ORLANDO
FANTAZZINI, DEPUTADO FEDERAL (PT/SP):
"UM SISTEMA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS JÁ EXISTE"
Antonino Condorelli (condor_76@hotmail.com)
Voz crítica dentro do Partido dos Trabalhadores, o Deputado
Orlando Fantazzini (PT/SP) votou recentemente contra a proposta
de lei sobre salário mínimo defendida pelo Executivo, junto
com outros dissidentes como o Deputado João Alfredo (PT/CE),
evidenciando a dramática ruptura interna que o partido de
Governo - que sempre defendeu uma mudança de paradigma na
política econômica que colocasse a promoção dos direitos
fundamentais no centro da ação estatal mas que, desde que
assumiu o poder, não fez senão continuar a aprofundar a
política neoliberal dos Governos anteriores - está sofrendo.
Fantazzini, delegado pelo Estado de São Paulo na IX Conferência
Nacional de Direitos Humanos, questiona o objetivo desta
última, afirmando que já existe um Sistema Nacional de Direitos
Humanos e o foco das discussões deveria ser como torná-lo
efetivo. Recolhemos um depoimento do Deputado, que divulgamos
para implementar o debate sobre o SNDH: "Eu acredito
que já existe um Sistema Nacional de Proteção aos Direitos
Humanos. O que falta é articulação entre os diversos setores
do Governo para que a proteção dos direitos seja efetiva.
Temos que criar um Conselho que tenha total autonomia e
independência para fiscalizar a promoção e a proteção dos
Direitos Humanos no país, porque enquanto for o próprio
Governo a fiscalizar a implementação das políticas públicas
continuaremos - obviamente - a ter os mesmos problemas.
Este Conselho deve ter também poderes para tomar medidas
quando o Estado descumpre seu dever de ser promotor e protetor
dos direitos dos cidadãos".
PARA QUE UM SISTEMA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS?
Dep. Federal Orlando Fantazzini - PT/SP. Membro titular
da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados
e Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Confederação
dos Parlamentares da América (COPA)
Introdução
As discussões para a formação de um Sistema Nacional de
Direitos Humanos (SNDH) começaram efetivamente durante a
preparação da VIII Conferência Nacional ocorrida no ano
passado, em Brasília. Esta Conferência deliberou que
a próxima Conferência Nacional, a se realizar nos dias 30/31
de junho e 1° e 2 de julho de 2004, será "deliberativa"
e terá como tema central a construção e organização do SNDH.
Objetivando contribuir e subsidiar com os debates
que já vem acontecendo nas Conferências estaduais
e municipais, principalmente provocados pelo Texto Base
preparatório da Conferência, é que apresentamos o presente
texto. Nele, procuramos refletir sobre o tema central
da próxima Conferência e também sugerir alguns pontos para
o debate.
1) A história da afirmação dos direitos humanos:
Os direitos humanos foram construídos e afirmados através
dos tempos. O surgimento da idéia de que toda pessoa humana
possui direitos básicos e inalienáveis é bem antiga, com
registros a partir do século XVIII. A Declaração Americana
de 1776 e a Declaração Francesa de 1789 foram os primeiros
documentos a afirmar expressamente o direito à liberdade
e à igualdade dos seres humanos, à vida e independência
dos povos.
Após o término da II Guerra Mundial, os direitos humanos
assumiram ainda maior importância. A humanidade se encontrava
escandalizada com o horror do genocídio e a ação dos países
nazistas e totalitários que vitimaram mais de 45 milhões
de pessoas. Numa tentativa de por fim a todas essas atrocidades,
a comunidade internacional passou a propugnar pela criação
da Organização das Nações Unidas (ONU) como um referencial
ético para a humanidade e que pudesse dar um basta nas barbáries.
Em 1948, por consenso dos países que já participavam da
ONU, foi elaborado o diploma básico dos direitos humanos
que é a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Esse
documento consagrou os direitos civis, políticos, sociais,
culturais e econômicos e afirmou que esses são direitos
universais, indivisíveis e interdependentes.
A partir desse paradigma, uma violação aos direitos
humanos que aconteça a uma pessoa, em qualquer lugar do
mundo, afeta a todos e enseja a atuação de órgãos e instâncias
internacionais. Direitos humanos passaram então a
ser valor e princípio legal que transcende as fronteiras
dos Estados e Nações.
Os direitos civis englobam os direitos mais fundamentais
de todos, pois são o direito à vida, à liberdade e à igualdade.
Os direitos políticos são aqueles que compreendem o direito
de votar, ser eleito, influenciar na administração pública,
etc. Já os direitos sociais são o direito à educação, à
moradia, saúde, alimentação. Os econômicos dizem respeito
ao direito das pessoas terem uma renda e trabalho assim
como condições mínimas de sobrevivência. Os direitos culturais
compreendem os direitos ao lazer,educação, manifestação
cultural e acesso à cultura. Diz-se que os direitos
sociais são aqueles que devem ter uma "realização progressiva"
por parte do Estado. Já os direitos civis e políticos
exigem satisfação imediata por parte dos poderes constituídos.
A noção de cidadania é diferente dos direitos humanos e
está ligada à nacionalidade. Toda a pessoa que nasce em
solo brasileiro tem cidadania e passa a ter direitos
garantidos pelo Estado como o direitos do consumidor, usuário
de serviços públicos entre outros. Tratam-se também de direitos
importantes, previstos na legislação vigente e que
valorizam a dignidade humana viabilizando a liberdade
de escolher.
A internacionalização dos direitos humanos a partir da criação
da ONU, estabeleceu órgãos e instâncias voltadas à proteção
dos direitos humanos. Na prática é como se fosse uma "jurisdição"
internacional destinada a proteger os direitos fundamentais
da pessoa humana. Se um determinado país não adotar providências
a fim de garantir os direitos humanos poderá ser pressionado
ou obrigado pelas instâncias internacionais. O sistema
internacional é constituído por duas esferas: a esfera global,
formada pela ONU (Organização das Nações Unidas) e
a esfera regional constituída pela OEA (Organização
dos Estados Americanos). Essas duas instâncias se
completam, cada qual possuindo instrumentos específicos
como tratados, convenções, recomendações etc. O Brasil
participa desse sistema internacional de proteção dos direitos
humanos, já tendo ratificado diversos
instrumentos internacionais, tanto da ONU como OEA:
ONU
Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948)
Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas
de Discriminação Racial (1965). Ratificação: 08/12/1969.
Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas
de Discriminação contra a Mulher (1979). Ratificação: 30/03/1984
(com reservas) fim das reservas: 13/09/2002
Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas
Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1984). Ratificação: 15/02/1991.
Convenção sobre os Direitos da Criança (1989). Ratificação:
21/11/1991.
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966).
Ratificação: 06/07/1992
Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
(1966). Ratificação: 06/07/1992.
Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (1998)
Ratificação: 25/09/2002
Comitê Internacional para Eliminação da Discriminação Racial
(CERD)
Reconhecimento da competência receber denúncias individuais.
Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança
referente à venda de crianças, à prostituição infantil e
à pornografia infantil. Ratificação:8/3/2004
Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança
relativo ao envolvimento de crianças em conflitos armados.
Ratificação:8/3/2004
Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra
o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão
e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e
Crianças. Ratificação: 12/3/2004
Convenção no 169 da Organização Internacional do Trabalho
- OIT sobre Povos Indígenas e Tribais. Ratificação: 19/4/2004
OEA
Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948)
Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de São
Jose) (1969) Ratificação (06/11/92)
Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura
(1985) Ratificação: (09/11/89)
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar
a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Para)
Ratificação: (01/08/96)
Protocolo de San Salvador (protocolo adicional Convenção
Americana sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais)
(1998) Ratificação: 30/12/99.
Todos esses instrumentos internacionais possuem plena vigência
no direito interno como se fossem leis aprovadas pelo Congresso
Nacional. Isso significa que devem produzir efeitos internos,
devendo o Estado brasileiro adotar políticas, ações, programas
e projetos destinados a garanti-los efetivamente.
2) A Conjuntura atual dos direitos humanos
Efetivamente temos, no âmbito interno, um "marco legal"
com avanços na legislação sobre direitos humanos. Porém,
esses direitos, embora positivados, não têm sido suficientes
para garantir, na prática, o respeito aos direitos humanos
e cidadania. São freqüentes e, cada vez mais graves, as
violações aos direitos humanos, o que nos leva a refletir
sobre as razões dessa situação.
O primeiro aspecto a abordar é em relação às instituições
públicas do Estado. Nos últimos anos, elas adotaram um discurso
favorável à cidadania, mas não passaram por reformas
profundas nas suas estruturas. Isso porque nunca houve investimento
para a construção de uma "cultura de direitos humanos"
que envolvesse a capacitação permanente dos agentes
públicos e políticos, definição de princípios de direitos
humanos orientadores de políticas públicas, transparência
na gestão etc. Os direitos humanos vêm sendo
compreendido erroneamente como mais uma política pública
que deve ser executada por um órgão público
sem carecer de uma abordagem sistêmica. Porém, os direitos
humanos devem perpassar todas as políticas públicas de forma
universal, indivisível, interdisciplinar e interdependente.
Devem ser uma política pública permanente do Estado
democrático de Direito e não apenas de governos transitórios.
Um segundo aspecto, que agrava a situação, é a cultura dominante
de impunidade e banalização das violações. Vivemos o recrudescimento
da violência, da barbárie, onde as violações mais cruéis
e graves acontecem sem ensejar providências ágeis e eficientes
por parte das instituições. Isso ocorre porque essas
instituições não adotam as providências cabíveis seja
por comprometimentos com grupos repressivos, descaso,
banalização, ou incompetência decorrente de
não saber o que e como fazer. No geral, as políticas governamentais
de segurança pública e de combate à violência são setorizadas
e dispersas. As instituições públicas destinadas ao
controle são violentas e infiltradas por pessoas que participam
de redes e organizações criminosas. O crime organizado está
presente nas instituições policiais, nos órgãos governamentais,
nos setores de fiscalização do Estado e no Poder Judiciário.
Grande parte das corporações policiais pratica a tortura
como o único meio para conseguir uma prova. Tudo isso contribui
para a existência de crimes sem o correspondente castigo
ou punição assim como para o crescimento da sensação de
insegurança na população.
Um terceiro aspecto a considerar, diz respeito à ausência
de planejamento para a atuação em direitos humanos tanto
pelo governo federal como dos estaduais. Ainda não existem
estratégias e planos definidos e articulados, nem mesmo
políticas públicas eficientes para combater a violência,
criminalidade e principais violações de direitos humanos.
Não há investimento para a alteração das estruturas, rotinas
e formas de atuação das instituições públicas.
Ainda um quarto e último aspecto a abordar, trata-se
da falta de articulação entre as instituições públicas e
as entidades da sociedade civil, no que diz respeito ao
monitoramento das violações. É comum encontrar várias
entidades e instituições fazendo a mesma coisa, e,
não raro, encontrá-las não fazendo nada mesmo quando
estão diante de casos de violações de direitos humanos.
A participação ativa das entidades da sociedade civil,
no monitoramento das violações, é essencial para a promoção
e proteção dos direitos humanos. Por isso, umas das principais
questões do momento reside no fomento a alternativas a respeito
de como os meios de participação popular podem avançar no
controle público das instituições e execução das políticas
públicas em direitos humanos.
3)Um Sistema Nacional de Direitos Humanos é a solução?
A criação de um Sistema Nacional de Direitos Humanos (SNDH)
não é solução para todos os males que envolvem
violações aos direitos humanos. Mas pode vir a expressar
uma política concreta destinada a melhorar essa situação.
A idéia do SNDH não está muito clara para a maioria das
pessoas mas há defesas e propostas que apresentam novas
estruturas, novos órgãos e até instituições. Levantamos
alguns pontos que deveriam ser primeiramente considerados
quando se pensa na criação de um Sistema Nacional.
• A violação aos direitos humanos e a banalização
da violência não se resolvem simplesmente com a criação
de novas estruturas legais. Muitos avanços já foram conquistados.
Temos diversas leis e instituições ligadas à defesa dos
direitos humanos como Ministério Público da União,
dos Estados, Corregedorias e Ouvidorias de Polícia, Secretaria
Especial dos Direitos Humanos com status de ministério,
Secretarias Estaduais e Municipais de Direitos Humanos,
Comissões Legislativas de Direitos Humanos e mais um rol
enorme de entidades da sociedade civil com forte atuação
na defesa da cidadania e direitos humanos. Além dessas instituições,
há conselhos, com maior ou menor participação popular, de
gestão das políticas de direitos humanos. A questão, portanto,
não é criar uma estrutura legal nova mas fazer as já existentes
funcionarem satisfatoriamente. Ocorre que essas instituições
sofrem de má gestão, possuem cultura de dispersão,
não pautam suas atuações por um planejamento e não
se articulam com outras instâncias de governo e entidades
da sociedade civil. Essa questão não se resolve com a criação
de novos órgãos. É preciso encarar a problemática na sua
centralidade e fazer dessas atuais instituições órgãos
cumpridores de suas atribuições.
• O principal objetivo do SNDH é garantir uma
rápida e eficiente promoção, proteção e reparação do direito.
A criação de um sistema somente tem sentido se garantir
uma melhora efetiva na proteção dos direitos da pessoa humana.
Apesar de todas as instituições e legislação existente,
é grande o número de violações aos direitos civis e políticos,
sociais, culturais e econômicos que ficam sem reparação
por parte do Estado. Por isso, o Sistema deve ter como objetivo
central a organização e integração das instituições já existentes
para a defesa dos direitos humanos. Para isso, é necessário
que todas as instituições envolvidas tenham rotinas,
práticas, plano de ação, papéis e atribuições muito
bem definidas. É necessário também que haja um fluxo de
informações e parcerias entre elas.
• Integração no SNDH dos órgãos federais, estaduais,
do Distrito Federal e municipais assim como as entidades
da sociedade civil de defesa dos direitos humanos. O SNDH
é do Estado brasileiro e não pertencente aos governos ou
a entidades privadas. A estrutura do Sistema
deveria ser constituída a partir de "ouvidorias"
de direitos humanos nos entes federativos. Essas ouvidorias
ou órgãos destinados a receber denúncias de violações adotariam
as primeiras providências quando acontecesse uma determinada
violação. Em cada Estado da federação, haveria uma
ouvidoria que estaria ligada à Ouvidoria Federal e à Secretaria
Especial dos Direitos Humanos. Como órgãos de monitoramento
teríamos os conselhos estaduais e nacional assim como
as comissões legislativas de direitos humanos.
• O papel das Conferências As Conferências Nacionais
de Direitos Humanos sempre foram eventos da maior
importância. Em média, reúnem cerca de 1.500 pessoas entre
militantes de direitos humanos, servidores públicos,
representantes do Ministério Público, defensorias,
policias, universidades, embaixadas etc. A promoção
é do encargo da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos
Deputados (CDH) e de entidades nacionais da sociedade
civil. A CDH sempre custeou os gastos com a divulgação do
evento. Os participantes, em geral, se deslocam de seus
Estados até a capital com seus próprios recursos.
A primeira Conferência Nacional aconteceu em 1996, um ano
após a criação da Comissão de Direitos Humanos da Câmara
dos Deputados. Mesmo não sendo "deliberativas",
as Conferências sempre deliberaram e influíram na agenda
política do país. Na IV Conferência Nacional,
realizada em 1999, o tema central foi "Sem
direitos sociais, não há direitos humanos". A
partir desse ano, aconteceu uma campanha em todo o
Brasil para que os direitos sociais passassem a integrar
as políticas de direitos humanos e o PNDH foi revisado com
o objetivo de incluir esses direitos. A V Conferência
Nacional, realizada em 2000, teve como tema "Um
Brasil sem Violência". A questão da tortura foi
levantada como a violação principal a ser combatida e a
partir daquele momento muitas iniciativas e campanhas foram
iniciadas com o objetivo de erradicar essa prática no Brasil.
Portanto, as Conferências sempre foram muito mais do que
"espaços" da sociedade civil para a troca de experiência
o que em si já é questão muito importante. Elas são fóruns
para debater, criticar e sugerir políticas permanentes
em direitos humanos. A participação sempre foi livre e aberta
a qualquer cidadão e nunca foi necessário ser "deliberativa"
para obrigar as instituições públicas a adotarem políticas
de direitos humanos. Desta forma, é muito importante
que as Conferências continuem a ser esses espaços
e principalmente que permaneçam independentes dos governos.
Ainda, o mais importante é manter a qualidade das Conferências
e representação legítima das entidades que estejam cotidianamente
lutando pela cidadania. É preciso cuidado quando se
pretende criar requisitos e meios para a participação popular
porque, ao invés de fomentar a organização popular, pode-se
gerar motivos para a desmobilização popular. Se queremos
uma cidadania ativa, o processo de participação deve garantir
a todos os participantes o direito à expressão do
pensamento e das liberdades democráticas. Essa é a "matéria
prima" dos direitos humanos. Colecionamos diversas
experiências onde a participação popular se tornou instrumento
de burocratização e de domínio de grupos e de organizações
sociais que estão afastadas da luta concreta e somente sabem
circundar o poder. Com isso, o afastamento das organizações
e entidades que não lutam pelo poder, mas que estão comprometidas
com a cidadania e democracia, é inevitável e deve ser zelada.
Cabe aos governos e sociedade, portanto, a criação de esferas
institucionais que sejam capazes de oportunizar e estimular
a participação direta e independente dos cidadãos.
4) Itens para o SNDH:
•
Criação de uma Comissão Nacional de Direitos Humanos - Constituída
conforme as orientações do documento da ONU intitulado "Princípios
de Paris". Teria independência política e autonomia
financeira e administrativa. Não se confunde com o CDDPH
(Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana) que já
existe e funciona junto à Secretaria Especial dos Direitos
Humanos. A Comissão teria como questão central dar
encaminhamentos às denúncias de violações, elaborar
pareceres sobre as políticas públicas que envolvam
direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais
e sugerir aos governos recomendações e sanções de caráter
moral. A Comissão seria órgão de monitoramento do
Estado brasileiro, independente dos governos e composta
por especialistas em direitos humanos e não por instituições
públicas. Poderia ter relatores especiais por políticas
setoriais. Com independência política, a Comissão não precisaria
ter que fazer "concessões políticas" em decorrência
do federalismo e da relação do governo central com os Estados.
Infelizmente, apesar de muito importante, o CDDPH não tem
independência política e coleciona, nos seus 40 anos de
existência, diversos episódios onde a questão dos direitos
humanos infelizmente deu lugar a "negociações políticas"
entre o governo federal com os estaduais. O resultado é
que diversas violações de direitos não são bem encaminhadas
pelo CDDPH porque há comprometimento político do governo
federal com os estaduais.
•
Manutenção do CDDPH como espaço de articulação das instituições
públicas - Mesmo com a criação de uma Comissão Nacional,
o CDDPH deve continuar como espaço ligado à Secretaria Especial
dos Direitos Humanos e destinado a articular instituições
públicas, sobretudo a Procuradoria Geral da República, Polícia
Federal, Ministério Público, polícias e autoridades estaduais
etc.
•
Criação da Ouvidoria Federal e ouvidorias estaduais - As
ouvidorias deveriam ser criadas com o objetivo de receber
denúncias de qualquer instituição ou pessoa relacionada
à violação de direitos humanos. Têm o encargo de encaminhar
providências, de forma ágil, permanente e eficiente.
As ouvidorias devem estar interligadas e receber denúncias
através de um disque unificado de direitos humanos.
Esses órgãos devem ser bem estruturadas com advogados e
pessoas especializadas no atendimento às vítimas de violência
e apuração ágil dos direitos humanos.
•Redefinição do papel da Secretaria Especial dos Direitos
Humanos - A Secretaria deveria ser menos órgão executor
de programas sociais de direitos humanos e mais órgão
coordenador e fomentador de ações e políticas de direitos
humanos no âmbito federal. Será órgão coordenador
do SNDH e fomentaria políticas de direitos humanos a serem
implementadas pelos Estados e Municípios. Como coordenara
do SNDH, teria como principal objetivo zelar para que nenhuma
denúncia de violação fique impune.
•
Criação de Conselhos Estaduais e Municipais de Direitos
Humanos - Constituir conselhos segundo o documento da ONU
"Princípios de
Paris" é da maior importância para o fluxo de informações
e da agilização das providências em relação às violações.
Porém é de se notar que esses conselhos devem ser totalmente
independentes dos governos, mas legitimados pelo Estado.
• Definição dos papéis das instituições públicas -
O SNDH deve procurar explicitar as atribuições e competências
legais de todas as instituições públicas que atuam na investigação,
reparação ou promoção dos direitos humanos. Deve por exemplo
deixar bem claro o papel da Secretaria Especial dos Direitos
Humanos, das instituições ligadas ao sistema de justiça
como polícias, Ministério Público, assim como das ouvidorias
a serem criadas nos estados.
•
Elaboração de Indicadores Nacionais de Direitos Humanos
- Sem dados e informações, torna-se difícil elaborar
planos de ação em direitos humanos. O SNDH deve contar com
órgãos competentes para elaborarem bancos de dados e indicadores
em direitos humanos. Há órgãos técnicos do próprio governo
federal, como IPEA e IBGE, que já produzem dados de direitos
humanos e que tem condições de coordenar um possível banco
de dados nacional e unificado.
•
Criação de um Fundo Nacional para a Reparação de Violações
de Direitos Humanos - A escassez de recursos públicos tem
sido problema para a execução de políticas de direitos humanos
e para a reparação de violações. O orçamento público
anual da Secretaria Especial dos Direitos Humanos não consegue
subsidiar as reparações que precisam ser efetuadas. O governo
federal deve garantir verbas públicas para as reparações
e criar meios para a constituição de um Fundo Nacional ou
reforma legislativa de fundos já existentes que possam
subsidiar essas ações.
•
Estímulo à ampliação dos órgãos de monitoramento
- As Comissões Legislativas de Direitos Humanos e
entidades da sociedade civil têm a incumbência de fazer
o monitoramento das políticas de direitos humanos.
Essa ação deve ser potencializada através do SNDH. O monitoramento
deve ser uma política permanente e extremamente prestigiada
e valorizada pelos governantes.
• Conferências Nacionais e Estaduais - A Conferência
Nacional deve se realizar anualmente e precedida das Conferências
Estaduais e Municipais. É mister que não haja burocratização
para a participação popular. As conferências devem continuar
a ser organizadas pelos próprios movimentos e entidades
da sociedade civil. Quem trabalha com direitos humanos trabalha
com valores e direitos ligados à liberdade e
manifestação do pensamento e expressão, valores esses que
não se coadunam com o engessamento e burocratização para
a defesa desses direitos. A convocação das conferências
pelo governo pode significar a perda de um espaço democrático,
livre onde sempre prevaleceu a crítica, a reflexão e sugestões
de ações e políticas às instituições responsáveis pela defesa
dos direitos humanos.
•
Plano de Ação - A cada ano, deve ser organizado uma espécie
de "Plano de Ação" aprovado pela Conferência Nacional
destinado a expressar as políticas e ações mais emergenciais
que devem ser cumpridas pelos governos e instituições. O
monitoramento deverá ocorrer a partir desse Plano.
•
Definição de uma política de Educação em Direitos Humanos
- O SNDH deve ter preocupação com a instituição de uma "cultura
de direitos humanos" junto às instituições públicas,
devendo para isso, garantir cursos de capacitação dos agentes
políticos, gestores governamentais, lideranças de movimentos
etc. O Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos e
o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos devem ser
instrumentos para a estruturação de uma política permanente
de educação para e em direitos humanos.
• Transparência na execução dos recursos públicos
destinados aos direitos humanos - O SNDH deve contemplar
mecanismos destinados a fiscalizar os gastos públicos com
os direitos humanos e garantir a total transparência na
execução orçamentária federal e estaduais. De outro lado,
o governo federal e os estaduais devem dar ampla publicidade
dos recursos públicos tanto os orçamentários como aqueles
oriundos de convênios com organismos internacionais. Amplas
discussões públicas e "concursos públicos"
devem preceder antes da escolha de projetos de intervenção
em direitos humanos. Se não for assim, cada governo tende
a beneficiar seus próprios aliados, geralmente do
terceiro setor, com projetos de financiamento.Também
há entidades da sociedade civil que se especializaram em
apresentar projetos para os governos, monopolizando a maioria
dos recursos disponíveis para programas de direitos humanos,
deixando à deriva entidades que gostariam de participar
se houve minimamente oportunidade de concorrer. Isso é péssimo
sob todos os aspectos, principalmente porque causa monopolização
e ausência de otimização dos recursos, evasão e possível
corrupção desses recursos, além de ferir os princípios
da moralidade e eficiência na administração pública.
Veja
também:
-
O FÓRUM DE ENTIDADES NACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS
E A SECRETARIA CHEGAM A UM ACORDO SOBRE O ENCERRAMENTO DA
CONFERÊNCIA
-
VISÕES ALTERNATIVAS DO SNDH - VOZES DISSONANTES DA
CONFERÊNCIA