da penitenciária, há
oportunidades de trabalho em tipografia, confecção de vassouras,
material elétrico e bolas de futebol. Há aulas regulares onde
estudam 220 presos. (menos de 10% do total de internos). A
penitenciária dispõe, também, de uma ala onde funciona, com
certa precariedade, uma pequena enfermaria. São dezenas de homens
depositados ali, abandonados em regra, baleados, doentes. Alguns
literalmente apodrecem. Sem atendimento, sem medicamentos, morrem
no esquecimento e no silêncio da prisão. Há 10 médicos e dois
dentistas trabalhando na Penitenciária. O "atendimento dentário",
não obstante, só realiza extrações e os médicos, pelo que pôde
constatar o Deputado Dr. Rosinha, examinando os prontuários, não
parecem cumprir sua carga horária nem acompanhar efetivamente
seus pacientes. Há vários presos com problemas sérios de saúde
mental. O estabelecimento não dispõe de programas de prevenção
a DST-AIDS, mas os internos recebem preservativos. A comida é
feita no próprio estabelecimento e há uma estrutura dupla para a
refeição oferecida aos funcionários. Viola-se a correspondência
dos apenados. A assistência jurídica é oferecida, de forma
bastante precária, pela FUNAP com 8 profissionais. ( média de 1
advogado para cada 300 presos)
Em uma primeira
cela de isolamento que visitamos, no andar térreo, estavam 4
presos separados dos demais por problemas de convivência com a
massa carcerária. O espaço é pequeno, as condições de iluminação,
aeração e higiene precárias. Esses detentos, por conta da sua
circunstância de insegurança, não desfrutam de saídas ao pátio
o que poderia ser resolvido com um mínimo de boa vontade. Um
deles, entretanto, Gilberto Dias Galvão, teria sido espancado
pelo atual diretor da Penitenciária Aniceto Fernandez Lopes em
ocorrência que vem sendo apurada por procedimento administrativo.
Há outras celas
para isolamento por motivos de segurança, localizadas também no
andar térreo na extremidade oposta à galeria que dá acesso ao
hospital. Essas celas - conhecidas pelos presos como
"cofrinho" - situam-se para além de uma porta compacta
que dá acesso ao corredor. Com elas, configura-se a dupla
estrutura de encarceramento: celas dentro de celas. Conversamos
com os presos que estavam ali em situação bastante similar aos
primeiros. A diferença é que a maioria deles não se imaginavam
"seguros" . Alguns temiam ser assassinados a qualquer
momento, pelo que solicitamos ao Ministério Público que
avaliasse junto ao Juiz competente a possibilidade de transferência.
No quinto andar da galeria "C", estão as celas de
isolamento por motivo disciplinar. Essas são idênticas às celas
normais e estão, no geral, dentro dos parâmetros mínimos
definidos por lei. O que chama a atenção aqui é o fato de
grande parte dos punidos por infração disciplinar terem sido
flagrados em situações banais logo interpretadas como
"faltas graves" e punidas com 30 dias de isolamento.
Assim, por exemplo, o preso Losamar Francisco da Silva,
encontrava-se há 14 dias em isolamento pelo fato de ter sido
apanhado com uma pequena quantidade da aguardente produzida
clandestinamente nos presídios a partir da fermentação de
frutas ou cereais. Pelo mesmo motivo, o preso Antônio Almeida
encontrava-se há 23 dias isolado dos demais. Ora, partindo-se do
pressuposto de que os presos nomeados não praticaram qualquer ato
atentatório aos demais internos ou a quem quer que seja;
admitindo-se que sequer embriagados estavam; considerando-se que não
corromperam funcionários nem induziram familiares a burlar a
vigilância, etc., não parece admissível que o descumprimento da
regra interna que veda o consumo de bebidas alcoólicas possa ser
interpretado como "falta grave". Se produzir,
transportar ou beber aguardente no interior de uma penitenciária
é uma "falta grave", que natureza de falta comete
aquele que organiza um motim, que porta uma arma ou que viola
sexualmente outro interno?
A situação geral
da Penitenciária Estadual de São Paulo é, do ponto de vista da
estrutura física oferecida aos internos, bastante razoável. Os
problemas mais sérios aqui parecem residir em uma determinada noção
de "disciplina" com a qual administra-se a instituição
com um rigor absolutamente denecessário. As condições de execução
da pena, então, submetem-se a um tensionamento permanente que
degrada o convívio entre os presos e constrói distâncias cada
vez maiores entre a direção e o corpo de funcionários, por um
lado e os internos, por outro. Esse "estranhamento"
poderia ser evitado com normas mais flexíveis e com uma participação
efetiva dos internos, junto à direção, na conquisa das soluções
para problemas concretos.
Ficha Técnica:
Penitenciária
Estadual de São Paulo
Av.
Ataliba Leonel, Capital
Diretor
- Aniceto Fernandez Lopes
Capacidade
- 1.250 presos
Lotação
- 2.400
Revista
Íntima - Sim
Violação
do Sigilo de Correspondência - Sim
Trabalho
prisional - Sim
Atenção
à saúde - Precária
Educação
dos presos - Precária
Assistência
jurídica - Precária
Acesso
ao pátio - Sim
Visita
íntima - Sim
Comida
– Não foi possível constatar sua qualidade
estrutrura
dupla de alimentação para os funcionários - Sim
Acesso
aos meios de comunicação - Sim
Cela
de isolamento - Sim
Denúncias
de espancamento - Sim
Denúncias
de corrupção - Não
Armas
no interior do presídio - Não
PRESÍDIO DE
MULHERES
- onde o amor é um
aceno
No domingo pela
manhã, voltamos ao complexo do Carandiru. Dessa vez para visitar
a Penitenciária Estadual de São Paulo, Presídio de Mulheres.
Havíamos tomado a decisão de não visitar a Casa de Detenção
por dois motivos: primeiro porque uma inspeção do tipo das que
estávamos fazendo envolveria vários dias em uma Penitenciária
com mais de 8 mil internos; segundo porque a Casa de Detenção
tem sido mais frequentemente visitada e acompanhada por
autoridades e voluntários de ONGs. Escolhemos, então, o Presídio
de Mulheres onde, no dia anterior, uma tentativa de fuga havia
sido registrada.
O presídio,
concebido para uma lotação de 256 internas, estava com 456. As
visitas ocorrem somente aos domingos, entre 12h30 e 16h, o que
significa, para muitos familiares - descontada a longa espera para
a entrada, mais o tempo necessário para a revista - o período de
alguns minutos apenas de contato com as presas. As visitas são
desnudadas, inclusive crianças e adolescentes, embora o
estabelecimento disponha de detector de metais. Os familiares
podem trazer o "jumbo" - gêneros alimentícios ou
outros produtos de consumo. Aqueles que moram em São Paulo, não
obstante, só o podem fazer às quartas-feiras, o que lhes causa
extraordinário transtorno. Muitos são obrigados a faltar ao
serviço para entregar esses mantimentos. Esse tipo de problema
poderia ser facilmente superado, permitindo que todos os
visitantes deixassem seus produtos aos domingos, mesmo que para
revista e entrega nos dias posteriores.
Aqui, 244 presas
trabalham em oficinas e 56 em serviços de manutenção - o que
perfaz 65% do total. Oitenta presidiárias estudam - cerca de 17%
do total. Há uma relativa liberdade de circulação das detentas
dentro de suas alas e um acesso facilitado ao pátio. Cinco médicos
trabalham no estabelecimento.
As regras
disciplinares efetivas comportam o arbítrio e punições ilegais.
Em uma cela de isolamento, encontramos a detenta Rosângela Nonato
de Jesus punida porque solicitou socorro a uma companheira que
estava com sangramento no ouvido. Como o socorro tardou, ela bateu
nas grades de sua cela até ser atendida. A pessoa que prestou
socorro declarou, ao chegar, que não entendia porque tanto
alarido por conta de uma "dorzinha de ouvido". Foi, então,
acusada pela detenta de ser "folgada". Por esse motivo
Rosângela foi encaminhada ao isolamento. Assinale-se que o relato
feito pela presa, exatamente nesses termos, foi corroborado pelo
registro da ocorrência no procedimento disciplinar específico,
conferido pelo deputado Marcos Rolim. A cena não deixa de ser
significativa do conteúdo emprestado pelos incompetentes à noção
de "disciplina" dentro do sistema prisional brasileiro.
Imaginemos - apenas para efeito argumentativo - que estivéssemos
diante de uma situação ilegal, mas de sentido oposto: com base
na ocorrência, a funcionária é encaminhada para o isolamento e
Rosângela é encarregada de zelar pela saúde das presas. Nessa
hipótese, seguramente, estaríamos mais próximos da justiça.
Presas denunciaram
procedimentos de abuso no chamado "trânsito", prática
pela qual detentas seriam encaminhadas, por castigo, durante 120
dias em 4 presídios femininos permanecendo isoladas por 30 dias
em cada um deles. Muitas presas relataram que são obrigadas a
pagar o conserto de objetos que quebram ou se deterioram em suas
galerias; que lhes é cobrado, indevidamente, pela prestação de
serviços e que encomendas solicitadas por elas para a aquisição
de produtos de higiene pessoal ou limpeza são entregues mediante
"ágio". A diretora afirmou desconhecer essas práticas.
Há problemas de saúde, também. A presa Aida Assad, por exemplo,
sofre de uma grave dermatose. Há um ano e meio solicita ser
atendida por um dermatologista, sem resultados. A presa Jucimar
Martins Trigo é, provavelmente, portadora de hanseníase e não
recebe os cuidados médicos devidos.
Os problemas mais sérios
enfrentados no Presídio de Mulheres, entretanto, dizem respeito
às inaceitáveis vedações de ordem moral impostas pela
diretora, Sra. Maria da Penha Risola Dias, uma antiga funcionária
do sistema. Por conta das suas concepções, as presas estão
impedidas de receberem seus maridos ou companheiros em visitas íntimas.
A diretora argumenta que não há espaços para que as relações
sexuais ocorram. Ora, em todos os presídios masculinos há a
mesma limitação. Em 99% deles, não obstante, permite-se aos
presos que, nos dias de visita, organizem a ocupação escalonada
de suas celas para que privem com suas companheiras. O que
assegura-se aos homens presos, nega-se, em São Paulo, às presidiárias.
Tal vedação só pode ser compreendida em um quadro discriminatório
em si mesmo revoltante. Na opinião da diretora, se a mesma sistemática
de visitas conjugais empregadas nos presídios masculinos fosse
aceita ali, correríamos o risco de presenciar cenas de
"prostituição masculina". Ou seja: a diretora teme que
os homens, autorizados a frequentar as galerias, pudessem ser
requisitados por outras mulheres que não as suas companheiras. A
hipótese denota desconhecimento do significado das visitas em um
presídio e revela uma insensibilidade que beira a paranóia. Para
dona Maria da Penha o entorno do seu estabelecimento - um presídio,
convém lembrar, e não um convento - é um mundo fálico que
importa saber evitar a qualquer custo. No Presídio de Mulheres,
viola-se o sigilo de correspondências das detentas. Mais do que
isso: segundo nos relatou a própria diretora, as cartas recebidas
ou enviadas pelas presas são lidas também com a preocupação de
garantir que elas empreguem expressões condizentes com a
"moral e os bons costumes". (sic) Assim, por exemplo, em
uma carta de amor há que se moderar a linguagem e em hipótese
alguma produzir ou receber desenhos insinuantes, provocativos,
obscenos. Revistas pornográficas, nem pensar. Elas são proibidas
e apreendidas embora se tratem de publicações legais, vendidas
livremente no país. Dona Maria da Penha não se contenta em
proibir o sexo no estabelecimento que dirige; procura proibir,
também, a fantasia sexual. Perguntada sobre sua postura se
informada da existência de relações homossexuais entre as
detentas, respondeu que as presas nessa situação "são
advertidas e separadas". Dona Maria da Penha pode ter os
valores de moral sexual que bem entender. Pode até mesmo firmar
voto de castidade. O que ela não pode é obrigar mulheres
adultas, muitas delas mães e esposas, a uma privação dessa
natureza, o que configura sentença extra-judicial, imposição de
sofrimento, abuso de autoridade. Causa espécie, ainda, que o
governo de São Paulo seja conivente com a interdição da
sexualidade das suas mulheres presas.
No Presídio de
Mulheres, as detentas, entretanto, resistem e, a seu jeito,
namoram. Inventaram a "pedalada", prática que consiste
em abanar através das grades das janelas com pedaços de pano
colorido para os presos da Penitenciária Estadual vizinha, cujos
últimos pavilhões distam cerca de 100 metros dos fundos do Presídio
de Mulheres. Cada presa que namora com a "pedalada" é
identificada pelo interlocutor pela cor do pano que usa e
vice-versa. Criaram, então, uma forma de comunicação em que as
letras equivalem a seu número na ordem alfabética. Dessa forma,
"falam" com seus pretendentes, trocam carícias, juras
de amor e até planejam casamentos. Em toda a parte os seres
humanos resistem, é o que nos dizem as detentas desse presídio
onde o amor confunde-se com um aceno.
Ficha Técnica:
Penitenciária
do estado de SP - Presídio de Mulheres
Av.
Takinarcki, capital
F:
622.11379
Diretora
- Maria da Penha Risola Dias
Capacidade
- 256 presas
Lotação
- 456 presas
Revista
íntima - Sim
Violação
do Sigilo de Correspondência - Sim
Trabalho
Prisional - Sim
Atenção
à saúde - Precária
Educação
dos Presos - Precária
Assistência
Jurídica - Inexistente
Acesso
ao pátio - Sim
Visitas
- Restritas
Visita
Íntima - Não
Comida
– Boa
Estrutura
dupla de alimentação para funcionários - Não
Acesso
aos meios de comunicação - Sim
Denúncias
de espancamento - Não
Denúncias
de corrupção - Sim
Armas
dentro do presídio - Não
PENITENCIÁRIA
FEMININA DO BUTANTAN
(Doutora Maria
Marigo Cardoso de Oliveira)
- quando o Estado
espanca e estupra
Detentas do Presídio
de Mulheres nos relataram uma situação de horror que estaria
acontecendo na Penitenciária Feminina do Butantan. Segundo esses
relatos, casos de espancamento e de violência sexual contra as
presas seriam corriqueiros. De posse dessas informações, tomamos
a decisão de inspecionar o referido estabelecimento.
Desafortunadamente, os relatos eram verdadeiros.
Quando de nossa
chegada, fomos recebidos por uma funcionária que exerce funções
subalternas na penitenciária. A diretora não estava. A funcionária
não dispunha de qualquer informação relevante, nem de dados a
respeito da execução penal ali praticada. Frustrada a intenção
de recolher informações oficiais, nos dirigimos imediatamente à
inspeção, começando, como de costume, pelas celas de
isolamento. No Butantan elas são especialmente temidas.
Conhecidas pelas iniciais C. I. , essas celas repetem a estrutura
de duplo encarceramento (celas dentro de uma cela) e se localizam
na parte inferior do prédio. Ali, encontramos uma presa que nos
relatou ter sido violentamente espancada por um agente.
Fomos, então,
diretamente ao pátio interno onde as presas estavam, muitas ainda
recebendo suas visitas. A reação delas ao saberem que estávamos
realizando uma inspeção em nome da Comissão de Direitos Humanos
foi algo impressonante. Um estado de euforia tomou conta de todas.
Algumas exclamavam: "foi Deus que enviou vocês aqui!"
Outras diziam: "até que enfim alguém se lembrou de nós!"
As presas simplesmente não se continham e falavam todas ao mesmo
tempo. Cada uma tinha uma denúncia grave a fazer. Casos de
espancamento e de violência sexual foram descritos. Segundo as
presas, uma interna teria engravidado em estupro praticado por
agente, cujo nome já sabíamos. A vítima dessa agressão,
todavia, não foi identificada. Entrevistamos uma detenta que
relatou ter sido pisoteada pelo mesmo agente no interior da C.I.
Seus dedos e especialmente suas unhas ainda estavam fortemente
marcados. Nesse presídio, as detentas condenadas a regime
semi-aberto recebem uma calça de cor verde e as condenadas em
regime fechado, calças marrons. Também aqui as presas não
recebem visitas íntimas. Também aqui suas cartas são violadas.
Sobre elas, há uma particularidade: o Deputado Marcos Rolim
resolveu inspecionar o lixo do presídio. Abriu vários dos sacos
plásticos até encontrar um onde inúmeras cartas e requisições
encaminhadas pelas detentas à diretora estavam depositados. Do
que se conclui que a diretora tem por hábito jogar no lixo
requisições e cartas escritas por detentas. O saco foi fechado e
entregue ao representante do Ministério Público que nos
acompanhava. A Caravana constatou e documentou a existência de
uma tabela de preços para a compra de vários produtos necessários
às internas e que são normalmente encomendados por elas à direção.
Percebe-se, claramente, a existência de ágio nos preços
praticados. Segundo pelo menos um funcionário com quem
conversamos, há no estabelecimento a prática reiterada de desvio
de alimentos, especialmente de carne.
V - RIO GRANDE DO
SUL
A Caravana iniciou
seus trabalhos no Rio Grande do Sul na manhã de segunda-feira, 4
de setembro. Além dos Deputados Marcos Rolim e Dr. Rosinha e da
Assessoria da CDH, a Caravana contou com o reforço do Deputado
Fernando Gabeira. Integraram o grupo de trabalho o Superintendente
dos Serviços Penitenciários do Estado do Rio Grande do Sul, Dr.
Aírton Michels; o Comandante da Força Tarefa da Brigada Militar,
Major Cléber José dos Santos Gonçalves; a Promotora de Justiça
da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre, Dra. Ana Rita
Nascimento Schinestsck; a assessora da Comissão de Cidadania e
Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado, Cristina
Gross Villanova; a assessora do Deputado Marcos Rolim, Aline
Borges; e a Sra. Sandra Regina Trindade, esposa de um presidiário
e integrante do projeto das "Promotoras Prisionais".
PENITENCIÁRIA
ESTADUAL DO JACUÍ
- a humilhação da
revista íntima
Em um micro-ônibus,
nos deslocamos para o município vizinho de Charqueadas onde há 4
presídios e duas colônias penais. No Rio Grande do Sul, mais de
40% dos presos estão detidos no complexo penitenciário de Porto
Alegre e Charqueadas. Os presídios mais importantes do estado
situam-se nessa região e 4 deles estão sob a administração da
Força Tarefa da Brigada Militar. A Força Tarefa é um
destacamento da PM gaúcha, formado há 5 anos, após uma sucessão
de motins e graves ocorrências nos maiores presídios do estado.
Ao todo, o Estado é responsável pela tutela de 13 mil presos. Não
há presos em delegacias de polícia. A Caravana incluiu o RS em
seu roteiro para que pudéssemos checar o modelo apontado por
muitos como o "melhor do país". Ao final, saímos
todos, com a convicção de que também o RS precisa alterar, e
rapidamente, seu modelo prisional. Escolhemos a Penitenciária
Estadual do Jacuí (PEJ) como nossa primeira visita. Trata-se de
uma Penitenciária com histórico de motins e fugas. Em número de
presos é a segunda do estado. No dia de nossa visita havia 1.241
presos na PEJ, para uma lotação máxima de 1.109. Do total de
internos, 35 presos estão no regime semi-aberto e cumprem suas
penas em alojamento separado, sem contato com os demais. Há 196
funcionários - entre civis e militares - trabalhando no
estabelecimento. As visitas ocorrem às quartas e domingos, das
7h30 às 16h30. Há a prática de desnudamento dos familiares de
presos, com a exigência de flexões e arregaçamento da vagina e
do ânus. Os procedimentos humilhantes, vexatórios e ilegais das
revistas íntimas ocorrem no RS com mais rigor do que na média
dos demais estados e vêm sendo fortemente denunciados há anos
pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da AL/RS, até a
presente data sem resultados conclusivos. O atual governo,
contudo, comprometeu-se na própria Caravana – por meio da
palavra do Superintendente da SUSEPE - a eliminar essa prática,
editando uma portaria ainda no mês de setembro. As visitas
homossexuais são admitidas na PEJ. Seiscentos presos trabalham e
104 estudam. No Estado, os Juizes concedem remição por dias de
estudo, nos mesmos termos mencionados pela lei para os dias de
trabalho, o que configura um forte estímulo aos internos. Há 5 médicos
e um dentista trabalhando na PEJ; a PEJ foi o único presídio
visitado onde verificamos a presença de um pneumologista. Há
programas para prevenção de DST-AIDS e os presos recebem
preservativos. Há estrutura dupla para a alimentação dos
funcionários. A assistência jurídica, precaríssima, é mantida
por um único Defensor Público. Os presos saem duas horas por dia
ao pátio, possuem acesso aos meios de comunicação e contam com
uma biblioteca de acervo pobre. O RS terminou com a violação do
sigilo de correspondência dos presos há um ano, através de
portaria da SUSEPE. Não se verificou nenhuma alteração na
segurança dos estabelecimentos além da disponibilidade maior de
funcionários antes ocupados com a tarefa de violar a Constituição
Brasileira. Pela portaria, sempre que houver a suspeita de que
determinado envelope de correspondência possa estar sendo
utilizado para transporte de objeto ilícito, o destinatário da
correspondência é chamado, o envelope é aberto na sua presença
e seu conteúdo examinado sem que, por qualquer hipótese, a carta
seja lida. Preserva-se assim a o direito assegurado aos cidadãos
e a segurança do estabelecimento. Essa portaria oferece um
testemunho eloqüente da diferença que o simples bom senso pode
fazer em uma administração prisional. Também aqui, a grande
maioria dos presos é jovem, pobre e iletrada. Do total de presos
na PEJ, 61% deles possuem menos de 30 anos; 12% do total são
analfabetos; 9,3% não possuem escolarização, mas sabem ler e
escrever; 73% dos presos possuem escolarização primária
incompleta e apenas 5% do total chegou a freqüentar alguma série
do segundo grau. Quase 1/3 dos presos da PEJ foram condenados por
assaltos e 16% do total praticaram homicídio. Há 9% de presos
condenados por furto, 12% por tráfico e 6% por estupro. A direção
do estabelecimento realizou, também, um levantamento sobre a
situação econômica e social dos detentos com 991 internos.
Descobriu que 988 deles eram miseráveis e que 3 integravam as
camadas médias da sociedade. Na PEJ não há um preso rico
sequer.
Iniciamos a inspeção
pelas celas de isolamento, utilizadas alternadamente para punição
disciplinar e para proteção de presos ameaçados. As celas são
escuras, não possuem ventilação adequada e encontram-se
totalmente fora dos marcos legais. As punições disciplinares são
impostas por motivos algumas vezes irrelevantes. As celas são
trancadas com parafusos, o que exige uma chave especial para
abri-las. O procedimento é de alto risco e totalmente desnecessário.
No caso de uma ocorrência grave - incêndio, necessidade de
socorrer um preso, etc., a existência do parafuso retardaria
qualquer providências urgentes. Após conversar com os presos que
ali estavam, inspecionamos as galerias e conversamos com presos
nas grades que dão acesso a elas. As reclamações mais
insistentes relacionavam-se com as humilhações impostas quando
da revista aos seus familiares. Muitos presos relataram que suas
esposas já entram no presídio chorando após tudo o que sofrem
nas revistas com desnudamento. Isto os revolta sobremaneira.
Reclamaram, também, da falta de assistência jurídica. Na PEJ,
as diversas galerias possuem representantes informais, escolhidos
pelos próprios presos. Solicitamos, então, à direção que nos
facultasse uma reunião com os representantes de galerias o que
nos permitiria uma visão mais abrangente dos seus problemas. A
reunião ocorreu dentro da sala de aula onde, inexplicavelmente, o
espaço onde fica o professor é separado do espaço reservado aos
alunos por uma grade. Os deputados ultrapassaram essa barreira e
se reuniram com os presos para além da grade, reservadamente, sem
qualquer problema. Depois, conversaram, ainda, com os presos do
regime semi-aberto. No final, mantiveram uma produtiva reunião
com o diretor da unidade, quando solicitaram o fim da revista íntima,
a não utilização dos parafusos nas celas, a interdição das
celas de isolamento, entre outras medidas urgentes. Observa-se na
PEJ a presença ostensiva de policiais militares em todas as áreas
internas da Penitenciária. As galerias continuam sendo, por conta
da superlotação, um espaço administrado pelos internos. A incidência
da direção da PEJ observa-se até a entrada das galerias onde os
internos estão trancafiados coletivamente. A presença de armas
com os PMs que trabalham na PEJ é uma ameaça constante aos
presos, aos próprios PMs e à segurança do estabelecimento. Se há
uma regra consensual em todo o mundo a respeito de segurança
prisional essa regra é: armas, fora. No RS, entretanto,
autoriza-se já há muitos anos que agentes e PMs andem armados no
interior dos presídios. Desde a criação da Força Tarefa, o
problema se tornou mais agudo, pois até metralhadoras passaram a
ser utilizadas em área de circulação interna e no manejo com
presos.
Ficha
Técnica:
Penitenciária
Estadual do Jacuí
Charqueadas
, RS
Diretor
- Major Jari Ineu Scherer
F:
658.1882
Revista
íntima - Sim
Violação
do sigilo de correspondência - Não
Trabalho
prisional - Sim
Atenção
à saúde - Precária
Educação
dos presos - Precária
Assistência
Jurídica - Inexistente
Acesso
ao pátio- Sim
Visitas
- Sim
Visita
íntima - Sim
Comida
- ruim
Estrutura
dupla de alimentação para os funcionários - Sim
Acesso
aos meios de comunicação - Sim
Denúncias
de espancamento - Não
Denúncias
de corrupção - Não
Armas
no interior do presídio - Sim
PRESÍDIO CENTRAL
- ordem unida e
armas
Nossa segunda
visita ocorreu no Presídio Central de Porto Alegre, o maior e
mais problemático do estado. Construído originalmente como
cadeia pública e capaz, hoje, de receber, no máximo, 600 presos,
encontra-se superolotado com 2.100 detentos. O estabelecimento
também realiza as revistas com a prática do desnudamento.
Igualmente sob a responsabilidade da Força Tarefa da Brigada
Militar, o presídio dispõe de infraestrutura deficiente em todas
as dimensões imagináveis. As instalações hidráulicas estão
comprometidas, há vazamentos dos esgotos e condições insalubres
nas galerias. O superintendente da SUSEPE anunciou investimentos
significativos para uma reforma do Presídio Central ainda este
ano. Os presos, enquanto isso, estão amontoados. A direção do
estabelecimento mantém procedimentos rigorosos de disciplina e
observa-se nitidamente uma tendência à militarização das
condutas exigidas dos próprios internos. Como se fosse possível
e desejável tratá-los nos termos de ordem unida. Utiliza-se,
dentro do estabelecimento, armamentos de grosso calibre. Os
deputados constataram o emprego de cães por alguns policiais nas
áreas de circulação. Quando caminhávamos pelos corredores,
presos que estavam se deslocando em um estreito espaço delimitado
por uma tela interrompiam automaticamente seu trajeto e se
mantinham com o rosto virado para a parede. Trata-se de
procedimento inédito e inaceitável esse pelo qual se obriga os
presos a não olharem os visitantes ou as autoridades que circulam
pelo estabelecimento.
Há 184 Policiais
Militares e 23 funcionários da Susepe trabalhando no
estabelecimento. 7% dos internos são analfabetos; 11% embora sem
escolarização são alfabetizados; 52% possuem o primeiro grau
incompleto e apenas 6% possuem o primeiro grau completo. 14% dos
presos foram condenado por roubo e 15%, por furto. Os crimes
sexuais respondem por 15% das condenações; o mesmo percentual,
respectivamente, para condenados por homicídio , por tráfico de
drogas e por lesões corporais. Os condenados por estelionato são
11% do total da massa carcerária. 480 presos trabalham, a maioria
deles em tarefas de manutenção. Os internos recebem
preservativos e há programas de prevenção a DST-AIDS para
presos e funcionários. Dois defensores e 4 bacharéis prestam,
com precariedade, assistência jurídica no estabelecimento.
Fomos às celas de
isolamento onde vários presos são apartados dos demais. Os
locais são insalubres e úmidos. Alguns presos estavam já há
dias em um espaço gradeado que sequer cela é, sem direito a
banho, dormindo no chão, sem colchões ou mantas.
Estabeleceu-se no
presídio, mais recentemente, uma divisão entre os internos:
alguns são vinculados a um detento conhecido como
"Brasa" , outros não. Pelo que foi possível perceber,
"Brasa" dispõe, efetivamente, de poderes dentro da
instituição e goza de privilégios. A situação de saúde dos
presos é precária. Muitos estão doentes e sem o devido
atendimento médico. O Hospital Penitenciário, que funciona em
uma das alas do Presídio Central, encontra-se sucateado e não
dispõe de profissionais em número suficiente. Em regra, os
presos encontram-se abandonados e sem assistência jurídica.
Pelas queixas recebidas, percebe-se que os Juizes da Vara de Execução
Criminal de Porto Alegre não têm realizado visitas freqüentes
aos presídios, nem agilizado os processos. No Presídio Central
de Porto Alegre, há dezenas de presos sem o enquadramento
criminal.
Na inspeção
realizada, chegamos a um conjunto de outras celas também
utilizadas para isolamento. Essas celas não possuem ventilação,
são escuras e insalubres. Ali encontramos presos sem direito a
banho de sol ou visitas. Em uma delas, encontramos detentos que
relataram terem sido torturados por policiais civis de uma cidade
do interior.
Ficha
Técnica :
Presídio
Central
Av.
Roccio, 1100 - Porto Alegre
f:
288.4441
diretor:
Maj. Eduardo Passos Mereb
Capacidade
- 600 presos
Lotação
- 2.100 presos
Revista
íntima - Sim
Violação
do sigilo de correspondência - Não
Trabalho
prisional - Precário
Atenção
à saúde - Precária
Educação
dos presos - Precária
Assistência
jurídica - Precária
Acesso
ao pátio- Sim
Visitas
- Sim
Visita
íntima - Sim
Comida
- Ruim
Estrutura
dupla para alimentação dos funcionários - Sim
Acesso
aos meios de comunicação - Sim
Celas
de isolamento - Sim
Denúncias
de espancamento - Não
Denúncias
de corrupção - Não
Armas
dentro do presídio - Sim
VI - PARANÁ
As últimas visitas
da Caravana ocorreram no Paraná, com a presença, além dos
deputados Marcos Rolim e Dr. Rosinha, de Dirleo Sanches e Padre
Aires, integrantes da Pastoral Carcerária; do Dr. Luis do
Nascimento, advogado da Pastoral Carcerária; e do Dr. Dartanhan
Abilhoa, Procurador de Justiça e Coordenador de Execuções
Penais do Estado.
PRESÍDIO CENTRAL
DE PIRAQUARA
- um lugar para o
esquecimento
Vizinha a Curitiba,
a pequena cidade de Piraquara possui o maior cárcere do Paraná.
Superlotado, o Presídio Central estava com 1.450 detentos na manhã
de 5 de setembro, quando de nossa visita. Sua lotação máxima
seria de 550 presos. Há 280 funcionários trabalhando no
estabelecimento, 40 por escala, com plantões de 24 por 72 horas.
O Presídio Central de Piraquara enfrentou uma grande rebelião no
início de junho deste ano. Como resultado, muitas de suas instalações,
especialmente as áreas destinadas às oficinas de trabalho, foram
completamente destruídas. Mais de 50% dos presos aqui cumprem
pena por delitos contra o patrimônio. As visitas ocorrem aos
domingos, das 8 às 16 horas. Pratica-se, também, as revistas com
desnudamento. Recebemos denúncias de familiares de presos segundo
as quais a rebelião de junho teria tido como fato detonador um
caso de abuso sexual cometido por funcionário contra uma mulher
de preso. Quando da rebelião, um agente foi seriamente ferido e
teve ruptura de medula. Segundo informações que obtivemos, esse
funcionário encontra-se totalmente desamparado pelo Estado.
Perecebe-se, então, em cenas do tipo, que o Estado viola também
os Direitos Humanos dos agentes penitenciários. O presídio não
dispõe de detector de metais. Do total da massa carcerária, 280
presos trabalham em tarefas de manutenção, recebendo R$ 21,00
por mês. Não há, no momento, salas de aula funcionando. O
estabelecimento dispõe dos serviços de um médico, duas
enfermeiras e uma farmacêutica. Há programa de prevenção a
DST-AIDS e os presos recebem preservativos. A assessoria jurídica
é precária e essa deficiência conforma a principal queixa dos
presos. Os funcionários do estabelecimento são agentes penitenciários
cujo salário médio é R$ 800,00. Os presos possuem acesso aos
meios de comunicação e admitie-se puni-los com a subtração
desse direito. As correspondências dos presos são violadas. Não
se admite que os funcionários portem armas dentro do presídio.
Iniciamos a visitação
pelas celas de isolamento, usadas tanto para punição disciplinar
quanto para segurança de presos. Há dois espaços: um fora do
presídio; outro dentro, na quinta galeria. As celas de isolamento
externas, em número de 19, encontram-se totalmente fora da lei. São
celas escuras, sem ventilação, onde presos são amontoados e
esquecidos. O cheiro é horrível. Os presos nesse isolamento não
saem para o pátio, embora exista uma área reservada, totalmente
gradeada e coberta por tela, onde seria perfeitamente possível
oportunizar o acesso deles à ensolação e à atividade física.
Em visita às
galerias, os deputados Marcos Rolim e Dr. Rosinha solicitaram a
oportunidade de conversar com os presos em um dos pátios
internos. Dispensaram a presença dos agentes e mantiveram com os
internos uma conversa reservada, sem qualquer problema de segurança.
Identificaram casos de presos condenados com base no artigo 16 do
Código Penal (consumo de drogas ilícitas); constataram que os
preços praticados na cantina do presídio são maiores que no
mercado e receberam a principal demanda que é a garantia dos
benefícios assegurados por lei, especialmente progressão de
regime e livramento condicional.
As celas de
isolamento internas são ainda piores, com a diferença que
abrigam, como regra, apenas um detento. Todas as portas das celas
nesse presídio são compactas, com uma pequena janela retangular
que permanece fechada e só pode ser aberta por fora. Na galeria 5
há um grande número de celas utilizadas para o isolamento.
Conversamos com todos os presos que ali estavam. Graças a esse
procedimento, descobrimos o detento de nome Valdir José
Chamoskovisk, conhecido no presídio por "general".
Quando o Deputado Marcos Rolim se dirigiu a ele perguntando-lhe a
quanto tempo estava ali, não acreditou no que ouviu.
"General" lhe contou que estava naquela cela de
isolamento há 5 anos e que, nesse período, nunca tinha tomado um
banho de sol. Em uma ou outra oportunidade havia sido retirado
dali para ser levado ao médico e mais nada. O presidente da
Comissão de Direitos Humanos da Câmara solicitou, então, aos
agentes penitenciários, que abrissem a cela e convidou Valdir José
a caminhar com ele pelos corredores. O preso atendeu ao chamado e
se dispôs, também, a caminhar com o Deputado em uma área
lateral onde funciona uma horta. Durante alguns minutos permaneceu
naquela área externa, respondendo as perguntas dos integrantes da
Caravana e tão logo pôde, solicitou que fosse conduzido
novamente a sua cela. A solicitação expõe a gravidade dos
problemas de saúde mental enfrentados pelo preso, problemas
originados ou agravados pelo longo tempo de isolamento. Perguntado
sobre se sabia quem era o Presidente da República, respondeu que
deveria se João Batista Figueiredo. Valdir José está preso há
18 anos. Foi condenado por vários assaltos e pela morte de um
general, durante um arrombamento, nos anos 70. Por conta disso,
ganhou o apelido pelo qual é conhecido na cadeia. Foi sentenciado
a mais de 70 anos de prisão. Checando essas informações com os
registros do presídio, descobrimos que Valdir José enganara-se
quando afirmara estar há 5 anos naquela cela de isolamento. Na
verdade, ele encontrava-se lá há 7 anos (!) Nesse período nunca
recebeu uma visita. Em sua cela não há rádio ou TV. Ele foi
simplesmente esquecido. Não é o único caso. Mantivemos contato
com outro preso, com problemas evidentes de saúde mental, que
encontra-se há 3 anos dentro de sua cela de isolamento; outro a
um ano e meio. Seguramente há outros casos que não tomamos
conhecimento. No Presídio Central de Piraquara é assim. Aqui as
pessoas são esquecidas.
Ficha
Técnica:
Presídio
Central de Piraquara
f:
673.2663
????AAE?E??¿p align="justify" style="margin-top: 7; margin-bottom: 7">font face="Arial" size="2">Diretor
- Cezinando Paredes
Capacidade
- 550
Lotação
- 1.450
Revista
íntima - Sim
Violação
do sigilo de correspondência - Sim
Trabalho
prisional - Precário
Atenção
à saúde - Precária
Educação
dos presos - Não
Assistência
jurídica - Inexistente
Acesso
ao pátio - Sim
Visitas
- Sim
Visita
íntima - Sim
Comida
- razoável
Estrutura
dupla de alimentação para os funcionários - Sim
Acesso
aos meios de comunicação - Sim
Celas
de isolamento - Sim
Denúncias
de espancamento - Não
Denúncias
de corrupção - Sim
Armas
no interior do presídio - Não
À tarde, estivemos
na Delegacia de Furtos e Roubos de Curitiba, onde encontramos 96
presos apinhados na carceragem. Cerca de 50% deles condenados.
Fomos recebidos pela Delegada Adjunta Márcia R.V. Marcondes
Braga, que nos franqueou o acesso às dependências da Delegacia.
A carceragem é
divida em alas que não se comunicam entre si e que encontram-se
para além de portas compactas. Verifica-se aqui a estrutura já
referida tipo "cofre", com celas dentro de celas. Dentro
de cada galeria há uma câmera que monitora os presos em circuito
fechado de televisão, 24 horas por dia. O equipamento é de
propriedade de um Delegado e foi cedido por ele. As celas são
fechadas com parafusos. Um incêndio aqui e todos os presos serão
carbonizados antes que alguém consiga abrir a porta que dá
acesso à galeria. É curioso o contraste: nos quadrantes das
galerias uma câmera de TV; nas celas, parafusos. É que se trata
de pensar "primeiro na segurança", afirmou a Delegada.
Sim, pelo que descobre-se que a segurança dos seres humanos sob
sua guarda e tutela não conta para o seu conceito de
"segurança".
Por óbvio, não
cabe à Polícia Civil cuidar de presos; nem se admite que
policiais se transformem em carcereiros. A responsabilidade pela
presença desses presos aqui, em condições sub-humanas, é
inteiramente do governo estadual e não da polícia. OOs Os presos
não saem ao pátio porque não há pátio na delegacia. A única
possibilidade que possuem para se exercitar é dentro da própria
galeria - nos quadrantes - quando suas celas são abertas, o que
nunca ocorre aos finais de semana. Passam, então, a maior parte
do tempo trancados, dividindo espaços minúsculos para que possam
dormir no chão, onde der. A comida que recebem é de péssima
qualidade e, muitas vezes, é servida já deteriorada. Os presos
recebem visitas, eventualmente, mas não podem sequer tocá-las. Há
dois pequenos parlatórios onde os presos podem se entrevistar por
alguns minutos com suas esposas ou filhos, através de uma tela. Vários
deles denunciaram que tem acesso aos familiares aqueles presos que
pagam para tanto. Segundo seu relato, outros procedimentos ou
compras por eles solicitadas são encaminhadas pelos policiais
civis mediante ágio. Denunciaram também casos reiterados de
espancamento e emprego de pau-de-arara no banheiro da carceragem.
Segundo o relato feito por vários presos, há, no banheiro, um
buraco na parede por onde seria introduzida uma barra de ferro
que, apoiada em um cavalete, permite a suspensão de uma pessoa.
Assim, vários presos teriam sido torturados. O Deputado Marcos
Rolim foi ao local indicado pelos presos e constatou a existência
do buraco. Perguntou à Delegada qual sua serventia. Ela respondeu
que, provavelmente, tratava-se de uma abertura para a introdução
de uma mangueira. Rolim demonstrou à Delegada, que havia vestígios
de ferro na abertura e que mangueiras são feitas de borracha. A
Delegada afirmou, então, que iria mandar fechar o buraco.
As visitas às
Delegacias que fizemos na Caravana, infelizmente e para o
constrangimento dos bons policiais, ressaltaram aquelas que
parecem ser duas características em processo de afirmação na
Polícia Civil no Brasil atualmente: a covardia e a desonestidade.
RECOMENDAÇÕES
a) Que o Ministério
da Justiça elabore um elenco de GARANTIAS E REGRAS MÍNIMAS PARA
A VIDA PRISIONAL condicionando a liberação aos estados de
recursos do Fundo Penitenciário Nacional e do Fundo Nacional de
Segurança Pública à estrita observância dos seus ítens.
b) Que estas GARANTIAS E REGRAS MÍNIMAS
contemplem:
b -1) Fim imediato da prática das
"revistas íntimas" sobre os familiares, compreendida
como tal toda e qualquer exigência de desnudamento.
b -2) Fim imediato da prática de
violação do sigilo de correspondência dos internos e
condenados.
b -3) Garantia da visita conjugal
para toda a população carcerária, homens e mulheres, sem
qualquer exclusão e sem exigências burocráticas destinadas a
comprovação de relação estável.
b -4) Interdição de todas as celas
escuras e sem ventilação.
B -5) Proibição do uso de celas
com vedação acústica, também conhecidas como
"cofre" (celas dentro de uma cela) e de lacre de celas
com parafusos.
b -6) Apresentação de cronograma
para a tranferência de todos os presos condenados que estejam
cumprindo pena em carceragens de delegacias policiais.
b -7) Fim de todas as estruturas
duplas de cozinha ou de diferença de alimentação oferecida
pelo Estado a presos e funcionários.
b -8) Proibição do uso de qualquer
tipo de armamento por parte de funcionários ou policiais no
interior dos estabelecimentos prisionais.
b -9) Garantia de acesso ao pátio
externo para exercício e banho de sol a todos os presos por
pelo menos uma hora ao dia.
b -10) Apresentação de cronograma
para a garantia de assistência jurídica aos internos e
condenados, na razão de, pelo menos, um advogado ou defensor público
para cada 200 presos.
C) Que parte das
verbas do Fundo Nacional de Segurança Pública possam ser
empregadas pelos estados na construção de estabelecimentos
penais - para cumprimento de condenações em regime fechado e
semi-aberto - para a construção das Casas do Egresso previstas
pela LEP e para a reforma penitenciária.
D) Que o Ministério
da Justiça desenvolva um programa específico para um mutirão
nacional de atualização dos processos de execução penal
envolvendo os governos estaduais, o Poder Judiciário em cada um
dos estados, o Ministério Público, as Defensorias e as
Universidades.
E) Que o Ministério
da Saúde, através da Vigilância Sanitária, determine a realização
de inspeções em todas as penitenciárias brasileiras.
II - Ao Congresso
Nacional
A) Que a reforma do
Código Penal seja incluída na agenda das prioridades das duas
Casas legislativas e que se assegure o mais amplo envolvimento da
sociedade civil em toda a tramitação dos projetos que tratam do
tema.
B) Que os projetos
de lei em tramitação que tratam da reforma da Lei de Execução
Penal sejam apreciados com urgência.
C) Que na parte
especial do Código Penal seja introduzida uma alteração no
artigo 12 que tipifica o crime de tráfico de drogas
estabelecendo-se penas diferenciadas de acordo com o tipo e
quantidade de droga apreendida.
D) Que o consumo de
drogas não seja considerado, em qualquer hipótese, ilícito
penal.
E) Que se alargue,
tanto quanto possível, a possibilidade de aplicação das penas
alternativas à prisão.
F) Que não se
aprove qualquer proposição legislativa tendente a agravar as
exigências objetivas e/ou subjetivas para a progressão de regime
prisional.
II - Ao Poder
Judiciário:
A) Que os Tribunais
de Justiça Estaduais, os Juizes das Varas de Execução Criminal
e os membros do Ministério Público nos estados uniformizem o
entendimento favorável à remição de pena por dias de estudo, a
exemplo do que já ocorre em alguns estados como o RS e o PR.
B) Que os Tribunais
de Justiça Estaduais, os Juizes das Varas de Execução Criminal
e os membros do Ministério Público nos estados uniformizem o
entendimento favorável à concessão de remição ficta quando o
Estado, de forma omissiva, não oferecer oportunidades de trabalho
prisional.
C) Que os Juízes
das Varas de Execução Criminal realizem inspeções nos
estabelecimentos prisionais sob sua jurisdição, sem prévio
aviso, pelo menos uma vez por mês, nos termos da LEP.
D) Que os Juizes
das Varas de Execução Criminal assegurem a instalação e o bom
funcionamento dos Conselhos da Comunidade nos termos da LEP.
E) Que os Tribunais
de Justiça dos estados coordenem programas específicos voltados
à promoção das penas alternativas à prisão.
F) Que os Tribunais
Regionais Eleitorais assegurem as providências administrativas
necessárias à garantia do direito de voto dos presos provisórios.
IV - Aos Governos
Estaduais:
A) Que os governos
estaduais assegurem o fim da "reserva de mercado" para
as funções de direção de estabelecimentos prisionais aos
funcionários de carreira.
B) Que os governos
estaduais assegurem a criação de mecanismos de controle público
sobre os estabelecimentos prisionais, credeciando representantes
da sociedade civil e de ONGs comprometidas com a luta pelos
Direitos Humanos para tarefas rotineiras de inspeção e acesso a
qualquer dependência prisional sem prévio aviso. Que seja
assegurado a esses representantes a oportunidade de contatos
reservados com internos e condenados.
C) Que os governos
estaduais elaborem programas específicos para a qualificação de
agentes penitenciários, com ênfase para a formação em Direitos
Humanos.
D) Que os governos
estaduais implementem uma política salarial e um plano de
carreira que valorizem a função pública desempenhada pelos
agentes penitenciários.
E) Que os governos
estaduais introduzam em todos os estabelecimentos prisionais
detectores de metais para a revista sobre os visitantes e funcionários.
F) Que os governos
estaduais desenvolvam projetos específicos de prevenção em
DST-AIDS no interior dos estabelecimentos prisionais.
G) Que os governos
estaduais elaborem projeto específico para a educação prisional
visando, prioritariamente, a alfabetização de internos e
condenados.
H) Que os governos
estaduais introduzam em suas propostas orçamentárias destinação
própria para a construção de Hospitais Penitenciários ou para
a reforma e aparelhamento dos já existentes.
I) Que os governos
estaduais introduzam em suas propostas orçamentárias destinação
própria para a construção da Casa do Egresso.
V - Às Assembléias
Legislativas
a) Que as Assembléias
Legislativas assegurem no âmbito das Comissões Parlamentares de
Direitos Humanos a formação de grupos especiais de trabalho ou
subcomissões destinadas a acompanhar a vida prisional, receber
denúncias e realizar inspeções.
b) Que sejam
elaborados projetos legislativos voltados à definição de regras
e procedimentos básicos a serem observados pelas administrações
prisionais com ênfase nas garantias necessárias ao exercício da
cidadania de internos e condenados. Que as definições
complementares à LEP - faltas leves e médias, sobre segurança
prisional e normas disciplinares internas - sejam definidas por
lei estadual e não por atos administrativos.
OBSERVAÇÕES
METODOLÓGICAS
O critério de seleção
dos estados a serem visitados atenderam a três requisitoss básicos:
1) gravidade dos problemas enfrentados; 2) distribuição regional
das realidades prisionais e 3) busca de modelos diferenciados de
execução penal.
Por certo, que um
levantamento mais amplo se faz necessário. A região norte e
centro-oeste, por exemplo, não foram visitadas. A amostragem que
apresentamos, não obstante, é muito significativa. Nas 17
instituições que visitamos, entre penitenciárias e delegacias
de 6 estados brasileiros, estão mais de 15 mil presos.
As visitas foram
feitas, todas, sem prévio aviso. Adotamos o procedimento de
definir os locais a serem visitados alguns minutos antes do
deslocamento de forma que se evitasse, inclusive, a possibilidade
de vazamento de informações.
Em nossas inspeções,
realizamos um levantamento tão abrangente quanto possível
seguindo a aplicação de um roteiro básico de informações a
serem recolhidas (cópia em anexo). Em geral, os presídios não
dispõe de dados relevantes e levantamentos estatísticos sobre as
condições de execução das penas e sobre o perfil dos detentos,
o que dificultou enormemente o trabalho. Via de regra, mantínhamos
um contato, logo na chegada ao estabelecimento, com alguém
responsável pela direção colhendo as primeiras informações.
Ato contínuo, iniciávamos a inspeção privilegiando as celas de
isolamento. Todas as instalações dos presídios foram
inspecionadas.
Os contatos com os
presos foram feitos de forma a se preservar o caráter reservado
das conversas. Com exceção do Presídio Aníbal Bruno em PE e do
Instituto Penal Paulo Sarasate no CE, nos foi possível, sempre,
recolher informações sem qualquer constrangimento.
A Caravana foi
documentada fotograficamente e uma parte desse material é aqui
anexada.
Em cada Estado, a
Caravana era composta, além dos deputados e assessoria, por
integrantes da Pastoral Carcerária, por ONGs de Direitos Humanos
, por integrantes do Ministério Público e por representações
das comissões parlamentares de Direitos Humanos das Assembléias
Legislativas.
Ao final de cada
visita, retomávamos os contatos com a direção dos
estabelecimentos procurando resolver problemas urgentes detectados
e solicitando providências para os casos mais graves
identificados. Em alguns presídios, nossas solicitações foram
imediatamente atendidas; em outros, não obtivemos qualquer
resposta positiva.
Questionário Básico
Estabelecimento
prisional-____________________________________
Estado-____ Cidade-
________________________________________
Endereço-
_________________________________________________
Telefone-
_________________________________________________
Diretor (a)
-________________________________________________
Data da visita -
__________ Duração __________________
Dados Gerais:
Número de internos
- ___________ Lotação Máxima -____________
Homens - _____
Mulheres - __________
regime fechado -
_______
regime semi-aberto
- __________
Há alojamentos
para presos em semi-aberto? ______
Média de presos
por cela - _____
Há adolescentes
presos? _____ Em caso positivo, quantos? ___
Há doentes mentais
presos? _____ Em caso positivo, quantos? ____
Número de funcionários
lotados no estabelecimento- _____
Perfil dos
detentos:
Condenados por
homicídio _____ Condenados por latrocínio______
Condenados por
roubo _____ Condenados por furto ______
Condenados por tráfico
_____ Condenados por consumo de drogas _____
Condenados por
estupro ___ Condenados por atent. viol. ao pudor _____
Condenados por
crimes do colarinho branco ____
Outras condenações
_____
Idade média dos
internos ______
Escolarização:
analfabetos ____
primária ____ secundária ____ superior ____
Etnia:
brancos ___ negros
____ pardos/mulatos ____ índios ___ outros ___
Reincidência
criminal _______
Ocorrências
relevantes:
Há histórico de
motins? ___ Em caso positivo, quantos em 12 meses? ____
Há histórico de
fugas? ____ Em caso positivo, quantas em 12 meses? ____
Morbidade no presídio
- presos mortos nos últimos 12 meses ___
funcionários
mortos nos últimos 12 meses ___
desse total,
quantas mortes violentas? ____
Há denúncias de
maus tratos? ____
tipo
___________________________________
Há casos de
tortura? ___
tipo
_____________________________________________
Há denúncias de
corrupção? _____
tipo
_________________________________________
O estabelecimento
possui regras disciplinares impressas? ___
O material é
distribuído aos detentos ? ____
O estebelecimento
possui cartilha com instruções e/normas para os visitantes? ____
O material é
distribuídio aos visitantes?____
solicitar cópia.
Dados dobre visitação:
Dias de visitação
____________________________
horários
___________________
Quem pode visitar
os presos _________________________
Há visita íntima
(para contato sexual) _______
Em caso positivo,
frequência _____ duração ______
Critérios para que
os presos habilitem-se à revista íntima ___________
Admite-se visita íntima
homossexual? _______
As visitas são
revistadas? _____
Há desnudamento
nas revistas? _____
Adolescentes e
crianças são revistados? _____
Há desnudamento de
criançcas e adolescentes? ____
Utiliza-se detector
de metais nas revistas? _____
Número de funcionários
utilizados para revista por dia de visitação___
Os funcionários são
revistados? ____
advogados, juizes,
promotores e/ou autoridades são revistados? ____
Em caso positivo,
qual o procedimento adotado? ____
Dados sobre
trabalho prisional:
Quantos presos
trabalham? ____
Há convêniuos com
empresas para trabalho em regime fechado? ___
tipo-_________________
Os presos recebem
pelo trabalho? _____ quanto por mês ____
Há oficinas de
profissionalização?
tipo-
________________
Quantos presos
participam dessas oficinas? ______
Principais queixas
dos presos:
____________________________________________________________
Dados sobre educação
prisional:
Há aulas regulares
no presídio? ___
Quantos presos
estudam? ____
Os dias de estudo
contam para efeito de remição? ____
Principais queixas
dos presos:
________________________________________________
Dados sobre a saúde
prisional?
Há médicos
trabalhando no estabelecimento? ___
Em caso positivo,
quantos? _____ Carga horária ____
Há dentistas
trabalhando no estabelecimento? ___
Em caso positivo,
quantos? ____ Carga horária____
O atendimento dentário
oprtuniza:
extrações ___
restaurações _____ ortodontia ____
Situação dos
medicamentos disponíveis:
inexistente ___
precária ___ razoável____ boa _____ ótima ____
Há programa de
prevenção a DST-AIDS ? _____
Os presos recebem
preservativos? ____
Os soropositivos
recebem medicação e tratamento adequados? ____
Principais queixas
dos presos:
____________________________________________________
Dados sobre
alimentação:
Há nutricionista
trabalhando no presídio? ______
A comida é feita
no estabelecimento? ____ É terceirizada? ____
Há refeitório
para presos? _____
Há refeitório
para funcionários? ____
A comida servida
aos presos é a mesma dos funcionários? ____
Principais queixas
dos presos
______________________________________
Dados sobre execução
penal:
Nome do (a) Juiz
(a) da VEC _____________________________
Nome do Promotor
(a) da VEC _____________________________
O juiz titular da
VEC visita regularmente o presídio? _______
Quantas vezes nos
últimos 12 meses? ___
Concede audiências
aos presos em suas visitas? _____
O presídio oferece
assessoria jurídica aos presos? ___
Há defensor (a) público
atuando no presídio? ___ Quantos? ___
Há convênio com
Universidade para assessoria jurídica? ___
Há convênio com
Universidade para assistência à saúde? ___
Os funcionários do
presídio são:
( ) agentes
penitenciários ( ) policiais civis ( ) policiais militares
Grau de
escolaridade exigido dos funcionários __________
Percentual de
funcionários com inst. superior completa _________
Salário médio dos
funcionários _______
Dados sobre
estrututra prisional:
As celas obedecem
ao padrão legal? _____
Ospresos possuem
horário regular para movimentação em área adequada? ____
Há biblioteca?
_____ Em caso positivo, qual sua situação? ____
Os presos possuem
acesso aos meios de comunicação? ____
Em caso positivo,
admitie-se puni-los subtraindo esse acesso? ___
Há cantina
operando dentro do estabelecimento? ____
Os preços
praticados na cantina são superiores aos de mercado? ____
As correspondências
dos presos são violadas? _____
Admite-se que
funcionários portem armas dentro do presídio? ___
Há depósito de
armas/munições dentro do presídio? ____
Quem faz a guarda
externa do presídio? ____
Que tipo de
armamento utiliza? _____
Há algum tipo de
mecanismo interno de representação prisional? ___
Observações
gerais:
___________________________
AGRADECIMENTOS
Deputado
Michel Temer
Presidente
da Câmara dos Deputados
Cristina
de Fátima Nunes Queiroz- Chefe de Gabinete da Presidência da Câmara
dos Deputados
Jucélio
Roberto dos Santos- Apoio Administrativo da Diretoria Geral da Câmara
dos Deputados
José
Messias Castro Silva - assessor do Serviço de Administração do
Depto. De Comissões da Câmara dos Deputados
Ivone
Duarte, Janete Lemos e Marilda Campolina – Assessoras da Comissão
de Direitos Humanos da Câmara
Ana
Beatriz Magno - enviada especial à Caravana pelo Correio
Brasiliense
Clarissa
Lina - enviada especial à Caravana pela Gazeta do Povo-PR
Pe.Bernardino
Avelar Azamendia- Coordenador Nacional da Pastoral Carcerária
Daniela
Cecília Silva - Coordenação da Pastoral Carcerária do Estado
de São Paulo
Armando
Tambelli - Coordenação da Pastoral Carcerária do Estado de São
Paulo
Pe.
Bruno Trombeta
Pastoral
Carcerária do Rio de Janeiro
Pe.
Marcos Passerini- Pastoral Cacerária do Ceará
Dr.
Luiz Lima - Pastoral Carcerária do Paraná
Lenilson
- Pastoral Carcerária de Pernambuco
Ariel
de Castro- Justiça Global
Sandra
de Carvalho- Assessora da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia
Legislativa do Estado de São Paulo
Isabel
Peres - Ação Cristã pela Abolição da Tortura
Dra.
Esther Correia
Ministério
Público do Estado de Pernambuco
Ministério
Público do Estado do Rio de Janeiro
Ministério
Público do Estado de São Paulo
Ministério
Público do Estado do Paraná
Ministério
Público do Estado do Rio Grande do Sul
Comissão
de Direitos Humanos da AL do Ceará
Comissão
de Direitos Humanos da AL de Pernambuco
Comissão
de Direitos Humanos da AL do Rio Grande do Sul.
|