A economia de fundos próprios: um novo regime de acumulação financeira[1]

Dominique Plihon*

 

A economia francesa, assim como a maior parte das economias européias, mudou de regime macro-financeiro desde o início dos anos 80. Estas economias passaram de um regime de endividamento para um regime de fundos próprios.[2] Em outros termos, as empresas a partir de então se financiam essencialmente com base nos seus fundos próprios, recorrendo cada vez menos ao endividamento bancário. Trata-se de uma mudança de lógica financeira que tem implicações econômicas e sociais consideráveis.

Nossa hipótese é de que se pode explicar satisfatoriamente certas mutações econômicas e financeiras observadas na Europa, neste fim de século, com base nesta mudança de regime macro-financeiro. A nosso ver, esta mudança de regime constitui uma nova etapa na inserção de nossas economias no capitalismo financeiro mundial, e corresponde a uma modificação da relação de forças em favor dos credores e dos detentores do capital financeiro em escala mundial.

Depois de ter apresentado a influência preponderante dos fundos próprios no financiamento das empresas, relaciona-se esta evolução com vários fenômenos atuais que estão a ela diretamente ligados: a distribuição do valor agregado em favor das empresas, o papel crescente da lógica acionária [actionnariale] e de fundos de investimento estrangeiros, a financeirização da gestão das empresas. Conclui-se esta reflexão sublinhando dois efeitos perversos da economia de fundos próprios: o aumento da instabilidade financeira e da especulação, de uma parte, e a transferência de riscos para os assalariados, de outra. 

 

1. Transição para a economia de fundos próprios: a evidência

 

A participação dos fundos próprios não parou de aumentar desde a metade dos anos 70, até atingir um valor próximo de 100% dos recursos financeiros das empresas a partir de meados dos anos 90. Constata-se na Tabela 1 que as duas fontes de recursos próprios, as emissões de ações e, sobretudo, a poupança das empresas, desenvolveram-se fortemente. Em compensação, o endividamento, que representava quase 50% do financiamento das empresas na metade dos anos 70, tornou-se marginal. Em particular, os pagamentos, pelas empresas, foram superiores aos seus empréstimos junto aos estabelecimentos de crédito, fato que justifica os fluxos negativos existentes no fim do período.

 

Tabela 1

Aumento da importância dos fundos próprios no financiamento das empresas

Fluxo em bilhões de francos

1975

1980

1987

1990

1994

1996

A. Autofinanciamento

parcela relativa à poupança bruta (a)

103

95

185

174

503

469

640

596

837

743

877

743

B. Emissões de ações

15

52

160

221

257

289

C. Endividamento (b),  com a parcela

relativa aos mercados (c)

e aos estabelecimentos de crédito

104

14

 85

147

17

119

211

38

150

512

99

387

–54

19

–93

–18

68

–112

D. Financiamento total : A + B + C

222

384

874

1373

1001

1148

Parcela dos fundos próprios : A + B / D

53%

62%

76%

64%

109%

102%

(a) Poupança bruta + subsídios ao investimento + outras transferências de capital;

(b) Sócios + mercados + estabelecimentos de crédito;

(c) Emissões líquidas de títulos do mercado monetário e de obrigações.

Fonte: INSEE (Comptes nationaux). Conseil National du Crédit.

 

O segundo fato notável diz respeito à evolução da taxa de autofinanciamento das empresas. Assiste-se, efetivamente, a uma alta recorde desta taxa (Poupança/FBCF), que ultrapassa largamente o limiar dos 100% desde 1993. Esta evolução resulta da conjunção de dois fenômenos característicos da situação atual das empresas francesas: uma progressão rápida das receitas, que permitiu a acumulação de uma poupança abundante, e uma falta de dinamismo do investimento produtivo, que se traduziu em uma baixa duradoura da taxa de investimento, como mostra a Tabela 2.

 

Tabela 2

A alta espetacular da taxa de autofinanciamento

Indicadores em %

1970

1980

1990

1995

1996

1997

Taxa de investimento (1)

22,1

19,4

18,9

16,3

16,1

15,5

Taxa de autofinanciamento (2)

75,5

61,7

88,9

114,9

112,1

118,3

(1) Taxa de investimento : parcela dos investimentos no valor agregado;

(2) Taxa de autofinanciamento : poupança sobre investimento.

Fonte: INSEE. Comptes Nationaux.

 

Em conseqüência deste duplo movimento de poupança e investimento, as empresas francesas no geral apresentam como resultado, desde 1993, uma capacidade de financiamento da ordem de 1,5% do PIB, ao passo que, antes, tinham tradicionalmente necessidade de financiamento. Trata-se, portanto, de um fenômeno novo, verificado qualquer que seja o tamanho da empresa, como confirmam os dados das centrais de balanços. 

 

2. Economia de fundos próprios e aumento dos lucros das empresas 

A acumulação de fundos próprios pelas empresas está fundada em uma distribuição do valor agregado favorável aos lucros. É, com efeito, por meio dos seus lucros que as empresas obtêm sua poupança (principal fonte de fundos próprios) e remuneram seus acionistas (segunda fonte de fundos próprios). Qualquer que seja o indicador usado – taxa de exploração, taxa de poupança, taxa de rentabilidade do capital – uma constatação se impõe: a situação financeira das empresas melhorou consideravelmente desde o início dos anos 80.

Uma análise de longo prazo acerca da taxa de exploração das empresas (ver Tabela 3) mostra a alta espetacular da parcela do valor agregado apropriada pelas empresas francesas desde 1983, ano da mudança de rumos da política econômica na França, com a instauração do rigor salarial (plano Delors). Apesar de uma compressão no início dos anos 90, a taxa de exploração das empresas francesas está atualmente em um nível historicamente elevado, da ordem de 32%, segundo estimativas do INSEE relativas ao conjunto das sociedades não-financeiras. Essa constatação se verifica para as principais categorias de empresas: empresas individuais e sociedades, grandes empresas e PME, e qualquer que seja a base estatística utilizada (contabilidade nacional e centrais de balanço).[3]

Um segundo indicador atesta a boa saúde financeira das empresas francesas. Trata-se da taxa de poupança (Poupança/VA): sua evolução é semelhante àquela da taxa de exploração e ultrapassa, na metade dos anos 80, o nível recorde de 1970 (Tabela 3).

 

Tabela 3

Indicadores de resultados de sociedades não financeiras

Indicadores em %

1970

1980

1985

1990

1995

1996

1997

Taxa de exploração (1)

29

24

25,5

30.5

32,0

31,7

32,3

Taxa de poupança (2)

16,7

12,0

12,8

16,8

18,8

18,0

18,3

(1) Taxa de exploração : excedente bruto de exploração sobre valor agregado;

(2) Taxa de poupança: parte dos lucros não distribuídos (descontados os impostos) no valor agregado.

Fonte: INSEE.

 

 

Uma distribuição do valor agregado desfavorável aos assalariados

 

A contrapartida desta alta nas receitas das empresas é a forte degradação da situação dos assalariados na distribuição salários-lucros.

Com base na participação dos salários na riqueza nacional (medida pelo PIB), o Office Statistique des Communautés Européennes confirma a evolução desfavorável das rendas do trabalho nos países da União Européia, descrita na Tabela 4. Na Europa dos 15, houve uma queda da participação dos salários no PIB de aproximadamente seis pontos, o que significou a passagem de uma média de 75,5% em 1971/80 para 69,6% em 1995. Foi na França que a parcela relativa aos salários sofreu a queda mais forte desde os anos 70, alcançando o menor nível em 1995.

 

Tabela 4

Participação dos salários no PIB (%)

País

1961/70

1971/80

1981/90

1990

1995

Estados Unidos

71,1

72,1

71,6

71,6

71,2

Europa dos 15

74,4

75,5

73,1

71,1

69,6

França

72,8

73,9

72,5

68,5

66,5

Alemanha

71,6

73,7

70,9

67,8

68,1

Reino Unido

72,7

73,8

72,9

74,6

72,6

Itália

72,8

73,8

73,3

75,3

67,2

(1) Participação dos salários corrigida pelas “taxas de assalariamento”: esta correção visa tornar possíveis as comparações entre os níveis e evoluções segundo os países, tendo em conta as diferenças entre as estruturas sociais (em particular o peso dos trabalhadores independentes no emprego total).

Fonte: Eurostat.

 

Trabalhos econômicos[4] explicam a evolução recente da distribuição do valor agregado principalmente por dois fatores:

– a influência do desemprego sobre a negociação salarial: quando o desemprego é alto, a relação de forças é desfavorável aos assalariados; o aumento dos salários reais é inferior aos ganhos de produtividade do trabalho, o que eleva os ganhos da empresa.

– o impacto da alta das taxas de juros: o aumento do custo do capital (medido pela taxa de juros) gera um acréscimo da parte relativa à remuneração do capital. O INSEE estima, assim, que a alta da taxa real de juros seria responsável pela baixa em dois pontos do PIB da participação dos salários ao longo dos dez últimos anos.

Segundo estas análises, o peso do primeiro fator – o desemprego – seria preponderante. Isso ajuda a explicar por que a parcela dos salários na distribuição do valor agregado teria ficado relativamente estável nos Estados Unidos, onde a taxa de desemprego tem sido bem menor do que na Europa.

Sem estar erradas, essas explicações não vão suficientemente longe: de fato, essa distribuição do valor agregado é explicada pela nova relação de forças que se estabeleceu entre o trabalho e o capital, em favor deste último, como se mostrará agora. 

 

3. As empresas governadas pela lógica acionária

 

Uma das principais conseqüências do papel preponderante assumido pelos fundos próprios no financiamento das empresas foi modificar as relações entre os três principais parceiros destas últimas, acionistas, dirigentes e assalariados. Assistiu-se a um questionamento do modelo tradicional da empresa, popularizado por Berle e Means, segundo o qual há uma separação entre os acionistas e os dirigentes, estes últimos detendo o poder efetivo dentro da empresa. Sob o regime fordista que funcionou até os anos 70, os dirigentes da empresa haviam travado acordos com os assalariados, organizando uma repartição dos ganhos de produtividade no seio da empresa, o que permitiu a preservação da estabilidade da repartição do valor agregado.

O advento da economia de fundos próprios consagra o fim deste regime. O modelo tradicional, qualificado de stake-holder, e que considera a empresa como uma comunidade de interesse entre seus três parceiros, cedeu lugar a um novo modelo, denominado shareholder, que dá a primazia absoluta aos interesses dos acionistas.

 

O aumento da importância dos investidores institucionais

 

O poder dos acionistas foi consideravelmente reforçado pelo desenvolvimento da gestão coletiva da poupança. Este fato ocasionou uma concentração de capital das empresas nas mãos dos investidores institucionais, enquanto que, no passado, os acionistas estavam largamente dispersos entre os poupadores individuais. Hoje, três tipos de investidores detêm uma parcela crescente do capital das empresas na maior parte dos países industrializados; são os famosos fundos de pensão anglo-saxões, os fundos mútuos (OPCVM na França), e as companhias de seguro. A título de ilustração, a parte das ações detida pelos investidores institucionais nos Estados Unidos passou de 5% em 1946 para mais de 50% em 1996. Na França, essa proporção ultrapassou igualmente 50% no fim dos anos 90.

Na Europa, ao longo dos anos 90, um dos fenômenos mais importantes foi a chegada em massa dos investidores estrangeiros. Estes detêm entre 20 e 40% do capital das empresas cotadas em bolsa nos principais países europeus, como mostra a Tabela 5. A maior parte dessas participações financeiras estrangeiras provém de investidores anglo-saxões, e, em particular, dos fundos de pensão norte-americanos.

 

Tabela 5

Taxa média de participação estrangeira no capital próprio das empresas européias – 1996 (%)

 

Alemanha

Espanha

França

Itália

Reino-Unido

Índice de referência

DAX 30

28,5

IBEX 35

47,8

CAC 40

28,1

MIB 30

24,0

FT – SE 100

18,8

Empresas cotadas em Bolsa

24,0

38,8

22,1

22,2

19,7

Empresas não cotadas em Bolsa

12,7

25,7

16,1

14,0

14,8

Fonte: CREP, segundo os dados Amadeus do bureau Van Djik, e Global Equity Ownership, do Grupo Carson.

 

A França é um dos países onde o avanço dos investidores estrangeiros foi mais rápido. Estes se aproveitaram das privatizações maciças efetuadas no país, nos últimos anos, para se apropriarem de uma parcela quase sempre elevada do capital das empresas nos setores bancário e industrial, como ilustra a Tabela 6.

 

Tabela 6

Parcela dos investidores estrangeiros no capital das grandes empresas francesas

Em % do capital em setembro/1999

Bancos –

Seguradoras

Investidores

estrangeiros

Investidores

anglo-saxões

Indústria

Investidores

estrangeiros

Investidores

anglo-saxões

BNP

Société Générale

CCF

AXA

AGF

45

50,1

68,8

44

25

20,4

29

10

28

16,5

Elf-Aquitaine

Rhône-Poulenc

Vivendi

Alcatel

Accor

56

59,6

51,5

49

48

39

14,4

27

30

30

Fonte: L’Expansion et Carson-Europe.

 

 

Os novos princípios de gestão da empresa

 

Os investidores institucionais estrangeiros, que gerem em nome dos seus clientes enormes portfólios de ações, buscam impor regras de gestão – fala-se, a esse respeito, de “governança” – nas empresas controladas.

A hipótese teórica fundamental do modelo anglo-saxão de gestão da empresa é a de que os acionistas e os executivos da empresa têm interesses contraditórios. Estes últimos buscam privilegiar seus interesses, em termos de poder e remuneração, valorizando as informações privilegiadas às quais têm acesso no interior da empresa. As novas formas de gestão definidas pelos investidores anglo-saxões têm como objetivo, precisamente, reduzir as “assimetrias de informação” e o estimular os executivos a administrar a empresa tendo como único objetivo a maximização dos valores das ações.

Os investidores avaliam a governança das empresas segundo cinco critérios principais:

(1) A informação dos acionistas: qualidade da informação acerca da estrutura dirigente da empresa, o que implica, particularmente, a independência dos administradores, a existência de um responsável pelas relações com os investidores e o estabelecimento de um sistema contábil adaptado às normas anglo-saxãs.

(2) Direitos e obrigações dos acionistas: respeito ao princípio “uma ação, uma voz, um dividendo”.

(3) Composição do conselho de administração: procedimentos de eleição e remuneração dos membros do conselho e dos comitês, separação das funções de presidente e de diretor geral.

(4) Ausência de medidas anti-take-overs hostis: eliminação de todas as medidas destinadas a impedir as ofertas de compra hostis (poison pill) e a limitar o poder dos órgãos de direção.

(5) A remuneração dos dirigentes: o objetivo é definir formas de remuneração que estimulem os dirigentes a buscar a maximização do valor acionário. Uma das principais técnicas utilizadas é constituída pelas stock options.

 

 

A ação do poder público e do patronato francês

em favor dos investidores estrangeiros

 

Na França, governos sucessivos, independentemente de sua coloração política, tudo fizeram para atrair os investidores estrangeiros para a praça financeira de Paris, modernizando-a com base no modelo anglo-saxão. Suas esperanças foram imensamente superadas, dado que os não residentes tornaram-se atores muito ativos na bolsa, realizando quase 25% das transações, segundo as pesquisas do Banque de France.

O desejo do patronato francês de caminhar na direção de um modelo de governança mais próximo das normas anglo-saxãs é ilustrado pelo conteúdo dos relatórios elaborados por Viennot (1995 e 1999), antigo presidente da Société Générale. As recomendações dos relatórios Viennot mostram claramente o desejo dos dirigentes de grandes empresas francesas de levar em consideração as demandas dos investidores estrangeiros relativas à informação dos acionistas e à organização de conselhos de administração. Os relatórios propõem, assim, a introdução de administradores independentes, a separação das funções de presidente e de diretor geral e a instauração de novas normas contábeis, próximas dos padrões anglo-saxões, destinadas a introduzir mais transparência nas contas. Porém, nada é proposto no que tange à representação dos assalariados nos conselhos, assim como em relação às modalidades de negociação salarial que prevalecerão na empresa. 

 

4. A financeirização da gestão das empresas

 

Com o domínio total dos acionistas, representados pelos investidores institucionais, os managers são levados a dar prioridade à rentabilidade financeira da empresa. Objetivos que antes prevaleciam – como o desenvolvimento da produção e do emprego – tornam-se secundários. Daí resulta uma “financeirização” da gestão das empresas. 

 

Os novos métodos de gestão voltados para a “criação de valor acionário”

 

O objetivo primordial imposto às empresas é a “criação de valor acionário”. Trata-se de aumentar por todos os meios o valor bursátil da empresa, visando maximizar a riqueza dos acionistas, seus proprietários.

Para alcançar este objetivo, as empresas equiparam-se com novos métodos de gestão, dentre os quais o mais sofisticado é o método EVA (Economic Value Added). O EVA pode ser definido de modo bastante simples: constitui o resultado econômico da empresa após a remuneração do total dos capitais investidos, endividamento e fundos próprios. Um EVA positivo significa que a administração conseguiu criar valor, beneficiando os acionistas durante um dado exercício.

Segundo Baudru & Morin (1999), as seguintes empresas francesas colocaram em funcionamento o método EVA no decorrer dos últimos dois anos: AXA, BNP, CCF, ELF, France Télécom, Lafarge, Schneider, Société Générale, Valéo, Vivendi. Há seis anos, o jornal L’Expansion publica uma classificação anual das grandes empresas francesas, segundo seus resultados no que concerne à criação de valor acionário, utilizando os indicadores EVA.

Este enfoque vai muito além de fornecer indicadores para avaliar o desempenho da empresa: ele define, igualmente, um método de management que repousa sobre um sistema de incentivos calculado em função da obtenção e da superação dos objetivos de criação de valor acionário. Ver-se-á, mais tarde, que o EVA acaba por transferir os riscos das empresas para os assalariados.

 

As alavancas estratégicas usadas para aumentar a criação do valor acionário

 

Para atingir o objetivo de maximização do shareholder value, as empresas lançam mão de políticas bem definidas, que podem ser classificadas em quatro categorias principais:

(1) As fusões-aquisições são freqüentemente apresentadas como um meio de criar valor acionário.[5] O resultado é geralmente atingido, como mostra a elevação súbita das cotações na Bolsa das empresas-alvo. Constata-se, com freqüência, que a maior parte do aumento do shareholder value engendrado pelas operações de fusões – quando aquele se dá – é transferido aos detentores do capital da empresa-alvo.

A criação de valor acionário é obtida por meio da exploração das sinergias existentes entre estabelecimentos fundidos e por meio da realização de economias de escala. As aproximações entre empresas permitem ganhos de produtividade significativos, cujas conseqüências diretas incluem a redução do efetivo de assalariados, que se segue a boa parte das fusões. Essas operações se inserem em uma busca do tamanho critico, destinado a dar aos novos grupos um poder de mercado maior frente à concorrência.

Iniciada nos Estados Unidos, a corrida desenfreada às fusões-aquisições ganhou os outros países industrializados. Cerca de 2.500 operações entre países, envolvendo investidores estrangeiros, teriam sido realizadas unicamente durante o primeiro trimestre de 1999, perfazendo um total de US$ 411 bilhões (€ 384 bilhões), o que representa uma alta de 68% em relação ao primeiro semestre de 1998.[6]

(2) A reconcentração nas ocupações de base[7] da empresa é um segundo meio de aumentar a criação de valor em benefício do acionista. Concentrando-se nas atividades nas quais detém uma vantagem comparativa, a empresa, supostamente, dota-se de meios de valorizar seu savoir faire com relação aos concorrentes, o que deveria traduzir-se em um aumento da criação de valor em benefício de seus acionistas. Os investidores estimulam as empresas que controlam a aplicar esta política por duas razões, além da criação direta de valor acionário. Em primeiro lugar, os investidores não apreciam as empresas diversificadas, do tipo conglomerado, pois suas estruturas são geralmente complexas, o que é considerado um fator de opacidade para eles, que têm, entre outros objetivos, como se viu, a obtenção do máximo de transparência. Segunda razão: os investidores consideram que cabe a eles o compromisso de administrar a política de diversificação, agindo sobre a composição de sua carteira de ativos. Em outros termos, segundo esta concepção, cabe aos atores financeiros – e não aos operadores industriais – administrar as questões de diversificação. Tem-se aqui uma boa ilustração da primazia da finança sobre a lógica produtiva.

(3) A reengenharia das cadeias de valor aparece como uma terceira alavanca para concentrar a atividade da empresa nos segmentos mais rentáveis. O principal método consiste em “externalizar” a produção de certos produtos ou serviços, quando podem ser fabricados de modo mais competitivo por empresas de melhor performance nesses segmentos. Fala-se, então, de um processo de “desintegração vertical” (ou de decomposição) do processo de produção, que tem por objetivo a reorganização das cadeias de valor da maneira mais rentável. Esta política, empreendida por numerosas empresas, acabou, particularmente, por “expulsar” os assalariados do perímetro das empresas, confiando a gestão destes a subcontratantes externos, o que causa, geralmente, uma precarização das condições de trabalho.

(4) A redução da intensidade do capital. Um dos meios mais radicais de aumentar a rentabilidade dos capitais próprios é a redução do tamanho destes. O objetivo é o de melhorar a produtividade dos capitais próprios economizando sua utilização. Trata-se da estratégia conhecida por downsizing, que pode ser praticada de diferentes maneiras. O meio mais espetacular de atingir este objetivo é a compra pela empresa das suas próprias ações, por exemplo, mediante processo de oferta pública de recompra de ações.

Recomprando uma parte do seu capital em ações, para um dado nível de lucros esperado no futuro, a empresa aumenta, mecanicamente, o valor das ações restantes. Esta alta das ações é intensificada se a operação de compra é financiada por um endividamento de custo inferior àquele dos fundos próprios (efeito de alavancagem). Esta prática, muito freqüente nos Estados Unidos, desenvolve-se atualmente na Europa. Na França, desde o verão de 1998, data na qual a legislação autorizou este tipo de operação (chamada de relution), mais de 400 empresas – das quais quase todas integram o CAC 40 – programaram recompra de ações. Dentre os objetivos perseguidos pelas empresas com a recompra de suas ações, os três principais são: operações de crescimento externo (60,8% das empresas), atribuição de ações ou de opções de compra aos funcionários (57,6%) e otimização do resultado por ação (37,8%).[8]

Uma das conseqüências paradoxais destas práticas – deve-se sublinhar – é que, contrariamente ao afirmado pelos defensores da economia de fundos próprios, os mercados de ações não trazem dinheiro novo às empresas: um estudo recente do escritório de consultoria Salomon Smith Barney demonstra que, na maioria dos mercados europeus, as emissões líquidas de ações, ou seja, os montantes brutos de emissões, deduzidos das recompras de ações e dos dividendos distribuídos aos acionistas, foram negativos ao longo dos últimos anos.[9] Isso significa que, globalmente, os investidores retiraram das empresas muito mais fundos do que trouxeram! 

 

5. Dois efeitos perversos da economia de fundos próprios 

A nova lógica imposta pelos acionistas e investidores institucionais tem efeitos econômicos que vão muito além da gestão das empresas: traduz-se em uma instabilidade econômica e financeira elevada e impõe ao trabalho as principais conseqüências dessa instabilidade. 

 

Elevação dos riscos de instabilidade financeira

 

Como se viu, a prioridade absoluta é dada atualmente ao objetivo de rentabilidade dos fundos próprios. Esta é, geralmente, medida pelo ROE (return on equity ou rendimento das ações), calculada como a razão “resultado líquido/fundos próprios”. O ROE aumentou fortemente, primeiro nos Estados Unidos, e mais recentemente na Europa, como mostra a Tabela 7.

 

Tabela 7

Rentabilidade dos fundos próprios das empresas

Em %

1994

1995

1996

1997

Estados Unidos

Alemanha

França

Japão

16,3

1,7

7,3

2,0

17,7

7,9

9,4

1,9

19,8

9,5

8,4

4,2

20,0

11,8

8,7

4,7

Fonte: Artus (1997).

 

O nível de referência (benchmark) do ROE, que é da ordem de 20% nos Estados Unidos, é largamente superior à rentabilidade econômica do capital, medida pela razão entre lucros brutos antes do pagamento dos juros sobre a dívida e capital das empresas.

As empresas americanas conseguiram até aqui apresentar um ROE elevado por meio do aumento da razão “dívida/fundos próprios”. A rentabilidade das empresas melhorou porque as taxas de juros, que representam o custo da dívida, são claramente mais baixas do que o custo dos fundos próprios. Para alcançar este objetivo, as empresas americanas endividaram-se fortemente, fazendo, assim, pleno uso do efeito de alavancagem da dívida (Artus & Debonneuil, 1999). Por outro lado, como foi visto, essas empresas realizaram importantes operações de recompra de ações, dentre as quais uma parte foi financiada por endividamento, reduzindo assim a parte dos seus fundos próprios que enseja o pagamento de dividendos.

A este respeito, é interessante notar que a busca do efeito de alavancagem traduziu-se em políticas opostas da parte de empresas americanas e européias. Nos Estados Unidos, onde as taxas de juros eram baixas, as empresas endividaram-se maciçamente, particularmente para financiar suas operações de fusão-aquisição e de recompra de ações, geradoras de valor acionário, como se viu. Em 1998, as empresas americanas haviam assim acumulado um endividamento três vezes superior aos fundos próprios. Este nível extremo de endividamento por parte das empresas, bem como por parte do conjunto das famílias, é um fator de fragilidade da economia americana ressaltado por muitos economistas.

Em contrapartida, na Europa, onde as taxas de juros permaneceram elevadas até a metade dos anos 90, este efeito de alavancagem foi obtido, até pouco tempo atrás, por um desendividamento das empresas. Mais recentemente, porém, constata-se que as empresas européias recomeçaram a se endividar, à maneira de suas concorrentes americanas.

Uma outra conseqüência direta das pressões, exercidas pelos acionistas, à alta da cotação das ações, é a constituição de bolhas financeiras, medidas pelos desvios crescentes entre o valor econômico e o valor bursátil das empresas. É por esses motivos que se assiste a uma elevação vertiginosa das cotações no fim dos anos 90, no conjunto das bolsas de valores dos países industrializados. A praça financeira de Paris obteve o melhor desempenho em Bolsa no pós guerra, com a alta espetacular do índice CAC 40, que elevou-se em 40% em 1999, ultrapassando a barreira simbólica dos 5.000 (base 1.000 em dezembro de 1987).

Esta perigosa alta exponencial das cotações é explicada por um processo bastante simples: a alta da cotação gera uma elevação do PER (price earning ratio), a relação entre o preço e o resultado líquido por ação. Daí resulta uma baixa do rendimento das ações, igual ao inverso do PER. Para impedir esta baixa, os investidores exigem um ROE elevado da parte das empresas, que são estimuladas a fazer pleno uso do efeito de alavancagem. Assim se explica o ciclo endividamento-bolha financeira que caracteriza atualmente a economia americana e que pode gerar, cedo ou tarde, um ajuste para baixo que, se brutal, terá graves conseqüências para o crescimento nos Estados Unidos e no resto do mundo. 

 

A transferência dos riscos para as empresas e para os assalariados

 

Os objetivos financeiros impostos pelos investidores institucionais ocasionam uma segunda série de efeitos nefastos sobre as empresas e, de modo mais amplo, sobre a economia. Trata-se da transferência de riscos para as empresas e os assalariados.

Segundo Baudru & Morin (1999), os métodos de gestão do tipo EVA (ver acima) constituem uma verdadeira ruptura com a teoria financeira convencional, pois instituem um divórcio entre os dois termos da dupla “risco-rendimento”. Na teoria tradicional, tal como formalizada pelo modelo MEDAF (Modelo de Equilíbrio de Ativos Financeiros), a rentabilidade e o valor financeiros da firma são um resultado ex post do modelo. O valor da firma é igual ao valor atualizado, à taxa de rendimento exigida, do fluxo de receitas futuras. A metodologia EVA se traduz por uma inversão completa do procedimento, subordinando o desempenho econômico da firma a uma exigência, definida ex ante, de remuneração financeira. A meta a ser alcançada não é a de fazer emergir o valor de mercado da firma no equilíbrio, como no modelo MEDAF, mas a de determinar o sobrevalor econômico obtido pela empresa. A variável de ajuste no enfoque EVA não é mais a valorização da empresa, mas o rendimento do ativo econômico administrado pela firma. Segundo esta análise, o nível de rendimento exigível é determinado não pelas características próprias da empresa, mas sim pelas capacidades de pressão que a estrutura acionária é capaz de fazer pesar sobre a empresa. O benchmarking, ou seja, o fato de que critérios de rendimentos homogêneos tendem a se impor no âmbito internacional, vai totalmente nessa direção. Seguem-se duas conseqüências fundamentais: os níveis de risco e rendimento são desconectados e o risco econômico é transferido para a empresa e seus parceiros.

Dentre os parceiros da empresa, os assalariados são os primeiros a sofrer essa transferência de riscos. Isso por terem se tornado os parceiros mais fracos da tríade acionistas-dirigentes-assalariados. Os investidores exigem rendimentos não apenas elevados, mas igualmente estáveis no tempo. Em tempos de desaquecimento conjuntural, a massa salarial constitui a principal variável de ajuste à disposição dos dirigentes para assegurar a estabilidade dos resultados da empresa. Verifica-se também que, ao longo dos últimos anos, o salário real aumentou em média menos rapidamente do que a produtividade do trabalho. Como indicam Artus & Debonneuil (1999), isso significa que o rendimento do fator trabalho não comporta prêmio de risco. Em compensação, os acionistas se beneficiam de altos prêmios de risco contidos nos rendimentos. Se é verdade que o risco é atualmente incorrido pelo trabalho e não pelo capital, essa estrutura de riscos é completamente inadequada.

Assim, a economia de fundos próprios têm duas implicações importantes, intimamente ligadas: ela está no próprio cerne do aumento da instabilidade financeira internacional; e ela contribui para estruturar as relações entre trabalho e capital, bem como a distribuição da riqueza, em favor dos detentores do capital financeiro.

 

6. Quais as perspectivas?

 

Este estudo tentou caracterizar, no plano analítico, a situação na qual se encontra a economia francesa e o conjunto das economias da União Européia neste fim de século. Qualificou-se este regime específico de economia de fundos próprios. De fato, parece que a acumulação dos fundos próprios tem estado no centro da dinâmica recente de nossas economias. O papel central dos fundos próprios no financiamento das empresas dá um peso preponderante aos acionistas em relação aos dirigentes e aos assalariados. A dominação dos acionistas foi ampliada pelo desenvolvimento da gestão coletiva da poupança, que gerou uma concentração do capital das empresas nas mãos dos investidores institucionais. Estes últimos tornaram-se os mestres do jogo nas empresas, que eles próprios enfraquecem ao impor normas de rentabilidade perigosamente elevadas, e nos mercados financeiros internacionais, que contribuem a desestabilizar, exercendo pressões à alta das cotações e favorecendo, assim, a emergência de bolhas especulativas.

Na nossa obra coletiva precedente, La mondialisation financière (1996),[10] havíamos indicado que a primeira etapa da globalização financeira, a partir de fins dos anos 70, fora marcada pelo desenvolvimento dos déficites e das dívidas públicas. A dívida mobiliária pública dos principais países industrializados havia sido, segundo nossa análise, um dos motores do desenvolvimento rápido da finança internacional liberalizada. O déficit orçamentário norte-americano desapareceu na metade dos anos 90 e os déficits europeus estão em via de redução, sob efeito das restrições impostas pela construção européia. Podemos também considerar que, doravante, os mercados acionários, que viabilizam a troca de fundos próprios, tornaram-se um dos principais vetores da finança mundializada.

É essencial formularmos algumas proposições, no que tange à política econômica, para escaparmos da lógica atual perversa da finança fundada na acumulação de fundos próprios, e no objetivo de reequilibrar a relação de forças entre trabalho e capital.

Três tipos de medidas podem ser salientadas:

(1) Agir sobre a distribuição salários-lucros para reequilibrá-la em favor das rendas do trabalho. Uma mudança desta distribuição reduziria o peso da finança e permitiria retomar o crescimento em bases saudáveis. Convém, nesse sentido, redefinir as políticas salariais, tanto no plano da empresa como no âmbito macroeconômico. Deve-se instaurar, sob o impulso dos poderes públicos e dos parceiros sociais, arranjos institucionais que permitam organizar negociações e chegar a novas formas de compromisso entre trabalho e capital. Estas novas formas institucionais devem ser elaboradas no âmbito nacional e europeu. Vários eixos de negociação podem ser vislumbrados: a revalorização dos baixos salários; a redução do tempo de trabalho, com a condição de que se traduza em aumento da massa salarial.

(2) Tributar o capital e suas rendas, no objetivo de aumentar o seu custo relativo ao trabalho e desencorajar a especulação financeira. Assistimos a uma disputa desenfreada entre países na corrida à baixa da tributação do capital; é tempo de reverter essa tendência. Duas séries de medidas poderiam ser consideradas em relação a esse assunto: aumentar a taxação das grandes fortunas, incluindo-se aí os instrumentos de trabalho, e taxar os movimentos de capitais especulativos. Em um contexto de perfeita mobilidade de capitais, essa última medida só será eficaz se aplicada em escala mundial. Essas medidas são, antes de tudo, uma questão de vontade política: os Estados decidiram diminuir a fiscalidade financeira. Esses mesmos Estados têm o poder de refazer o que desfizeram, restabelecendo o equilíbrio entre o tratamento fiscal do trabalho e do capital.

(3) Definir um novo quadro jurídico para o “governo da empresa”. A reforma da lei das sociedades, de 1966, está na ordem do dia na França. O patronato fez propostas, sob a pressão de investidores estrangeiros, para fazer evoluir a governança das empresas em direção ao modelo anglo-saxão, o que implicaria um aumento da primazia dos acionistas e, portanto, do capital. É essencial contrapor-se a este movimento estabelecendo regras que organizem uma partilha equilibrada do poder e das riquezas, no seio da empresa, entre os assalariados e os detentores do capital. Duas séries de medidas são necessárias neste caso: assegurar uma participação dos representantes dos assalariados nos conselhos das empresas e impor aos dirigentes a obrigação de negociar a distribuição de rendas geradas pela empresa entre assalariados e acionistas segundo regras precisas (por exemplo, indexação de salários e dividendos com base nos ganhos de produtividade).

A colocação em prática de tais políticas seria feita de modo a criar salvaguardas contra a influência nefasta da economia de fundos próprios, e a fornecer fundamentos mais saudáveis para o crescimento e o emprego em nossas sociedades.

 

*Dominique Plihon é professor da

Université Paris-Nord e membro do CEDI.

 

 

Referências bibliográficas

ARTUS, P.  Les effets macro-économiques des nouvelles exigences de rentabilité: l’exemple des Etats-Unis.  Flash, CDC Marchés, Service de la Recherche, Caisse des Dépôts et Consignations, n. 97-113, Nov. 1997.

________, COHEN, D.  Partage de la valeur ajoutée.  Paris: Documentation Française, 1998.  (Rapport au Conseil d’Analyse Economique).

ARTUS, P., DEBONNEUIL, M.  Crises, recherche de rendement et comportements financiers: l’interaction des mécanismes microéconomiques et macroéconomiques.  In: Architecture financière internationale. Paris: Documentation Française, 1999.  (Rapport du Conseil d’Analyse Économique, n. 18).

BAUDRU, D., MORIN, F.  Gestion institutionnelle et crise financière – Une gestion spéculative du risque.  In: ARCHITECTURE financière internationale. Paris: Documentation Française, 1999.  (Rapport du Conseil d’Analyse Économique, n. 18).

CHESNAIS, F. (Coord.).  La mondialisation financière – genèse, coût et enjeux.  Paris: Syros, 1996.

L’économie française.  Comptes de la Nation, 1998-99. INSEE.  (Livre de poche).

FRIED, M., PLIHON, D., SABORD, M. Les entreprises sont-elles riches ou pauvres? Une analyse d’après les comptes des entreprises. LASAIRE. Publicado parcialmente em Problèmes economiques.  n. 9, Mai 1997.

HICKS, J.  The crisis in Keynesian economics.  Oxford: Basic Blackwell, 1974.

 

 

Resumo

A partir do início dos anos 80, tanto na França quanto na maior parte das economias européias, as empresas adotam um regime de financiamento baseado em fundos próprios, abandonando o regime de endividamento antes vigente. Esta aproximação ao modelo anglo-saxão, ao determinar várias mudanças no plano da empresa – como a primazia do acionista, a queda da participação dos salários no valor adicionado e a ruptura do elo entre lucro e investimento – tem também implicações macroeconômicas importantes, como o aumento da instabilidade financeira e a piora na distribuição da renda e riqueza. Recomendam-se políticas para reverter a lógica perversa da finança fundada na acumulação de fundos próprios, com o objetivo de reequilibrar a relação de forças entre trabalho e capital.

Palavras-chave: Governança empresarial; Financiamento da empresa; Economia de fundos próprios.

 

Abstract

From 1980 on, French firms – as well as firms in most European countries – migrate from the “overdraft economy” to the “autoeconomy”. The adoption of the Anglo-Saxon model determines microeconomic changes – such as the increased power of investors, the falling share of wages in

Resumo

A partir do início dos anos 80, tanto na França quanto na maior parte das economias européias, as empresas adotam um regime de financiamento baseado em fundos próprios, abandonando o regime de endividamento antes vigente. Esta aproximação ao modelo anglo-saxão, ao determinar várias mudanças no plano da empresa – como a primazia do acionista, a queda da participação dos salários no valor adicionado e a ruptura do elo entre lucro e investimento – tem também implicações macroeconômicas importantes, como o aumento da instabilidade financeira e a piora na distribuição da renda e riqueza. Recomendam-se políticas para reverter a lógica perversa da finança fundada na acumulação de fundos próprios, com o objetivo de reequilibrar a relação de forças entre trabalho e capital.

Palavras-chave: Governança empresarial; Financiamento da empresa; Economia de fundos próprios.

 

Abstract

From 1980 on, French firms – as well as firms in most European countries – migrate from the “overdraft economy” to the “autoeconomy”. The adoption of the Anglo-Saxon model determines microeconomic changes – such as the increased power of investors, the falling share of wages in value added, and slack investment rates in spite of mounting profits – with important macroeconomic consequences (more financial instability and a worsening in wealth and income distribution). Some policies are recommended to revert the perverse logic of the autoeconomy and to reequilibrate the relative forces of labour and capital.

Key words: Corporate governance; Corporate funding; Autoeconomy.

value added, and slack investment rates in spite of mounting profits – with important macroeconomic consequences (more financial instability and a worsening in wealth and income distribution). Some policies are recommended to revert the perverse logic of the autoeconomy and to reequilibrate the relative forces of labour and capital.

Key words: Corporate governance; Corporate funding; Autoeconomy.

 

([1]) Traduzido do francês por Ana Cláudia Costa Antônio. Revisão técnica de Antonio Carlos Macedo e Silva.

([2]) Utilizamos a terminologia proposta por J. Hicks em The crisis in Keynesian economics (1974). Raciocinando com base no contexto dos anos próprios aos 70, o economista inglês contrapôs dois regimes, qualificados, respectivamente, de overdraft economy (economia de endividamento) e de autoeconomy (economia de fundos próprios).

([3]) Para maiores detalhes, ver Fried, Plihon & Sabord, estudo Lasaire (grupo de reflexão sindical) parcialmente publicado em Problèmes Economiques, Les entreprises sont-elles riches ou pauvres? Une analyse d’après les comptes des entreprises (1997).

([4]) Sobre este assunto ver dois estudos recentes: Partage de la valeur ajoutée (Artus & Cohen, 1998) e L’économie française (1998/99).

([5]) Basta lembrar-se das declarações dos presidentes do BNP ou da Total justificando suas operações de fusão realizadas em 1999.

([6]) Segundo estudo da empresa de auditoria KPMG Corporate Finance, citado no Le Monde (20 ago. 1999).

([7]) N.T. Métiers de base, no original (do inglês core business).

([8]) Les Echos (23 ago. 1999).

([9]) Citado por l’AGEFI (4 jan. 1999).

([10]) Ver o capítulo 4: Déséquilibres mondiaux et instabilité financière: la responsabilité des politiques libérales.

 

 

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