ABC
da Cidadania
João Baptista Herkenhoff
OITAVO
CAPÍTULO
A
DIMENSÃO SOCIAL E ECONÔMICA DA CIDADANIA.
1. A proteção ao trabalho,
o respeito ao trabalhador.
Pela
Constituição todo trabalho tem proteção.
Nenhum trabalho está à margem de
segurança e amparo, nenhum tipo de trabalho
está excluído do reconhecimento
constitucional. Tem proteção constitucional
o trabalho permanente e o trabalho temporário,
o trabalho intelectual e o trabalho manual, o
trabalho industrial ou comercial e o trabalho
doméstico.
Fizemos
uma distinção entre “trabalho
intelectual e trabalho manual” apenas para
seguir o que a Constituição diz.
Na verdade, achamos que todo trabalho é
intelectual porque em todo o trabalho o ser humano
coloca sua inteligência, sua sensibilidade.
Se o trabalho for respeitado, reconhecido, remunerado
com dignidade, valorizado, ele vai trabalhar com
amor, que é um dom da alma. Vai trabalhar
com a consciência de que está ajudando
na “construção do mundo”,
qualquer que seja seu ofício.
O trabalhador não pode ser considerado
uma peça descartável, como se fosse
um objeto. A Constituição protege
o trabalhador da despedida arbitrária.
2.
A proteção ao desempregado. A luta
pelo “pleno emprego”.
O
desemprego é um grande sofrimento na vida
do trabalhador e de sua família. A Constituição
estabelece que haja o seguro desemprego. Mas o
“seguro desemprego” é apenas
um “remendo” para uma situação
grave. Temos que lutar pelo “pleno emprego”,
ou seja, temos que lutar para que haja trabalho
para todas as pessoas.
Sabemos
que isto não é fácil. Mas
temos de batalhar para que as políticas
públicas sejam encaminhadas no sentido
do “pleno emprego”.
O mais importante, na vida de um país,
não é que as empresas tenham gordos
lucros. O mais importante não é
o crescimento do “produto interno bruto”
(PIB). O mais importante não é que
a “balança de exportações”
seja favorável ao país. O mais importante
é que vigore no país a Justiça
Social. Um dos pilares da Justiça Social
é o “pleno emprego”. Sociedade
feliz é aquela sociedade onde cada pessoa
pode dar sua contribuição para o
bem-estar social, possa colocar um “tijolo”
na edificação do mundo.
3.
A defesa do salário do trabalhador.
O
salário do trabalhador não pode
ficar a critério exclusivo do patrão.
O trabalho humano é sagrado. Sagrado é
o salário. A Constituição
estabelece que haja um salário mínimo
capaz de atender as necessidades vitais básicas
do trabalhador e de sua família.
Estabelece também a Constituição
que haja um piso salarial para certas profissões
e ofícios.
Garante
ainda a Constituição:
• remuneração do trabalho
noturno superior ao trabalho diurno;
• direito a um décimo terceiro salário;
• direito à participação
nos lucros da empresa e até na gestão,
da forma que for estabelecida por lei;
• salário-família para os
dependentes do trabalhador.
4.
A duração do trabalho. A garantia
do repouso.
A
Constituição limita a duração
do trabalho e assegura o direito ao repouso, através
da seguintes medidas:
• duração do trabalho normal
não superior a oito horas diárias
e quarenta e quatro horas semanais;
• jornada de seis horas para o trabalho
realizado em turnos ininterruptos de revezamento.
• repouso semanal remunerado, de preferência
aos domingos;
• remuneração das horas extra
em valor maior que a hora normal;
• férias anuais remuneradas com,
pelo menos, um terço de acréscimo
ao salário normal.
5.
A proteção da gestante.
A
meu ver, pode-se avaliar a substância ética
de uma Constituição, pelo modo como
encara a questão da gestação.
Em
favor da empregada gestante, a Constituição
estabelece:
• licença de 120 dias, sem prejuízo
do emprego e do salário;
• direito de proteção da Previdência
Social;
• proibição de dispensa, desde
a confirmação da gravidez até
cinco meses após o parto.
Estas
medidas parecem-me acertadas mas não são
suficientes para assegurar o amplo e irrestrito
amparo a que gestante tem direito.
Vejo
um toque de sacralidade na mulher grávida.
Porque a vida é sagrada e a mulher grávida
é o símbolo da vida.
Não
foi por outra razão que, quando juiz, libertei
Edna, que estava grávida. Essa mulher compareceu
a minha presença, presa há oito
meses, prestes a dar à luz. Foi aprisionada
porque trazia consigo algumas gramas de maconha.
Proferi
diante dela, em voz alta, o despacho que a libertou:
“A
acusada é multiplicadamente marginalizada:
por ser uma mulher, numa sociedade machista; por
ser pobre, cujo latifúndio são os
sete palmos de terra dos versos imortais do poeta;
por ser prostituta, desconsiderada pelos homens
mas amada por um Nazareno que certa vez passou
por este mundo; por não ter saúde;
por estar grávida, santificada pelo feto
que tem dentro de si, mulher diante da qual este
Juiz deveria se ajoelhar, numa homenagem à
maternidade, porém que, na nossa estrutura
social, em vez de estar recebendo cuidados pré-natais,
espera pelo filho na cadeia.
É
uma dupla liberdade a que concedo neste despacho:
liberdade para Edna e liberdade para o filho de
Edna que, se do ventre da mãe puder ouvir
i som da palavra humana, sinta o calor e o amor
da palavra que lhe dirijo, para que venha a este
mundo tão injusto com forças para
lutar, sofrer e sobreviver.
Quando
tanta gente foge da maternidade, quando pílulas
anticoncepcionais, pagas por instituições
estrangeiras, são distribuídas de
graça e sem qualquer critério ao
povo brasileiro; quando milhares de brasileiras,
mesmo jovens e sem discernimento, são esterilizadas;
quando se deve afirmar ao mundo que os seres têm
direito à vida, que é preciso distribuir
melhor os bens da Terra e não reduzir os
comensais; quando, por motivo de conforto ou até
mesmo por motivos fúteis, mulheres se privam
de gerar, Edna engrandece hoje este Fórum,
com o feto que traz dentro de si.
Este
Juiz renegaria todo o seu credo, rasgaria todos
os seus princípios, traria a memória
de sua Mãe, se permitisse sair Edna deste
Fórum sob prisão.
Saia
livre, saia abençoada por Deus, saia com
seu filho, traga seu filho à luz, que cada
choro de uma criança que nasce é
a esperança de um mundo novo, mais fraterno,
mais puro, algum dia cristão.
Expeça-se
incontinenti o alvará de soltura”.14
6.
Outros direitos trabalhistas.
Além
desses direitos que cabemos de comentar, a Constituição
garante outros importantes direitos trabalhistas,
que resumimos a seguir:
• aviso prévio proporcional ao tempo
de serviço, no mínimo de trinta
dias;
• garantia de normas de saúde, segurança
e higiene do trabalho;
• direito a adicional para as atividades
penosas, insalubres e perigosas;
• seguro contra acidentes do trabalho, a
cargo do empregador;
• direito a aposentadoria, ao fim de uma
vida de trabalho;
• proteção dos trabalhadores,
em face da automação, de modo que
o progresso não sacrifique o valor maior,
que é a pessoa humana;
• proibição de qualquer discriminação
contra o trabalhador que seja portador de deficiência,
bem como proibição de discriminações
que decorram de sexo, idade, raça, cor
ou estado civil;
• proibição de distinção
entre trabalho manual, técnico e intelectual,
ou entre os profissionais respectivos;
• igualdade de direitos entre o trabalhador
com vínculo empregatício permanente
e o trabalhador avulso;
• salvaguarda dos direitos dos trabalhadores
domésticos e interação deles
à previdência social;
• liberdade de associação
profissional e sindical;
• direito de greve.
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14 Já transcrevemos este
despacho em mais de um livro nosso. E assim agimos
porque nos parece que este despacho resume o fundamento
de nossa concepção do Direito. Ou
seja: creio que a essência do Direito encontra-se
no respeito à dignidade da pessoa humana.
Este despacho não faz citação
de artigo da Constituição ou da
lei. Sua argumentação desenvolve-se
a partir de uma única idéia: a sacralidade
da pessoa humana, representada pela mulher grávida,
pobre, desamparada, presa, que comparecia à
face do tribunal.
7.
Outros direitos econômicos e sociais.
Podem
ser ainda arrolados como direitos econômicos
e sociais, previstos na Constituição:
• o direito das crianças a creches
e pré-escolas;
• a proteção do consumidor;
• as políticas públicas que
assegurem o bem-estar da população;
• a assistência aos desamparados.
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