Altos escalões
do Exército Brasileiro têm saudade da ditadura e consideram
legítimas as detenções arbitrárias, as torturas, os assassinatos
e as desaparições de pessoas
Nota de repúdio à depredação do Monumento Tortura
Nunca Mais de Recife e à certas
declarações de exponentes das forças armadas
Na passada sexta-feira, 12 de novembro, a escultura do
monumento Tortura Nunca Mais de Recife, situado na Rua da
Aurora, em frente à Assembléia Legislativa de Pernambuco,
foi depredada por cinco motoqueiros encapuzados, segundo
o testemunho de um vigilante do posto de gasolina próximo
ao local.
O monumento, inaugurado em 1993 em memória de todas as
pessoas que lutaram contra a ditadura militar no Brasil
(1964-1983) e por ela foram torturadas, assassinadas ou
desaparecidas, sempre tinha sido respeitado, até pelos pichadores.
Este fato repugnante - que representa um insulto à memória
e a dignidade de todos aqueles e todas aquelas que sofreram
na pele as mais bárbaras atrocidades, morreram e desapareceram
pela mão de um regime brutal e criminoso e cujos familiares
ainda hoje têm negado pelas forças armadas o direito de
conhecer a verdade sobre suas desaparições e o paradeiro
de seus restos mortais para der-lhes sepultura adequada
– se produziu significativamente poucos dias depois da demissão
do Ministro da Defesa, José Viegas, como conseqüência da
carta assinada pelo comando do Exército Brasileiro em 17
de outubro - referente à divulgação pela imprensa de umas
fotos que retratavam as torturas às quais os militares submeteram
o jornalista Vladirmir Herzog, morto e desaparecido político
- em que os altos escalões das forças armadas afirmaram
que a tortura e as outras práticas lesivas da dignidade
e integridade humana perpetradas pelos militares durante
o regime eram legítimos instrumentos de defesa da
segurança nacional contra a ameaça
terrorista supostamente representada pelos opositores da
ditadura.
Na mesma época em que se produziam estes fatos, no Rio
Grande do Norte o general José Carlos Leite publicava nas
páginas do Jornal de Hoje, terceiro maior diário de
Natal, uma matéria na qual, comentando o caso Vladimir Herzog,
denegria à memória do jornalista torturado e assassinado pelos militares
e insultava os anistiados políticos potiguares e brasileiros,
assim como todos os que lutaram e em muitos casos sacrificaram
a própria vida em defesa da democracia no país, comparando-os
a criminosos e terroristas, justificando em base a estes
argumentos as atrocidades do regime.
Tudo isso, enquanto altos cargos das forças armadas continuam
sendo ocupados pelas mesmas pessoas que detiveram arbitrariamente,
torturaram de maneira selvagem, assassinaram e fizeram desaparecer
milhares de brasileiros e brasileiras ficando totalmente
impunes, enquanto os familiares da maioria destas vítimas
continuam sem conhecer a verdade sobre o destino dos seus
filhos e suas filhas e o paradeiro de seus restos, enquanto
a memória das atrocidades da ditadura continua sendo enterrada,
ocultada, apagada da consciência das pessoas pelos meios
de comunicação, as oligarquias (como no Rio Grande do Norte,
onde a mais poderosa família do Estado, a dos Alves, faz
de tudo para que o povo não se lembre que Aluízio Alves,
governador na época do golpe e proprietário da maior cadeia
de tv norte-riograndense, filiada à Rede Globo, foi cúmplice
ativo do regime e contribuiu a fazer seqüestrar, torturar
e assassinar centenas de pessoas) e uma consistente fatia
dos poderes públicos e privados locais
e nacionais.
Cientes de que altos escalões das forças armadas brasileiras
olham com saudade para os tempos das detenções arbitrárias,
as torturas, os assassinatos e as desaparições de pessoas
em nome da “segurança nacional” e consideram legítimas estas
práticas contra aqueles que se opõem ao conceito de “ordem”
deles, cientes de que só uma estrita e intransigente vigilância
dos valores democráticos e a fundação do Estado de Direitos
nos princípios da justiça e da verdade pode impedir que
tais atrocidades se repitam, nós, organizações da sociedade
civil, movimentos sociais, instituições e pessoas com consciência
democrática que integram a Rede Estadual de Direitos Humanos
do Rio Grande do Norte repudiamos veementemente os fatos
acontecidos em Recife e as recentes declarações de altos
comandos do Exército Brasileiro e reiteramos a exigência
de que sejam esclarecidas todas as mortes e desaparições
políticas ocorridas durante a ditadura militar e sejam punidos
seus responsáveis.
Um povo sem memória é um povo sem identidade, portanto
sem futuro, pois está destinado a repetir eternamente seu
passado. Por esta razão, o esforço para preservar a memória
das barbáries das quais milhares de brasileiros e as brasileiras
foram vítimas e para que seja conhecida toda a verdade sobre
estes crimes e seus culpados sejam punidos não é apenas
muito importante: é indispensável, necessário,
vital para a construção de uma democracia autêntica.
Nenhum Estado democrático e de direito pode se fundar na
impunidade e o esquecimento.
A Rede Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Norte
Veja
também:
- A Associação
Norte-RioGrandense de Anistiados Políticos: “Queremos
discutir os crimes da ditadura militar sem revanchismo,
mas exigindo clareza”
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