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Tecido Social
Correio Eletrônico da Rede Estadual de Direitos Humanos - RN

N. 024 – 09/03/04

Macau: estréia positiva das Caravanas de Direitos Humanos

A Caravana de Direitos Humanos que movimentou Macau (Região Salineira do Rio Grande do Norte) na sexta-feira e no sábado, dias 6 e 7, contou com uma discreta participação popular e se concluiu com muitas propostas e encaminhamentos, a maioria dos quais vão ser concretizados a curto ou curtíssimo prazo. Esta mobilização geral da cidadania inaugurou uma nova fase da luta pelos Direitos Humanos no Estado e no país, visada a levar os intrumentos de proteção destes direitos às populações do interior dando respostas concretas a suas demandas e criando um elo permanente com elas para que seu acesso à Justiça seja efetivo.

A Caravana de Direitos Humanos, organizada pelo Centro de Direitos Humanos e Memória Popular (CDHMP) de Natal, foi articulada na cidade pela Comissão de Justiça e Paz da Diocese de Macau e contou com a participação do Ministério Público Estadual, através da promotora de Direitos Humanos Moema de Andrade, da Coordenadoria de Direitos Humanos e Defesa das Minorias (CODEM) da Secretaria de Interior, Justiça e Cidadania (SEJUC) do Governo do Estado, da Corregedoria Geral da Defesa Social, do Conselho Estadual de Direitos Humanos e do Fórum de Mulheres do RN.

Estas instituções e organizações estaduais de proteção aos Direitos Humanos participaram, durante a manhã, de visitas institucionais e, à tarde, se reuniram com representantes da sociedade em encontros temáticos onde foram discutidas as principais violações dos direitos da população de Macau. As reuniões, totalmente abertas, aconteceram ao mesmo tempo em diferentes locais da cidade.

A promotora Moema, o vice-presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos, Valdenor Felix, e o Gorregedor Geral da Defesa Social, Tertuliano Cabral, se reuniram na sede da Associação de Pescadores e Pescadoras de Macau, no Porto, para ouvir as denúncias dos pescadores contra as arbitrariedades cometidas contra eles por vigias da SALINOR (que impede que pesquem em áreas públicas das quais a empresa se diz dona) e policiais em virtude do convênio que faz com que as polícias militar e civil possam pescar em uma barraca cedida pela empresa e vender o peixe obtido. Durante a reunião, a Corregedoria se comprometeu a instalar uma Comissão especial na cidade, em um prazo máximo de 15 dias, para investigar as denúncias contra policiais envolvidos em torturas e maus tratos contra os pescadores e afastá-los dos seus cargos. A promotora de Direitos Humanos se comprometeu a encomendar de imediato para a Secretaria Estadual de Reforma Agrária (SEARA) um estudo sobre a legitimidade dos domínios da SALINOR e um pedido de desapropriação das terras da empresa não utilizadas para a exploração salineira, para dar a elas um destino social e ambiental.

Mais tarde, a promotora foi para o conjunto habitacional da Vila Industrial da Alcanorte se reunir com os moradores sobre as ameaças de despejo sofridas por estes últimos e os descaso em que se encontra o conjunto, com casas vazias invadidas pelo mato enquanto pessoas sem teto dormem nas ruas da cidade. Entre outros encaminhamentos, a representante do MP Estadual vai encomendar um levantamento dos direitos fiscais da ALCANORTE para possibilitar a desapropriação da área e promover, através do MP Federal, uma ação pública para a devolução dos recursos recebidos pela empresa do Governo Federal por ocasião da sua privatização.

Ao mesmo tempo, o Coordenador de Direitos Humanos da Secretaria de Justiça do Governo do Estado, Fábio dos Santos, e a coordenadora do Fórum de Mulheres do RN, Elizabeth Nasser, visitaram a área próxima ao lixão da cidade onde os marisqueiros realizam, em condições indignas de um ser humano, seu trabalho que envolve mão-de-obra infantil. A constatação da situação sub-humana na qual vivem e trabalham os marisqueiros macauenses fez com que, entre as outras propostas aprovadas e encaminhadas na Conferência Municipal de Direitos Humanos do sábado, houvesse uma provocação ao MP Estadual para que entre com uma ação pública visada a obter uma sentença judicial que obrigue a Prefeitura de Macau a  construir um galpão para o trabalho deles e retirar o lixão do local.

Os outros participantes da Caravana, entre os quais o editor de Tecido Social, Antonino Condorelli, o fotógrafo Teotônio Roque e a militante do CDHMP nativa de Macau Edileuza Dantas rodaram a cidade participando em programas de rádio, entregando às emissoras locais um CD de audio com spots e informações sobre Direitos Humanos e acompanhando os encontros temáticos. Enquanto as atividades da Caravana aconteciam, o grupo de teatro de rua La Trupe sensibilizava a população com um espetáculo itinerante no centro da cidade.

Da mesma maneira que os encontros temáticos, também as visitas institucionais se depararam com situações muito graves. O promotor de Justiça da cidade, visitado pela promotora de Direitos Humanos Moema de Andrade e o vice-presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos, o coronel da PM Valdenor Felix, declarou – tremendo enquanto falava e em visível estado de choque – que está ameaçado de morte por um tenente e um sargento da Polícia Militar da cidade, contra os quais estão sendo tramitados processos por torturas e maus tratos. O MP Estadual se comprometeu a solicitar urgentemente proteção para o promotor.

O Prefeito de Macau, José Antônio de Menezes do PMDB, não se encontrava na cidade durante a Caravana e, apesar de ter sido várias vezes contatado pela coordenação desta última para marcar um encontro na sexta-feira ou no sábado, não compareceu em nenhum momento, alegando “problemas familiares” em Natal. Esta ausência confirma a denúncia feita por Tecido Social: o Prefeito, violando as normas contitucionais, a legislação brasileira e o direito da população macauense de ter o Poder Executivo presente no município, não reside de maneira estável na cidade onde foi eleito para exercer um cargo público.

Em compensação, o contato com o Legislativo municipal deu bons frutos: o presidente da Câmara Municipal, o vereador Haroldo Martins, recebeu a Caravana com uma resolução para a criação da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, que vai ser submetida à aprovação esta semana. Se instaurada, a Comissão será a segunda da Região Salineira (já existe em Areia Branca) e a quinta do Estado.

Todavia, apesar deste importante passo dado pelo vereador Martins, os interesses político-eleitoreiros deste último, pre-candidato a Prefeito nas eleções deste ano, tornaram sua participação na Caravana de Direitos Humanos e sua presença na maioria dos encontros temáticos visivelmente hipócrita e oportunista. Em primeiro lugar, apesar de ter sido avisado com enorme antecedência, não articulou a participação dos outros vereadores alegando “falta de tempo hábil”, o que deixa supor que quis utilizar os espaços da Caravana para aparecer e se promover. Em segundo lugar, durante um programa de rádio apresentado pelo filho do dono da empresa de transporte Cabral e ex-vereador da bancada do Prefeito, Chico Paraíba (conhecido na cidade por comprar votos em troca de passagens de ônibus e se enriquecer usando o dinheiro público, já que é dono de um bloco do Carnaval cuja estrutura é inteiramente paga pela Prefeitura, mas o dinheiro da venda dos abadás fica com ele), enquanto este acusava Tecido Social de escrever mentiras com relação aos mais de 20 processos por malversação que existem contra José Antônio de Menezes (dado que qualquer um pode conferir no Fórum de Justiça da cidade, demostrando que quem mentiu, por mesquinhos interesses econômicos e eleitoreiros, foi o senhor Paraíba), o vereador Martins apoiou o acusador e defendeu descaradamente o Prefeito, pois este poderá apoiá-lo na próxima campanha. Com atitudes deste tipo, Haroldo Martins mostrou que, na verdade, o que realmente lhe preocupa não são os direitos da população macauense, violados por um Prefeito que não mora na cidade e usa o dinheiro público para se enriquecer privadamente, mas os potenciais votos que a Caravana e a criação da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa podem lhe porporcionar. Mesmo assim, o processo começado na cidade de Macau com este passo que se deu na Câmara Municipal vai muito além de qualquer interesse individual. Portanto, apesar do oportunismo do vereador Martins, os resultados colhidos no Legislativo municipal foram positivos.

A Caravana de Macau culminou, no sábado, na primeira Conferência de Direitos Humanos da Região Salineira Potiguar, que teve lugar das 14 às 16:30 no teatro Porto de Ama e, além de representantes da sociedade civil organizada e da população macauense, contou com a participação de pessoas de Areia Branca.

A Conferência, cujo estatuto foi aprovado por todos os que estavam presentes no teatro por levantamento de mãos, foi de acesso livre, sem necessidade de credenciamento, e teve como objetivos recolher as propostas surgidas nos encontros temáticos da sexta-feira e as que foram feitas no evento, aprová-las ou reprová-las em votação aberta e encaminhar as moções para os órgãos de proteção aos Direitos Humanos presentes na Caravana. Foi o primeiro encontro público da região que tentou fornecer respostas concretas às violações sofridas pela população local.

Muitas foram as moções aprovadas, além das elaboradas nos encontros temáticos. Entre outras, que haja uma invesigação por parte da Coordenadoria de Direitos Humanos da Secretaria de Justiça e do Conselho Estadual de Direitos Humanos das agressões ambientais praticadas pela Petrobras nas áreas de Mangue Seco, Minhoto e Soledade; que se pressione para a criação de um órgão do Poder Executivo que trabalhe políticas públicas de Direitos Humanos; que o MP Estadual entre com uma ação para impedir que os rios Piranhas e Açu sejam barrados novamente e que os viveiros de camarão sejam instalados nos mangues da região.

A Conferência, animada por brincadeiras, improvisações e um breve espetáculo da companhia de teatro de rua La Trupe, se concluiu com o compromisso de se criar um núcleo permanente de Direitos Humanos na cidade, que será a representação local da Rede Estadual de Direitos Humanos – RN.

A de Macau foi a primeira de oito Caravanas que, entre março e maio, atingirão cidades-pólo e municípios menores do interior do Rio Grande do Norte. Foi um laboratório que serviu como experiência para poder melhorar nas próximas, mobilizando e envolvendo cada vez mais pessoas nos municípios e nas comunidades. Seus objetivos foram alcançados. Entre eles, o principal: fazer com que a população de Macau, os que sofrem violações dos seus direitos e os que lutam para acabar com elas, não se sentissem mais sós.

Redação de Tecido Social

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