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Tecido Social
Correio Eletrônico da Rede Estadual de Direitos Humanos - RN

N. 026 – 10/03/04

OLHAR SOBRE A CIDADE

 Exclusão, violência, prostituição, destruição do meio ambiente: o trágico dia a dia de Parnamirim

Por Padre Murilo Paiva (Depoimento recolhido por Antonino Condorelli)

Na visita preparatória da Caravana de Direitos Humanos de Parnamirim, Tecido Social pediu ao articulador local da Rede Estadual de Direitos Humanos – RN, o padre Antônio Murilo de Paiva, uma visão panorâmica da situação do município quanto às violações dos Direitos Humanos. Assessor nacional da Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP) - que do 14 ao 18 de janeiro comemorou justamente em Parnamirim seu 25º aniversário, reunindo a mais de 3.000 pessoas no município potiguar para seu II Congresso Nacional - e pároco da cidade, Padre Murilo é desde sempre um defensor calejado dos Direitos Humanos. Seu olhar abrangente e sensível, com uma atenção especial às problemáticas da juventude, levantou questões que a Caravana de Direitos Humanos, grande momento de mobilização da cidadania, não podrerá deixar de enfrentar. Eis seu depoimento:

 

O drama da juventude sem oportunidades

A juventude de Parnamirim enfrenta muitas dificuldades. Notadamente, a da qualidade do ensino – principalmente o público - que é péssima. Depois, a dificuldade em encontrar o primeiro emprego e o fato de que o jovem muitas vezes tem que optar entre o trabalho e a escola e, quando junta os dois, a escola fica em segundo plano pois o trabalho é fundamental para assomar a renda que produz à do grupo familiar em que vive. Por último, a violência, que é resultado dos outros fenômenos e fruto da ausência de políticas públicas para a juventude.

Hoje, na Delegacia, a maior população carcerária é composta por jovens entre 18 e 26 anos. Na última missa que celebrei lá, no Natal, não tinha ninguém com mais de 30 anos. A violência na cidade, portanto, atinge quase exclusivamente os jovens, seja como réus (fruto da falta de oportunidades) ou como vítimas, e todos originários do meio popular: jovens oriundos de famílias muito pobres, às vezes pessoas que vêm de outros lugares, que estão profundamente envolvidos com drogas, em função das quais cometem furtos, roubos, assassinatos...

A população carcerária é muito elevada para o tamanho da Delegacia. Só existe uma no centro e, mesmo havendo outras na periferia, a maior parte da população carcerária é concetrada na central. Esta Delegacia acaba funcionando de fato como um presídio, onde os detidos ficam de maneira quase permanente, e devido a lotação e falta de estrutura suas condições são uma afronta aos Direitos Humanos do ponto de vista do trabalho, da educação, da alfabetização, da profissionalização: não existem as mínimas condições para poder desenvolver atividades deste tipo.

Ainda dentro da questão da juventude, no que se refere à violência, temos dados alarmantes. Em 2001, foram assassinados 29 jovens em Parnamirim. Nos primeiros seis meses de 2003, foram 14. Hoje a média de assassinatos no Brasil é de cerca de 45 pessoas a cada 100.000, um porcentual altíssimo, e fazendo os cálculos Parnamirim está exatamente dentro destes parâmetros. Portanto, a violência de e contra a juventude nesta cidade é muito forte. Outro elemento, dentro da questão da violência juvenil, é a prostituição de crianças e adolescentes. Parnamirim é uma cidade de passagem do ponto de vista da locomoção devido à BR, ao aeroporto e à estação de trem, e isso faz que a prostituição seja muito forte. Qualquer pessoa que passe por volta de 9-10 horas da noite nas margens da BR-101, na altura do posto Shianca, pode perceber que é muito grande o movimento de pessoas se prostituindo, sobretudo adolescentes. E junto com a prostituição, notadamente a infanto-juvenil, vêm os problemas das drogas e da violência. Por exemplo, a violência contra os homossexuais é muito grande, aconteceram até assassinatos, um muito recentemente, em novembro de 2003. Se trata de uma questão que tem que ser enfrentada no âmbito de uma Rede de Direitos Humanos como a que pretendemos contruir.

Outro aspecto, dentro das problemáticas juvenis, é a falta de espaços para o lazer. Há simplesmente as festas e as escolas, mais nada. A administração municipal fingiu se preocupar com a questão da falta de espaços; porém, os que construiu são espaços caros: bem feitos – é evidente –, mas que não respondem às exigências reais da juventude da cidade do ponto de vista do lazer. Por exemplo, no Plano Diretor não se preservam os espaços para campos de futebol. Além do mais, há uma disputa entre os jovens e algumas Igrejas. Estas querem espaços para contruir seus templos e suas infra-estruturas e os jovens necessitam de espaços para seu tempo livre, e – geralmente – quem leva a pior é a juventude. Mas tanto as Igrejas precisam dos espaços quanto a juventude, bastaria que existesse na agenda do município esta consideração. Está em elaboração o processo de discussão da Agenda 21 e eu sinto que este é um ponto muito reclamado pela juventude, porque faltam literalmente espaços para o lazer dela.

Outra questão – inserida no tema geral da juventude - é a dos meninos de rua, cuja presença é muito forte em Parnamirim. Em 2003 se iniciou o Conselho Tutelar, que vem funcionando apesar de muitas dificuldades. No município não há um lugar de abrigo para meninos de rua (só tem o do Estado, que é super lotado). Notadamente, não há uma casa de passagem para crianças de até 7 anos. Está em tramitação um Convênio da Prefeitura com a Paróquia para termos uma casa de passagem de 0 a 7 anos, porque há muitas crianças nesta faixa etárias que são deixadas ao relento. Uma casa desta é urgente e espero que ainda este ano consigamos implantá-la em Parnamirim. Formalmente, não há ainda papel assinado, mas este Convênio já está apalavrado.

 

Violência contra a mulher

 Outra questão, estritamente ligada à estrutura familiar e das relações de gênero, é a da violência contra a mulher. Entre 2000 e 2003, segundo consta no Banco de Dados sobre Violência Criminalizada do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular (CDHMP) – que tem como fonte só os jornais de maior difusão estadual – em Parnamirim foram assassinadas 7 mulheres. Os dados oficiais (que incluem os casos não noticiados pela imprensa) podem ser maiores ainda. Houve um trabalho - iniciado pela Igreja e que acabou envolvendo grande parte da sociedade civil e até da mídia – para que fosse implantada neste município uma Delegacia da Mulher, coisa que conseguimos em setembro do ano passado. Um senhor que era Ministro da Eucaristia um domingo me parou e disse: “Olha, padre, hoje foram presos 26 homens, todos eles porque bateram nas suas esposas”. Depois deste acontecimento, a gente ficou discutindo muito, se formou um grande movimento, foi feita um grande abaixo-assinado e conseguimos a Delegacia da Mulher, que está fazendo com que as mulheres vítimas de violência possam denunciar as violações que sofrem e serem atendidas por pessoal especializado. A violência contra a mulher é um dado marcante em Parnamirim e precisa ser levado muito a sério para podermos reverter esta situação. Na cidade não existe um Presídio feminino, que é outro elemento negativo. Esperamos que, com a contrução do novo Presídio à margem do Rio Pitimbu, haja um espaço para um Presídio feminino.

 

O meio ambiente violentado

Outra questão muito forte é a do meio-ambiente, notadamente a água. Parnamirim é uma cidade que possui um lençol freático a 4-5 metros do nível da terra que fornece água mineral. Porém, grande parte do lençol está comprometida por causa de metais pesados. Na comunidade Primavera, situada vizinho ao lixão, perto da Base Aérea, há um índice muito alto de pessoas com câncer no estômago e no intestino. Nas Santas Missões Populares detectamos isso e houve um debate muito forte entre as autoridades sanitárias e a comunidades. Uma das possíveis explicações que foram levantadas é que antes do sistema da CAERN havia muitos “cacimbões”, postos artesanais, e as pessoas da comunidade transformaram muitos deles em fossas, de maneira que as fezes entraram direto para o lençol freático. Este, porém, pode ser apenas um dos motivos. Precisa haver uma campanha massiva, pesquisas e dados completos, para determinar a origem deste fenômeno e enfrentá-lo.

Além disso, há o problema dos dejetos industriais que são acarreados para o Rio Pitimbu, no Norte do município, e para o Rio Pium, no Sul. O Rio Pitimbu faz uma espécie de “laço” na cidade, nasce no município de Macaíba e faz uma volta em Parnamirim, que dá origem ao nome da cidade, cujo significado é “Rio Pequeno” em tupi. Este rio está ofegante, pede socorro a toda hora. É profundamente maltratado, tanto por dejetos orgânicos como por dejetos químicos das fábricas.

Uma das principais causas disso é o fato de que na cidade intera não há saneamento básico, não tem uma casa saneada. Portanto, o primeiro responsável é o poder público. O outro é a exploração econômica, que não leva em conta as necessidades do meio-ambiente. Não basta só fiscalizar as empresas, mas tem que haver alternativas para onde mandar os dejetos e como tratá-los. Mais uma agravante é o fato que o 20% da água consumida na Zona Sul de Natal sai exatamente do Rio Pitimbu. Esta questão é muito séria. Com a Campanha da Fraternidade deste ano, a gente vai tratar esta questão da água, pois queremos levar para a discussão o tema do Rio Pitimbu, além de outros rios que já morreram literalmente, como um que que está soterrado e em cujo leito foram construídas casas, o que faz com que, quando chove, haja muitas inundações na cidade.

O outro lado é o do Rio Pium, que com o turismo desregulado e sem planejamento viu destruída toda a mata para que fossem feitas edificações para casas de veraneio ou emprendimentos turísticos. Isso não foi acompanhado por nenhum plano de preservação do rio.

Outro assunto ligado à questão meio-ambiental atinge as comunidades de Cotovelo, Pium e Pirangi, aonde os dejetos são jogados na praia. Está se contruíndo muito, e qualquer pessoa pode sair e fotografar os bueiros jogando os dejetos na praia. A gente tem uma riqueza tão grande e a está destruíndo.

Veja também:
- Parnamirim vai receber a segunda Caravana de Direitos Humanos
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