Salomão

Eclesiastes
Bíblia - Antigo Testamento

 

Título e tema. 1 Sentenças de Coélet filho de Davi, rei de Jerusalém.

2 Ilusão, pura ilusão – diz Coélet –

ilusão, pura ilusão! Tudo é ilusão.

 

I. AS ILUSÕES DA VIDA HUMANA

Precariedade da vida humana

3 Que proveito tira o homem de todo o trabalho

com que se afadiga debaixo do sol?

4 Uma geração passa, outra lhe sucede,

enquanto a terra permanece sempre a mesma.

5 O sol se levanta, o sol se deita,

apressando-se a voltar a seu lugar,

donde novamente torna a nascer.

6 Dirigindo-se para o sul e voltando para o norte,

ora para cá, ora para lá vai soprando o vento,

para retomar novamente seu curso.

7 Todos os rios correm para o mar,

e contudo o mar não transborda;

para onde os rios vão,

para lá tornam a ir.

8 Tudo é penoso,

difícil de o homem explicar.

A vista não se cansa de ver,

nem o ouvido se farta de ouvir.

9 O que foi, será;

o que aconteceu, acontecerá:

nada há de novo debaixo do sol.

10 Mesmo que se afirme:

"Olha: isto é novo",

eis que já aconteceu em outros tempos,

muito antes de nós.

11 Não ficou memória dos antepassados,

nem dos vindouros ficará lembrança

para os que vierem depois.

Ciência e progresso. 12 Eu, Coélet, fui rei de Israel, em Jerusalém. 13 Dediquei-me a investigar e a explorar com sabedoria tudo que se realiza debaixo do céu. Tarefa ingrata que Deus impôs aos homens, para com ela se ocuparem. 14 Examinei todas as obras que se fazem debaixo do sol: na verdade, não passam de ilusão e frustração.

15 O que é torto não se pode endireitar;

o que falta não se pode calcular.

16 Pensei comigo: Eis que me tornei grande e provecto em sabedoria, mais do que meus predecessores que reinaram sobre Jerusalém; minha mente alcançou sabedoria e muita ciência. 17 Ao dedicar-me, porém, a conhecer a sabedoria e a perceber a cegueira e a insensatez, compreendi que também isso é ilusão, 18 porque

em muita sabedoria há muito desgosto;

aumentando a ciência, aumenta o sofrimento.

O afã do prazer. 1 Eu disse para mim: "Vai, experimenta a alegria e goza os prazeres!" Mas também isso era ilusão. 2 Do riso eu disse: "Loucura!", e da alegria: "Qual é seu fruto?" 3 Resolvi alegrar meu corpo com o vinho – sob o sábio controle do meu coração – e dar-me à frivolidade, até descobrir o que seria melhor os homens fazerem debaixo do céu durante os breves dias de sua vida.

4 Empreendi grandes obras, construí para mim palácios, plantei vinhedos, 5 fiz jardins e pomares, onde plantei árvores frutíferas de toda espécie. 6 Construí reservatórios de água para regar o bosque de plantas novas. 7 Adquiri escravos e escravas; outros nasceram em minha casa. Eu possuía maiores rebanhos de vacas e ovelhas do que meus predecessores em Jerusalém. 8 Acumulei também prata e ouro, tesouros de reis e províncias. Escolhi cantores e cantoras e – as delícias dos homens – não poucas mulheres. 9 Subi na vida e tornei-me mais importante do que todos quantos me precederam em Jerusalém. Minha sabedoria, porém, certamente me assistia. 10 Nada recusei aos desejos dos meus olhos. Jamais privei meu coração de algum gozo, pois meu coração desfrutava de todos os meus esforços, como prêmio por todas as minhas fadigas. 11 Depois examinei todas as obras de minhas mãos e a fadiga que me custou realizá-las, e eis que tudo era ilusão e frustração, e nada havia de proveitoso debaixo do sol.

Sabedoria e insensatez. 12 Passei então a considerar a sabedoria, a cegueira e a insensatez: Que tipo de homem sucederá ao rei, a quem antes tinham constituído? 13 Observei que a sabedoria leva vantagem sobre a insensatez, como a luz sobre as trevas.

14 O sábio tem olhos no rosto;

o insensato caminha nas trevas.

Compreendi também que toca a todos a mesma sorte. 15 Por isso disse eu para mim mesmo: "Se me aguarda a mesma sorte do insensato, de que me serve ser sábio?" E concluí comigo mesmo: "Também isso é ilusão". 16 Porque tanto do sábio como do insensato não se terá lembrança por muito tempo; ao contrário, passado algum tempo, tudo será esquecido. Infelizmente o sábio há de morrer como o insensato. 17 E assim detestei a vida, ao ver que é mau tudo que se faz debaixo do sol; que tudo é ilusão e frustração.

O empenho do homem. 18 E detestei todo o trabalho com que me afadiguei debaixo do sol, pois tenho que deixar tudo para um sucessor. 19 E quem sabe se ele será sábio ou insensato? Ele herdará o que me custou tanto esforço e habilidade debaixo do sol. Também isso é ilusão.

20 E acabei por desenganar-me de todo o trabalho com que me afadiguei debaixo do sol, 21 porque um homem que trabalhou com conhecimento, perícia e bom êxito, vê-se depois obrigado a deixar tudo em herança a outrem que em nada colaborou. Também isso é ilusão e grande desgraça. 22 Em verdade, o que resta ao homem de todos os trabalhos e preocupações que o afadigam debaixo do sol? 23 Toda a sua vida foi sofrimento, sua ocupação um tormento; nem mesmo de noite repousava seu coração. Também isso era ilusão.

24 Não há outra felicidade para o homem além de comer, beber e gozar do bem-estar, fruto de seu trabalho. Notei que isso vem da mão de Deus, 25 pois: "Quem pode, sem mim, comer e cuidar de si?" 26 Ao homem que lhe agrada ele dá sabedoria, ciência e alegria; ao passo que ao pecador ele impõe a tarefa de juntar e acumular, para ser dado a quem agrada a Deus. Também isso é ilusão e frustração.

As vicissitudes do presente. 1 Tudo tem seu tempo, há um momento oportuno para cada empreendimento debaixo do céu.

2 Tempo de nascer,
e tempo de morrer;
tempo de plantar,
e tempo de colher a planta.

3 Tempo de matar,
e tempo de sarar;
tempo de destruir,
e tempo de construir.

4 Tempo de chorar,
e tempo de rir;
tempo de gemer,
e tempo de dançar.

5 Tempo de atirar pedras,
e tempo de ajuntá-las;
tempo de abraçar,
e tempo de se separar.

6 Tempo de buscar,
e tempo de perder;
tempo de guardar,
e tempo de jogar fora.

7 Tempo de rasgar,
e tempo de costurar;
tempo de calar,
e tempo de falar.

8 Tempo de amar,
e tempo de odiar;
tempo de guerra,
e tempo de paz.

As incertezas do futuro. 9 Que aproveita trabalhar e esforçar-se? 10 Observei as tarefas que Deus impôs aos homens, para com elas se ocuparem. 11 As coisas que ele fez são todas boas no momento oportuno. Além disso, ele dispôs que fossem permanentes, mas sem que o homem chegue a conhecer o princípio e o fim da ação que Deus realiza. 12 E compreendi que não há outra felicidade para o homem senão alegrar-se e assim alcançar a felicidade durante a vida. 13 Igualmente, o homem comer e beber e, mediante o seu trabalho, desfrutar da felicidade é também dom de Deus. 14 Compreendi que tudo o que Deus fez, permanece para sempre.

Nada se pode acrescentar,

nada se pode tirar;

Deus assim o fez,

para que o temam.

15 O que foi, já havia sido;

o que será, já foi;

Deus recupera o que passou.

Justiça e retribuição . 16 Outra coisa observei debaixo do sol:

Em lugar do direito se encontra o delito,

em lugar da justiça se encontra a iniqüidade.

17 Então eu disse no meu coração:

Deus julgará tanto o justo como o ímpio,

porque há um momento oportuno para cada coisa,

e um lugar para cada ação.

18 Disse também no meu coração: É para o benefício dos homens que Deus os põe à prova, para que vejam que, em si mesmos, são como animais, 19 pois é a mesma a sorte dos homens e dos animais; tanto morre um como o outro; todos têm o mesmo alento. O homem, pois, não leva vantagem sobre os animais, porque tudo é ilusão. 20 Todos vão para o mesmo lugar:

Todos vêm do pó,

e ao pó todos retornam.

21 Quem pode saber se o alento do homem sobe para o alto e o alento do animal baixa à terra? 22 E concluí que nada de melhor havia para o homem do que desfrutar de suas obras, por ser essa sua sorte. Pois quem poderia fazê-lo experimentar o que só acontecerá depois dele?

Exploração e concorrência desleal. 1 Pus-me, então, a considerar todas as opressões cometidas debaixo do sol: por exemplo,

quantas lágrimas dos oprimidos, sem ninguém que os console,

sem ninguém que os console, quando estão sob o poder dos opressores!

2 E considerei os mortos, por já terem falecido, mais felizes que os vivos, porque estes ainda têm que levar a vida;

3 porém, mais feliz que ambos é aquele que não chegou a nascer, porque não viu a maldade que se comete debaixo do sol.

4 Observei que todo o esforço e êxito no trabalho são pura rivalidade entre parceiros. Também isso é ilusão e frustração.

5 O insensato cruza os braços

e consome sua própria carne.

6 Mais vale um punhado com sossego

do que dois punhados com trabalho e frustração.

A solidão e seus inconvenientes. 7 Outro desengano tornei a descobrir debaixo do sol: 8 há quem viva só, sem companheiro, sem filho nem irmão; todavia, não cessa de trabalhar, nem seus olhos se fartam de riquezas: "Para quem trabalho eu e me privo de satisfações?" Também isso é ilusão e tarefa ingrata. 9 Melhor dois juntos do que um só, contanto que obtenham maior lucro de seu trabalho. 10 Se cai um, o outro pode levantá-lo. Pobre daquele que está só: se cair, não tem quem o levante. 11 Além disso,

se dois dormirem juntos, aquecer-se-ão mutuamente;

mas um só como há de aquecer-se?

12 Se a um sozinho dominam,

dois juntos resistirão:

a corda tripla

não se rompe facilmente.

O poder político e seus riscos

13 Mais vale um jovem pobre, porém sábio,

do que um rei ancião, mas insensato,

incapaz de ponderar as razões.

14 O jovem foi tirado da prisão e tornou-se rei,

embora tivesse nascido pobre durante o reinado do outro.

15 Mas observei que todos os vivos,

os que caminham debaixo do sol,

por-se-ão do lado de outro jovem,

que surgirá para suplantá-lo.

16 Há sempre numerosa multidão de povo

para quem se põe à sua testa.

Entretanto, a geração seguinte

já não estará contente com ele.

Em verdade, também isso é ilusão e esforço inútil.

A prática da religião. 17 Vigia teus passos, quando vais à casa de Deus! Entra para escutar e não apenas para oferecer sacrifícios, como os insensatos, que não percebem que estão procedendo mal!

1 Não te impacientes por falar, nem te consumas de ânsia por tomar a palavra diante de Deus, porque Deus está no céu, e tu na terra. Por isso, sejam medidas as tuas palavras! 2 Porque das muitas preocupações vêm os sonhos,

e das muitas palavras, o alarido do insensato.

3 Quando fizeres um voto a Deus, não demores em cumpri-lo, porque não lhe agradam os insensatos. Cumpre o que prometeste!

4 É melhor não prometer

do que prometer e não cumprir.

5 Não permitas que a boca te faça réu de pecado, nem digas diante do mensageiro: "Foi por inadvertência!" Por que dar motivo a que Deus se irrite por causa de tua palavra e faça fracassar as obras de tuas mãos? 6 Pois muitos sonhos multiplicam palavras vãs. Tu, porém, teme a Deus!

A autoridade e seus abusos. 7 Se vires, numa província, o pobre oprimido e o direito e a justiça violados, não te admires sobre tal situação, porque

cada autoridade tem sobre si outra, que a acoberta,

e uma autoridade suprema sobre todas elas.

8 Todavia é vantajoso para o país

que a terra cultivada esteja sob a autoridade do rei.

A riqueza e seus riscos

9 Quem ama o dinheiro não se farta de dinheiro;

nem dos rendimentos, quem ama o luxo:

Também isso é ilusão.

10 Quando aumenta a fortuna,

aumentam aqueles que a consomem.

Que vantagem para o dono,

além de tê-la sob seus olhos?

11 Doce é o sono do operário, quer coma muito, quer pouco;

quem se farta de riquezas não logra conciliar o sono.

12 Há uma triste desventura, que vi debaixo do sol: as riquezas entesouradas para a desgraça de seu dono. 13 Num mau negócio ele perde as riquezas, e o filho que lhe nasceu fica com as mãos vazias. 14 Como veio do seio de sua mãe – nu, como veio – assim há de partir. De sua propriedade não levará consigo um punhado sequer. 15 Também isso é uma triste desventura: como veio, assim terá que partir. De que lhe serve ter trabalhado em vão 16 e ter gasto todos os dias em trevas, em muitos desgostos, enfermidades e amarguras?

17 Eis, portanto, o que considero ser a felicidade perfeita: comer e beber e gozar da felicidade, em paga pela fadiga suportada debaixo do sol, durante os poucos dias de vida que Deus lhe concede, pois esse é seu destino. 18 Ademais, cada homem que de Deus receber bens e riquezas e a capacidade de gozar deles, deverá aceitar a sua sorte e alegrar-se em meio aos pesados encargos, pois isso é dom de Deus. 19 Ele não pensará muito nos anos de sua vida, enquanto Deus lhe conceder a alegria do coração.

Riqueza e vida longa. 1 Vi um mal debaixo do sol, que pesa sobre os homens: 2 Deus concede a um indivíduo riquezas, fazendas e honras, sem lhe faltar nada de tudo que possa desejar; Deus, porém, não lhe concede desfrutá-los, mas um estranho os desfrutará. Isso é ilusão e cruel sofrimento. 3 Embora um homem tenha cem filhos e viva muitos anos – por muitos que sejam os dias de seus anos – se não puder saciar-se de seus bens e, no fim, não receber uma sepultura, eu diria que um aborto é mais feliz do que ele. 4 Esse chega em vão e se vai às ocultas: a escuridão encobre seu nome. 5 Não viu o sol nem chegou a conhecer nada, porém descansa melhor do que o outro. 6 E mesmo se alguém vivesse duas vezes mil anos, sem experimentar a felicidade, certamente terminariam ambos no mesmo lugar.

Contínua insatisfação do homem. 7 Todo o trabalho do homem é para sua boca, e contudo seu apetite nunca é satisfeito.

8 Há alguma vantagem do sábio sobre o insensato,

ou do pobre além de saber enfrentar a vida?

9 Mais vale o que está diante dos olhos do que aquilo que se cobiça.

Também isso é ilusão e frustração.

10 Tudo quanto vem a ser, recebeu antes seu nome, como também se sabe que, sendo um homem, será incapaz de contestar alguém mais forte do que ele.

II. REVISÃO DA TRADICIONAL DOUTRINA SAPIENCIAL

Ideologias do passado. 11 Existem muitas sentenças que só aumentam a ilusão. Que proveito há para o homem? 12 Quem pode saber o que é conveniente para o homem durante sua vida, ao longo desses dias contados de sua existência fugaz, pelos quais ele passa como uma sombra? Quem dará a conhecer ao homem o que vai acontecer depois dele debaixo do sol?

O sábio em situações propícias ou adversas

1 Mais vale um bom nome do que um bom perfume,

mais o dia da morte do que o dia do nascimento.

2 Mais vale visitar a casa em luto

do que a casa em festa,

porque ali o desfecho de cada homem

vem à consciência de quem vive.

3 Mais vale sofrer do que rir,

pois sob o semblante triste pode estar um coração feliz.

4 O coração do sábio está na casa em luto,

o coração do insensato está na casa em festa.

5 Mais vale escutar a repreensão do sábio

do que escutar os elogios dos insensatos,

6 pois como o crepitar dos gravetos debaixo da caldeira

assim é a risada do insensato.

Eis outra ilusão:

7 se a opressão exaspera o sábio,

o suborno lhe corrompe o coração.

8 Mais vale o fim de uma coisa do que o começo,

e mais vale a paciência do que a arrogância.

9 Não sejas precipitado em encolerizar-te,

porque a cólera se aloja no peito do insensato.

10 Não digas: "Por que eram melhores os tempos passados do que os de agora?" Pois não é a sabedoria que te inspira esta pergunta.

11 A sabedoria é tão boa quanto o patrimônio:

é de proveito àqueles que vêem o sol;

12 estar sob o abrigo da sabedoria

é como estar sob o abrigo do dinheiro,

mas é vantagem conhecer a sabedoria,

pois ela preserva a vida de quem a possui.

13 Observa a obra de Deus:

Quem poderá endireitar o que ele entortou?

14 Em tempo de felicidade sê feliz!

Em tempo de infelicidade, pondera:

Deus fez tanto uma coisa como a outra:

por isso o homem nada descobre de seu futuro.

O sábio na justiça e na injustiça. 15 Já vi de tudo em meus dias, cheios de ilusões:

Gente honrada que fracassa, apesar de sua honradez,

e gente malvada que progride, apesar de sua malvadez.

16 Não sejas demasiado justo,

nem te mostres demasiado sábio,

para não te arruinares!

17 Não exageres tua malvadez

e não sejas insensato,

para não morreres antes do tempo!

18 É bom conservares uma coisa

sem abrir mão da outra,

pois quem teme a Deus evita os dois extremos.

19 A sabedoria constitui maior proteção para o sábio do que dez chefes para uma cidade. 20 No entanto, não há na terra ninguém tão honrado que faça o bem sem nunca pecar. 21 Não faças caso de tudo que se diz, para não ouvires que teu servo te amaldiçoa, 22 pois sabes muito bem que tu mesmo muitas vezes amaldiçoaste a outros.

Frustração na busca da sabedoria. 23 Tudo isso submeti à prova da sabedoria, pensando chegar a ser sábio; no entanto, ela ainda está bem longe de mim. 24 Longe está o que já aconteceu, e muito no fundo: quem há de reencontrá-lo? 25 Voltei a aprofundar a pesquisa para saber qual o valor da sabedoria e da observação; para saber, se transgressão é conseqüência do embrutecimento e se insensatez é conseqüência da cegueira.

26 Sempre descubro: Mais trágica do que a morte é a mulher,

porque ela é uma armadilha;

seu coração, uma rede; seus braços, cadeias.

Quem agrada a Deus, dela se livrará;

quem lhe desagrada, por ela será colhido.

27 Eis o que encontrei – disse Coélet – ao tirar a conclusão das diversas observações: 28 Ao continuar pesquisando, nada disso encontrei.

Entre mil encontrei um só homem;

mulher, entre todas elas, não encontrei nenhuma.

29 Eis, porém, a única coisa que encontrei:

Deus criou o homem equilibrado,

mas este tem procurado complicações sem conta.

A autoridade do rei. 1 Quem é como o sábio? Quem domina a ciência da interpretação das coisas?

A sabedoria espiritualiza as feições do homem

e lhe modifica o semblante severo.

2 Eu porém digo: Acata as ordens do rei,

por causa do juramento prestado a Deus!

3 Não te deixes enganar, sai de sua presença

e não te obstines num caso perdido!

Porque o rei fará tudo que lhe aprouver,

4 pois a palavra do rei é soberana:

quem lhe dirá: "O que fazes aí?"

A observância da lei e o julgamento. 5 Quem observa os preceitos não experimentará mal algum: o coração sábio tem noção do tempo propício e do julgamento, 6 pois há, para todas as coisas, tempo propício e julgamento. Grande é a aflição que pesa sobre o homem, 7 porque não sabe o que vai acontecer, e ninguém diz como vai ser. 8 O homem não tem poder sobre o alento para retê-lo.

Ninguém tem poder sobre o dia da morte

e nem pode pedir demissão da guerra.

A maldade não deixa escapar aquele que a comete.

9 Tudo isso eu observei, atendendo a cada ação que se realiza, a qualquer momento, debaixo do sol, quando um homem usa o poder que tem sobre outro homem, para prejudicá-lo. 10 Assim observei como, no enterro dos ímpios, aqueles que os vinham acompanhando, assim que se foram do lugar santo, na cidade, logo se esqueciam do que acabavam de fazer. Também isto é ilusão: 11 porque não se executa prontamente a sentença contra as más obras, os homens se animam a praticar o mal; 12 e o pecador, cometendo cem vezes o mal, mesmo assim prolonga sua vida.

Temor de Deus e sanção moral. Entretanto eu também sei que "a felicidade é reservada para aqueles que temem a Deus, porque têm o temor diante de si, 13 mas não haverá felicidade para o ímpio, nem ele prolongará sua vida como a sombra, porque não tem o temor de Deus".

14 Há ainda outra ilusão que acontece na terra:

Há honrados, a quem toca a sorte dos malvados,

e há malvados, a quem toca a sorte dos honrados.

Também isso é ilusão. 15 Por isso elogiei a alegria, visto não haver nada melhor para o homem debaixo do sol do que comer, beber e alegrar-se; é isso que o acompanha em seu penar durante os dias da vida que Deus lhe concede debaixo do sol.

16 Quando me dediquei a conhecer a sabedoria e a observar as tarefas que se realizam na terra, sem permitir aos olhos conciliar o sono nem de dia nem de noite, 17 observei que homem algum é capaz de averiguar toda a ação, em seu conjunto, que Deus realiza debaixo do sol. Por mais que o homem se afadigue investigando, não o averiguará; ainda que o sábio pretenda sabê-lo, não o conseguirá.

A mesma sorte para todos. 1 Pus-me a refletir e discernir sobre tudo isto: os justos e os sábios, posto que eles e suas obras estejam nas mãos de Deus, não sabem se são dignos de amor ou de ódio: ambos estão diante deles. 2 E ainda: a mesma sorte toca a todos igualmente: ao justo e ao ímpio, ao bom [e ao malvado], ao puro e ao impuro, ao que oferece sacrifícios e ao que não os oferece, ao íntegro como ao pecador, ao que faz um juramento como àquele que evita fazê-lo. 3 Eis o mal em tudo quanto existe debaixo do sol: que a mesma sorte toque a todos, e que o coração dos homens se encha de maldade e desvario durante sua vida; e depois disso... para os mortos. 4 Para aquele que é contado entre os vivos, ainda há esperança, pois

mais vale um cachorro vivo

do que um leão morto.

5 Pois os vivos ao menos sabem que vão morrer, enquanto os mortos nada sabem, nem sequer os aguarda uma recompensa, pois sua lembrança cai no esquecimento. 6 Amor, ódio, inveja, para eles tudo se acabou; não terão jamais parte alguma no que acontece debaixo do sol.

III. CONSELHOS E SENTENÇAS DE COÉLET

Fruição da vida como dom de Deus. 7 Anda, come teu pão com alegria, e bebe contente teu vinho, porque Deus se agrada de tuas obras. 8 Usa sempre vestes brancas, e não falte o óleo perfumado sobre tua cabeça! 9 Goza tua vida com tua amada esposa, todos os dias da vida fugaz que ele te conceder debaixo do sol, todos os teus dias fugazes, como são! Pois essa é tua parte na vida e no trabalho com que te afadigas debaixo do sol. 10 Tudo o que fazes, faze-o em teu pleno vigor, porque não há atividade nem plano nem ciência nem sabedoria na mansão dos mortos, para onde vais.

Contratempos imprevistos. 11 Outra coisa observei debaixo do sol:

a corrida não resulta da agilidade,

nem da valentia a batalha,

nem da sabedoria o ganha-pão,

nem da habilidade a riqueza,

nem do saber a estima,

porque para tudo há o concurso do tempo e do acaso.

12 Além disso, o homem desconhece sua hora.

Como peixes colhidos numa rede funesta,

como pássaros presos na armadilha,

assim são colhidos os homens pelo tempo nefasto,

que lhes sobrevém de improviso.

A sabedoria nem sempre reconhecida. 13 Também este é um exemplo de sabedoria, que observei debaixo do sol, e foi notável para mim. 14 Havia uma pequena cidade de poucos habitantes: um rei poderoso marchou sobre ela, cercou- a e levantou contra ela grandes obras de assédio. 15 Havia na cidade um homem pobre, porém sábio, que poderia ter salvo a cidade com sua sabedoria, mas ninguém se lembrou daquele homem pobre. 16 Por isso eu disse:

Mais vale a sabedoria do que a força,

mas a sabedoria do pobre é desprezada,

e não são ouvidas as suas palavras.

17 Deve-se antes escutar as palavras calmas dos sábios

do que os gritos dum capitão no meio de insensatos.

18 Mais vale a sabedoria do que as armas de guerra,

pois basta o erro de um para arruinar muitas vantagens.

Sabedoria e insensatez. 1 Mosca morta provoca ranço e fermentação no ungüento do perfumista; assim uma pequena tolice pesa mais do que a sabedoria e a honra.

2 A mente do sábio vai para a direita,

a mente do insensato para a esquerda.

3 Onde quer que ande o insensato, falta-lhe o juízo, e todos dizem: "É um idiota".

O sábio e as arbitrariedades da corte

4 Se teu superior se enfurecer contra ti,

não abandones o teu posto,

porque a calma evita graves erros.

5 Há um mal que vi debaixo do sol, um erro pelo qual é responsável o soberano:

6 O insensato é colocado em cargos importantes,

enquanto homens dotados ocupam os postos mais baixos.

7 Vi escravos a cavalo,

e príncipes andarem a pé, como escravos.

Os riscos da ação

8 Quem cavar uma fossa poderá cair nela;

quem derrubar um muro poderá ser mordido por uma serpente.

9 Quem talhar pedras poderá machucar-se;

quem cortar lenha poderá ferir-se.

10 Se o machado estiver embotado e não se afiar o gume,

será necessário redobrar os esforços;

é bem melhor usar a sabedoria.

11 Se a serpente não se deixa encantar e pica,

de nada vale o encantador.

O falar do insensato

12 As palavras da boca do sábio merecem estima,

mas dissolvem-na os lábios do insensato,

13 cujo exórdio é uma tolice,

e a conclusão um terrível absurdo.

14 O insensato tagarela sem medida. Mas ninguém sabe o que há de acontecer: pois quem informará sobre o que há de vir? 15 O trabalho do insensato cansa-o tanto que nem sequer sabe como chegar à cidade.

As previsões da adversidade

16 Ai de ti, país que tens um rei pueril

e cujos príncipes madrugam para suas comilanças!

17 Feliz de ti, país que tens um rei nobre

e cujos príncipes alimentam-se em hora certa,

com moderação e sem bebedeiras!

18 Por causa da preguiça desaba o teto,

e por causa dos braços cruzados terá goteiras a casa;

19 para divertir-se, organizam um banquete:

o vinho alegra a vida,

e o dinheiro responde por tudo.

20 Não amaldiçoes o rei, nem mesmo em pensamento!

Não amaldiçoes o rico, nem mesmo em teu quarto,

porque poderia um pássaro do céu levar o ruído,

e um animal alado repetir as palavras.

As previsões da prosperidade

1 Exporta teu cereal por via marítima,

e, com o passar do tempo, terás retorno;

2 distribui uma parte entre sete e oito,

porque não sabes que calamidade poderá sobrevir ao país.

3 As nuvens, quando vão carregadas,

despejam a chuva sobre a terra.

A árvore, caindo para o sul ou para o norte,

no lugar onde caiu, lá fica.

4 Quem fica observando o vento, acabará não semeando;

quem fica examinando as nuvens, não poderá ceifar.

5 Se ignoras por que caminho entra o alento no feto dentro do seio da mulher grávida, também ignoras a ação de Deus, que tudo opera.

6 De manhã semeia tua semente

e também de tarde não deixes ociosas tuas mãos,

pois não sabes, se isso ou aquilo terá êxito,

ou se ambos são igualmente bem sucedidos.

Poema sobre a juventude

7 Doce é a luz,

e é agradável aos olhos ver o sol.

8 Por mais anos que o homem viva

e por mais que os desfrute a todos,

deve lembrar-se de que os anos sombrios serão muitos,

e tudo que acontecer será ilusão.

9 Jovem, regozija-te na mocidade

e sê feliz nos dias da juventude!

Segue os impulsos do coração e os atrativos dos olhos,

mas fica sabendo que Deus te pedirá contas de tudo isso!

10 Rechaça as penas do coração

e afugenta as dores do corpo,

pois juventude e adolescência são efêmeras.

Poema sobre a velhice

1 Lembra-te do teu Criador, nos dias da juventude,

antes que cheguem os dias nefastos

e se aproximem os anos dos quais dirás: "Não gosto deles!"

2 Antes que se obscureçam a luz do sol,

a lua e as estrelas,

e voltem as nuvens depois da chuva!

3 – Naquele dia os guardas da casa começarão a tremer,

e os homens robustos a se encurvar;

os moleiros, por serem poucos, cessarão de moer,

e ficarão embaciados os que olham pelas janelas;

4 as portas sobre a rua se fecharão,

e diminuirá o ruído do moinho

até tornar-se como o pipiar de um pássaro

e extinguir-se o som das canções;

5 haverá medo das alturas

e sobressaltos no caminho plano;

e a amendoeira há de florescer,

o gafanhoto engordar,

e a alcaparra estalar:

então o homem seguirá para a morada eterna,

e pelas ruas andarão os carpidores –

6 antes que se solte o fio da prata

e se despedace a taça de ouro,

quebre-se o cântaro na fonte

e se parta a roldana da cisterna;

7 o pó volte à terra, onde estava,

e o espírito volte para Deus, seu autor.

8 Ilusão, pura ilusão! – dizia Coélet – tudo é ilusão.

Conclusão do redator. 9 Além de ser sábio, Coélet também ensinava a ciência ao povo. Estudou, examinou e formulou muitos provérbios. 10 Coélet aplicou-se a descobrir sentenças bem formuladas, cujo teor exato é transcrito nestas sentenças autênticas.

11 As sentenças dos sábios são como aguilhões, e aquelas que constam em coleções são como pregos bem fincados: tal é a dádiva do único Pastor.

12 Um último aviso, filho meu: escrever livros e mais livros não tem limite, e o muito estudo desgasta o corpo.

13 Em conclusão, e depois de ouvido tudo: teme a Deus e guarda seus mandamentos, porque isso diz respeito a cada homem. 14 Deus julgará todas as ações, boas ou más, mesmo as ocultas.