Coleção Memória das Lutas Populares no RN
Coleção Memória Histórica

Juliano Homem de Siqueira - Volume VIII

MEMÓRIAS DAS LUTAS POLÍTICAS CLANDESTINAS (II)
Texto de Luiz G. Cortez

Além de Faustino e José Bezerra Marinho que, em 86, se candidatou com apoio da construtora Oderbrecht, você se lembra de outros nomes de pessoas que renegaram suas ideias do passado?

Juliano – na verdade, é o seguinte: Uma série de pessoas importantes no movimento estudantil, no Golpe de 1964 e no Golpe de 1968, deixaram a cena política com dignidade. Tiveram que sair do Rio do Grande do Norte e alguns se exilaram em outros países, como foi o caso de Maria Laly Carneiro, estudante de Medicina, outros se mandaram para o Rio de Janeiro, Brasília, São Paulo etc., como Ginani, Geniberto Campos. Essas pessoas safam com dignidade. Quer dizer, hoje continuam sendo cidadãos democráticos, patriotas. Não reconheço a sua militância partidária, mas nunca tive uma informação de que tenho abdicado de suas ideias e seus princípios. Danilo Bessa e Moacir de Góis foram para o Rio de Janeiro e voltaram ao RN. São exemplos de pessoas dignas. A alguns professores da universidade com formação muita acadêmica, tinham posições avançadas e continuaram, como é no caso de José Arruda Fialho, Ivis Bezerra. Essas pessoas, mesmo afastadas do movimento revolucionário depois de 64, se mantivera com dignidade nas suas profissões, etc.

Quanto ao suplente de deputado José Bezerra Marinho, eu conheci bastante quando ele saiu do Colégio Marista e ingressou no Atheneu. No movimento secundarista, ele não teve nenhuma grande participação. Ele foi eleito presidente do Grêmio Lítero-Cultural Celestino Pimentel, em eleição direta, quando derrotou o atual jornalista Marco Aurélio de Sá. Quem decidiu a parada foi o turno da tarde. Marinho foi eleito defendendo uma proposta que não tinha nada de política: era uma proposta cômica de centro, nem de direito, nem esquerda. O movimento secundarista passou em branco, quer dizer contra a história do movimento estudantil do Rio Grande do Norte. Ingressou no primeiro ano da Faculdade de Direito numa turma de mais de 70 alunos, com 70 pessoas que votavam convictamente nas assembleias com as posições de esquerda, e ele votava nessas posições também. Chegou a ser eleito vice-delegado da faculdade ao trigésimo Congresso Nacional da UNE, em Ibiúna - São Paulo. O delegado titular era eu. Por tarefa do PCB, eu não pude ir ao congresso e ele foi no meu lugar. Foi preso e na prisão fez uma confissão de arrependimento, uma confissão de fé anti-comunista e recebeu um tratamento diferenciados em relação aos demais presos, como Jaime Ariston, Ivaldo Caetano, José Rocha Filho, o nosso saudoso “Kerginaldo”, Emanuel Bezerra dos Santos, Gileno Guanabara, etc. (Kerginaldo morreu vitimado por câncer. Foi uma grande liderança do movimento estudantil e ex-presidente da Casa do Estudante do RN). Mas José Bezerra Marinho retomou a posição de cômico de centro na prisão. O pessoal ficou nas celas ele no cassino dos oficiais. Quando saiu de lá, ele desapareceu da política. Eu passei seis anos fora do Rio Grande do Norte, três a quatro anos na clandestinidade. Voltei a estudar, em 1974, e voltei a atuar na política timidamente, porque era cassado, no MDB e me organizei no Movimento Pró-anistia. E nesse momento nunca vi a presença de Marinho, porque ele não participou de nada. Para mim foi uma surpresa, em 1986, quando cheguei no RN, para passar as férias, e ter descoberto que ele tenha levantado a sua campanha para Assembleia Nacional Constituinte. O passado de luta de luta no Movimento Estudantil. O que aconteceu foi só o acidente de Ibiúna, onde participou no primeiro lugar, depois de um ano de passeatas, e assembleias estudantis, na Faculdade de Direito. Mas em todo processo de resistência democrática e toda a sua militância no movimento secundarista foi de política de direita. Foi um dos próceres da Juventude Estudantil Católica – JEC. Era um homem de direita, anti-comunista, com a visão de democracia com as que tinham os que deram o Golpe Militar de 64, a que ele apoiou entusiasticamente. Ele nunca teve uma tradição no movimento estudantil progressista.


Essa confissão de arrependimento está em algum documento oficial?

Juliano – Eu tive a oportunidade de ler essa confissão de arrependimento porque fui preso por volta de 1970 (Cópia da confissão? Claro que não tenho, não tive acesso a esse direito) E tive que assinar um documento que me condenava a um ano de prisão por atividades no movimento estudantil no Rio Grande do Norte. Era um documento volumoso, com mais de mil páginas. (A coisa que eu mais desejava era papel pra ler; lia até anúncios classificados). Então, resolvi, dar uma lida no processo todo com leu Gileno Guanabara, Emanuel Bezerra, Jaime Ariston, José Rocha Filho, Nuremberg Rocha Brito, Ivaldo Caetano. Nesse processo também estavam presentes pessoas dignas, que foram absolvidas, como foi o caso de João Gualberto de Aguiar, que era vice-presidente do Diretório Acadêmico de Sociologia, da Faculdade e da Fundação José Augusto, que não tenho nada contra ele, absolutamente. Estava Sezildo Câmara, que foi condenado. E lá, eu li os depoimentos dos presos e das testemunhas. Foi um preso que prestou depoimento como ocorreu no meu caso particular, valeu como testemunha de acusação. Com relação a ele mesmo, disse que se arrependia de tudo aquilo, de ter sido iludido, de acordo com as suas palavras, “pelo canto de sereia dos comunistas”. Alguns elementos de direita do movimento estudantil, na Faculdade de Direito, como Francisco Barbosa, funcionaram como testemunhas de acusação. Inclusive cometeram erros grosseiros: Francisco Barbosa, por exemplo, disse que eu era comunista de linha chinesa, coisa que eu nunca fui. Mas o que interessava para a Auditoria Militar era qualquer tipo de depoimento que me condenasse. Houve pessoas dignas que foram capazes de testemunhas favoravelmente aos presos, inclusive o diretor da Faculdade de Direito professor Otto Guerra. Ele testemunhou a favor dos alunos presos da faculdade, no caso eu, Gileno Guanabara. Mesmo que o professor Otto de Brito Guerra, anos depois tenha se recusado ao Comitê Pró-anistia achando que o movimento era uma aventura e não ia ter resultado, foi e é uma pessoa digna. O tempo provou que ele estava equivocado. Mas nos processos ele teve um comportamento completamente digno, até porque tinha sido diretamente atingido pelo Golpe Militar na figura do seu filho Marcos, que teve que se exilar do país.


Depois de 1964, a Ação Popular – AP teve influência no movimento estudantil em Natal? Foi a AP que iniciou o Movimento contra a Ditadura – MCD?

Juliano – Não. Em 1966, nós já tínhamos reestruturado o PCB, com uma direção, um núcleo relativamente forte no movimento estudantil e tínhamos inclusive conquistado o Diretório Central dos Estudantes – DCE da Universidade, obviamente na clandestinidade. A AP não tinha nenhuma posição importante no movimento estudantil, tinha quadros, Jarbas Martins, Arlindo Freire, pessoas respeitáveis, mas não tinham o poder de acumulação que tinham os comunistas. Nós éramos a grande força no movimento universitário e, no movimento secundarista, a partir de um trabalho realizado por mim, Luciano de Almeida e com o ingresso de novos quadros como Maurício Anísio, Silvério Gomes da Mota e com a aproximação e com a aliança com pessoas como Sezildo etc., nós conseguimos fazer que o grande movimento de massas entre os secundaristas fosse dirigido pelos comunistas. A AP, por um voto de diferença, fazer o presidente da APES, numa eleição em que fiquei como vice-presidente. Luiz Freire foi eleito presidente. Por sinal, hoje ele é um militante do PCB em São Paulo. Mas logo depois de eleito presidente da APES, Luiz Freire, por motivos de ordem pessoal, se afastou e assumi a presidência da entidade. Então, fui presidente da APES no período mais difícil da sua clandestinidade e passei a APES a um sucessor ligado ao partido também. Isso foi em 1967, quando passei para a universidade. Então, Luciano de Almeida ficou controlando aquele trabalho que já não tem para o PCB, pois já estávamos na dissidência, no PCBE, partindo para a luta armada, mas esse negócio de dizer que foi a AP que começou a luta contra a ditadura no Rio Grande do Norte não é verdade. A AP era porta-voz das posições mais à esquerda, daquelas que rejeitavam a participação no processo eleitoral. Nós sempre tivemos uma posição para entrar no MDB, apoiar uma candidatura a deputado federal e estadual, principalmente no caso do deputado Roberto Furtado. Mas não foi a Ação Popular que teve esse papel de vanguarda. Esse papel era do PCB, até porque era a organização que tinha mais história no estado, que existia além de Natal (em municípios como Macau, Areia Branca, Ceará-Mirim, Canguaretama), nós participamos do trabalho de reestruturação do partido. Nós fazíamos circular clandestinamente no Rio Grande do Norte o jornal “Voz Operária”, órgão central do PCB. Tínhamos aqui ajudado na reorganização do partido, o camarada Pereira – hoje posso dizer o nome dele – Francisco Pereira, cujo nome de guerra era “Renato”, uma figura importante para reconstruir o PCB no RN. Ele é dirigente do partido no Ceará e integrante do Comitê Central. Nós, hoje, somos camaradas do Comitê Central. Nesse período, por sinal muito rico em que o partido teve um afluxo de novas pessoas ligadas ao movimento cultural e ao Cine Clube Tirol e que estavam retomando a organização do movimento secundarista e universitário. Foi a época em que Hermano Paiva, Jackson, William, Gileno Guanabara, voltando ao partido, eu ingressei no partido, Emanuel Bezerra, que depois foi assassinado em Recife pelo DOICODI, o Luciano de Almeida, José Rocha Filho, “Kerginaldo”, Ivaldo Caetano, Manoel Duarte, o Manú (líder do movimento comunitário em Natal). Nós tínhamos as principais lideranças do Movimento Estudantil, inclusive companheiros da maior importância como Laerte Rocha, de engenharia, que morreu de forma trágica e prematura.

E a influência no DCE era fundamentalmente nossa. (A entrevista de Juliano Siqueira continuará na próxima edição. Os leitores que se preparem, pois virão muitas novidades por aí).

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