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Texto sem data de Mércia


A Flor e a Náusea
Carlos Drummond de Andrade
4:08'

Histórico de Lutas

(SEM TÍTULO/SEM FONTE/SEM DATA) 

Testemunha de um aguerra mundial, da ditadura do Estado Novo, da redemocratização de 46, com a Assembléia Nacional Constituinte, da morte de Getúlio, renúncia de Jânio e posse de Goulart, além da crimse militar de 58, Mércia Albuquerque enfrentou o movimento de 64 com um diploma recém-obtido na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco e a firme decisão de dedicar sua vida profissional às atividades com o menor delinquente. “A decisão de começar a atuar na defesa dos presos políticos, foi fruto mais do sentimento afetivo de quem viu amigos e colegas de tirma serem presos e processados, do que de uma efetiva experiência profissional. Naquele momento eu não tive consciência dos riscos e incompreensões de que seria vítima, inclusive sendo acusada tanto pela esquerda quanto pela direita radical, comunistas para uns, conchavadora para outros”. 

NA MADRUGADA, A PRISÃO: “VOCÊ LEU O VELHO E O MAR ?”

As batidas na porta denunciavam impaciência, talvez angústia, e Mércia apressou-se em atender, apesar de já passar da meia-noite e de se encontrar fatigada por um longo dia de trabalho. Ainda de robe, tateou no escuro da pequena sala do apartamento, temendo que as pancadas, cada vez mais fortes, acordassem o pequeno Aradin, seu filho de dois anos. Aberta a porta, os homens invadiram o pequeno cômodo e lhe deram, além da voz de prisão, apenas alguns minutos para que trocasse de roupa. Pela janela do banheiro, então, e num arremedo de filme de suspense, Mércia fez descer uma garrafa amarrada pelo gargalo, na qual incluiu um bilhete para os vizinhos, pedindo que cuidassem de Aradin e avisasse à seccional da Ordem dos Advogados do Brasil.

Na Delegacia de Ordem Política e Social – DOPS – o titular Moacir Sales foi cortês, mas severo no interrogatório: “Já leu O Velho e o Mar, de Ernest Hemingway?”, recorda Mércia de ouvi-lo perguntar. Mesmo sem compreender o objetivo da questão, a resposta foi dada e, às 9 horas da manhã seguinte, a única mulher a defender, como advogada, a causa dos presos políticos em Pernambuco, estava liberada e a caminho da Auditoria Militar para mais uma audiência profissional. “A minha projeção como advogada, fruto de uma conjuntura política que ainda hoje vivemos – lamenta Mércia – exigiu de mim um alto custo social e emocional, pois nunca fiz concessões no exercício da minha atividade e muitas vezes tive que pagar por essa minha altivez e independência”.

MOURA CAVALCANTI: “A SENHORA ESTÁ DETIDA”

“Enfrentando sempre com naturalidade os constrangimentos”, Mércia Albuquerque teve até dificuldades para sobreviver, sendo seguidamente demitida de empregos públicos para os quais havia se habilitado através de concursos igualmente públicos. Já no Governo Moura Cavalcanti e depois de dois anos ligada à assessoria jurídica do Departamento dos Terminais Rodoviários do Estado de Pernambuco – Deterpe – Mércia voltou a perceber os sinais que geralmente antecedem à sua dispensa: murmúrios no ambiente de trabalho, boatos divergentes sobre suas atividades como “comunista” defensora de presos políticos ou “colaboradora” policial e um crescente mal-estar, finalmente sanado com o indefectível “a senhora está demitida”.

Órfã de pai aos 13 anos – tem 42 atualmente – e ex-interna das Irmãs Sacramentinas de Maceió, Alagoas, Mércia Albuquerque habituou-se, desde aqueles tempos, a escandalizar as pessoas com a sua profissão, primeiro as freiras, depois aos seus próprios companheiros de advocacia. “Eu sou Mércia sendo advogada, senão não seria nada”, costuma dizer, orgulhosa por ter conhecido o que chama de “verdadeiros mestres do Direito”, como Sobral Pinto, Heleno Cláudio Fragoso, Mário Simas e José Moura Rocha. Especializada em Direito Criminal, Mércia faz também advocacia cível e atualmente apenas dois dos seus clientes acusados de subversão continuam detidos na Barreto Campelo, ambos, porém, já próximos da liberação.

DOZE ANOS DE ATIVIDADE, MAIS DE QUINHENTOS CLIENTES

Desde Gregório Bezerra, o primeiro cliente, mais de quinhentos presos políticos de todo o Brasil recorreram aos serviços de Mércia Albuquerque, alguns deles, como Jarbas de Holanda Pereira (vereador e líder estudantil), Ivo Correia Valença (estudante de Engenharia), David Capistrano (líder do Partido Comunista), José Raimundo da Silva (líder bancário), Samuel Firmino de Oliveira, José Moura e Fonte, Júlio Santana (líder camponês falecido recentemente) e Cândido Pinto Melo (estudante de Medicina, paralisado por uma bala num atentado anterior ao assassínio do padre Antonio Henrique) destacando-se ou pelo volume das penas sofridas ou pela gravidade das acusações que lhes eram imputadas.

Sem se deixar abater “pela incompreensão” dos que lhe devem “não apenas a liberdade como a própria vida”, Mércia Albuquerque conheceu de perto o tratamento dispensado aos presos políticos durante os quatro governos que se seguiram ao Movimento de 64: “A diferença entre Castelo Branco, Costa e Silva e Médici – diz ela – é muito pouca, embora com este último tenham aumentado as pressões de todos os tipos”. Ao presidente Geisel ela tem uma restrição a fazer: “Não se pode falar em liberdade aos pedaços. A anistia é uma necessidade para o País e deve ser ampla e irrestrita. Liberdade aos pedaços sempre leva à injustiça”.a maior crítica aos processos políticos: “A Lei de Segurança Nacional precisa ser reformulada, não se pode conceber a idéia de um mesmo procurador militar pedir a absolvição do réu ao fim do processo e ser obrigado, pela LSN, a apelar da sua própria sentença absolutória. Num processo desse tipo não existe liberdade para a defesa do acusado e mesmo as testemunhas são de difícil identificação, todos temerosos de um possível envolvimento”. A dificuldade de defesa – destaca Mércia – torna injustos todos os processos e todos os julgamentos.

Entre as maiores injustiças presenciadas nestes 12 anos, Mércia destaca o caso de um engenheiro pernambucano, preso e processado no lugar do irmão. As violências mais chocantes aconteceram com o estudante de Agronomia Odijas de Carvalho, preso na Secretaria de Segurança Pública e morto um mês depois; com a também estudante Ana Maria Santos, presa, despida e espancada em Garanhuns durante o 4º mês de gestação e com o condenado José Adeildo Ramos Patriota, sequestrado na Penitenciária Barreto Campelo e que continua desaparecido.

A POLÍCIA PARALELA EM MISSÃO ESPECIAL

“A pior polícia é a paralela, o DOI-CODI em missão não oficial”, diz Mércia, esclarecendo que, para o preso político, a pior fase é a do inquérito: “Apesar de enfrentarem a má vontade dos guardas, a segregação e as humilhantes revistas aos seus familiares, na fase penitenciária já não ocorrem os casos de tortura comuns aos inquéritos”. Destacando que age na faixa legal, Mércia Albuquerque diz que para ela “as coisas são ou não são”, mas acrescenta que se dá “ao luxo de sonhar – com o sentimento mais intelectual do homem, que é a imaginação – com um Brasil no qual sejam respeitados os direitos humanos, as liberdades individuais e implantado o Estado de Direito”. “A distensão – sonha ela – ainda virá”.

“Lego ao meu filho uma profissão exercida com dignidade e consciência – tranquiliza-se Mércia – e um desempenho pessoal voltado para a defesa dos direitos humanos no meu País. Não lamento tudo por que passei e faria tudo de novamente, consciente de ter, pelo menos, levado a esperança a inúmeros lares destroçados pela lei”.

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