Coleção Memória das Lutas Populares no RN
Acervo Impresso

Juliano Homem de Siqueira

Juliano Homem de Siqueira, 54 anos, é natural de Natal. Filho do poeta Esmeraldo Siqueira e de Iris Meira Lima de Siqueira, fez as primeiras letras no Instituto Brasil. Depois, o Ginásio e Clássico no Atheneu. Em 1968, ingressou na Faculdade de Direito, em Natal. Por força da ditadura, entrou na vida política clandestina, como militante comunista e na linha luta armada. Foi preso político no início da década de 70. Em 1974 retorna a Natal, onde em 1977 gradua-se em Direito e posteriormente em Sociologia e Política. É mestre em Direito e Teoria do Estado e coordenador e professor do curso de Direito da UFRN. Em 1966, ficou em 1° lugar em concurso estadual de poesia. Foi vereador, em Natal, entre 1996 e 2000. Publicou o livro de ensaios “Nas barricadas do fim do século” e tem, inéditos, cinco livros de poesia. Hoje, dedica-se aos poetas e escritores esquecidos, como Abner de Brito e Esmeraldo Siqueira, entre outros.

 

AO MEU PAI

CONTRADIÇÃO

IMPRESSÕES DE UM RIO

A PEDRA ESCULPIDA

PAISAGEM DE UM RIO

 

 

 


AO MEU PAI

Nenhum caminho fechado
nas pedras de construções
deixadas ao meu trabalho
e projetos de cidades invisíveis,
este o fardo paterno
que abracei sem ilusões.

Sangue do meu ser,
uma multidão ideal,
forma nas ligações eternas
que me fazem conviver
do combate a todo mal.

Ao que me fez sabendo
os mistérios do tempo
entrego palavras e o espaço
do meu sentimento:
Uma ternura sem limites,
uma afeição sem lamento.

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CONTRADIÇÃO

Entre o poeta e o poema
existe uma distância
eue os séculos perseguem
sem aviso de chegada.

A poesia procura
corrigir os desvios
que em seus caminhos
oculta e multiplica,

Enquanto os poetas
fabricam lanternas
e sobrevivem sós,
subterrâneos e etéreos,

nos descaminhos do poema.

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IMPRESSÕES DE UM RIO

Nenhum feitor de lendas
sonhou rebanho de pastores,
nem saiu das areias
ao encontro de animais.

Não pensou nas águas
nem nas figuras fluentes,
antes cultivou desertos
e velhas vidas inocentes.

Destas áreas litorais
não são possíveis vôos
às distâncias siderais
das nuvens da ficção.

Por isso resta preso
ao chão o motivo do verso,
os pastores do rio e
sem limites seu universo.
Os rebanhos do rio
são mais interiores,
difíceis à visão
do simples viajante.

Ondas estranhas de peixes,
crustáceos e cascalhos,
repousam nos leitos
que carregam as marés.

sobem confusos à luz
fungindo da observação
dos que não sabem a escrita
que está nas linhas do rio.

Além das mãos,
A projeção dos instrumentos
Amaciados pelo tempo
E amigos do trabalho,

Não trazem o selo
da técnica importada,
são aprendizes diários
sem férias ou salários.

Membros de artifício
dos que peneiram nas águas,
limpam objetos no
meio e fim do ofício.

Cristais agregados às bordas
rocheados de braços de engenheiros,
naves ornadas de ostras,
mostram as distâncias do rio.

As noites além da barra,
as manhãs de pleno peixe,
estão cimentadas na lembrança
transformada em âncora.

Construções depositadas
que abrigam jogos infantis
e displicentes pescadores
da arquitetura enferrujada.

Uma outra ferrugem
compõe o calor do rio:
o zinco, a telha, a madeira
somados em cortiço.

Saídos da natureza,
os pastores do rio
escondem-se dos homens
nos abrigos sem calor.

Os domadores das estações
desaparecem no cinzento,
das obscuras moradas
que umedecem a alma.

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A PEDRA ESCULPIDA

Nesta solidão,
não encontro rio
onde lave mágoas
ou navegue o discurso

(hoje, serpente
a correr sobre sobre o chão),
entre verdes folhagens
da superfície de luz.

(Aqui a construção
é feita de sonho,
as áreas fogem
do projeto de pedra).

Se encontro o rio
o silêncio cessa,
fluirei nas águas
a esculpir as pedras.
Um rio que lave
palavras em cristal,
ou lembre homens
e afazeres produtivos.

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PAISAGEM DE UM RIO

O mar estende um (a) braço
sensual à terra,
uma longa longilarga estrada,
líquida avenida salgada.

As praias são inciais
e dunas.
os mangues são depois
e lamas.

O corpo a corpo
do rio com a terra,
é a branca areia
e a negra massa.

A virgem margem
de pedras e pomares
entrega-se integral
à serpente erótica.

Cocos, caju, araçás
são mais profundos
presentes distantes
às águas navengantes.

Os dedos de hidro
cavam carícias,
nas costas e na cintura
feminina do barro.

O retrato do rio
tem a moldura da terra,
seu espelho
tem a sombra.

As bordas alvas
casam com o azul,
os mangues escuros
dormem com o lodo.

A paisagem é mutável
no tempo,
aprende dos dias
e também das noites.

A luz acorda o fardo
sonolento da madrugada,
cristais se agitam
nas águas da manhã.

O brilho mais feroz
cede e acalma,
enquanto as nuvens
mudam de roupa.

Descobre-se a mesa
dos jantares noturnos:
festas sem segredos da lua,
mistério das festas sem luar.

A fala do rio
chama o continente,
o gênio da brisa
convence os rochedos.

Ventos do exterior,
sopros do largo oceano,
são filtrados na flauta
do macio gingante.

Não carrega tempestades
nem iras interiores,
revela-se sem labirintos
fácil rebanho de pastores.

Uma agricultura rara
a que é feita sobre águas.
uma planície hidrográfica
requer seus próprios arados.

Adubos sem química,
rotulados como lixo,
escorregam pelas cercas
até as raízes do mangue.

Aqui o homem esmaga
seus resíduos de razão,
se refaz antropofágico
consumindo as mãos.

O que se oferece aos braços,
ao final deste cultivo,
são os frutos sedentários
quando sem folhas, nem galhos.

Outros produtos saem
destes campos singulares:
brotos da árvore humana,
quando sem folhas, nem galhos.

Coisas sem cheiro,
sem atrativos, incolores,
micros indecisos,
respostas sem vida.

As procissões de pastores
acompanham santos mortos.
as mais constantes carregam
caixões e feixes de ossos.

Nada da festa dos barcos
nem do encanto das velas,
em dias de padroeiras
nos raros marcos do ano.

O rio manda seu filho
a dar de beber à terra,
uma muito pobre quantia
porém oferta sincera.

São passos tímidos,
os dos condutores de cadáveres,
mais sabem correr nas águas
segurando-se nos ares.
Até parece que a terra
não é uma justa morada,
aos que nascerem nas águas
e cresceram em seus abrigos.

Mais cores faria o rio
sendo berço e também tumba,
reconheceria os corpos
que cobriram suas faces.

Mortos conhecidos seriam
velhos órgãos sepultados,
a figurar na paisagem
como barcos encalhados.

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