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Polícia Cidadã: Segurança Pública

 

A violência está cada vez mais presente no cotidiano da população brasileira. Embora as causas sejam complexas e profundas, muitas vezes, a solução encontrada pelos governos tem sido o aumento do contingente policial nas ruas. No entanto, como a atuação das corporações policiais tem se voltado mais para a repressão a vastos grupos da população insatisfeitos com a ordem estabelecida do que para a garantia de direitos desta mesma população, o aumento do número de policiais aumenta também a insegurança dos cidadãos que os enxergam fortemente vinculados à violência, aos abusos e à corrupção.
Os policias, por outro lado, formados a partir da ideologia do exército que atua em “defesa das fronteiras contra invasores externos”, enxergam o cidadão quase como inimigo, principalmente em regiões do País como o Amapá, onde fronteiras internacionais são fato. Investir na formação dos policiais e no esclarecimento junto à população, embora não sejam solução para todos os problemas de violência e insegurança, ajuda a buscar alternativas que diminuam a criminalidade e garantam os direitos humanos e civis da população.

OBJETIVO
O Programa de Desenvolvimento Sustentável do Amapá, implantado a partir de 1995, adotou um novo modelo de Gestão Pública, prevendo equilíbrio entre aspectos econômicos, sociais, ambientais e procurando incentivar uma mobilização intensa da sociedade para sustentar reformas sociais e econômicas profundas, sem perder de vista o respeito aos direitos humanos. Inserido neste contexto está o Programa Polícia Cidadã com cursos de formação em segurança, direitos humanos e cidadania, tendo como objetivo humanizar a prática da polícia por meio de ações formativas enfocando seu papel preventivo, a garantia dos direitos humanos e o exercício da cidadania, ampliando os conhecimentos filosóficos, antropológicos, sociológicos e psicológicos dos profissionais do Sistema de Segurança Pública. O Programa busca propiciar mudanças de comportamento e atitudes norteados por princípios éticos de cidadania, defesa e segurança para a população.

A execução do Programa pressupõe e estimula uma ação integrada entre o CEFORH (Centro de Formação e Desenvolvimento de Recursos Humanos) e os órgãos que compõem o Sistema de Segurança Pública, que integra todos os órgãos responsáveis pela segurança no Estado (Polícia Civil, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, Polícia Técnico-Científica e Departamento de Trânsito) a partir de ações integradas coordenadas pela Secretaria de Estado da Justiça e Segurança Pública.

IMPLEMENTAÇÃO
A implementação de uma política pública com essas características enfrenta, num primeiro momento, uma série de resistências por parte das corporações envolvidas. Os obstáculos que tiveram que ser superados foram desde o preconceito em relação aos defensores de direitos humanos, associando-os a defensores de bandidos e perseguidores da ação policial, até a resistência dos escalões superiores em construir uma mentalidade de segurança pública respeitadora dos direitos humanos e da cidadania. Juntou-se a isto a inexistência de instrutores locais capacitados.

As primeiras atividades foram implementadas em 1996, quando o Governo do Estado do Amapá assinou um acordo de cooperação técnica com a Anistia Internacional, tendo como intervenientes as Secretarias da Educação e Justiça, mostrando a importância de se estabelecer parcerias.

O processo que se deu no Amapá ganhou consistência a partir do momento em que, antes mesmo de iniciar o trabalho sistemático do primeiro Projeto de Formação, foram realizados seminários de sensibilização, reuniões e oficinas. Essas ações, que deram início à sensibilização dos gestores(as), possibilitaram a existência do Programa de Formação para o Sistema de Segurança. Para isso, uma das ações desenvolvidas foi o seminário “Educar para a Cidadania - Descentralização, Mobilização e Participação Popular”, para cerca de mil servidores (educadores sociais; policiais militares e bombeiros; professores; diretores de escolas e orientadores pedagógicos).

O Programa ganhou força a partir da intensificação das ações de Formação, da compreensão do papel do CEFORH pelos órgãos gestores do Sistema de Segurança, e da confiança demonstrada pelos servidores que passaram pelos cursos.

PROGRAMA

A operacionalização do Programa se dá a partir de módulos formativos que com-
põem o Curso de Atualização Permanente - Segurança Pública, Direitos Humanos e Cidadania, com carga horária de 176 h/a e 50 participantes por turma; Encontros de Sistematização do Conhecimento e Análise da Prática, a cada duas turmas formadas, com carga horária de 8 h/a e palestras intermediárias entre as formações.

A metodologia empregada nas ações de formação possibilita a discussão das questões que estão relacionadas ao exercício pleno da cidadania, a partir da valorização dos saberes individuais, vivências, trocas de experiências e construção de um conhecimento coletivo e holístico.

Temas que discutem “Poder, Estado, Classes, Cultura e Etnia”, “Gênero e Cidadania”, “Direitos Humanos e o Estatuto da Criança e do Adolescente”, “O Auto Conhecimento na Formação Policial”, entre outros, ajudam na mudança de mentalidade dos participantes e se refletem na expectativa de utilizar, em sua prática policial, os conteúdos aprendidos.

O público-alvo são os servidores de todo o Sistema de Segurança do Estado, em ações de formação específicas, contemplando todos os níveis hierárquicos das corporações, com turmas mistas formadas por soldados, cabos, sargentos, agentes de polícia, guardas prisionais, oficiais da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar, Delegados de Polícia e técnicos do DETRAN e da POLITEC).
Até meados de 2000, esse Programa já contemplou 2.115 servidores públicos, do total de 4.292 do Sistema de Segurança do Estado.

Inicialmente as turmas eram compostas por servidores indicados pelos gestores dos órgãos. Uma vez conquistada a confiança desses gestores, e considerando a experiência adquirida na execução do Projeto, instituiu-se um processo seletivo, que consiste em entrevistas realizadas por técnicas do CEFORH, possibilitando a inscrição por livre escolha, garantindo atmosferas mais propícias ao aprendizado. Pôde-se observar, então, que havia sido definitivamente superada a visão compartilhada inicialmente por alguns oficiais, de que este deveria ser um curso voltado para policiais desajustados ou detidos.

Uma das maiores conquistas do Programa está relacionada à compreensão, pelos servidores e gestores, da necessidade de garantia dos direitos humanos e do exercício da cidadania enquanto política pública. Tal compreensão resultou nos seguintes projetos e ações: a) Polícia Interativa, inova no planejamento e operacionalidade da polícia, aproximando-a solidariamente e democraticamente da comunidade; b) Batalhão Ambiental, fiscaliza e monitora o Estado, coibindo degradação do meio ambiente e realizando educação sócio-ambiental; c) Sistema Único de Segurança Pública-SUSP-Projeto que realiza ações integrada; d) Extinção da prática do Batalhão de Choque, que reprimia manifestações sindicais e populares reivindicatórias; e) Discussão sobre a necessidade de formação integral dos policiais numa única academia, com titulação universitária, incorporando o eixo dos direitos humanos e a metodologia utilizada nessa experiência.

Foi identificada também a necessidade de manter uma rede de policiais protagonistas dos direitos humanos, por meio de encontros de Análise da Prática, publicação de boletins informativos, indicação para outros cursos, identificação dos formados com uso de distintivo (Polícia Cidadã) e alimentação de banco de dados acessível aos interessados, intermediando a comunicação entre eles.

PARCERIAS
O Governo do Amapá contou com a Anistia Internacional para a discussão e definição dos conteúdos programáticos e sensibilização dos gestores do Sistema de Segurança. O Ministério da Justiça colaborou com 50% do orçamento no ano de 1998; o Centro de Assessoramento a Programas de Educação para a Cidadania, com o suporte pedagógico e indicação de consultores; o Centro Projeto Axé de Defesa e Proteção à Criança e ao Adolescente, com a indicação de consultoria e intercâmbio de alunos para cursos de formação. Além dessas, outras parcerias foram realizadas com sucesso: a Universidade Federal da Bahia por meio do Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas; a Universidade Federal da Amapá e o Centro de Estudos Tai Chi contribuíram com indicação de consultores a serem contratados.

A questão fundamental, quando se discute a replicabilidade do modelo, é que haja determinação política dos governos de quebrar resistências e privilégios, comprometendo-se em transformar o paradigma das ações policiais e tornar isto uma diretriz de governo. Esta vontade política mostra-se crucial quando se considera o rigor das discussões conceituais; a importância de garantir a excelência dos consultores; a qualidade do conteúdo programático; os custos relativamente altos para os padrões de um programa de formação policial e, sobretudo, o objetivo final, que é a construção de uma consciência cidadã.

RESULTADOS
O Programa adapta-se a qualquer localidade que eleja como prioridade de sua agenda de políticas públicas a formação de agentes de segurança como protagonistas dos Direitos Humanos. Com essa experiência, percebe-se que não é possível trabalhar a polícia sob a ótica de Direitos Humanos e Cidadania sem o empenho pessoal e direto de seus gorvernantes e sem o envolvimento com a comunidade à qual se destina a Ação Policial. Neste Programa essa relação fica mais explícita no Projeto da Polícia Interativa, que é uma construção coletiva, polícia-comunidade.

Por meio de metodologias participativas discute-se com a comunidade e a Polícia Interativa, onde lideranças, instituições locais, religiosas e laicas, associação de moradores, grupos de mulheres elegem representantes para compor o CISEG - Conselho Interativo de Segurança. Organização Não Governamental que coordena as ações da Polícia Interativa no bairro onde são definidas as prioridades. O Governo do Estado descentraliza os recursos financeiros repassando-os ao Conselho para manutenção da experiência.

Diante desse contexto, esse Programa assume um papel fundamental na medida em que integra, na sua operacionalização, as ações policiais e a sociedade civil organizada. O policial é visto como amigo e colaborador, gozando da confiança da população, estará sempre mais bem informado e mais protegido. Este profissional passa a ser preparado para gerenciar crises e mediar conflitos em vez de reprimir pela violência.

Com as inovações instituídas e a nova ação policial, a ação integrada do Sistema de Segurança Unificado tem revertido quadros de alta criminalidade e violência, atuando com mais eficiência na proteção ao cidadão, na preservação do meio ambiente e na defesa do patrimônio. Em três meses de Polícia Interativa, houve redução de 45,3% de ocorrências criminais em bairros periféricos. Além do combate à criminalidade, outros dois indicadores legitimam a continuidade do Programa: elevação da auto-estima do policial e contribuição na preservação da natureza.

Cássio L. de França, com colaboração de Rita Andréa, Joselita Macedo

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