Coleção
Memória das Lutas Populares no RN
Acervo Impresso
Hélio Xavier de Vasconcelos
Livros
e Publicações
Como
Fazer Boa Política
Waldson Pinheiro e Hélio Vasconcelos, MEP
- Movimento de Educação Política- 1996
O
Movimento de Educação Política - MEP é
integrado atualmente por estas entidades, relacionadas por ordem
de adesão:
Centro de Estudos e Ação Política - CEAP
Movimento Opção Natal - MONAT
Ordem dos Advogados do Brasil - OAB
Arquidiocese de Natal
Confederação Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB
Confederação Geral dos Trabalhadores - CGT
Nota dos Autores:
Este trabalho, discutido em sucessivas reuniões de que participaram
CEAP, MONAT, OAB/RN e Arquidiocese de Natal, tem redação
de Waldson Pinheiro, professor do Departamento de Letras da UFRN,
aposentado, e colaboração, na área de legislação,
de Hélio Vasconcelos, professor do Departamento de Direito
Público da mesma Universidade. Sua divulgação
por qualquer meio, mesmo em edições para comercialização,
é facultada sem reserva de direitos autorais. Sugere-se a
cada editor acrescentar um prefácio.
WP/HV
COMO
FAZER BOA POLÍTICA
- 1 -
Preciso me decidir, Padre Nereu. Agora, por onde eu ando, vem gente
me falar em candidatura. Começou no mês passado, com
Seu Tonho, vizinho aqui do meu sítio:
- Euclides, você devia ser nosso futuro Prefeito. Quem lhe
conhece confia em você. Outro dia, eu estava lá no
posto, e Dona Rosália, do armarinho, chegou com o filho pra
abastecer o carro e veio com a mesma conversa:
- Tá bom de se candidatar a Prefeito, Seu Euclides. Ia ser
do gosto de muita gente.
Depois,
foi Júnior lá de casa que veio me dizer que uma turma
de estudantes do 2° Grau da Escola Estadual andava fazendo propaganda
de minha candidatura. Pra completar, até Zé de Tita,
do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, veio me sondar. A gente foi
colega no Grupo Escolar, e ele ainda me trata pelo apelido de menino:
-
Quide, o pessoal lá do sindicato tão discutindo quem
deve apoiar pra ser o próximo Prefeito, e seu nome é
bem cotado demais. Pesa muito a seu favor que você nunca negou
os direitos de nenhum morador ou empregado seu.
O Padre Nereu ia, junto com um coroinha, na cabine da caminhonete
de Euelides, com quem pegava carona de manhã cedo, quase
todo domingo. la celebrar missa na capela do distrito onde ficava
também o sítio Lajeado, pequena propriedade de Euclides.
E vendo que ele tinha acabado o relatório e aguardava um
comentário seu, falou com certa cautela:
- Euclides, já faz dez anos que a gente se conhece, desde
que eu vim ser vigário aqui. Já batizei dois filhos
seus, Gustavo, logo que cheguei, e Alice, faz uns seis anos. Você
e sua esposa são bons paroquianos, sempre ajudando as obras
da Igreja, e o que eu the posso dizer é que você tem
todo direito de pensar numa candidatura sua a Prefeito. Acho até
que o Município ia ganhar com você um bom administrador.
Digo mesmo que, você sendo candidato, eu, como eleitor, consciente
e esclarecido que tenho obrigação de ser, lhe daria
meu voto. Agora isso fica entre nós. Publicamente, só
podia apoiar uma candidatura política se ela representasse
um grande acordo de todas lideranças do Município
com o objetivo de atender nossas reais necessidades. E você
sabe que isso seria um milagre muito difícil de acontecer.
Compreende também que o vigário da paróquia
não deve tomar partido. Anos atrás, quando comunismo
era uma ameaça, a Igreja Católica entrava em campanhas
políticas combatendo certos candidatos, comunistas ou apoiados
por eles. Mas hoje isso acabou, e o correto é a neutralidade.
Como dizia Jesus: “O meu reino não é deste mundo”.
- Bem, Padre Nereu, eu compreendo perfeitamente o seu ponto de vista.
O que tá muito certo. Não tem cabimento o senhor sair
apoiando candidatura de A ou de B. O que eu queria mais era ouvir
sua opinião, como de um conselheiro, e o que o senhor disse
já me deixou satisfeito.
- É isso aí, amigo Euclides. Como se costuma dizer,
você foi mordido pela famosa mosca azul. Os dois riram da
brincadeira, e o padre continuou:
- Pelo que sei, existem aqui no Município três partidos.
Os páreos eleitorais vêm se decidindo entre candidatos
dos Antunes e dos Mendes. Você já escolheu um partido
em que se filiar pra poder ser candidato? Acho que tem prazo pra
isso, não tem?
- Tenho informação que esse prazo vai até dezembro.
Odilon vereador, que é meu primo, é presidente do
PNB e já me fez uns acentos. Mas, como o senhor lembrou,
os dois partidos maiores, dominando cada um por uma família,
não vão abrir para ninguém de fora. Só
resta o PNB de Odilon, hoje apoiando os Antunes, mas que faz um
papel de fiel da balança.
- Euclides, vejo que você está ficando um mestre na
política. Infelizmente, os partidos funcionam mais como cartórios
para registrar candidatos, e esses cartórios têm dono
e ficam em família. Mas a política em si é
uma coisa séria, necessária. Pois sempre tem que haver
quem administre os Municípios, os Estados, o País.
Então, tem que haver políticos, para serem Prefeitos,
Governadores, Presidentes, e também representantes do povo
nas Câmaras de Vereadores, nas Assembleias Estaduais e no
Congresso Nacional. Esse é o verdadeiro sentido da política.
Administrar bem a coisa pública. E a gente fica triste quando
escuta pessoas menos esclarecidas dizerem que odeiam política.
O que elas odeiam é a politicagem, os desmandos, a corrupção,
o afilhadismo, as mentiras dos maus políticos. Mas confundem
isso como política. Num outro extremo, estão pessoas
que querem fazer da política uma atividade decente, voltada
para o bem comum, mas querem mudar tudo a seu modo, sem ouvir os
outros, da noite pro dia, e dão com os burros n’água.
É claro que os princípios éticos precisam ser
mantidos, mas também precisa haver conciliação
de interesses diversos. Faz parte da democracia, própria
Igreja Católica ja reconheceu o direito de cada pessoa ser
livre para seguir a religião que sua consciência lhe
ditar. Mas já estamos chegando na capela, Euclides, e nossa
conversa pode continuar noutro domingo. Aliás, se sua candidatura
pegar mesmo, vou ter que me despedir da carona. Não ia ficar
bem o vigário acompanhando um candidato. Era caso até
de se queixarem ao bispo.
- Mas eu vou devagar com o andor, Padre Nereu - respondeu Euclides
freando em frente da capela numa parte mais alta do arruado, onde
fieis já esperavam o vigário.
O padre, de tipo franzino e beirando os 40 anos, e o menino seu
coroinha se apearam e despediram de Euclides. Este, um pouco mais
novo e meio encorpado, fez então meia volta em procura do
sítio ali perto.
2
Laura, mulher de Euclides, com quem estava casada há 16 anos,
tinha vindo já na véspera para sítio, com os
dois filhos menores. Júnior, de 15 anos, tinha ficado na
cidade, responsável pelo atendimento no posto junto com um
frentista.
Deixando os pequenos brincando com os filhos dos dois moradores,
o casal foi dar uma volta pela propriedade de pouco mais de 200
hectares, usados para agricultura e criação de gado.
Conversando, chegaram ao chamado cajueiro grande donde se avistava
o açude, sentaram-se em duas galhas baixas e continuaram
a conversa.
- Eu fico sem saber direito o que achar da ideia, Euclides, mas
não simpatizo com essa história de você se candidatar
a Prefeito. Eu sempre lhe respeitei muito, a gente sempre se deu
bem na vida de casado, e eu tenho medo que você, virando político,
fique igual aos outros que a gente conhece, negocistas, mulherengos,
e aí adeus à paz da família. Outra coisa é
que, na política, se gasta muito dinheiro, e você,
inexperiente no meio dos sabidões vai acabar gastando do
seu, jogando fora pouco que a gente tem.
- Ora, Laura, política também não é
esse precipício que você tá pintando. Eu vim
conversando nisso com o Padre Nereu até chegar na capela.
- E ele aprovou a ideia?
- Aprovar mesmo, não. Mas mostrou simpatia. Disse que não
se deve confundir política com politicagem. Que a política
é necessária quer se goste quer não, pois sempre
vai ser preciso ter quem administre o patrimônio público.
Disse também que acaba sendo preciso fazer acordos, ceder
em certas coisas, só que sem descambar pra desonestidade.
- E isso aí é que é difícil. Porque
aqui, pra qualquer dos dois lados que você pender, se é
que vão te querer, o acordo só se faz no conchavo,
nas vantagens, no toma-lá-dá-cá. É cargo
pros parentes e amigos, e não importa saber se os tais têm
capacidade. E inventar obra fajuta, conserto de estrada, por exemplo,
aí passar uma máquina nuns pedaços e embolsar
uma nota preta. E pra ficar tudo debaixo do pano, o Prefeito bota
a mulher pra secretária da Prefeitura, e o sogro ou um irmão
pra tesoureiro, dizendo que é cargo de confiança.
Pra esconder as safadezas, está bem visto. Depois, pode faltar
dinheiro pra escola, posto de saúde, pagamento dos funcionários,
mas não falta pra carro novo e viagem pra tudo quanto é
lugar. E muito Prefeito que entra na Prefeitura sem eira nem beira,
quando sai é com duas ou três fazendas e casa boa na
Capital.
- Bom, amor, se eu resolver entrar nessa política daqui na
próxima campanha eleitoral, é pra ser diferente de
tudo isso que você falou. E tem mais, só entro se conseguir
primeiro convencer você. Que droga de candidato eu ia ser
sem nem minha mulher aprova a minha resolução? Por
isso, não se preocupe de eu lhe dar motivo de desgosto nem
arriscar o patrimônio nosso e dos nossos filhos.
3
Na quarta-feira seguinte, Euclides viajou à Capital do Estado
a tratar de negócios e aproveitou para visitar na mesma noite
um velho desembargador aposentado, o Dr. Pedro Canísio, a
cabeça branca contrastando com as feições escuras,
antigo advogado de seu pai de quem sua família tinha ficado
muito amiga.
Depois de conversarem sobre alguns assuntos gerais, Euclides expôs
a ele seu projeto candidatura e lhe pediu ajuda para uma orientação
na área legal das atribuições e responsabilidades
de um Prefeito.
- Eu acho, Dr. Pedro, que, do mesmo jeito que um candidato a motorista
precisa conhecer as leis e sinais do trânsito, um candidato
a Prefeito ou outros cargos precisa também conhecer as leis
que tratam da administração pública.
- Concordo com você inteiramente, Euclides, e acho que sua
comparação entre o que um motorista e um Prefeito
precisam conhecer foi muito apropriada. Até porque, da mesma
forma que não se exige de um motorista que ele seja mecânico,
também não se exige dos candidatos a cargos eletivos
que eles sejam advogados e economistas. O motorista amador pode
levar seu veículo a uma oficina, e o Prefeito pode consultar
assessores habilitados. Mas isso não desaconselha que ele
tenha uma visão geral da legislação a que seu
cargo está sujeito. Prefeitos completamente leigos cometem
às vezes verdadeiros absurdos e atos de improbidade, menos
por mandonismo e desonestidade e mais por ignorância. Por
outro lado, esse pedido que você me faz me deixa muito satisfeito.
É que estou vendo que nossa sociedade está mesmo mudando.
As pessoas estão se conscientizando de que têm o direito
de cobrar de quem está no Governo. E os governantes começam
a sentir que têm obrigação de prestar contas
aos cidadãos. A coisa tem que caminhar por aí. Assim,
vou lhe preparar uma espécie de manual do Prefeito aprendiz,
com base na Constituição Federal, na Constituição
Estadual, na Lei Orgânica dos Municípios e até
na Legislação Eleitoral, para a fase de campanha.
Você me dá até o fim do mês e pode vir
buscar.
- Dr. Pedro, eu não sei nem como agradecer essa sua bondade.
Só lhe posso prometer que, se chegar na Prefeitura, o que
o senhor me recomendar vai ser praticado.
- O que seria também minha maior recompensa, Euclides. Mas
como você conta chegar à Prefeitura? Tem alguma base
de apoio? E qual vai ser o seu partido?
- Bom, Dr. Pedro, aí é onde reside a dificuldade.
Meu nome tem boa aceitação no eleitorado, mas não
tenho apoio de nenhuma liderança. Até agora só
um convite pra me filiar no PNB de Odilon Cavalcanti.
- Ainda é pouco. Meu irmão Paulo, dono da Fazenda
Alvorada na divisa do seu município, tem me falado da política
de lá. Na velha gangorra entre as duas famílias, a
administração atual dos Antunes, desastrada como vem
sendo, vai dar chance de se eleger Prefeito de oposição.
E aí é onde você pode meter uma cunha. Primeiro
conversar com o Odilon, hoje aliado dele não tem futuro eleitoral.
Você então se filia ao PNB, que sai da órbita
dos Antunes, e propõe aliança com o velho Mendes,
oferecendo a eles entrarem com o Vice-Prefeito. Se você conseguir
esse apoio de oposição, um nome limpo como o seu vai
ter todas as chances.
- Mas, Dr. Pedro, e os compromissos que esse pessoal vai exigir
de mim?
- Tudo vai depender de sua habilidade, Euclides. Você vai
levando pra eles o trunfo de um nome novo e respeitado. Aí
é você tratar de se impor. Vai ser a vitória
certa com você ou o risco de derrota para os adversários.
Escolham. E você deixa claro que será um parceiro leal
no cumprimento do programa apresentado na campanha. Posso até
filiar com Paulo para conversar com os Mendes. Acho que ele até
que vai gostar de bancar o articulador.
Euclides deixou a casa do velho Pedro Canísio parecendo dentro
duma nuvem. De repente, o que era um simples sonho começava
a ter ares de realidade. Despediu-se na calçada, entrou na
caminhete e voltou à casa dos tios onde se hospedava quando
vinha à Capital do Estado.
4
Duas semanas depois dessa conversa de Euclides com o Dr. Pedro Canísio,
o caldeirão da política no Município estava
fervendo. Euclides tinha assinado a ficha de filiação
no partido de Odilon, que no mesmo dia foi chamado às falas
do Prefeito Neco Antunes, o qual foi logo ameaçando:
- Escuta aqui, Odilon, ou você rasga a ficha de filiação
desse rapaz metido a besta, ou se prepare pra ver sua irmã
demitida do cargo de diretora da Escola Estadual.
- Mas ela não foi nomeada por nenhum favor e sim porque ela
é a única no Município que tem habilitação,
tem curso superior de Pedagogia.
- Pois vamos ver quem pode mais, se a tal Pedagogia dela ou um pedido
meu ao Secretário de Educação do Estado.
Daí veio o rompimento de Odilon com os Antunes e sua aproximação
dos Mendes, que também já tinham side procurados pelo
dono da Fazenda Alvorada, que convidou o velho Osório Mendes
e seus dois filhos Vereadores, mais Odilon e Euclides, para um almoço
na sua propriedade naquele domingo.
Odilon e Euclides chegaram à Alvorada pelas onze horas, sendo
recebidos com muita cordialidade pelos donos. Enquanto esperavam
os Mendes, foram dar uma volta pelos currais ver um gado de raça
comprado recentemete. A uma hora da tarde os outros convidados ainda
não tinham aparecido e começaram a suspeitar que o
encontro ia gorar.
- Se não chegarem até uma e meia, vou mandar servir
o almoço - resolveu o Dr. Paulo.
Não vamos ficar esperando pelas horas de seu ninguém.
Vai ver, estão se fazendo de muito importantes.
Mas dez minutos depois, chegavam os retardatários, e Zeca,
o Mendes mais novo, se adiantava com uma desculpa matreira:
- A gente tava de saída quando apareceu lá em casa
Cícero Antunes com uma conversa comprida, e pai achou que
a gente não devia deixar de escutar o que ele tinha pra dizer.
- Conversar não ofende - justificou o velho Osório
– lá e cá.
- Mas agora, minha gente vamos e almoçar primeiro e deixar
a conversa pra depois convidou – convidou o Dr. Paulo - e
foi encaminhando todos para a mesa posta, passando pelo lavatório
onde uma jovem com um jarro derramava água numa bacia para
lavarem as mãos.
Durante o almoço, que contou com uma variedade de carnes,
de gado, de bode, de galinha, sucos de frutas e uma torta de abacaxi
para sobremesa, especialidade da dona Eunice, esposa do Dr. Paulo,
escolhida por ela com um toque de malícia, o assunto foi
mais o financiamento para plantio, o preço da ração
e outros e outros itens de interesse para agricultores e criadores.
Depois de servido o cafezinho, retiraram-se os seis homens para
a ampla sala de visitas de mobília antiga, onde a conversa
então se prolongou por um bom tempo.
Em resumo, os Mendes aceitavam Euclides para compor a chapa como
vice-prefeito, proposta contra a qual Odilon ficou firme:
- Ou a cabeça da chapa numa coligação, a gente
sai mesmo só. Aí as duas candidaturas, a nossa e a
de vocês, vão correr muito risco. Com a oposição
dividida, a situação acaba levando a eleição.
Pra garantir a vitória, vocês e nós temos de
ficar juntos.
- Bom - voltou à carga o velho Mendes - pelo o que eu estou
vendo, Euclides faz muita questão de se sentar na cadeira
do Prefeito. Pois pra tudo tem acordo. Meu filho Wilson na Prefeitura
pode tirar licença de vez em quando, e Euclides assume por
uns meses.
- Bem, Seu Osório, a coisa não é so sentar
ou não sentar na cadeira do Prefeito. O caso é que
eu e Odilon queremos ter um programa de administração
do Município, pra ser discutido com a participação
do povo, e a gente assumir compromisso do que for acertado. Se eu
não for Prefeito, como vou poder assumir esse compromisso?
O senhor, que tem muito mais experiência sabe que aliança
em política é hoje e não é amanhã.
- Concordo com o que você disse por derradeiro, Euclides -
respondeu o velho Mendes. Política é assim mesmo.
Como diz o ditado, o risco que corre o pau corre o machado.
O Dr. Paulo viu que a reunião já tinha dado o resultado
que podia dar naquela ocasião e achou melhor encaminhar os
entendimentos para um novo encontro mais adiante:
- Bem, meus amigos, parece que todos aqui já estão
conhecendo os pontos de vista uns dos outros, e agora é aguardar
que cada lado pense com mais vagar sobre as propostas feitas e,
quem sabe, num próximo encontro, se possa fechar um acordo.
Todos concordaram com esse encaminhamento e despediram-se do casal
Paulo e Eunice, rumando cada qual para sua casa. Dias depois, Euclides
e Odilon foram informados de que os Antunes tinham procurado os
Mendes corm proposta de aliança, para não dar vez
ao surgimento duma nova liderança no Município, que
poderia passar para trás as duas famílias. Mas nem
um lado nem o outro abria mão da cabeça da chapa e
a coisa marchava para um fracasso.
Foi assim que receberam sem surpresa o convite do Dr. Paulo para
outro encontro na Alvorada dois domingos depois do primeiro, a pedido
de Wilson Mendes.
Compareceram os mesmos de antes, menos o velho Osório. A
conversa depois do almoço já foi muito mais positiva.
- Digamos que a gente aceite ficar com a candidatura a Vice-Prefeito
- falou a certa altura o vereador Wilson. - Nesse caso, queremos
outros cargos como compensação.
- Wilson - falou o Dr. Paulo - vocês não devem discutir
assim no varejo. O que precisam é ter um bom projeto de administração
para o Município, com as tarefas que vão caber ao
pessoal de Euclides e Odilon e ao pessoal de vocês. Administrando
para o bem do Município em primeiro lugar. O povo já
está cansado de arranjos em que os políticos pensam
primeiro nas vantagens que vão ter e só depois nas
necessidades da população.
- Por sinal - disse Euclides - o Dr. Paulo, quando veio me convidar
para o encontro de hoje, trouxe um documento mandado pra mim pelo
Desembargador Pedro Canísio, irmão dele, que pode
servir de base para o nosso projeto de administração
do Munícipio. É um resumo do que tanto os Prefeitos
como Vereadores devem conhecer para proceder sempre dentro da lei,
seja federal, estadual ou municipal.
- É - comentou Dr. Paulo – Meu irmão Pedro,
que, quem conhece o jeito dele, sabe como ele é trancado,
herança dos tempos em que foi juiz, estava todo animado com
a eleição aqui do município, achando que gente
nova como vocês podem mudar a forma de fazer Política,
com P maiúsculo, como ele gosta de dizer, bastando pra isso
ter mesmo vontade de fazer as coisas certas. E mandou as anotações
de que Euclides falou, chamando a atenção para os
aspectos legais da administração pública.
- A conversa continuou com eles discutindo os cargos que era necessário
manter e outros que podiam muito bem ser extintos porque não
passavam de cabides de emprego e uma sangria nos cofres da Prefeitura.
A essa altura, Euclides, Odilon, Wilson e Zeca já estavam
mais afinados, e tudo indicava que uma aliança entre eles
se achava a caminho. O Dr. Paulo, que era médico ginecologista,
estava muito satisfeito com o acompanhamento daquela gestação,
que ele contava levar a bom termo.
- Querem saber um jeito de a gente mostrar que a nossa forma de
fazer política vai ser diferente e que ninguém tem
nada pra esconder? - perguntou Euclides. - A gente podia convidar
Floro Antunes pra ser o tesoureiro da Prefeitura. Um Antunes! Como
é que pode? Assombrou-se Zeca Mendes. Um Antunes, Zeca! -
brincou Odilon, - Eu e Euclides já discutimos essa ideia
e, depois que eu explicar, vamos ouvir a opinião de vocês.
O velho Floro aposentou-se já faz tempo como coletor federal.
Nunca se ouviu falar de qualquer trampolinagem dele. Além
disso, conhece bem contabilidade. Dessa forma, tem todas as qualidades
pra ser um bom tesoureiro. E sendo um Antunes, ninguém melhor
pra avalizar a nossa honestidade na Prefeitura. Que é que
acham?
- É, a coisa pode até ser pensada - respondeu Wilson.
- Agora, eu duvido muito é que ele aceite. Da família
ele é o único que sempre tem ficado de fora da política.
Os irmãos Mendes ficaram de conversar com o pai e acertarem
outra reunião para fechar a aliança. Quando passaram
para o velho o que tinham conversado na Alvorada, ele escutou tudo
muito sério, fez umas perguntas, ouviu as explicações
dos filhos e terminou dizendo:
- Minha gente, eu acho que vocês tão querendo é
me aposentar. E com meus 68 anos, já usando lentes de fundo
de garrafa, talvez seja mesmo tempo. Faço política
já faz 50 anos, sempre acompanhando quem tem força
no Estado. A força maior vence a menor. Ora a gente tá
de cima e manda mesmo. Ora a gente tá por baixo e se aguenta
na oposição. Pode até passar pro lado do Governo
quando se descobre que ser oposição não tem
futuro. Isso de andar discutindo a administração com
Deus e o mundo não é do meu feitio. É a tal
panela em que muitos mexem. Ou sai insossa ou salgada. Mas vocês
parecem que tão entoando com as conversas de Euclides e Odilon,
e do Dr. Paulo por trás deles, que eu não duvido queira
também botar um pé na política do Munícipio.
Só se fala na participação do povo nisso, na
participação do povo naquilo. E o diabo é que
meu político me diz que esse tipo de conversa tá na
moda e pode até ganhar eleição. Por isso, se
vocês quiserem fazer essa aliança, façam. Eu
lavo as mãos. Com os Antunes é que não tem
saída. Nem eles podem confiar na gente nem a gente neles.
Sair a oposição dividida, o risco maior é nosso.
Se Euclides ganhar sozinho, vamos fazer companhia aos Antunes na
oposição. Assim, eu vou ficar na retaguarda, dizendo
ao pessoal da minha idade que é preciso dar vez à
geracao mais nova.
Euclides, sentado em seu escritório do posto de gasolina,
com a cidade ao redor em silêncio aquela hora da noite, retirou
do envelope médio de papel-madeira que o Dr. Paulo lhe tinha
entregado várias folhas digitadas em computador, mandadas
pelo Dr. Pedro Canísio juntamente com uma carta.
Prezado
Amigo Euclides,
Aí vai o prometido, que pedi ao mano Paulo para lhe entregar.
Pelo que vejo, tanto eu como Paulo nos entusiasmamos com a possibilidade
de ver Amandi com um bom Prefeito e bons Vereadores.
O engraçado é que encontrei outros colaboradores.
Marina, minha filha que é professora de Geofrafia, e Bruno,
marido dela, bacharel Ciência Política, encarregaram-se
da introdução.. Conseguiram também, com um
autor cordel amigo deles, os versos que você vai encontrar.
Por sinal, muito bons.
A parte constitucional é minha. Como a Constituição
da República que dá o tom de tudo, comentei com palavras
simples os artigos dela que tratam especialmente dos Municípios.
Espero que essas anotações sejam úteis tanto
a você como a seus companheiros de campanha.
Pode dispor do velho amigo sempre que precisar.
Recomendações a Dona Laura.
Pedro
Canísio
Com
um sentimento de gratidão pelo velho desembargador que vinha
em seu auxílio, a que se acrescentava o senso de maior responsabilidade
que tomaria sobre si, pois o maior conhecimento de suas futuras
obrigações iam amarrá-lo ainda mais a seu cumprimento,
Euclides começou a ler.
COMO SER BOM CANDIDATO
COMO SER BOM ELEITOR
O
problema do Brasil
Desde criança, a gente cresce sabendo que o Brasil é
muito grande. E é muito grande mesmo.
Tem oito milhões e meio de quilômetros quadrados.
Ocupa quase a metade da América do Sul.
É o quinto maior país do mundo em extensão.
Se a gente passa a enfocar os 26 Estados brasileiros, não
precisa nem apelar para os gigantes como Amazonas e Pará.
Basta ficar con Minas Gerais ou Bahia, cada um deles bem maior do
que muitos países do chamado Primeiro Mundo: França,
Alemanha, Itália, Grã-Bretanha ou Japão.
Mesmo pequenos Estados como Rio Grande do Norte, Paraíba.
Espírito Santo e Rio de Janeiro tem território maior
do que alguns ricos países europeus como Dinamarca, Suíça
e Holanda.
Chegando até nossos dois menores Estados, Alagoas quase empata
em tamanho com a Bélgica, e Sergipe ganha de Israel.
Por isso, podemos ter certeza de que, no Brasil, falta de terra
não é problema.
Também não é problema gente demais.
A China, pouco maior que o Brasil, tem um bilhão e 200 milhões
de habitantes. A Índia, nem metade do Brasil, tem quase um
bilhão habitantes.
O Brasil está chegando aos 160 milhões.
O Japão, só do tamanho do Estado do Mato Grosso do
Sul, tem 123 milhões.
A Bahia tem 12 milhões de habitantes.
A Franca, quase do mesmo tamanho da Bahia, tem 56 milhões.
Vê-se logo que não é gente demais o problema
do Brasil.
Nem também gente de menos.
A Suécia não chega a 10 milhões de habitantes
e é um país desenvolvido.
Alguém pode lembrar que vários desses países
da Europa enriqueceram explorando colônias em outras partes
do mundo, enquanto o Brasil foi uma das colônias exploradas.
Esse é um ponto que precisa ser levado em conta.
Mas também é bom lembrar que esses países da
Europa sofreram duas guerras devastadoras na primeira metade do
século XX, enquanto o Brasil esteve em paz.
Onde está então o problema do Brasil?
Estudando melhor o caso, vamos ver que termina sendo mesmo um problema
com a população.
Não de quantidade de gente, mas de preparo das pessoas.
Todos os países desenvolvidos têm a maior parte de
sua população instruída e saudável.
Existem neles ricos e pobres, mas normalmente ninguém passa
fome.
Mas a falta de preparo de grande parte de nossa população
nao é culpa dela. O que se podia esperar duma gente que,
quando saiu do regime de escravidão, ganhou uma liberdade
de fachada mas não recebeu a mínima assistência?
Aí está o problema do Brasil. A maioria de nossa população
não é instruída e anda cheia de doenças.
Temos milhões de crianças subnutridas e muita gente
sem ter o que comer.
Esse problema tem solução? Tem.
Os países que encontraram essa solução vivem
hoje como nações desenvolvidas.
Necessidade
de conscientização
O que é preciso então fazer aqui?
Primeiro, que a parte da população que tem instrução,
que tem saúde, que tem boa morada, que tem emprego, que pode
comer três vezes ao dia passe a pensar também na outra
parte que não tem nada ou quase nada disso.
Não se pode deixar milhões e milhões de pessoas,
crianças, jovens vivendo como bichos e depois ficar reclamando
dos marginais.
A gente precisa meter na cabeça que o Brasil tem recursos
suficientes para atender toda sua população.
O que faz falta é uma administração competente
e honesta para que esses recursos sejam melhorem distribuídos.
Sempre haverá uns com mais e outros com menos, por muitas
razões que não vamos discutir agora.
O que não deve continuar é uns com tudo e outros sem
nada.
E como se pode encontrar esses administradores competentes e honestos
para cuidarem bem dos recursos públicos?
Para isso é preciso ter uma coisa que se chama conscientização.
Somente com bastante conscientização é que
as pessoas vão poder encontrar os bons administradores de
que o Brasil precisa.
As duas colunas seguintes vão mostrar, em dez pontos, o que
é não ter e o que é ter conscientização.
Fala
de quem não tem:
1. Tenho ódio de política e dos políticos.
Política não devia nem existir.
2. Ditadura é que resolve acabando com político safado.
3. Essa coisa de politica é para os grandes. Pequeno não
deve se meter onde não é chamado.
4. Um parente meu ou um conhecido sendo candidato, eu voto nele.
5. Dou meu voto a quem me pedir primeiro.
6. Só voto em quem me der alguma coisa.
7. Ninguém sabe que candidato presta ou que candidato não
presta.
8. Eu voto em quem meu patrão ou chefe político mandar.
9. Eu voto nos candidatos escolhidos por minha família.
10. Passada a eleição, o eleitor perde o valor.
Fala
de quem tem conscientização:
1. Condeno a politicagem. Mas entendo que tem que haver política
e políticos, pois precisa haver quem administre os Municípios,
os Estados e a Nação.
2. Ditadura não é solução. Comete muitas
arbitrariedades e é uma fonte de corrupção.
Os amigos do ditador deitam e rolam. Reclamar dos desmandos dá
cadeia ou coisa pior.
3. Sou um cidadão que paga impostos e tenho o mesmo direito
que qualquer outro de saber como os administradores gastam o dinheiro
público.
4. Ser parente ou conhecido não é motivo bastante.
Vota-se na competência e honestidade.
5. Voto não é coisa de apalavrar. É livre,
secreto e pode ser decidido até a hora de votar.
6. Quem anda dando coisas como candidatos vai tirar do que é
nosso depois. Vender voto é um mau negócio. Uma besteira.
7. Pode até ser meio difícil saber que candidato presta.
Mas, é fácil saber o que não presta. Candidato
que gasta muito na campanha, que compra voto, que promete emprego
e mundos e fundos, cam certeza não presta.
8. Ninguém tem direito de mandar em minha consciência.
9. Voto é uma escolha pessoal. É como casamento.
10. O eleitor tem direito de ficar cobrando serviço de quem
foi eleito.
Por
onde começar?
Esta pergunta
vai ser respondida primeiro em forma de verso.
1
O Brasil é muito grande,
Vinte e seis Estados tem,
Fala-se muito em Nação
E em Região também.
Mas é só no Município
Onde tudo tem princípio
Onde a gente se mantém.
2
Num Município se nasce
E registra no cartório.
Num Municipio se morre
E, quando acaba o velório
Se recebe sepultura.
Nossa vida enquanto dura
Se passa em seu território.
3
Num Município a criança
Cresce e vai para a escola.
Uma brinca de boneca,
Outra corre e bate bola.
Rapazes e moças feitos,
Sentem do amor os efeitos,
E a vida se desenrola.
4
Num Município é também
Onde a gente ganha a vida.
Agricultor, operário,
Cada qual na sua lida.
Tendo emprego e profissão,
Se respeita o cidadão
E pra tudo acha saída.
5
Num Município a gestante
Segue pra maternidade.
Tem posto, tem hospital
Em caso de gravidade.
Se sente mais segurança,
Se conhece a vizinhança
E se cultiva amizade.
6
Um Município é assim
Feito uma grande família
- Avós, pais, filhos e netos –
Onde tudo se partilha
Não aceite ser descarte
Mas exija a sua parte
Que pra todos o sol brilha.
Vai ser difícil não concordar com os versos que acabamos
de ler. É claro que nem tudo foi dito, e muita gente se muda
do Município onde nasceu. Mas aí o que se deu foi
apenas trocar um Município por outro.
Voltando agora à pergunta por onde começar a resolver
os problemas do Brasil, a resposta só pode ser uma: Pelo
Município.
Podemos estar certos duma coisa: se cada Município brasileiro
for administrado com honestidade e competência procurando-se
resolver os problemas existentes em seu território, então,
o problema do Brasil como um todo vai também encontrar solução.
Sem dúvida, os Municípios brasileiros têm muitas
diferenças uns dos outros. Os Municípios onde estão
as Capitais dos Estados têm problemas próprios das
grandes cidades, o que não ocorre com a grande maioria, onde
a sede do Município é uma pequena cidade que não
chega a 10.000 habitantes.
Essa realidade da maioria certamente é um fator positivo.
Melhorando a qualidade de vida nos pequenos Municípios, haverá
menos pressão sobre os grandes centros, menos gente querendo
se mudar.
1996: Ano de Eleições Municipais
Em 1996, todos os Municípios do Brasil vão eleger
Prefeitos e Vereadores para mais quatro anos de administração.
Serão os administradores não só da virada do
século, mas também da entrada nos anos 2000. Por que
não aproveitar essa ocasião especial para botar nas
Prefeituras e nas Câmaras Municipais gente honesta e competente?
A primeira coisa a fazer é apresentar a todos os candidatos,
sejam de que partido forem, um termo de compromisso que eles vão
assumir com a população do município, assinando
em baixo, e mandar depois registrar em cartório.
Muita gente vai perguntar que garantia se tem de que os futuros
Prefeitos e Vereadores vão manter esse compromisso. Garantia
mesmo não se tem, mas esse pessoal empenhou a palavra e não
vai ter desculpa. E todos no Município vão saber que
têm o direito de cobrar deles o compromisso assumido. Isso,
já é um passo muito importante para maior conscientização
de governantes e governados.
COMPROMISSO DE PREFEITO MUNICIPAL
Eleito Prefeito Municipal de ..................................................................
eu, .......................................................................................................................,
assumo o compromisso de governar o Município de acordo com
as leis do País (Constituição Federal, Constituição
Estadual e Lei Orgânica do Município). Faço
mais e dou minha palavra de honra, aceitando que todos me cobrem
seu cumprimento, que, na minha administração, procederei
como afirmo nos dez pontos abaixo:
1- Administrarei o Município em benefício de todos
os seus habitantes, não fazendo diferença, no que
for direito de todos, entre quem foi e quem não foi meu eleitor,
não me julgando dono do Município mas só seu
administrador, sabendo que todo dinheiro que entra na Prefeitura
vem dos impostos pagos pela população em geral e que
é desonesto gastar esses recursos em qualquer coisa que não
seja do conhecimento público;
2- Escolherei para os cargos da Prefeitura pessoas reconhecidamente
capacitadas e idôneas, evitando ao máximo critérios
de parentesco, amizade ou conveniências partidárias
prejudiciais à coletividade;
3- Promoverei, no primeiro mês de administração,
em local amplo e de fácil acesso, uma reunião aberta
à participação de todas as entidades existentes
no Município e da população em geral, onde
serão dadas informações sobre o estado em que
se encontra o Município, a saber:
a) Número de repartições e de cargos chamados
de confiança e sua real necessidade ou não, pois aí
está uma das causas de grandes despesas que podem e devem
ser cortadas;
b) Número de funcionários públicos municipais
e sua distribuição nas diversas áreas, inclusive
os que estiverem postos à disposição de outros
órgãos, com justificativa para isso;
c) Número de veículos pertencentes à Prefeitura
e seu estado de conservação;
d) Situação financeira do Município;
e) Projetos para atender as necessidades das diversas comunidades
do Município e suas prioridades.
4- Farei mensalmente uma prestação de contas de todas
as receitas e despesas da Prefeitura, a ser enviada à Câmara
Municipal e a todas as entidades existentes no Município
que se cadastrarem para esse fim, e também a ser colocadas
em painéis em locais públicos para conhecimento de
toda a população;
5- Promoverei uma reunião semestral nos moldes da que foi
descrita no ponto 3, para avaliação do que foi feito
e do que se deixou de fazer no semestre que passou e para planejamento
do semestre seguinte;
6- Promoverei reuniões nos bairros e nos distritos, esclarecendo
o ponto de vista da Prefeitura mas sem manipulação
dos presentes, para que as comunidades participem da proposta de
orçamento e apontem suas prioridades;
7- Darei informações completas sobre concessões
e permissões para prestação de serviços
públicos feitas a empresas privadas; sobre isenções
de impostos; e sobre o uso de veículos da Prefeitura e seu
abastecimento de combustível, o que deve ser feito somente
em serviço;
8- Darei especial atenção à educação
no Município, para que nenhuma criança em idade escolar,
seja na zona urbana seja na zona rural, fique sem estudar, e para
isso me empenharei na capacitação e remuneração
digna dos professores da rede municipal:
9- Darei também especial atenção ao atendimento
da população nas áreas de moradia, saneamento
básico, saúde e transporte;
10- Promoverei ações municipais que incentivem a fixação
da população no Município em atividades economicamente
compensadoras.
COMPROMISSO
DE VEREADOR
Eleito Vereador, eu, .............................................................................................,
assumo o compromisso de exercer meu mandato na forma da lei, sabendo
que minha obrigação como representante do povo é
fazer as leis Município e fiscalizar a Prefeitura Municipal.
Assim, dou minha palavra de honra, aceitando que todos me cobrem
seu cumprimento, que procederei de acordo com os pontos abaixo:
1- Colocarei sempre os interesses da população do
Município acima do meu interesse pessoal, de interesses de
grupos, ou de conveniências partidárias;
2- Apoiarei a organização popular e serei sou porta-voz
na Câmara, mas sem manipular as comunidades em proveito próprio;
3- Votarei todas as propostas do Prefeito Municipal e da própria
Câmara levando em conta o que for melhor para a população
do Município, sem barganhar vantagens pessoais;
4- Não farei do meu mandato um simples emprego bem pago,
querendo receber o máximo permitido em lei, pois a mesma
lei não impede receber menos, do modo que seja mais justo;
5- Lutarei para acabar com o abuso de cada vereador ter muitos assessores
e funcionários municipais a sua disposição,
e não participarei da criação de empregos públicos
desnecessários, reconhecendo em tudo isso uma prática
viciada de fazer política e uma sangria criminosa dos dinheiros
públicos;
6- Não farei segredo de nada que exista ou se passe na Câmara
Municipal, a menos que seja matéria tratada em sessão
secreta conforme a lei;
7- Não participarei de viagens desnecessárias ou de
pouco proveito para o Município, pois reconheço nisso
uma forma de fazer turismo às custas do dinheiro público;
8- Não participarei de movimentos interesseiros para criação
irresponsável de novos Municípios.
UM
PREFEITO OU UM VEREADOR DEVEM SABER
A
Constituição Federal é a lei maior do Brasil.
A Constituição Estadual é a adaptação
da primeira à realidade do Estado. Nela estão princípios
e regras que tratam dos direitos e deveres dos Municípios.
Os governantes que descumprirem esses deveres estão sujeitos
a punições.
A Lei Orgânica do Município é a adaptação
dessas duas Constituições à realidade municipal.
A Lei Orgânica é o que podemos chamar de “Constituição”
do Município, e para sua aprovação são
necessários os votos de dois terços dos membros da
Câmara Municipal. É por demais importante para Município
que a sua Lei Orgânica seja o retrato fiel da sua realidade
e atenda os justos anseios da sua população, a qual
pode influir nela diretamente através de emendas populares.
Neste trabalho, vamos apresentar e comentar vários artigos
da Constituição Federal. O conhecimento desses artigos
é indispensável por parte de Prefeitos e Vereadores.
O artigo 1° declara que a República Federativa do Brasil
é formada pelos Estados, Municípios e Distrito Federal,
adota o regime democrático e que todo o poder vem do povo.
Isto é a base de tudo o mais.
O artigo 5° afirma que todos são iguais perante a lei.
Daí se pode ver o absurdo da frase tristemente famosa: “Para
os amigos tudo; para os adversários a lei”. A lei deve
ser uma garantia de justiça para todos e não um castigo
só para alguns.
Três artigos (29, 30 e 31) do capítulo IV da Constituição
Federal tratam especialmente dos Municípios.
O artigo 29 explica como deve ser feita a Lei Orgânica do
Município e fala sobre a eleição e posse do
Prefeito e Vice-Prefeito, o número de Vereadores por Município,
e a remuneração do Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores.
Cabe à Câmara Municipal decidir, dentro dos limites
que a lei estabelece, em quanto fica essa remuneração,
que é chamada subsídio e tem uma parte fixa e outra
variável, esta chamada de verba de representação.
Neste particular, Prefeito, Vice-Prefeito e vereadores precisam
ser muito conscienciosos, não cometendo abusos com o dinheiro
público. Para evitar verdadeiros assaltos, foram acrescentados
a este artigo os incisos e VI e VII, que dizem que um Vereador poderá
receber, no máximo 75% do que recebe um Deputado Estadual
e que o total da despesa com a remuneração dos Vereadores
não pode passar de 5% da arrecadação anual
do Município. Já pelo artigo 37, XI, o Prefeito também
não pode ter remuneração superior à
maior que for paga ao servidor público do Município.
Mesmo com essas restrições, Prefeitos e Vereadores
podem ainda ficar recebendo pagamentos que são um acinte
quando comparados aos salários da maioria dos habitantes
do Município. Movidos pela ganância, calculam sua remuneração
pelo máximo permitido, quando a lei não impede de
forma alguma que fique muito longe disso e mais perto da realidade
econômica do Município. E não vale a desculpa
esfarrapada: “Não sou eu que ganho muito, os outros
é que ganham pouco”. Acontece que esses outros não
podem escolher o valor de seus próprios salários.
Uma remuneração menor, mas ainda razoável,
vai fazer com que sobrem mais recursos para aplicar na área
social, principalmente em saúde e educação.
O artigo 29 lembra ainda que o Prefeito pode ser julgado pelo Tribunal
de Justiça e até perder o mandato.
O artigo 30 fala sobre as coisas que são da competência
dos Municípios: impostos, prestação de contas,
concessões para serviços públicos, educação,
sáude etc.
O artigo 37 determina que a administração pública
obedeça aos princípios da legalidade (respeito às
leis), impessoalidade (ausência de privilégios), moralidade
(comportamento ético) e publicidade (tudo feito às
claras).
O artigo 39 trata sobre as diversas categorias de funcionários
públicos.
O artigo 145 fala sobre os vários tipos de tributos, enquanto
o artigo 156 se ocupa somente dos impostos que são da alçada
do Município.
Do artigo 158 até o 162, fala-se sobre a repartição
das receitas tributárias, impostos que pertencem aos Municípios,
repasses que a União e os Estados devem fazer para os Municípios,
e a divulgação que deve ser dada de todos esses recursos.
Dois outros artigos, 182 e 183, tratam da política urbana,
do desenvolvimento das cidades para “garantir o bem-estar
de seus habitantes”.
O artigo 198 trata das ações e serviços públicos
de saúde.
Os artigos 211 e 212 tratam da educação, cabendo aos
Municípios atuar principalmente no ensino fundamental e pré-escolar.
São estas as principais passagens da Constituição
Federal, que se repetem na Constituição Estadual e
na Lei Orgânica de cada Município. Não se aceita
que um Prefeito ou Vereador diga que leva a sério seu mandato
e não tenha consigo um exemplar da Constituição
para consultar sempre que for preciso. É mesmo recomendável
mandar copiar à parte os artigos acima citados para facilitar
sua consulta.
No domingo seguinte, o almoço já foi na fazenda Santa
Rita, propriedade dos Mendes, que convidaram os novos aliados e
ainda o Dr. Paulo e sua esposa, mais os vereadores e outros cabos
eleitorais do partido. Numa reunião às onze horas
da manhã num galpão da fazenda, para onde tinha na
trazido cadeiras da cidade, Osório Mendes passou ao filho
Wilson a incumbência de defender a nova aliança política
e o lançamento da chapa “Para Prefeito e Vice-Prefeito:
EUCLIDES AQUINO e WILSON MENDES”.
Na quarta-feira da mesma semana, um diário da capital noticiava
que, no município de Amandi, tinha surgido uma nova aliança
entre uma das duas forças políticas tradicionais e
uma liderança jovem que despontava, e que ligeira pesquisa
feita por seu correspondente na cidade e em dois distritos indicava
que seria imbatível nas próximas eleições
municipais, contando com apoio de 60% do eleitorado.
A reportagem estampada nesse jornal causou grande rebuliço
no arraial dos Antunes. Era a derrota certa que vinha a galope.
Mas a coisa por lá tomou mesmo ares de velório com
a volta do Prefeito Neco Antunes, que tinha ido à Capital
tratar de negócios seus, da família e da Prefeitura,
entre outros cobrar a demissão da irmã de Odilon,
que ainda não tinha sido publicada no Diário Oficial.
O Prefeito tinha notado logo a mudança no ar. O Deputado
Estadual de quem ele recebia apoio e a quem pagava com mil votos
em tempo de eleição veio com uma conversa diferente,
que por causa dos escândalos com financiamento de campanha
políticas estava muito difícil conseguir recursos
com empresários; que ele mesmo Deputado está pensando
em mudar de partido, e que o mais indicado para as eleições
do ano em Amandi podia ser uma coligação de todos
os partidos no Município. Informou também o Prefeito
de que o Secretário de Educação estava com
dificuldades para demitir a diretora da escola estadual de lá,
que ia pegar mal tirar uma professora com curso superior de Pedagogia,
que a inspeção informava que vinha fazendo um bom
trabalho, e botar no lugar dela uma leiga.
Neco Antunes entendeu o recado e voltou muito desanimado para casa.
À noite, numa reunião com o pai e mais gente da família
botou as cartas na mesa e todos viram que não tinham nenhum
trunfo. Sua maior queixa era ser desmoralizado por não ter
como conseguir a demissão da irmã de Odilon. Por isso,
ia logo renunciar antes do prazo obrigário e passar o cargo
ao Vice-Prefeito, que era de inteira confiança deles, um
pau-mandado, como se diz, e que Cícero seu irmão se
candidatasse a Prefeito se é que isso ia ter futuro.
Aí foi a vez de Cícero Antunes, que também
era Vereador, tomar a palavra:
- Olha aqui, minha gente, pelo que se vê andando no Município
e agora com as notícias de Neco, vai ser muito difícil
tomar essa eleição de Euclides, apoiado como está
pelos Mendes e Odilon. Agora, vocês já ouviram um boato
que diz que tão pensando em chamar tio Floro pra tesoureiro
da Prefeitura. E o velho sempre foi tão metido a direito
que eu não duvido que aceite. Até por pirraça,
porque a gente nunca deu cargo nenhum pra ele sabendo como ele é
cheio de exigências, por que isso não pode, isso não
é legal, isso aquilo outro. Daí, minha gente, barco
perdido bem carregado, como pai gosta de dizer. Se a gente marcha
pra uma derrota saindo corn candidato próprio, se tio Floro,
que é Antunes vai ser tesoureiro, por que não aderir
logo o resto da família?
A pergunta de Cícero deixou todo mundo atarantado e, passado
o choque, todos os olhares se voltaram para o velho Isaías
Antunes, no comando da família.
- Bom, meu povo - falou o cacique temperando a goela - isso não
é assunto pra se resolver do pé pra mão. É
devagar com andor. Mas vocês viram o que aconteceu com os
Mendes. Pra nós não cederam a cabeça da chapa
de Prefeito mas cederam pro Euclides. Eles devem ter visto alguma
vantagem nisso. E como eu já escutei de um doutor em política:
se a gente não pode vencer um adversário, o melhor
é se juntar com ele. Osório Mendes, que é três
anos mais moço do que eu, a conversa é que passou
a chefia pros filhos. Pra dar vez geração mais nova:
diz ele. Acho que tá na hora de eu também fazer o
mesmo e deixar que Neco e Cícero tomem a decisão final.
Vamos pensar nisso melhor amanhã, que agora ja é hora
de dormir. E o travesseiro é bom conselheiro.
Na noite do dia seguinte, Cícero foi procurar Odilon para
uma conversa. Para facilitar sua tarefa, foi logo dizendo ao colega
Vereador que o irmão Neco estava disposto a desistir da ideia
de forçar a demissão da irmã dele. Depois,
falou que, numa reunião do seu pessoal, tinham feito as contas
e visto que a campanha eleitoral pela frente ia ser muito dispendiosa
para os dois lados. Assim, por que não tratarem de fazer
a união das forças políticas do Município
e ter uma chapa única para Prefeito, mesmo que não
desse para fazer o mesmo com os candidatos a Vereador onde era preciso
atender mais gente?
- Isso quer dizer que vocês podem apoiar a chapa Euclides/Wilson?
– perguntou Odilon interessado.
- Bom, a gente prefere também fazer parte da chapa, mas pode
se chegar a um acordo diferente.
Quando Odilon, naquela mesma noite, procurou Euclides para lhe contar
a novidade, esse ficou satisfeito e comentou:
- Mas isso é um milagre em que nem o padre Nereu vai poder
acreditar. O danado é que os Mendes podem não querer
aceitar os Antunes na coligação.
- Não vejo muito problema nisso, Euclides. Eles não
andaram até querendo se aliar contra nós? O que a
gente não pode é propor tirar Wilson da chapa. Os
Mendes não iam aceitar, e a aliança com eles podia
ir de água abaixo.
No outro dia, Cícero veio convidar Euclides e Odilon para
uma conversa na casa do Prefeito. Lá foram muito bem recebidos
por Neco e a primeira dama, e o Prefeito até se desculpou
com Odilon pelo desentendimento que tinham tido. Mas, quando entraram
mesmo no assunto principal, os dois primos viram que podiam estar
se metendo numa armadilha. É que o Prefeito fez um rodeio
muito grande, falando que a paz política no Município
era muito importante naquele momento, mas que ela podia ficar mais
fácil se não houvesse vantagem maior nem para os Mendes
nem para os Antunes. Por isso, eles fechavam com Euclides para Prefeito,
mas o Vice não devia ser ninguém das duas famílias.
- E então quem ia ser o candidato a Vice? – quis saber
Odilon.
Neco Antunes deu uma risada e respondeu:
- Um candidato muito bom, de quem você, Euclides, ia gostar
muito.
- Mas quem? – forçou Euclides.
- Quem mais senão Odilon? – e Neco deu outra risada.
- E não tem nenhum problema com a justiça eleitoral
– ajuntou Cícero – porque vocês dois são
só primos longe, não é?
- Prefeito – falou Odilon muito sério – me desculpe
nem agradecer essa lembrança do meu nome, mas eu não
entro nesse jogo. Essa ia ser a maneira mais fácil de acabar
de vez com qualquer aliança. Os Mendes iam reclamar com razão
da falta de palavra minha e de Euclides. Ia ser uma molecagem da
nossa parte.
Neco Antunes perdeu o ar de riso e desconversou:
- É, você tem razão em achar que os Mendes iam
chiar, mas eu continuo dizendo que é o mais justo. Mas não
vamos fazer disso motivo de desavença nessa altura do campeonato.
A gente volta a conversar.
Depois desse encontro, Euclides e Odilon foram participar aos Mendes
que estavam sendo procurados pelos Antunes, que já pendiam
para aderir à coligacao, mas que dali por diante as conversas
tinham de ser na presença de todos os parceiros. Os Mendes,
que andavam meio desconfiados com um certo zunzum, ficaram satisfeitos
e não criaram dificuldades para aceitar os novos aliados.
- Jogar limpo será sempre a nossa grande vantagem Odilon
- comentou Eudides.
No domingo que se seguiu a toda essa rodada de conversas políticas,
o padre Nereu tinha ido novamente dizer missa na capela do povoado
vizinho ao sítio de Euclides. Mas agora o vigário
já estava indo ern transporte próprio, um carro usado
de boa procedência, que um movimento feito na paróquia
tinha permitido comprar. Convidado por Euclides na véspera,
o padre e seu jovem sacristão, terminada a missa e uns batizados,
foram almoçar sítio Lajeado. Lá chegaram pelas
onze horas da manhã e, enquanto Gustavo, o menino de dez
anos de Euclides, ia mostrar os animais criados no sítio
a seu amigo ajudante de missa, o casal e o padre Nereu saíram
conversando até chegarem ao cajueiro grande, onde se sentaram
recebendo o vento fresco que vinha do açude.
- Pelo que me contaram e você mesmo veio me dizendo agora,
Euclides, o milagre aconteceu - comentou o vigário. - Vai
sair um acordo político geral aqui no Município. E
eu feito um São Tomé sem querer acreditar que isso
fosse possível. Porque, na realidade, como os partidos aqui
não tem diferença uns dos outros, não devia
mesmo haver motivo pra divisão. O que existe são só
questões pessoais. Mas agora uma curiosidade minha. Como
é que Dona Laura está vendo toda essa movimentação,
com Euclides despontando como revelação política?
- No começo, muito preocupada, padre. Euclides, novato na
política, metido aí com gente escolada, eu não
achava que desse bom resultado.
Podia acabar era jogando era o que construiu pra família
em todos esses anos de casados. Mas ele se orientou com o Dr. Pedro
Canísio e o Dr. Paulo, que são pessoas muito sérias,
e agora eu já estou mais sossegada e achando mesmo que vale
a pena lutar pra mudar o jeito de fazer política e mostrar
que pode ser uma atividade de pessoas decentes.
- É, a senhora tem muita razão em tudo o que disse.
Tanto na desconfiança inicial com uma coisa que infelizmente
costuma ser um jogo sujo, como na sua compreensão de agora
de que política também pode e deve ser um jogo limpo,
importante pra resolver muitos problemas da nossa população.
E, como vigário e amigo, fico muito satisfeito com o comportamento
de vocês dois. E me disponho a colaborar no que me toca, esclarecendo
os fieis.
- Mas talvez o padre Nereu fique mal satisfeito com a ideia de Euclides
de procurar o pastor da Assembleia de Deus - adiantou Laura com
ar de riso.
- Mal satisfeito por quê? Euclides tem mesmo é que
procurar todas as pessoas responsáveis pelos diversos setores
no município e convidá-las a participar na busca de
soluções para os nossos problemas. O pastor Silas,
à frente da congregação, é uma dessas
pessoas. Por isso Dona Laura, a satisfação continua
a mesma.
Laura lembrou então que já era hora de irem voltando
para o almoço. Caminhando, Euclides veio combinando com o
vigário sobre umas reuniões que poderiam ser feitas
nas capelas depois de terminados os atos religiosos, em que o pessoal
da redondeza desse o seu depoimento das necessidades que tinham
e se acertasse a maneira de melhor atendê-las.
10
O
acordo entre as correntes políticas de Amandi produziu seus
bons efeitos até no carnaval da cidade. Como Amandi, nome
do município, quer dizer água de chuva em tupi, os
dois blocos carnavalescos locais tinham nomes alusivos a isso e
uma velha rivalidade de mais de vinte anos: um, o Relâmpago,
patrocinado pelos Mendes: o outro, o Trovão, com patrocínio
dos Antunes. Uma terceira agremiação carnavalesca,
uma troça de estudantes que se dizia independente, tinha
também um nome apropriado e de gozação. A Goteira.
Pois bem, a pacificação política em Amandi
fez com que Os foliões das diversas agremiações
resolvessem promover o Carnaval Arcos-íris, todos brincando
numa boa, com aceitação de todas as cores partidárias,
sem brigas nem confusão.
Outra consequência positiva do balde de água fria na
fervura das rixas entre grupos adversários foi que o padre
Nereu ficou muito a vontade para desenvolver a Campanha da Fraternidade
- 96, promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil,
a CNBB, com seu tema Fraternidade e Política e o lema Justiça
e Paz se abraçarão, tirado da Sagrada Escritura, no
salmo 85/84.
Assim, ele podia falar em política num sermão sem
que ninguém ficasse pensando que o padre estava tomando partido
por A ou B, ou criticando o Prefeito, mas todos compreendendo que
a política de que ele falava era o mesmo que administrar
direito.
O pastor Silas também contribuiu bastante para essa boa harmonia
que passou a reinar em Amandi, escolhendo para assunto de suas falas
nos cultos passagens do Antigo e do Novo Testamento sobre justiça,
paz e amor entre irmãos.
Quem se revelou também uma boa cabeça para encaminhar
a campanha eleitoral foi uma pessoa de quem talvez não se
esperasse tanto empenho, por conta da falta de confiança
nos políticos que tinha demonstrado. Laura, esposa de Euclides,
foi essa revelação e uma surpresa muito agradável
para o marido, que agora sentia que ela estava se interessando de
verdade pelo novo rumo que ele tinha tomado.
Foi assim que, depois duma reunião no Clube das Mães,
na Semana da Páscoa, onde todas as presentes debateram as
novidades no Município, Laura voltou para casa e falou ao
marido:
- Olha, Euclides, eu estou vindo da reunião do Clube das
Mães, e lá a gente conversou um bocado sobre a nova
situação política daqui. A maioria muito satisfeita,
achando que a campanha desse ano vai correr sem as baixarias de
costume. Outras desconfiando que essa coisa vai durar pouco. Aí,
Dona Rosália fez uma pergunta que rendeu muita discussão
e que eu achei que tem muito a ver.
- E o que foi que ela perguntou?
- Se os políticos daqui se uniram todos pra cuidar da próxima
administração, por que não começaram
a fazer o que prometem na administração já
de agora, que ainda tem quase nove meses pela frente? É ainda
o tempo duma gestação e dá muito bem pra mostrar
serviço.
- É - reconheceu Euclides. - Dona Rosália, positiva
do jeito que ela é, tocou num ponto que merece uma boa discussão.
Agora, que tem suas dificuldades, tem.
- Mas aí, Euclides, onde está a sinceridade de vocês?
Por que não podem fazer logo o que estão prometendo
pra depois?
- Aqui, Laura, é onde entra uma coisa que a gente conversou
no fim do ano passado, quando você não estava gostando
nada de eu entrar na política. Lembra que eu lhe disse que
tinha vindo conversando no assunto de candidatura com o padre Nereu?
- Lembro e acho que sei aonde você quer chegar, pois o padre
Nereu voltou a falar nisso naquele domingo em que almoçou
com a gente lá no sítio.
- Muito bem! Então eu acho que a coisa toda está no
velho ditado que não se deve ir com muita sede ao pote. Querendo
mudar tudo da noite pro dia, pode-se dar com os burros n’água.
Mas alguma coisa sempre se pode fazer.
- Mas qual é mesmo a dificuldade? Pois tem também
o outro ditado de não deixar pra amanhã o que se pode
fazer hoje.
- Bom, a coisa toda está nessa nossa aliança, Laura.
O padre Nereu acha que foi mesmo um milagre. Mas, pensando bem,
é como um castelo de cartas. Pode se desmanchar com um sopro.
Eu e Odilon estamos nisso por convicção. Mas os Mendes
e ainda mais os Antunes estão nisso porque acham que acaba
sendo mais vantagem pra eles. Em vez de arriscarem uma derrota,
preferem ser sócios da vitória. Depois, a gente nao
pode esquecer que legalmente, a Prefeitura está na mão
dos Antunes. Se eu e Odilon começarmos a fazer pressão
em cima deles, vão pensar que nós dois e os Mendes
estamos combinados pra tirar proveito às custas deles e podem
cair fora.
- É - admitiu Laura – vendo por aí, a coisa
fica meio difícil. Mas então não se faz nada?
Fica tudo só em promessa?
- Vou conversar com Odilon pra ver o que se pode fazer pra atender
a essa proposta muito séria das mulheres de Amandi - prometeu
Euclides com sinceridade. Pense também em alguma coisa, bem.
Quero que você continue interessada. Gostei demais dessa nossa
conversa.
- Pois vou ficar cobrando mesmo, Seu Candidato a Prefeito - garantiu
Laura com um jeito faceiro, que fez Euclides se lembrar dos seus
tempos de namoro e noivado.
11
Euclides procurou Odilon no dia seguinte, e a conversa entre os
dois foi bastante demorada. A ideia de que a aliança formada
já pudesse influir na Prefeitura não parecia coisa
impossível, mas não deixava de ser um bocado delicada.
Os Antunes podiam muito bem imaginar que eles estavam querendo tomar
conta do Município antes da eleição.
- Bom – falou Odilon – Neco Antunes anda dizendo que
vai passar o cargo para o Vice Chico Matias até o fim de
abril. Mas Chico vai continuar o que Neco mandar. E também
não tem sentido querer botar um contra o outro.
- Quem sabe – disse Euclides – se já não
seria hora de a gente entrar com aquela ideia de fazer o velho Floro
Antunes tesoureiro. Chico Matias já assumia nomeando Floro.
A tesoureira agora, aquela pobre coitada não ia nem se queixar,
porque ela está na tesouraria só de faz de conta.
O que Neco mandar ela aceita.
- É isso aí, Euclides! – concordou Odilon. –
O velho Floro vai ser a garantia de que não vai haver nenhuma
falcatrua até você tomar posse. E sendo assim, os recursos
que entrarem na Prefeitura já podem ser pra atender as necessidades
do Município. E a gente tem um pé pra falar nisso
aos Antunes, mostrando a conveniência de Floro assumir agora
e já entrar na próxima administração
conhecendo tudo. Depois, é um nome da família deles,
e não vai ser pra eles nenhuma desfeita. Os Mendes também
não vão querer ser contra.
- E tem mais – reforçou Euclides. – A gente faz
ver a Neco, a Cícero e ao velho Isaías que começar
a mudança agora, ainda na administração deles,
é vantagern pra eles. Quando a gente assumir, vai só
continuar o que já está sendo feito, sem precisar
denunciar as falhas da administração passada. Eles
só vão ter a ganhar terminando com fama de bons admnistradores.
A conversa com os Antunes correu como Euclides e Odilon tinham previsto.
Eles aceitaram nomear Floro Antunes tesoureiro mas disseram que
não mudavam mais ninguém. Não podiam desgostar
os correligionários. Neco também resolveu ficar mais
um mês na Prefeitura e só sair no fim de maio. Mas
o principal foi alcançado, e Euclides pode anunciar a Laura
e às outras mulheres do Clube das Mães que o que estava
sendo prometido para a próxima administração
começava a ser feito ainda na atual. Os Antunes iam sair
ganhando com aquilo, mas a populacao do Município seria a
principal beneficiada.
- É, Euclides - Laura falou muito satisfeita. - Estou vendo
que, quando existe mesmo vontade de fazer as coisas certas, tudo
feito a tempo e a hora.
- E vocês mulheres é que fizeram o trem das mudanças
partir mais cedo. Dona Laura, maquinista, e Dona Rosália,
foguista - completou Euclides com uma risada.
- E esse trem vai longe, meu amigo! Ameaçou Laura, entrando
na brincadeira.
12
Em começos de junho, a campanha eleitoral em Amandi corria
na maior tranquilidade. Até a ideia de não fazer coligação
para as candidaturas de Vereador acabou descartada. Os Antunes disseram
que, se tivessem direito a 12 vagas, aceitavam a coligação
completa. Os Mendes também não abriam mão de
pelo menos 10 vagas. Assim, das 25 vagas permitidas pela Lei Eleitoral,
sobravam apenas 3 vagas para o partido de Odilon e Euclides. Mas,
para a surpresa dos veteranos na política do Município,
os dois não tiveram nenhuma dificuldade em aceitar as propostas
dos aliados.
Numa reunião para preparar as convenções dos
três partidos coligados, Euclides deixou bem claro o pensamento
dele e de Odilon:
- Nós achamos que uma aliança como essa nossa tem
que ser justa com todos os partidos participantes. Se o nosso partido
tem a cabeça da chapa mesmo sendo o que tem atualmente menos
Vereadores, é normal que os outros partidos queiram, como
compensação, o direito de apresentar um maior número
de candidatos à Câmara Municipal. Assim, o partido
que indicou candidato a Vice-Prefeito, fica com 10 candidaturas
a Vereador, e o partido que não entrou na chapa de Prefeito
e Vice, fica ainda com um número maior, 12 candidaturas.
Sobram só 3 vagas para o nosso partido, mas é o eleitorado
do Município que vai decidir com seu voto quem vão
ser os 9 vereadores eleitos. E garanto uma coisa desde agora. Como
candidato a Prefeito por uma coligação de três
partidos, não posso ter preferência, durante a campanha,
pelos candidatos do meu partido. Os eleitores é que devem
indicar, entre os 25 candidatos, os nomes de sua preferência.
Outra coisa é que não estou preocupado em ter maioria
na Câmara, com os Vereadores aprovando tudo o que o Prefeito
mandar. O papel da Câmara de Vereadores é representar
os habitantes do Município, debater as propostas do Prefeito
para ver se atendem bem as necessidades da população,
fazer as leis que forem necessárias e fiscalizar a ação
da Prefeitura. Agora, também tenho certeza que, mandando
para a Câmara propostas que sejam reconhecidamente em benefício
do povo, nossos Vereadores, representantes desse mesmo povo, nunca
vão negar sua aprovação. Pois não espero
ouvir nunca de um Vereador a pergunta nojenta que infelizmente muitos
ainda fazem por esse Brasil afora na hora de votar um projeto: “O
que é que ganho com isso?”
Uma salva de palmas acolheu as palavras sinceras do candidato à
Prefeitura.
Na manhã do terceiro domingo de junho, em diferentes espaços
do Clube Municipal, as convenções dos três partidos
que compunham a coligação “União por
Amandi” fecharam a chapa dos candidatos a Preteito, Vice-Prefeito
e Vereadores do Município. Encerrados os trabalhos, os delegados
de partidos e populares saíram em passeatas pelas ruas, e
houve muitas comemorações e foguetório.
As três candidaturas a Vereador pelo partido de Odilon e Euclides
foram a do próprio Odilon, buscando a reeleição,
a do sindicalista rural José Tadeu de Lima, mais conhecido
como Zé de Tita, que tinha se filiado logo depois de Euclides,
e a da comerciante e dona de casa Rosália Nepomuceno.
Quando o diretório do partido tinha se reunido dias antes
para fechar a chapa, as duas primeiras vagas de candidatos a Vereador
ficaram naturalmente para os nomes de maior peso no eleitorado,
Odilon Cavalcanti e Zé de Tita. Mas estavam precisando de
uma candidata, não só para cumprir a nova lei eleitoral
que manda reservar 20% das vagas para o sexo feminino, mas também
porque achavam que era mesmo preciso dar voz às mulheres
na política.
Alguém lembrou então o nome da professora Odete, irmã
de Odilon, muito conceituada como educadora e que certamente teria
uma boa votação. Mas Odilon não foi de acordo,
achando que não ficava bem que duas das três vagas
que o partido tinha ficassem na mesma família. Sugerido o
nome de Laura Aquino, foi a vez de Euclides lembrar que sua esposa
não era filiada e, mesmo que fosse, dificilmente iria aceitar,
pois era mais correto dar vez a outras pessoas filiadas ao partido,
que não devia ser uma espécie de propriedade dele
e de Odilon.
Foi então que o secretário do partido, que estava
olhando a lista de filiados, fez o seguinte comentário:
- Olhem aqui! quando a gente andava pegando assinaturas nas fichas
de filiação pra ter o número de filiados que
a lei exige em cada Município, Dona Rosália do armarinho
assinou as fichas. Disse até que só assinava pra ajudar
a gente, porque tinha uma certa confiança em Odilon, que
ainda não tinha botado as unhas de fora.
Uma gargalhada geral acolheu essas palavras, e Odilon aproveitou
para propor que se saísse dali com um convite a Dona Rosália
para ser a candidata do partido à Câmara Municipal.
- Acho que é um nome de primeira – Concordou Euclides.
– Uma pessoa como Dona Rosália, que não tem
papas na língua, não tem melhor representante feminina
pra fiscalizar as coisas todas no Município.
Foi assim que nasceu a candidatura de Dona Rosália a vereadora
em Amandi.
- Aceito – Disse ela com seu jeito decidido – se eu
pudesse falar tudo que achar que devo, defendendo o que for melhor
pra todos. Se não for assim, vão atrás de outra.
Já os candidatos à Câmara pelos outros dois
partidos não tiveram tanta discussão. Metade das vagas
ficou com cada uma das famílias: irmãos, sobrinhos,
genros, noras. As vagas restantes couberam aos cabos eleitorais
mais fortes nos distritos, alguns deles compadres dos Antunes e
Mendes. Esses aí pelo menos abriram vaga para uma líder
estudantil, Ana Clara, que prometia agitar o eleitorado jovem.
A discussão política em Amandi começou a se
mostrar mais construtiva, um resultado direto de não estarem
no centro de tudo as brigas pessoais das outras campanhas eleitorais.
O Centro Estudantil de Amandi – CEA- desempenhou então
um importante papel. De posse duma cópia das instruções
escritas que o Dr. Pedro Canísio tinha enviado para Euclides,
o CEA organizou um Comitê pela Cidadania, sem ligação
com nenhum partido político, que se encarregou de promover
uma reunião à noite, no auditório do Clube
Municipal, para qual convidou todos os candidatos e o povo em geral,
onde Euclides Aquino e Wilson Mendes, receberam o Termo de Compromisso
de Prefeito, e cada candidato à Câmara Municipal ali
presente recebeu o Termo de Compromisso de Vereador.
Depois de fazer a leitura de cada um desses compromissos e explicar
seu significado, que era mais o reconhecimento por parte de que
tinha cargo de governo e da obrigação de prestar contas
de seus atos à população, o presidente do CEA
perguntou se os candidatos presentes queriam assinar ali mesmo esses
documentos, que, no dia seguinte teriam as firmas reconhecidas e
seriam registrados em cartório.
Euclides então, depois de consultar Wilson, fez a seguinte
proposta:
- Eu e Wilson meu companheiro de chapa, preferimos assinar o nosso
compromisso agora, na presença de todos. Mas, como estão
ausentes quatro dos candidatos a vereador propomos que eles sejam
primeiro procurados, para cada um receber seu termo de compromisso,
e noutra reunião daqui a três dias, os documentos serão
entregues assinados pelos candidatos.
Em seguida, Euclides assinou o compromisso e passou a caneta para
Wilson, que assinou também.
A assinatura dos dois foi saldada por uma salva de palmas, mas um
grupo no fundo do auditório começou a gritar:
- Assina, Vereador! Assina, Vereador!
Odilon então, levantando os braços, pediu calma e
falou:
- Meus amigos, vamos aceitar a proposta do nosso futuro Prefeito.
Nem todos os candidatos a vereador estão aqui. E é
muito bom que todos releiam com muita atenção o compromisso
que estão assumindo e assinem depois com inteira convicção.
Não tem sentido querer forçar ninguém. Eu mesmo
e outros aqui presentes estamos dispostos a assinar esse compromisso
agora no ato se fosse preciso. Mas não existe razão
pra tanta pressa. Todos de acordo?
Seguiu-se nova salva de palmas e ninguém mais se manifestou
a não ser Dona Rosália, que, alta e fornida como era,
impunha respeito:
- Minha gente, esse compromisso é coisa muito séria,
nunca vista aqui em Amandi e até no Brasil todo. Não
é coisa pra resolver no grito!
Mais uma salva de palmas encerrou a reunião.
13
Faltavam
três meses para as eleições de outubro, e a
campanha em Amandi era feita sem paixão, mas com muito gosto.
Todos os candidatos a Vereador tinham assinado o compromisso de
cumprir bem suas obrigações no caso de serem eleitos
e participavam das reuniões que os candidatos a Prefeito
e Vice promoviam tanto nos diversos bairros das cidades como nas
sedes dos distritos e na zona rural.
Nessas reuniões, os moradores de cada local visitado diziam
as coisas que mais faziam falta, e os candidatos iam anotando tudo
pra fazer depois uma mapa geral das necessidades do Município.
No distrito de Sapé, o mais lembrado era que a escola funcionasse
mesmo, com jardim de infância e ensinando até a quarta
série, ter médico e dentista no posto de saúde
duas vezes por semana, e que acabasse a novela da estrada que ligasse
a vila à sede do Município que era quase intransitável.
Um sitiante de lá, que tinha uma caminhonete, fez essa denúncia:
- Fizeram uma estrada nova e muito boa pra banda de cá mas
que serve mais à Fazenda Brejinho. Basta a Prefeitura desapropriar
uma faixa de terra na divisa dela com a Fazenda Jandaira, coisa
de dois quilômetros, e a gente ia ter estrada boa até
Sapé.
No Distrito de Várzea Grande, além de educação,
saúde e acesso fácil, os agricultores queriam ajuda
pra fazer funcionar sua cooperativa, que precisava construir um
armazém e ter silos pra estocar a produção,
eviando que tivessem de vender toda a colheita duma vez por um preço
que não compensava plantar.
No bairro de Boa Sorte, um clube esportivo queria financiamento
para montar uma oficina de conserto de carro e um lava-jato, tudo
operado pelos associados.
Uma reclamação comum em todos os bairros de Amandi
era contra as muriçocas ou pernilongos como diziam alguns.
- Ninguém passa a noite sossegado.
- O trabalhador vai com sono pro trabalho porque dormiu mal.
- As criança ficam com alergia às picadas dos mosquitos.
- Os repelentes dos mosquitos saem muito caro.
- Nem todo mundo pode ter mosquiteiro.
Euclides então foi conversar com os Antunes e o Prefeito
deles Chico Matias, e acertaram fazer uma campanha à parte
contra as muriçocas que infernizavam as noites da cidade.
Trouxeram da Capital um técnico da Defesa Sanitária
que orientou os trabalhos, primeiro de drenar as grandes poças
de água que se formavam nas margens do rio que passava pela
parte sul da cidade e depois criando umas brigadas de alunos das
diversas escolas locais para saírem de casa verificando fossas
estouradas e esgotos a céu aberto. A Prefeitura também
adquiriu uma caminhonete que saia fumaçando pelas ruas ao
anoitecer.
Com um mês desse trabalho, as muriçocas desapareceram
de Amandi. O engraçado é que os outros candidatos
a Vereador ligados aos Antunes foram instruídos por Neco
e Cícero, também candidatos, para não deixar
passar nenhuma oportunidade de chamar a atenção para
o fato de que foi na administração deles que Amandi
se livrou do flagelo das muriçocas e noites mal dormidas.
Euclides e Odilon achavam graça dessa esperteza deles, mas
os Vereadores ligados ao Mendes começaram a espalhar que
essa ladainha dos Antunes já estava incomodando quase tanto
como a zoada das próprias muriçocas.
Aliás, numa reunião com Euclides, Wilson, Odilon,
Zeca e vários outros candidatos a Vereador, o técnico
da Defesa Sanitária fez ver que a solução definitiva
do problema das muriçocas dependia de se fazer o sistema
de esgotos da cidade, o que resolveria outros problemas locais de
saúde, como as verminoses.
Os professores da Escola Estadual, com sua Diretora à frente,
estavam propondo um novo sistema escolar, em que o poder público,
Estado ou Município, cederia os prédios escolares
a cooperativas de professores, pagando a elas mensalmente uma parcela
do custo anual de cada aluno. Os cálculos feitos mostravam
que os professores passariam a ser mais bem remunerados do que sendo
funcionários públicos, haveria mais zelo pela conservação
de prédios e mobiliário por conta de um maior entrosamento
com as comunidades locais e, consequentemente, o ensino passaria
a ser de melhor qualidade.
Em 11 de agosto, Dia do Estudante, realizou-se um debate sobre este
projeto, iniciativa da candidata a Vereadora Ana Clara, e Euclides,
Wilson e vários candidatos a Vereador declararam seu propósito
de levar essa ideia adiante depois de eleitos.
O pleito de 3 de outubro decorreu sem qualquer problema. Dos quase
8.000 eleitores de Amandi, votaram 7.485. Uma votação
muito expressiva, demonstrando que o eleitorado do Município
aprovava aquela nova forma de fazer política. Apuradas as
urnas, é evidente que Euclides e Wilson foram eleitos Prefeito
e Vice. A surpresa ficou com os Vereadores. Três dos Antunes:
Neco, Cícero e Zé Tobias, um compadre forte deles
no distrito de Sapé. Três dos Mendes: Zeca e Edu, cunhado
dele, mais Ana Clara, a estudante que provou nas urnas sua liderança.
E o trio Odilon, Zé de Tita e Dona Rosália, que foram
os campeões de votos entre todos os Vereadores.
Outra novidade nessas eleições de Amandi foi que quase
não se gastou dinheiro na campanha. Nada de distribuir tijolos,
telhas e sacos de cimento nem de mandar despachar remédios
nas farmácias. Os necessitados receberam normalmente essas
ajudas no Serviço Social da Prefeitura sem ninguém
exigir votos em troca.
Camisas com nomes dos candidatos foram compradas pelos que queriam
usá-las ou por amigos que presentevam outros com elas. Houve
fazendeiros que deram uma rês, e sitiantes que deram um bode,
para fazer um churrasco ou buchada. Os candidatos de menos posses,
como os partido de Odilon e a estudante, vendiam senhas para esses
almoços.
Assim se arrecadou o necessário para as despesas com transporte
e combustível, algumas faixas e panfletos mimeografados.
* * *
A
boa política como foi imaginada no Município ideal
de Amandi poderá muito bem ser levada para muitos outros
Municípios reais deste nosso Brasil.
Lendo
este manual
Qualquer eleitor ou eleitora
Vai dar mais valor
A seu voto
Os candidatos
A prefeito e vereador
Vão aproveitar ainda mais
Da leitura deste manual.
Todos
os leitores
Vão acompanhar com interesse
A campanha eleitoral
No município ideal
De Amandi.
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