Coleção
Memória das Lutas Populares no RN
Acervo Impresso
Hélio Xavier de Vasconcelos
Livros
e Publicações
História
da Faculdade de Direito de Natal: lutas e tradições.
(1949-1973)
UANABARA, Gileno. Natal: Gráfica Editora Ltda,
1989. p. 123-128
SUMÁRIO
A Luta Contra os “Acordos MEC-USAID”
Os “Excedentes”
A Sectarização das Entidades
A Divisão do Movimento
A Resolução que fechava o D.C.E.
O Fim da Crise: a “Comissão Paritária”
O XXX Congresso da UNE - Ibiúna –SP
Os Rumos do Diretório Acadêmico
As últimas administrações do D.A.C.C.
Os Universitários na Mira da Ditadura
Epílogo
Apêndice
Ofício 532/68-R (1), de 31 de agosto de 1968
Ofício 534/68-R, de 31 de agosto de 1968
Bibiografia
GUANABARA,
Gileno. História da Faculdade de Direito de Natal: lutas
e tradições. (1949/ 1973). Natal: Gráfica Editora
Ltda, 1989. p. 123-128.
A
FACULDADE E O ATO INSTITUCIONAL Nº 5
A edição do Ato Institucional nº 5, de 13 de
dezembro de 1968, inviabilizou as tentativas tímidas de retorno
à legalidade, formuladas no projeto de constituição
elaborado pelo Vice-presidente da República, Pedro Aleixo.
A morte de Costa e Silva, o golpe da Junta Militar, a posterior
eleição do General Emílio Garrastazu Médici
e o reinado do AI 5, tornaram o primeiro meado dos anos 1970 em
dias de tragédia política e de terror de Estado. Com
o fechamento do Congresso, suspenderam-se os direitos e garantias
individuais, deu-se a extinção do “habeas corpus”
e o reinado da tortura a todos os adversários do regime ditatorial,
indiscriminadamente.
No âmbito da Universidade, o inquérito policial instaurado
que apurara a questão do Restaurante Universitário,
junto a outros inquéritos, passou imediatamente para a competência
da 7ª Auditoria Militar, sediada no Recife.
No dia 24 de dezembro de 1968, foram desencadeadas as ordens de
prisão dos estudantes pelo Exército. Ao ser preso,
na Casa do Estudante e conduzido num Volkswagen para o 16º
Regimento de Infantaria, Ivaldo Caetano Monteiro encontrou presos
José Bezerra Marinho e Jaime Ariston Sobrinho, ambos advertidos
de que estavam incomunicáveis e não poderiam falar
entre si. Preso também naquele quartel o Padre Marista Emanuel
que, juntamente com José Bezerra Marinho, tiveram a prisão
relaxada, passando este último a responder o processo em
liberdade.
O autor que se ausentara de Natal, nos últimos dias do ano,
somente foi preso aos 6 de janeiro de 1969. Conduzido pelo Capitão
da Aeronáutica, Haroldo Hostolácio Lasmar, à
Base Aérea de Natal e, no dia seguinte, foi afinal recolhido
à Base Naval de Natal, no Grupamento Navais. A partir de
então compartilharia com Emanuel Bezerra dos Santos seis
meses submetidos à reclusão em ‘solitária’,
dentre os quais dois meses a fio de incomunicabilidade total.
O Inquérito Policial Militar foi presidido pelo Major Djacir,
do Exército, com a participação dos Capitães
Haroldo Hostolácio Lasmar e Roberto de Tal, da Aeronáutica
e Marinha, respectivamente.
A Denúncia formulada pelo Procurador Militar imputava aos
indiciados fatos que iam desde o mês de abril de 1968 (a passeata
pela morte de Edson Luís Souto, no estado da Guanabara),
a participação no XXX Congresso da UNE a “invasão”
do Restaurante Universitário e até “por ofensas
morais ao Magnífico Reitor da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte autoridades policiais e elementos das Forças
Armadas”.
Uma das imputações, no entanto, trágica no
enunciado, revelava a farsa como que se serviu a ditadura para reprimir
as lideranças do Movimento Estudantil. Tratava-se da “confecção
de ‘uma bomba caseira’, que aliás, nunca foi
utilizada;”
Na verdade, a cada uma das acusações atribuídas
aos indiciados houvera a instauração de IPMs anteriores,
os quais foram capeados uma só denúncia que reconhecia
diferentes condutas e as classificava em dispositivos específicos
da lei. Apesar de carecer de qualquer ligação entre
si, o Procurador Militar atribuiu à ação dos
estudantes um caráter de “co-autoria”.
Levados ao Recife, numa viagem incômoda na carroceria de um
caminhão todos algemados entre si os estudantes foram entregues
ao Comando do Quartel da Companhia de Guarda do Exército.
O objetivo da viagem foi a identificação e qualificação
individual dos presos, pelo Juiz Auditor da 7ª Auditoria Militar
cuja sede era naquela cidade. Após a audiência deu-se
a volta para Natal.
Posteriormente, a audiência de instrução criminal
realizou-se numa das salas do Quartel do 16º R.I., em Natal,
para onde deslocou-se o Conselho da Justiça Militar. Serviram
de testemunhas de acusação e foram ouvidas durante
a audiência pelo Juiz Auditor o então Capitão
da Polícia Militar Domilson Damásio da Silva os acadêmicos
da Faculdade de Direito, Francisco de Assis Barbosa de Medeiros,
Carlos Mendes Rios e o Professor Otto de Brito Guerra à época
Vice-Reitor e Diretor da Faculdade.
Segundo os termos das “Razões de Defesa finais”
(sic)... no tocante à passeata pela morte do estudante Edson
Souto, o depoimento mais incriminador é do capitão
da Polícia Militar DOMILSON DAMÁSIO DA SILVA, comandante
da Radiopatrulha.”
O depoimento prestado pelo Professor Otto de Brito Guerra serviu
como a melhor defesa dos acusados repondo a verdade da ocorrência
dos fatos.
As testemunhas de defesa foram Edgar Smith Filho, por parte do Autor,
do Bispo, D. Antônio Costa, por parte de José Bezerra
Marinho, do Dr. Leide Morais, por parte de Iaperi Araújo,
do Professor Antônio Soares de Araújo Filho, por parte
de Ivaldo Caetano Monteiro, do Professor Heriberto Bezerra, por
parte de José Maria Ruivo, dentre outras.
Meses depois, a segunda viagem ao Recife que foi comandada pelo
oficial Aspirante Licurgo Nunes Terceiro atualmente juiz de uma
das Varas Criminais de Natal. A chegada dos prisioneiros ao Recife
ocorreu pela madrugada, sob intensa neblina. No Quartel do Forte
das Cinco Pontas, próximo à Rodoviária do Recife,
foram todos jogados numa cela que coincidentemente alojara o comunista
Gregório Bezerra, quando da repressão política
desencadeada após o golpe de 64, naquela cidade.
Na audiência de julgamento compareceram à Auditoria
os advogados de defesa Carlos Antônio Varella Barca e Mércia
de Albuquerque Ferreira
os quais se pronunciaram em defesa dos acusados, oralmente.
Ao final, o Juiz Auditor leu a sentença condenatória
que aplicou a pena de um ano de reclusão aos indiciados Ivaldo
Caetano Monteiro, Jaime Ariston de Araújo Sobrinho, Gileno
Guanabara de Sousa, Emanoel Bezerra dos Santos e Cezildo Câmara.
A pena de seis meses de reclusão foi aplicada a José
Bezerra Marinho. Os demais foram absolvidos. Todos compareceram
ao julgamento.
Um fato digno de destaque é que a condenação
da Justiça castrense só recaiu em estudantes da ciência
social, muito embora os indiciados fossem matriculados em faculdades
de diversos ramos e não apresentassem maiores disparidades
na prática dos fatos tipificados na denúncia, como
delituosos.
A expectativa de absolvição para cada um dos presos
foi se frustrando, ante a leitura compassada dos tópicos
da sentença. Os familiares e amigos que compareceram à
Auditoria, naquele momento, deixaram-se trair pela emoção
das lágrimas.
No dia seguinte ao da audiência e com o pretenso retorno para
Natal, os apenados foram transferidos dos quartéis para a
Colônia Penal a velha Casa de Detenção. Foram
alojados nas oficinas de ferragem sem se submeterem a regime de
prisão em cela, convivendo, porém, durante do dia,
no amplo salão central daquele ex-presídio, comuns,
alguns portadores da maior periculosidade. Nesta época veio
a falecer o Professor Carlos Augusto Caldas da Silva, que na Faculdade
de Direito lecionara ao Autor e a Ivaldo Caetano Monteiro, na Cadeira
de Direito Penal, ambos no momento cumprindo pena. Ainda naquele
mês, a primeira viagem do homem à Lua, transmitida
pelo rádio, captava a emoção de quem com um
gesto histórico irradiava a liberdade.
Durante um mês na Casa de Detenção, as deformações
vistas, fatos alheios às aulas e aos compêndios acadêmicos
vivenciados na Faculdade de Direito, a tortura dos presos, a ausência
de valores humanos, o autoritarismo policial, a fome e outras atrofias,
foram se assentando na consciência de cada um dos estudantes
condenados, em especial entre os acadêmicos da Ciência
Jurídica. De outro lado, a sensação das cores,
da visão da lua, do céu e do mar, trouxe a cada um
dos estudantes condenados, imediatamente ao fato de sair da prisão
em solitária, um renovar da esperança de viver em
liberdade.
A pedido do Autor, o Professor Antônio Soares de Araújo
Filho compareceu à Casa de Detenção e ficou
informado da promiscuidade em que eram forçados a conviver
os estudantes, na condição de presos políticos,
juntamente com presos comuns. Havia problemas de higiene, de visitas,
de segurança pessoal, para cada um. No final do mês
de agosto, deram-se as transferências da Casa de Detenção
para a sede dos distritos policiais, no diversos bairros da cidade.
A tentativa do Autor de frequentar as aulas na Faculdade durante
os sábados e a coincidência de deparar-se com o Coronel
Milton Freire, então Comandante da Polícia Militar
e a quem cabia a custódia dos estudantes presos, numa das
ruas do centro da cidade, serviu de pretexto para uma nova transferência.
Dessa feita, foram todos conduzidos para uma “cela especial”,
no Quartel da Polícia Militar.
Em meados do mês de novembro, por julgamento do Superior Tribunal
Militar, deu-se a redução da pena de um ano para seis
meses, à exceção de José Bezerra Marinho,
cuja absolvição fora proclamada. Aos 20 de novembro
de 1969 os soldados do Corpo de Bombeiros realizaram o trote de
despedida para com cada um dos liberados. Eram passados quase onze
meses de mais absurda incomunicabilidade, de reclusão humana.
O apoio de amigos e dos familiares, o conforto das visitas, deram
o alento para a resistência necessária àqueles
tempos tão duros.
Com a liberdade readquirida, de parte do Autor o reencontro com
o amigos foi interrompido com o ‘convite’ formulado
por agentes federais, para prestar novos esclarecimentos. Na verdade,
tratou-se de uma nova prisão, já agora imotivada e
por determinação de autoridades militares locais.
Arrastado de sua casa sem ordem legal, conduzido inicialmente ao
Quartel General e depois para o 16º R.I., o Autor foi submetido
a um rigor carcerário estúpido. De dezembro a março
de 1970 foram noventa e cinco dias de solitária, de total
incomunicabilidade. Não houve interrogatório, pela
inexistência de inquérito, face o cumprimento da pena
anteriormente aplicada e seu trânsito em julgado.
Contatos mantidos por um irmão do Autor com juízes
das Auditorias da Aeronáutica em São Paulo ou no Rio
de Janeiro, além das visitas ao Presidente do Superior Tribunal
Militar, Dr. Rui Carneiro, confirmaram as suspeitas de que inexistiam
os motivos alegados daquela segunda prisão. O comando da
Guarnição Militar de Natal, através de oficiais
que lhe serviam de porta-vozes, informava da existência de
um homônimo envolvido com assalto no Estado da Guanabara,
o que representava verdadeiramente uma desinformação.
Mesmo perdurando a suspensão dos direitos individuais, pela
vigência do Ato Institucional nº 5, foi subscrito pelo
Dr. Roberto Brandão Furtado os termos de um ‘habeas
corpus’ que foi enviado ao Superior Tribunal Militar. A orientação
foi do Dr. Otto de Brito Guerra que o redigiu. Mesmo sem notícia
da decisão proferida pelo STM em março de 1970 o Autor
foi liberado por ordens do então Comandante da Guarnição
Militar de Natal, General Duque Estrada.
Da maneira como fora preso, o Autor foi libertado, sem explicações.
Já no dia seguinte, o Autor retornara ao convívio
com os colegas da Quarta Série da Faculdade de Direito. O
Professor Ítalo Pinheiro ao vê-lo entre os alunos,
durante a aula de Direito Processual Penal que ministrava, interrompeu
sua preleção para repetir o cumprimento que, com emoção,
prestara defronte a ‘solitária’ da Base Naval
de Natal, em situação constrangedora.
Notas:
1.
O Inquérito do R.U. foi presidido inicialmente pelo então
Capitão Edmilson Holanda e os depoimentos eram prestados
no Quartel da Polícia, em Natal.
2.
Pela ordem da Denúncia, os indiciados foram: Ivaldo Caetano
Monteiro, Jaime Ariston de Araújo Sobrinho, Gileno Guanabara
de Souza, Emanoel Bezerra dos Santos, José Rocha Filho, José
Bezerra Marinho, José Maria Ruivo, Iaperi Soares de Araújo,
Francisco Orniundo Fernandes, João Bosco Araújo Teixeira
e João Gualberto Cunha Aguiar. Os três últimos
eram secundaristas.
3. As celas chamadas “solitárias”
no Grupamento de Fuzileiros Navais serviam exclusivamente para o
cumprimento de penas mais graves por parte dos soldados ou, como
exemplo, de marinheiros violentos que promovem distúrbios
fora do quartel. O regime ali, no entanto, para o militar, não
pode ultrapassar quinze dias consecutivamente quando então
o militar goza de um intervalo de cinco dias de folga, para recuperação.
Em visita a um cliente preso numa das “solitárias”
do Grupamento de Fuzileiros Navais embora se tratasse de crime comum,
o criminalista Ítalo Pinheiro foi uma das primeiras pessoas
que teve acesso àquele local hediondo. Cumprimentou o A.,
apertando-lhe a mão, emocionadamente.
4.
O laudo pericial, a respeito da “bomba caseira”, concluiu
que “não fora terminada porquanto entre outros elementos
lhe falta o principal: o explosivo.”, de acordo com o termo
no laudo dos autos.
5.
A viagem dos estudantes, tal uma operação militar,
foi comandada pelo Tenente do Exército Getúlio, com
a presença de uma patrulha fortemente armada.
6. O acadêmico Francisco de Assis Gomes Cortez
foi também arrolado na condição de Testemunha
de Acusação e não compareceu à audiência.
Durante o ato, os depoimentos eram prestados perante o Conselho
da Auditoria e defronte os acusados que a tudo viam e ouviam.
7.
Ainda as Razões de Defesa finais: “De um modo geral,
as testemunhas de acusação pouco ou quase nada adiantam
quanto à incriminação dos indiciados nos fatos
referidos na denúncia de fls.” O destaque quanto ao
nome da testemunha Domilson está no original. Atualmente
Domilson é advogado. Frequentou o curso da Faculdade de Direito
de Natal, onde é militante do Foro.
8.
O trabalho dos advogados Carlos Antônio Varella Barca e Mércia
Albuquerque Ferreira deveu-se à articulação
do Partido Comunista Brasileiro. Contatos foram mantidos com o Dr.
Paulo Cavalcanti, no Recife, que tinha como colega de escritório
a Drª Mércia que, por diversas oportunidades teve de
vir à Natal e ao final não se dispôs a receber
honorários advocatícios, como igualmente o Professor
Varella Barca.
9.
A audiência se deu no mês de junho de 1969. Os absolvidos
foram José Rocha Filho (Kerginaldo, como era conhecido),
José Maria Ruivo, Iaperi Soares de Araújo, João
Bosco Araújo Teixeira e João Gualberto Cunha Aguiar.
10. Do Grupamento de Fuzileiros Navais foram transferidos
o A. e Emanoel Bezerra dos Santos, enquanto Jaime Ariston de Araújo
Sobrinho e Ivaldo Caetano Monteiro eram transferidos do 16º
RI, onde se achavam. José Bezerra Marinho e Cezildo Câmara
se instalaram no andar superior da Secretaria de Segurança
Pública, no bairro da Ribeira.
11.
Enquanto José Bezerra Marinho, Jaime Ariston e Cezildo Câmara
foram alojados no 1º andar da então Secretaria de Segurança
Pública, na Ribeira, Ivaldo Caetano Monteiro e Emanoel Bezerra
dos Santos foram transferidos para o Distrito Policial das Rocas.
O A. foi alojado no Distrito Policial do Alecrim.
12. A “cela especial” onde foram alojados
os estudantes era a denominada “cela de Baracho”, em
homenagem a um preso comum que celebrizara-se depois de várias
prisões. Era iluminada por uma lâmpada de 100 velas,
de dia e de noite e sem ventilação. Por razões
de saúde, José Bezerra Marinho Júnior e Cezildo
Câmara foram removidos para um alojamento no Corpo de Bombeiros,
naquela unidade, onde permaneceram até a liberação
no mês de novembro daquele ano de 1969. O primeiro foi mantido
sob cuidados médicos por ser portador de pressão alta.
13.
Durante os noventa e cinco dias da prisão no 16º R.I.,
o pai do Autor insistiu para visitá-lo, rejeitando as propostas
feitas de vê-lo, porém em lhe dirigir a palavra, proibido
inclusive de acenar. Conseguiu realizar três visitas. Ao A.
só foi permitido sair à luz do sol por três
vezes. Não pôde receber livros, nem jornais.
14. Retirado da “solitária”
sem explicações, na manhã do dia 5, foi conduzido
pelo major Cleanto Siqueira à presença daquele General,
Sede do QG, na Praça André de Albuquerque. Com as
admoestações, em que a principal era a acusação
de ser comunista, o A. foi libertado, sob o testemunho dos então
sargentos Paulo Lopo Saraiva e Wilton Gomes da Costa, os quais se
postavam naquele momento no salão de saída do QG,
coincidentemente.
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