À
Excelentíssima Senhora
MARY ROBINSON
Alta Comissária da Organização das Nações Unidas para
Direitos Humanos
AVANÇOS
E VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL
-Um
breve balanço legislativo e político-
Nos
últimos anos, as instituições brasileiras deram uma demonstração
de que querem estar cada vez mais comprometidas com a garantia e
proteção dos direitos humanos. Fruto de conquistas da pressão
da sociedade civil e do acatamento de recomendação da Conferência
das Nações Unidas sobre Direitos Humanos, realizada em Viena em
1993, o presidente da República editou em 1996 o Programa
Nacional de Direitos Humanos. Foi criada uma Secretaria, junto ao
Ministério da Justiça, encarregada de implementar este programa.
A aprovação de algumas leis, pelo Congresso Nacional, permitiu a
execução de alguns direitos fundamentais.
1.Ressaltam-se
como aspectos positivos a aprovação recente das seguintes leis:
-
Lei nº 9.437/97 que “Criminaliza o porte ilegal de armas e institui o Sistema Nacional de
Armas, Munições e Explosivos (SINARM)”. Esta lei viabilizou o
início de um sistema sobre cadastro de armas no país, bem como a
identificação das pessoas civis com o porte de armas. Também
obriga que a compra de cada arma seja imediatamente comunicada ao
Sistema.
-Lei
nº 9.455/97 que “Define os crimes de tortura e dá outras providências”. Esta lei
representou um passo importante
para o fim da prática de tortura no Brasil. Embora o
Brasil tivesse ratificado todas os instrumentos internacionais
destinados a abolir este tratamento desumanos, a prática da
tortura não era considerada crime. Com a criação do tipo penal,
passa-se a responsabilizar criminalmente a prática da tortura
efetuada principalmente por agentes públicos na sua maioria
policiais militares e civis.
-Lei
nº 9.714/98 que “Amplia as alternativas à pena de prisão para os crimes de menor gravidade,
por meio da imposição de restrições aos direitos do condenado
e prestações de serviços à comunidade”. Esta lei viabilizou
que aos delitos de menor potencial ofensivo fosse aplicado, ao invés
de penas restritivas de liberdade, simplesmente penas de prestação
de serviços à comunidade e restritivas de direitos. Esta inovação
no sistema brasileiro de penas trouxe um menor crescimento da
população carcerária.
-Lei
9.777/98 que “Define como crimes condutas que favorecem
ou configuram trabalho
forçado”. Esta lei
resultou de grande esforços para que as condutas ilícitas de
trabalho forçado e
escravo fossem consideradas crime. No entanto, até hoje, são
poucas as condenações neste tipo penal, tendo em vista que
torna-se difícil
caracterizar a intenção de manter o empregado em trabalho forçado.
-Lei
9.883/99 que “Institui o
Sistema Brasileiro de Inteligência e cria a ABIN-Agência
Brasileira de Inteligência e dá outras providências.” Com
esta lei, as atividades destinadas a compor o serviço de inteligência
foram disciplinadas e seus limites definidos.
-Lei
9.807/99 a qual “ Estabelece normas
para a organização e manutenção de programas especiais
de proteção a vítimas e
a testemunhas ameaçadas.” Esta lei significou um avanço
importante ao combate à impunidade, uma vez que
vítimas e testemunhas de crimes passaram a receber condições
e proteção de vida para denunciarem os responsáveis
pelos graves delitos.
-Lei
9.812/99 que estabelece uma penalidade
mais severa aos cartórios e tabelionatos que não quiserem
cumprir com a gratuidade das certidões de nascimento e de óbito.
A lei da gratuidade de registros civil é fundamental para os
direitos humanos. Muitos cartórios não vinham aplicando a
gratuidade e foi preciso a vigência desta lei para obrigar o
sistema cartorial brasileiro a respeitar a lei, sob pena de cassação
da concessão de funcionamento.
-Decreto-Legislativo
nº 89/98 que aprova a
competência obrigatória da Corte Interamericana de Direitos
Humanos em todos os casos relativos à interpretação ou
aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos para
fatos ocorridos a partir do reconhecimento daquele instrumental
internacional.
2.
Relativamente às proposições legislativas em exame no Congresso
Nacional, há diversas matérias relavantes para os direitos
humanos, das quais ressaltamos as seguintes:
Na
área da Criança e Adolescente destacamos o Projeto de Lei
3.188/97, que acrescenta artigo à Lei 8.069 /90 –
Estatuto da Criança e Adolescente - determinando o início
imediato de investigação quando ocorrer desaparecimento de criança
e adolescente (no prazo máximo de seis horas após a notificação),
e o Projeto de
Lei 3844/97, que dispõe sobre
educação em direitos humanos e institui a Política Nacional
de Educação em Direitos Humanos para o ensino fundamental e médio.
No
combate à violência e impunidade tramita na Câmara dos Deputados
o Projeto de Lei 861/99, que dispõe sobre o crime de abuso de
autoridade pelo uso indevido de força ou arma de fogo, no exercício
do poder de polícia.
Contra
a discriminação e
preconceito, ressaltamos o Projeto de Lei 1940/99, que inclui
como crime o ato de discriminar pessoas em razão da sua orientação
sexual.
Desafios
a enfrentar
Apesar
dos evidentes esforços para a institucionalização dos direitos
humanos, com a criação de novas leis e novos organismos públicos,
é forçoso reconhecer as crescentes violações aos direitos
fundamentais. Elas se tornam mais agudas quando envolvem os
direitos de crianças e adolescentes, presos e segmentos
discriminados da sociedade, como negros, homossexuais, pessoas
portadoras de distúrbio mental e portadores de deficiência.
O retrato da infância
e juventude no Brasil é funesto. Apesar de termos uma das
legislações mais avançadas no mundo destinada a garantir o
direito às crianças e adolescentes, ainda não temos na prática
ações governamentais e políticas sociais capazes de garantir
esses direitos. Somos um país que coleciona trágicos indicadores
no que se refere à violência contra crianças e adolescentes.
Cerca de 16% da população de crianças entre 10 e 14 anos estão
no trabalho formal e informal, geralmente de forma insalubre,
perigosa e sem direitos
trabalhistas mínimos. Esse percentual cresce na medida que também
aumenta a idade do jovem, indicando que a mão-de-obra infantil é
considerada um subsídio complementar à renda e trabalho das famílias
pobres.
O
comércio e exploração
sexual de crianças e adolescentes é também crescente no país,
principalmente nas áreas mais pobres e de forte concentração do
turismo. Na maioria das vezes, as redes de exploração sexual
infanto-juvenil envolvem autoridades policiais, empresários, políticos
e pessoas influentes, que têm certeza de que suas condutas ficarão
impunes.
As
violações são também numerosas contra o adolescente
infrator. Em lugar das adequadas medidas sócios-educativas
previstas no Estatuto da Criança e Adolescente, ocorre na
realidade a reclusão em estabelecimentos semelhantes às piores
penitenciárias existentes. Os jovens em regra ficam internados além
do prazo legal. As instituições de internação (FEBEMs), em
quase todos os estados da Federação, oferecem um triste espetáculo
de violação sistemática dos princípios contidos na Constituição
Federal e Estatuto da Criança e Adolescente. Os efeitos das
internações em tais estabelecimentos são extremamente perversos
na formação do caráter e da personalidade dos jovens, em nada
contribuindo para que tenham mínimas condições de educação.
O
sistema penitenciário brasileiro também passa por uma profunda
crise. As prisões estão super-lotadas, têm custos de manutenção
excessivamente altos, são desumanas e incapazes de
reeducar o transgressor e reintegrá-lo ao convívio
social. As rebeliões de presos, bem como as torturas e chacinas,
provocadas por agentes do Estado, são freqüentes nas penitenciárias.
Geralmente, quem cumpre pena são justamente as pessoas condenadas
por delitos de menor potencial ofensivo. Há também uma grande
concentração de presos em delegacias de polícias (destinadas à
detenção provisória aos não condenados), enfrentando todo o
tipo de violação de direitos assegurados na legislação
brasileira e em instrumentos internacionais de proteção.
A
sociedade brasileira é extremamente violenta com os setores mais discriminados
como negros, mulheres, pobres, homossexuais etc. Os dados indicam
ser crescente a existência de grupos de pessoas que se reúnem
unicamente com o propósito de disseminar o ódio e o preconceito
por etnia, sexo e cor, alguns deles utilizando inclusive a
Internet.
Desta
forma, consideramos que a superação deste quadro de violência
no Brasil passa principalmente pela implementação das seguintes
diretrizes gerais, a comprometer as instituições públicas:
1-
Reforma nos modelos das instituições totais (presídios,
manicômios e instituições de internação para adolescentes),
adequando-as a paradigmas condizentes com os princípios, valores
e leis de defesa dos direitos humanos;
2-
Redefinição do Sistema Penal Brasileiro, com revisão do
Código Penal Brasileiro, sistema penitenciário, penas e regras
de processo penal;
3-
Reestruturação e construção de um novo paradigma para
as polícias;
4-
Federalização dos crimes contra os direitos humanos;
5-
Incremento da eficácia do sistema judiciário, dotando
suas instituições de maior credibilidade e capacidade de aplicação
da lei;
6-
Campanhas amplas destinadas a combater a violência e
esclarecer os direitos da cidadania.
Brasilia,
16 de maio de 2000.
Deputado
Marcos Rolim
Presidente
da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados
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