Tecido
Social
Correio Eletrônico da Rede Estadual de Direitos Humanos
- RN
N.
027 – 12/03/04
A
Caravana de Direitos Humanos de Parnamirim envolve os jovens
A segunda Caravana de Direitos Humanos do Rio Grande
do Norte chegou a Parnamirim (região metropolitana da Grande
Natal) na quinta-feira, dia 11, e – embora não contou com uma
forte participação popular devido a uma escassa atividade de
divulgação previa – se concluiu com bastantes encaminhamentos
e apresentou duas significativas novidades.
Organizada
pelo Centro de Direitos Humanos e Memória Popular (CDHMP) de
Natal, a Caravana contou com a participação do Ministério Público
Estadual, através de um dos dois promotores de Direitos Humanos
da Procuradoria de Justiça e da promotora do Meio-Ambiente;
da Coordenadoria de Direitos Humanos e Defesa das Minorias (CODEM)
da Secretaria de Justiça do Governo do Estado; da Ouvidoria
da Defesa Social e do Fórum de Mulheres do RN.
A primeira novidade da Caravana de Parnamirim foi a participação de todos os alunos do colégio particular PH3,
cerca de 200, em um encontro temático que teve lugar na escola
às 9 da manhã, durante o qual foram abordados os problemas da
cidade deixando que os próprios alunos expressassem suas queixas,
exigências e propostas. A participação ativa dos estudantes
foi estimulada por uma apresentação interativa da companhia
de teatro de rua La Trupe, que envolveu os alunos em
brincadeiras e reflexões sobre os problemas do seu dia a dia,
tanto na escola como no meio onde vivem.
Em uma urna que a Caravana colocou na escola, os alunos
deixaram mais de 40 propostas que foram sistematizadas e encaminhadas
para os órgãos competentes na I Conferência Municipal de Direitos
Humanos do município, que teve lugar as
19 na Câmara de Vereadores.
Em depoimentos recolhidos por Tecido Social entre
os estudantes do colégio, se nota uma certa consciência por
parte da juventude escolarizada de que determinados problemas
que vivencia representam um desrespeito a direitos que tem,
assim como uma atitude reivindicatória.
“Tem coisas que a gente reivindica e o colégio não aceita”,
afirma Evelin, de 19 anos. “Nós precisamos de armários. A diretora
disse que não ia colocá-los porque tinha gastado muito este
ano, mas a gente precisa porque o peso que carregamos é muito:
são sete quilos, é um absurdo!”.
Zoraide, de 13 anos, mostra outra preocupação dos alunos:
“Aqui não tem guarda e os carros ficam passando na contramão,
não param para a gente atravessar a rua, nem os pequenininhos”.
São problemas miúdos, mas caracterizam o dia a dia dos estudantes
e parece que estes têm consciência de que ter segurança para
atravessar a rua sem medo de ser atropelado ou armários para
não prejudicar sua saúde com o peso do material escolar são
direitos que lhes correspondem e devem ser garantidos.
Outras alunas falam das necessidades que sentem no meio
onde vivem. “Na minha rua está faltando policiamento”, afirma
Talida, 13 anos, moradora do bairro Monte Castelo. Aline, 14
anos, moradora do Parque de Exposições, também se queixa das
condições do seu bairro: “Na minha rua falta calçamento e tem
muitos mosquitos, a gente não consegue dormir de noite e pode
até pegar doenças”.
Mas, apesar da constatação de que os alunos têm uma consciência
mínima de que têm direitos e que estes devem ser garantidos,
não podemos deixar de conferir, através de certos comportamentos
deles, a baixa qualidade do ensino que é oferecido a
juventude parnamirinense, como a do Brasil inteiro. Por exemplo,
muitos estudantes não sabiam o que é o Rio Pitimbu nem os graves
problemas que sofre, algo absolutamente inaceitável para quem
nasceu e vive em Parnamirim. Isso mostra que não só o ensino
público, mas o inteiro sistema educativo do município e do país
precisa de uma profunda reforma dos conteúdos e os métodos.
Durante a tarde, um grupo de
alunas do colégio PH3 se reuniram com a coordenadora do Fórum
de Mulheres do RN, Elizabeth Nasser, para discutir os temas
da violência contra a mulher e a desigualdade nas relações de
gênero, que atinge a mulher desde criança.
A segunda novidade do dia foi a
chegada não programada ao Centro Pastoral, base operativa da
Caravana, de um grupo de professoras e alunos do ensino médio
interessados em debater sobre os Direitos Humanos e as violações
da cidade. Esta demanda improvisada deu origem a uma discussão
animada e uma troca de idéias com integrantes da Caravana da
qual participaram o Coordenador de Direitos Humanos da Secretaria
de Justiça, Fábios dos Santos, o coordenador do Centro de Direitos
Humanos e Memória Popular (CDHMP), Roberto Monte, a promotora
do Meio-Ambiente do Ministério Público Estadual, Rossana Sudário,
e o editor de Tecido Social, Antonino Condorelli. A discussão
fora de programa trouxe propostas que, à noite, foram levadas
pelos integrantes da Caravana presentes à Conferência Municipal
de Direitos Humanos.
Durante a manhã, uma audiência pública discutiu a contaminação
das águas e as outras agressões das fábricas parnamirinenses
ao Rio Pitimbu. Na audiência, à qual participaram Fábio dos
Santos e a promotora do Meio-Ambiente, Rossana Sudário,
foram apresentadas diversas propostas que receberam aprovação
e encaminhamento na Conferência da noite.
Ao mesmo tempo, uma comissão composta pelo promotor de
Direitos Humanos do Ministério Público Estadual, Eduardo Cavalcanti,
e pelo Ouvidor da Defesa Social, Marcos Dionísio Medeiros Caldas,
visitou as Delegacias de Parnamirim constatando seu estado degradante
de superlotação (na do Centro, 79 presos ficam amontoados em
um local de poucos metros quadrados onde é difícil até se mover,
misturando pessoas sadias e pessoas com doenças que não recebem
nenhuma assistência, enquanto uma enorme fatia de espaço que
poderia ser utilizado para celas fica totalmente ociosa) e falta
de estruturas higiênico-sanitárias dignas.
Tecido Social lamenta profundamente que, apesar
da visita às Delegacias ter sido parte de uma Caravana de Direitos
Humanos onde se discutiram em diversos eventos questões muito
amplas de carácter socio-econômico (como os problemas da juventude),
ambiental, de relações de gênero, etc., a grande imprensa estadual
– Diário de Natal, Tribuna do Norte e Jornal
de Hoje – apenas esteve presente naquela visita e só noticiou
esta última. Isso confirma, tristemente, que a grande mídia
só dá visibilidade aos defensores dos Direitos Humanos quando
estes tratam de questões presidiárias ou policiais, provavelmente
como parte de um processo manipulatório finalizado a reforçar
na população o preconceito que identifica os ativistas dos Direitos
Humanos com “defensores de criminosos”.
Durante a noite, a partir das 19, teve lugar na Câmara
Municipal a I Conferência de Direitos Humanos de Parnamirim,
culminação da Caravana, onde foram sistematizadas, aprovadas
e encaminhadas aos órgãos estaduais de proteção aos Direitos
Humanos presentes as propostas surgidas
durante o dia nos encontros temáticos.
Entre elas, destacamos para o Meio-Ambiente a cobrança
ao Executivo local de uma Lei Municipal que institua o Conselho
Municipal de Saneamento Básico e a elaboração do Plano Municipal
de Saneamento Ambiental, a solicitação à Secretaria de Estado
dos Recursos Hídricos para idenfiticar e a estudar a situação
dos poços tubulares e amazonas ativos e desativados no município,
a criação de uma Comissão para cobrar ao Poder Judiciário local
a tramitação dos processos ambietais da Comarca, a criação de
audiências públicas nos bairros para informar à população dos
prejuizos derivados da contaminação do Rio Pitimbu, exigir da
Secretaria Municipal de Educação a obrigatoriedade (já previsa
na lei) de proporcionar educação ambiental para os alunos da
rede pública, exigir à Secretaria do Meio-Ambiebte medidas imediatas
contra a poluição sonora através da punição administrativa dos
infratores, realizar um levantamento da situação ambiental da
Bacia do Pirangi, acompanhar de maneira constante as ações
do Ministério Público sobre o Rio Pitimbu.
Também foram aprovadas as propostas, resumidas e organizadas
em macro-temas, dos alunos do colégio PH3. Entre elas, destacamos
a cobrança ao Executivo municipal para que forneça imediatamente
aos bairros de Santos Reis, Jardim Planalto, Valo do Sol, Rosa
dos Ventos, Bela Vista, Bela Vista II, Monte Castelo e Centro os seguintes serviços
públicos: policia comunitária; calçamento das ruas para evitar
o acúmulo de lixo, lama e outras sujeiras; saneamento básico;
coleta de lixo regular, colocando tambores e depósitos de coleta
nas ruas.
Entre as propostas gerais aprovadas, as de promover a
criação do Plano de Direitos Humanos da Região Metropolitana
de Natal e de estimular, através dos vereadores de Parnamirim,
a criação da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal.
Durante a Conferência, o Centro Pastoral se ofereceu
como elo articulador de todas as organizações e pessoas - de
qualquer ideologia, religião, gênero, opção sexual, etc. - que
queiram integrar o núcleo local de Direitos Humanos da Rede
Estadual, do qual todos estão convidadas
a participar.
Em um dia trágico, enquanto uns sangrentos atentados
deixavam mais de 190 mortos e cerca de 1.400 feridos em Madri
(Espanha) e no resto do mundo - do mesmo jeito que no Brasil
- milhões de pessoas, como todo dia, morriam de fome, violência
ou doenças geradas pela miséria, a Rede Estadual de Direitos
Humanos – RN injetava uma pequena dose de anticorpos de cidadania
em Parnamirim, ciente de que em um mundo tão estritamente interligado
a conquista plena dos direitos só se alcança globalizando-os
para cada município, cada comunidade e cada indivíduo.
Redação de Tecido Social
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