13.02.1974
Anotações
Inéditas de Mércia Albuquerque
Dizem
que a Lei Áurea foi louvada nos idos de 1888, que houve um ventre
livre, um sexagenário liberto e depois uma branca que, atendendo a
Mariano e Nabuco, dois filhos de Pernambuco, deu liberdade à cor.
Eu
me pergunto: e Júlio Santana? Por acaso não está fora do espaço
e do tempo? Dr. Ednaldo não seria o senhor de engenho, o dono
da Casa Grande, o tirano da Senzala? Ou o capataz frustrado, o
pseudo homem que, para agradar a sinhazinha, bastaria ser mulato,
bacharel e bastardo. Segundo Gilberto Freire, “nossos ilustres
irmãos do norte num rasgo de civilização e progresso, aboliram
a pena de morte, e se o problema do negro gerou a Klu-Klux-Klan,
também endeusou Luther King, Armstrong, Sidney Pottier e Sammy
Davis Jr., o que ludibria os menos incautos a respeito das sujeiras
do Tio Sam. E nós? E Júlio Santana? Nem mesmo o seu câncer comove
ou demove o embrutecimento de um homem cujo caráter forneceria
aos psicólogos material suficiente para a criação de um novo tipo
mórbido.
De
quem ter piedade, de um pobre trapo humano cheio de células desarmônicas,
mas vítima também e principalmente de um idealismo? Ou sentir de uma
anatomia organizada que respira, come, excreta, bebe e dorme. Nem sei se
pensa... Sei que não sonha e não tem alma.
É
mórbido o meu consolo, hoje quem tem estátua é Tiradentes, quem é
chorado é Jesus.
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