RELATÓRIO
Direitos
Humanos no II
FÓRUM SOCIAL MUNDIAL
Porto Alegre, 31 de
janeiro a 6 de fevereiro de 2002-02-07
Márcio Marques de
Araújo
Secretário da
Comissão de Direitos Humanos (CDH)
Introdução
Designado pelo
presidente da Comissão de Direitos Humanos, Deputado Nelson
Pellegrino, e autorizado pela Diretoria-Geral da Câmara dos
Deputados, participei, como observador, do II Fórum Social
Mundial, realizado entre 31 de janeiro e 06 de fevereiro de 2002
em Porto Alegre-RS. O relatório a seguir informa sobre as
principais debates, resoluções e perspectivas projetadas pelo
evento, concentrando-se em indicações sobre a temática dos
direitos humanos e a rede parlamentar mundial constituída na
ocasião.
Fórum: unidade na
diversidade
O II Fórum Social
Mundial foi promovido por organizações não-governamentais,
movimentos sociais, entidades civis e instituições religiosas de
todo o mundo, realizado na mesma data em que os rumos da economia
eram discutidos por representantes de governos e grupos econômicos
no Fórum Social Mundial, em Nova Iorque. O encontro sucedeu ao I
Fórum, concluído com êxito um ano antes também na capital gaúcha.
O fórum consiste
num processo de reflexão coletiva, estruturado em conferências,
seminários, oficinas, testemunhos, atos políticos, fórum
paralelos (como o Fórum Parlamentar Mundial e o Fórum Mundial de
Juízes), além de ampla programação destinada a jovens, crianças
e de caráter cultural, totalizando mais de 1.000 eventos,
organizados em torno de quatro eixos temáticos: produção de
riquezas e reprodução social; o acesso às riquezas e a
sustentabilidade; a afirmação da sociedade civil e dos espaços
públicos; poder político e ética na nova sociedade.
A realização do
encontro resultou da vontade de formular alternativas humanistas
ao processo global de concentração de poder e riquezas ora em
curso, com ênfase nos aspectos sociais em lugar de interesses
econômicos de grandes corporações transnacionais. O fórum se
posiciona claramente contra o modelo neoliberal de globalização
e os interesses dos grandes grupos econômicos, reunindo
significativa diversidade de atores em busca de uma unidade capaz
de definir uma agenda e lutar por "um mundo à imagem e
semelhança dos homens e das mulheres e não das
mercadorias", conforme explicou um dos membros do Comitê
Organizador, o professor da USP e escritor Emir Sader.
Números do Fórum
Apoiado pelo
governo do Rio Grande do Sul e prefeitura da Porto Alegre, o II Fórum
foi o maior e mais cosmopolita evento de debates já realizado no
país, com presença estimada em 80 mil pessoas, provenientes de
131 países, 210 etnias, 186 idiomas, sendo 15 mil delegados e
2.400 jornalistas, segundo dados divulgados pelos realizadores.
Resoluções
O encontro não
teve caráter deliberativo, sendo suas resoluções destinadas a
orientar as redes, organizações e pessoas participantes, cada
qual em seu âmbito de atuação. Entre as principais resoluções
aprovadas, destacam-se a que condenou os atos de terrorismo de 11
de setembro nos EUA e o terrorismo em geral; condenação do
desrespeito dos direitos civis justificado pela guerra ao
terrorismo; oposição ao unilateralismo dos EUA em tratados
internacionais; reforma de organismos internacionais como a ONU, o
FMI e a OMC, de modo a favorecer a diversidade e a inclusão
social; taxação dos fluxos de capitais financeiros e fim dos
paraísos fiscais; cancelamento de dívidas externas que condenam
povos à miséria; contra a criação da ALCA, por implicar em
mais poder econômico e militar norte-americano em detrimento do
bem-estar de amplos setores da população latino-americana e na
perda de soberania dos países da região; solidariedade às vítimas
de conflitos, como o da Palestina/Israel e Colômbia.
Rede Parlamentar
Mundial
O Fórum
Parlamentar Mundial aprovou a criação da Rede Parlamentar
Internacional, destinada a dar suporte a ações legislativas
internacionais em defesa dos direitos humanos e outros temas da
agenda mundial humanista, como pleno emprego, direitos da criança,
investimentos sociais e combate à Aids. A proposta foi aprovada
pela unanimidade dos 1.115 parlamentares de 40 países
participantes. O evento, paralelo ao II Fórum Social Mundial,
aprovou moções contra a ALCA, o Plano Colômbia, o embargo
norte-americano a Cuba, além de condenar os investimentos maciços
em armas e conclamar os parlamentos do mundo à contribuir no
esforço para a paz e à globalização da fraternidade e da
esperança.
Direitos Humanos no
Fórum
O encontro
propiciou à plataforma dos direitos humanos destacado espaço de
discussão e articulação. Houve uma série de seminários e
oficinas importantes, com destaque para os que focalizaram as
dimensões econômicas, sociais e culturais dos direitos humanos,
expressos no Pacto Internacional da ONU sobre esses direitos. Num
dos mais importantes seminários dessa temática, a Alta Comissária
da ONU para Direitos Humanos, Mary Robinson, e a coordenadora do
Comitê da ONU para Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (DESCs),
Virginia Dan Dan, destacaram como exemplo a ser seguido a produção
pela sociedade civil, articulada pela Comissão de Direitos
Humanos da Câmara dos Deputados, no ano 2000, de relatório sobre
a situação dos DESCs no país. As representantes das Nações
Unidas lembraram que, em decorrência da iniciativa, o Estado, por
meio do poder Executivo, se viu compelido a apresentar seu relatório
oficial e a assumir compromissos com metas de realização dos
referidos direitos.
Foi bastante
proclamada a universalidade e indivisibilidade dos direitos
humanos, sendo sublinhada a urgência na implementação dos que
estão protegidos no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, sem prejuízo dos elencados no Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos. Muitas articulações
tiveram início no sentido de pressionar pela implementação e
realização pelos Estados do direito público internacional e
pelo fortalecimento dos organismos multilaterais.
Contatos e articulações
Mantive dezenas de
contatos com dirigentes de organizações e ativistas na área de
direitos humanos. Com base em orientações do presidente da CDH,
deputado Nelson Pellegrino, procurei sensibilizá-los para a
necessidade de definição pela CDH e organizações atuantes na
área de agenda de trabalhos conjuntos em 2002. Nesse sentido,
participei de entendimentos relacionados à visita oficial ao
Brasil, em março próximo, do relator da ONU para o Direito à
Alimentação, Jean Ziegler; auscultei interlocutores da área a
respeito das possíveis temáticas da VII Conferência Nacional de
Direitos Humanos (a ser realizada em maio de 2002 pela CDH e
entidades parceiras). Participei de encontros específicos com
organizações que atuam junto aos organismos internacionais de
direitos humanos, principalmente na área dos DESCs. E procurei
ainda auxiliar os membros da CDH presentes ao Fórum em suas
atividades parlamentares.
Perspectivas para os
direitos humanos
A ampla gama de
debates durante o II Fórum Social Mundial projetou, para a área
de direitos humanos, uma tendência de incorporação e valorização
de sua face econômica, social e cultural. Nesse sentido, houve
indicações de que estão em alta no movimento social direitos
ainda pouco reconhecidos, como o direito à informação isenta e
livre e chamadas novas gerações de direitos, como a um meio
ambiente limpo e sustentável. Igualmente parece ocupar espaço
crescente na agenda internacional e nacional dos direitos humanos
a insubmissão a imposições ao mercado de alimentos transgênicos
e outros sobre os quais não haja provas de segurança ao
consumidor e ao meio ambiente. Por outro lado, a agenda
internacional da área indica o fortalecimento das ações em
favor do respeito ao direito humano mais básico à alimentação.
Um dos mais
importantes seminários realizados no âmbito do fórum,
denominado "Balanço e Perspetivas das Políticas Sociais no
Cenário Mundial Atual", promovido por 33 organizações
internacionais e nacionais comprometidas com a garantia dos
direitos universais e de uma cidadania global, com cerca de 1.000
pessoas, formulou uma agenda que indica bem as prioridades da luta
mundial pelos direitos humanos. Essa agenda tem três eixos de ações:
1. articulação e fortalecimento das lutas mundiais pela paz,
fruto do respeito pela dignidade humana e da cidadania plena,
visando a substituição do confronto por mecanismos de diálogo
na mediação de conflitos e a eliminação de mecanismos
destruidores da vida; 2. compromisso com a construção de um
projeto ético-político mundial, que coloque a economia a serviço
da vida; e a luta pela implementação de políticas sociais.
Essas são as linhas de ação do movimento internacional e
nacional em direitos humanos, com as quais deverá confluir, em
alguma medida, a agenda da Comissão de Direitos Humanos da Câmara
dos Deputados numa perspectiva de médio prazo em seu campo de
atuação.
Brasília, 07 de
fevereiro de 2002
Márcio M. Araújo
Secretário da
Comissão de Direitos Humanos
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