Coleção
Memória das Lutas Populares no RN
Coleção Memória Histórica
Juliano Homem de Siqueira - Volume VIII
Carta
aberta a Juliano Siqueira
François Silvestre
Meu caro Juliano.
Tenho acompanhado sua militância política, lido seus
textos e ouvido elogios à sua atuação na cátedra
de nossa universidade.
Li sua cobrança ao reconhecimento da importância de
Engels na formulação teórica do marxismo. Mais
recentemente, vi-o no programa de televisão de Eugênio,
Miranda e Gutemberg.
Veio à lembrança o mestre Esmeraldo. Você tá
a cara dele. Tá ele cagado e cuspido, como se diz na minha
terra, na versão nordestina da expressão ibérica
“encarnado e esculpido”.
Nossa divergência são tão antigas quanto a nossa
amizade. Desde os tempos da Casa do Estudante, do irmão comum
Emmanuel Bezerra, do Atheneu, de vetusta Faculdade de Direito, na
Ribeira palafita do poeta Diógenes. Depois na sua militância
de direção no PCBR e na minha participação
no PCR. Nos sertões do oeste potiguar, assustando Radir Pereira
com a violência dos nossos discursos contra a ditadura. Eu,
você e Júnior Targino. Você perguntando: “o
que danado é vergonta de mofumbo?”.
Há quem pense que larguei a política por renegar meu
passado. Não. Tenho dele orgulho nostálgico. O que
me fez abandonar a política foi a perda de fascínio
pelo poder. A atividade política só faz sentido tendo
o poder como objetivo, e ele sendo instrumento de transformação
social. Tenho duas referências humanas dos sobreviventes da
resistência democrática, da nossa geração:
você na militância política e Leonardo Cavalcanti
na poesia. Vocês dignificam a geração e o que
de melhor ela produziu.
Seu texto mete o dedo na ferida do capitalismo. E o capitalismo
continua o mesmo. Com todas as suas faces, manhas e disfarces.Acredito
que ele será vítima de um parricídio histórico,
destruído por sua filha legítima, a miséria.
Natal curvou-se agora em reverência bajulatória ao
Sr. Roberto Campos. Ora, Juliano, não é necessário
pedir informações a nenhum comunista sobre esse senhor.
Basta ler o depoimento isento e insuspeito de Carlos Lacerda, o
mais genial reacionário da história política
brasileiro. Roberto campos exerceu cargo importante na formulação
da política econômica do governo Castelo Branco, o
mais estatizante governo da história republicana. E agora
escreve um libelo contra o nacionalismo e contra o Estado. O mesmo
Estado que ele, servo do poder, ajudou a montar e transformar nesse
monstro caótico e ineficiente que aí está.
Ele não é privatista, nem liberal, nem nada. Ele é
mesmo oportunista. Descaradamente negociador, no que a palavra tenha
de mais escuso.
Segundo Lacerda, o Sr. Campos costumava citar e escrever como suas
observações econômicas de professores americanos
não traduzidos para o português.Ele nunca desmentiu
isso. Esteve sempre no poder. Com Juscelino, Jânio, Jango
e nos governos militares. O livro Lanterna na popa é mal
escrito. Literalmente só se salva o poema de Colleridge.
Mas é um documento importante, pelo volume de informações
e pela gama de episódios narrados.Serve inclusive para concluirmos
sobre a inteligência exuberante, genialidade até, do
autor, e também sobre o seu caráter gelatinoso.
Mas deixa isso prá lá. O que quero mesmo é
registrar a satisfação de vê-lo coerente e lutador.
Qualidades que não tenho. Sua crença, que também
não tenho.
Você é o condutor do nosso trem possível rumo
à Estação Finlândia.
Com abraço fraterno...
François Silvestre
(Texto incluso no livro Nas barricadas do fim do século,
de Juliano Siqueira,Editora Anita Garibaldi, 1996)
|