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A Abordagem Sistêmica na Perspectiva da Complexidade como Referencial Epistemológico das Políticas de Segurança Pública
 

 

O Centro de Formação e Desenvolvimento de Recursos Humanos do Governo do Estado do Amapá – CEFORH.GOV.AP -, tem desenvolvido, ao longo de seis anos, atividades de pesquisa, de formação e de ensino, no âmbito da segurança pública entendida como questão de complexa governabilidade social. A sistematização, a troca e a teorização das experiências, a elaboração de políticas públicas de segurança, a construção de metodologias de ensino policial, a configuração de modelos de gestão em segurança pública e o reconhecimento de instituições nacionais e internacionais dos programas desenvolvidos, nos habilitam a realizar uma exposição conceitual sobre o tema com o intuito de colaborar na elaboração de um programa nacional nessa área.    

1. Abordagem Sistêmica e da Fragmentação – conceitos distintos para práticas políticas diferentes. 

    As políticas setorizadas sem a perspectiva de estabelecer conexões com o conjunto de ações do projeto governamental se fundamentam em abordagens compartimentalizadoras da realidade produzindo a fragmentação administrativa, que tem sido o traço característico das relações centralizadoras e autoritárias do poder hegemônico brasileiro. A setorização/fragmentação/centralização impedem o fluxo, a circulação, a oxigenação, a diversidade que emergem da participação democrática dos sujeitos envolvidos nos projetos sócio-históricos de transformação. A abordagem sistêmica na perspectiva da complexidade à disposição das políticas sociais das diversas áreas governamentais, de maneira que estejam coordenadas entre si, objetiva que as ações das diversas áreas governamentais constituam um conjunto intimamente relacionado.

     Uma das condições que propiciam a organização das ações governamentais sob a visão sistêmica como paradigma político/epistemológico, diz respeito à criação de instâncias sistematizadas e estruturais enquanto espaços legítimos, onde a coordenação das políticas sociais, econômicas e ambientais possa ser construída e a relação das e entre essas políticas se constituam num conjunto resultante dessa relação e da articulação da multiplicidade de elementos que a compõem.

  Desde o entendimento da governabilidade sistêmica, a ausência desses espaços legítimos de construção, relação, articulação, avaliação e planejamento das e entre as políticas sociais, econômicas e ambientais, favorecem a precedência dos personalismos  e da projeção individual sobre  os projetos sociais; a absolutização do exercício do poder particular sobre as instâncias de  participação  e da interveniência social; as soluções e resoluções administrativas acadêmicas tradicionais sobre a busca de novas alternativas de solução do exercício hermenêutico sócio-histórico; a busca de hegemonia das facções de poder sobre o projeto político e socialmente construído, etc.    

   A outra condição diz respeito aos sujeitos sociais legítimos que vêm ocupar os espaços estruturais e exercer a coordenação e a articulação das ações governamentais; diz respeito aos sujeitos sociais que ocupam as instâncias intermediárias sistematizadas para direcionarem as ações das diversas áreas governamentais, a fim de que venham a constituir um conjunto intimamente relacionado. Esses sujeitos sociais adquirem legitimidade na medida em que têm representatividade sócio-política, advinda da atuação nos movimentos sociais, nas associações comunitárias, e nos organismos não governamentais.

A ruptura das práticas setorizadoras, fragmentadoras, centralizadoras como categorias conceituais de ideologias políticas que deram sustentabilidade às relações econômicas de privilégios e às relações autoritárias de poder, poderá abrir espaços sócio/culturais para a emergência e a consolidação de gestões públicas participativas, democráticas e populares. A soberania popular deve ser garantida em dispositivos legais plausíveis e em ordenamentos institucionais governamentais que operem o deslocamento da densificação do poder, incrustado na máquina estatal, para o exercício do poder pela população. A transformação do poder em poder transformador decorre das possibilidades concretas que a sociedade tem de construir as ações coletivamente. Os governos democráticos e populares têm o compromisso histórico de criar esses mecanismos legais e administrativos que legitimem e garantam novas formas de exercício do poder.

 

2. Sistema Integrado de Segurança pública Cidadã

As ponderações anteriores levaram o CEFORH.GOV.AP a colaborar na construção do Sistema Integrado de Segurança Pública Cidadã do Governo do Estado do Amapá – SISP/SEJUSP/AP. Consideramos que o Sistema Integrado propicia a otimização dos recursos humanos, dos recursos orçamentários, das estruturas físicas e dos recursos  tecnológicos ; permite a elaboração de um planejamento comunicativo nas dimensões  técnico-procedimentais, operativo-estratétegicas e de formação/pesquisa/ensino, articulando as demandas sociais , as necessidades dos órgãos operacionais e as definições do ideário governamental; facilita a atuação   sistêmica dos órgãos operativos da segurança, das suas inter-relações, das suas  especificidades e das suas complementaridades, principalmente, possibilita  processos de participação da população na definição das ações de segurança pública e resgata  e promove o protagonismo das comunidades, dos policiais e dos governantes numa área que historicamente foi usada como recurso de assujeitamento sócio-individual.

A lei 0635 de 14/12/01, que instituiu o Sistema Integrado de Segurança Pública Cidadã foi elaborada sob a perspectiva de consubstanciar a interatividade entre as pessoas, o sistema, os programas, os projetos, as ações e as atividades, dando sustentabilidade ao planejamento na utilização dos recursos e na execução da metas como mecanismos de promover e proteger os direitos humanos  e a cidadania.

 

3. A Complexidade na Segurança Pública – Interação de Múltiplas Dimensões no Cumprimento de Responsabilidades Governamentais

Dissemos que na caminhada de seis anos do CEFORH.GOV.AP fomos criando conteúdos e abordagens relacionados à atividade policial, metodologias de ensino e modelos de gestão em segurança pública, entre outras questões.

Os cursos de formação/pesquisa/ensino nos transportaram a vários cenários da ação policial e das políticas de segurança pública. Cada um desses cenários nos inseriu num universo de conceitos, rituais, códigos, estatutos, práticas, discursos e legislações próprias. Assim por exemplo, as atividades que envolviam servidores policiais com responsabilidades e práticas operativas constituíam um universo, um fenômeno específico, que dava conta da auto-imagem d@ policial, do seu papel social e institucional, das culturas formais e informais adquiridas. Da mesma forma remetiam-nos às resoluções nas práticas policiais e dos seus conteúdos latentes, das suas motivações, dos seus sofrimentos, das suas dúvidas e das suas convicções.

Quando os participantes pertenciam aos quadros institucionais hierárquicos as questões antes descritas apareciam sob a ótica da doutrina e da formação discursiva justificadora de procedimentos, de articulações e de intervenções na centralidade governamental, distintas e externas ao caráter do Estado Democrático de Direito. 

Quando os participantes pertenciam à esfera administrativa da segurança pública, emergiam análises que demonstravam a preocupação em estabelecer uma relação sólida com os órgãos operativos como uma das garantias de estabilidade política, a partir do reconhecimento da legitimidade e da institucionalidade governamentais.

Dessa forma, propunham viabilizar as políticas sociais de justiça e de segurança, bem como, operar as transformações administrativas e o remanejamento dos recursos humanos. Assim, a preocupação principal dos gestores consistia em conseguir equacionar esses dois aspectos, a saber: responder ampla e satisfatoriamente às demandas e às exigências da comunidade, bem como, garantir que as transformações administrativas realizadas nos órgãos operativos não atingissem a susceptibilidade das culturas corporativas, tornando @s policiais refratários aos programas pontuais, táticos, estratégicos ou estruturais.

Quando a nossa escuta era direcionada à comunidade, aos líderes comunitários, às instituições não governamentais, aos movimentos populares, observavam-se particularmente, as práticas policiais e das políticas sociais de justiça e de segurança. Ecoavam as vozes dos sujeitos sociais que tinham recebido os impactos dessas ações, negando-as, corroborando-as, sugerindo alterações, e desenhando um horizonte de expectativas e esperanças.

Esses cenários nos apresentavam uma gama de posições antagônicas, de discursos convergentes, de expectativas divergentes, e de solicitações contraditórias.

Na troca de experiências participamos de encontros regionais, nacionais e internacionais onde esses cenários, embora apresentassem aspectos comuns, respondiam a outros roteiros, trajavam outros figurinos, emitiam outros acentos dramáticos, se movimentavam em outros compassos temporais e estavam nuançados por outros contextos geopolíticos.

Com a equipe do CEFORH.GOV.AP, então, começamos a questionar-nos sobre os saberes que estávamos produzindo por meio da nossa ação. Através da troca de experiências e da reflexão partilhada fomos nos apropriando desses saberes, ao tempo em que os comunicávamos aos outros e nos reconstruíamos a nós mesmos nesse processo. Cada vez mais, sentimos a necessidade de sitematizar o nosso fazer em saber para fazer sabendo e saber fazendo, segundo o itinerário da complexidade de Edgar Morin e Jean-Louis Le Moignes. Diante da heterogeneidade de cenários, da multiplicidade de leituras possíveis que reverberavam das realidades, dos fenômenos, dos sujeitos e das culturas; diante da pluralidade de elementos distintos organizados e especificados, quisemos, na primeira tentativa, selecionar um conjunto de elementos importantes de âmbitos e naturezas distintas e organizá-los hierarquicamente segundo essa importância.

A irredutibilidade intrínseca dos cenários, das subjetividades, das objetividades e das processualidades nos levou ao entendimento que todas as questões relativas à segurança pública deviam ser entendidas como questão de complexa governabilidade. Essa condição decorre do reconhecimento de que se trata da interação de múltiplas dimensões no cumprimento de responsabilidades governamentais, comunitárias, individuais, advindas das condições subjetivas e objetivas de organização da sociedade que gera implicações de ordem pública. A elaboração de qualquer classificação dos cenários, dos sujeitos sociais, das culturas e das instituições, constituiria uma simplificação no ato de objetivação dos fenômenos.

      Situar a ação sistêmica sobre a multiplicidade do real só nos pareceu possibilitadora de superar o paradigma vigente na medida em que estivesse pautada na perspectiva epistemológica da complexidade que nos habilita a enfrentar a incompletude e a incerteza em todo e qualquer conhecimento, mesmo o complexo.

Além de pensar uma crítica ao modo como o conhecimento científico vem interferindo na realidade, é necessário tornar operacional, definindo com que técnicas e posturas metodológicas é possível criar conhecimento complexo (fazeres /saberes), a partir de uma opção ética que ilumine o processo, requalificando a intervenção sobre a realidade sem fechar o sistema ou eliminar dimensionalidades com a falsa expectativa de que desse modo garantiria controle absoluto sobre os processos sociais, o que faria recair na fragmentação e num totalitarismo mais sofisticado.

 

4. A Interatividade e a Mediação – Metodologia de Ação Policial decorrente da Complexidade

A interatividade e a mediação na Segurança Pública decorrem da definição política e epistemológica da complexidade. Essas duas categorias metodológicas aplicadas à ação policial abrangem os diversos cenários, a multiplicidade de leituras e a heterogeneidade de situações às quais as polícias têm que responder.

A mediação policial sugere a não eliminação do problema através de expedientes e recursos ostensivos imediatos, finalísticos, como o uso da força ou da arma de fogo, como naqueles casos extremos em que a intervenção repressiva se legitima na defesa democrática da sociedade ameaçada por lesões incontornáveis.

 Tais recursos, como regra, são substituídos pela mediação da ação policial na busca de um acordo entre as partes em crise. Essa intervenção mediadora da ação policial caracteriza-se pela condução de um processo pacífico de acerto dos conflitos. Às partes em litígio é sugerida a busca de soluções e não a imposição coercitiva da força. As estatísticas específicas das ocorrências e das solicitações da intervenção policial são os indicadores para a definição das situações, nas quais a mediação é a resposta que defende os direitos humanos e a ética que promove a vida. A mediação constitui desafio metodológico de operacionalização da abordagem sistêmica na perspectiva da complexidade tendo em vista os diversos graus de comprometimento da justiça e da segurança pública já instalados na sociedade onde todos os elementos antagônicos e convergentes, anteriormente mencionados estão em interação e a não obtenção de acordo numa mediação em circunstancia de extremo conflito requer intervenção corretiva ao invés de preventiva. Contudo, a natureza pedagógica desse fazer nessa epistemologia renova as expectativas de construção de novas relações sociais promotoras dos direitos humanos e da ética pela vida.

A interatividade como conceito metodológico transversal das políticas de segurança pública, pressupõe a reciprocidade. A plenitude do conceito acontece quando as partes que interagem estão suficientemente próximas para poder produzir essa interação. Nessa perspectiva, a polícia não pode ser um agente externo à comunidade, mas um interagente que busca os meios e as instâncias de aproximação com a mesma, a fim de nela enraizar-se e com ela pensar, planejar, executar, avaliar e replanejar as ações. Os níveis da interatividade compreendem: ação local com a comunidade, o planejamento e a articulação administrativo-governamental, e parceria com as instituições junto as quais a segurança pública faz interfaces, como o Ministério Público, Os Juizados Especiais as Varas Criminais, a Ordem dos Advogados, as Organizações Não Governamentais, por exemplo. 

Da mesma forma, a interatividade interna às corporações e entre elas, precisa ser buscada com vistas à melhoria da qualidade operacional do sistema.

 

5. Academia Integrada; Curso de Especialização  de Gestão em Segurança Pública e Direitos Humanos; Curso de Graduação em Segurança Pública

 

 Tais princípios de interatividade acima descritos supõem alguns critérios coerentes no campo da formação dos operadores do sistema. Assim, as atividades de formação-pesquisa-ensino da Academia Integrada estão sendo orientadas pela mesma concepção do SISP e suas ações responderão às demandas decorrentes da necessária preparação ética, jurídica, técnica e operativa de seus servidores.

 O Curso de Especialização de Gestão em Segurança Pública e Direitos Humanos e o Curso de Graduação em Segurança Pública serão realizados em parceria com a Universidade Federal do Amapá e estarão direcionados a servidores que detém responsabilidades institucionais em áreas estratégicas, a representantes e líderes de comunidades e movimentos sociais e a docentes e pesquisadores da Universidade Federal do Amapá. Os cursos objetivam possibilitar: a formação em conteúdos pertinentes às diferentes dimensões da realidade, alocados em diferentes áreas do conhecimento; a vivência de experiências sociais e individuais que constituam conteúdos para elaborar reflexão e sistematização teóricas e também recursos de intervenção na realidade social; a instrumentalização metodológica para a produção de novos conhecimentos em processos de pesquisa-ensino; produção de trabalhos científicos que sistematizam práticas experimentais na quais tenham sido estabelecidos recortes temáticos da complexidade da Segurança Pública.

Macapá-Amapá, fevereiro de 2002 

  Rita de Cássia lima Andréa

Diretora- Presidente do CEFORH     

           

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