Violência contra a mulher:
é preciso quebrar o silêncio!
Por
Fernanda Marques de Queiroz*
A
violência contra a mulher, também denominada de “violência
doméstica” ou “conjugal”, é um fenômeno que atinge maciçamente
às mulheres de todas as partes do mundo, classes sociais,
idades, etnias e gerações, não se restringindo a um determinado
“jeito de ser mulher”. Em geral é praticada no âmbito privado
e o agressor mantém laços de afetividade com a vítima, o que
a torna mais vulnerável a estas práticas, pois estão em jogo
sentimentos de afeição, cumplicidade, etc.
O
fato da violência contra a mulher ocorrer freqüentemente no
âmbito doméstico e ser praticada por pessoas com as quais
as vítimas mantêm relações afetivas não lhe retira o caráter
político e, portanto, público, devendo então ser denunciada
e repudiada por todos(as) nós que
lutamos por uma cidadania plena que inclua a igualdade entre
os gêneros.
No
sentido de contribuir para o
desvendamento deste fenômeno, destacamos algumas características
e/ou informações que acreditamos ser pertinentes para o entendimento
da questão, bem como potencializadoras de um novo olhar, olhar
este de indignação e não de naturalização diante da violação
cotidiana que é praticada
contra os direitos humanos das mulheres.
De maneira geral, a violência doméstica:
1.
Ocorre numa relação afetiva cuja ruptura demanda, via de regra,
intervenção externa. Raramente uma mulher consegue desvincular-se
de um homem violento sem auxílio externo. Até que isto ocorra,
ela descreve uma trajetória oscilante e um comportamento ambíguo,
com movimentos de saída da relação e de retorno a ela. Porém,
vale salientar que mesmo
quando permanecem na relação por um longo período, as mulheres
reagem à violência, variando muito as estratégias. As mulheres,
portanto, não são cúmplices
da violência, pois para serem cúmplices teriam que exercer
o mesmo poder que os homens na sociedade, fato este que não
ocorre em uma sociedade machista e patriarcal como a nossa.
2.
Não ocorre aleatoriamente, mas deriva de uma organização social
de gênero que privilegia o sexo masculino.
3.
Quando ocorrem assassinatos de mulheres de forma bárbara,
há um pensamento por parte da sociedade que patologiza os
agressores (o agressor é freqüentemente chamado de “monstro”
ou “louco”). Esta forma de pensar contribui para o obscurecimento
e não favorece a compreensão do fenômeno. Segundo pesquisas
realizadas por especialistas na área, a exemplo de Heleieth
Safiotti, apenas 2% dos agressores de mulheres têm transtornos
mentais, havendo outro tanto com passagem pela psiquiatria.
O mecanismo de patologização do agressor e da violência
ignora as hierarquias e contradições sociais de uma sociedade
em que o gênero feminino é visivelmente
discriminado em várias esferas, seja na educação diferenciada
para meninas e meninos, no pagamento de salários diferenciados
para homens e mulheres, na parca participação feminina nas
instâncias deliberativas da sociedade, bem como sua participação
política no Parlamento
em níveis local, nacional, etc.
4.
É resultado de complexas relações afetivas e emocionais fundamentadas
no sistema patriarcal e machista, bem como de uma organização
social sexista não restritas ao âmbito da heterossexualidade,
podendo também ocorrer em relações afetivas envolvendo duas
mulheres ou dois homens, ou seja, é baseada em uma estrutura
de poder que se institucionaliza na família, sendo reforçada
na sociedade civil e legitimada pelo Estado. Vale ressaltar
que o domínio patriarcal se mantém e se perpetua por meio
da violência de gênero que tem por finalidade conservar a
autoridade do homem e o controle e opressão das mulheres.
5.
Tende a obedecer a um
ciclo contínuo e rotineiro que é constituído de três
fases: fase de formação de tensão, que se expressa
nas violências psicológicas, simbólicas ou emocionais; fase
de explosão da tensão ou de incidente de espancamento grave
(violência física) e fase de “lua de mel” (na qual o agressor
promete mudar de comportamento lhe fazendo juras de amor).
Assim, através dos anos de relacionamento, a violência doméstica inicia-se
com agressões verbais, passando para agressões físicas e/ou
sexuais, podendo chegar à ameaça de morte e até ao homicídio.
O nível de tensão na relação vai aumentando gradativamente
até que fica insuportável, e então, por um motivo banal, o
homem explode agredindo violentamente sua companheira. Esta,
como forma de retaliação, freqüentemente sai de casa, mas
acaba quase sempre voltando em função dos insistentes rogos
do marido que, arrependido, promete-lhe que nunca acontecerá
de novo. Por um certo tempo, movido pela culpa e pelo medo
de perdê-la, ele “veste pele de cordeiro”, e consegue fazer
o papel de bom marido, contudo, à medida que a tensão começa
a se acumular novamente, fica muito difícil desempenhar este
papel, até que há outra explosão e o ciclo se repete.
O
referido ciclo se expressa nos diversos tipos de violência
praticados contra a mulher, seja física, sexual ou psicológica/simbólica.
É importante destacar que nenhum destes tipos de violência
ocorre isoladamente e, qualquer que seja a forma assumida
pela agressão, a violência psicológica está sempre presente.
A
violência física está visível no corpo, como as marcas de
espancamento sejam estes hematomas, arranhões, feridas superficiais
ou profundas.
Já a violência psicológica/simbólica
é aparentemente “invisível” ao corpo, já que não deixa
marcas, mas é visível à alma, visto que as vítimas vão cotidianamente
perdendo sua auto-estima. Esta violência se apresenta nas
relações sociais cotidianas das mulheres, nos espaços públicos
ou privados por onde transita diariamente.
Este tipo de violência, também conhecida por violência
não-física, existe de forma tão sutil que as mulheres muitas
vezes não conseguem reconhecê-la. Ela tem como objetivo destruir
o respeito e a auto-estima, assumindo várias formas, que vão
desde o xingamento à humilhações
em público, acusação de ter amantes, cárcere privado, proibição
de fazer amizades, privação econômica, dentre outras.
Pode vir a ser um sinal que precede à violência física.
A violência sexual se expressa
no estupro, no assédio sexual ou mesmo quando os maridos ou
companheiros obrigam às mulheres a terem relações sexuais
quando estas não desejam ou quando estão doentes, colocando
em risco a saúde daquela mulher.
Acreditamos que somente através
da organização e da luta das mulheres por uma sociedade não
sexista, associada à luta por uma sociedade em que não haja
discriminação seja de classe, raça/etnia, geração etc, é que
se dará um basta às diversas violências que são praticadas
cotidianamente contra nós mulheres.
É preciso estar vigilantes e
alertas aos mais sutis sinais de discriminação dos quais
somos vítimas, nos espaços públicos e privados, que muitas
vezes são confundidos com “excesso de cuidado”, “proteção”,
“amor”, “ciúme saudável” etc; não sendo percebidos como violência,
mas que podem ser exacerbados chegando mesmo à morte não só
subjetiva, mas física.
Se você sofre algum tipo de
violência ou conhece alguém que vivencie qualquer situação
semelhante, denuncie, encoraje e incentive a denúncia. Não
podemos ficar calados(as) diante de tais covardias. Devemos, sim, “meter a colher
em briga de marido e mulher!”
Todos(as)
nós clamamos indignados(as) por justiça frente ao crime praticado
no Rio Grande do Norte contra a companheira professora Roberta
Cláudia Soares Bezerra. Esperamos que o acusado seja exemplarmente
punido no rigor da lei. Que nossa indignação seja canalizada
para a luta rumo à construção de uma sociedade em que as mulheres
não sejam mais oprimidas.
É preciso
estarmos atentos(as) e fortes!
Todas(os)
contra a violência!
*
Professora da Faculdade de Serviço Social da Universidade
Estadual do Rio Grande do Norte (UERN) e membro do Núcleo
Simone de Beauvoir de Estudos sobre a Mulher