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Luiz Gonzaga Cortez

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CÂMARA CASCUDO, O JORNALISTA INTEGRALISTA
LUIZ GONZAGA CORTEZ

EDITORA GRD
SÃO PAULO - 2002
SEGUNDA EDIÇÀO

 

O PROBLEMA SOCIAL NO BRASIL É POLÍTICO

CONTRA PARTIDOS BURGUESES

O COMUNISMO SEM VIOLÊNCIA É CÃO SEM DENTES

O INTEGRALISMO É O FASCISMO BRASILEIRO

OS COMUNISTAS SOVIÉTICOS SÃO IGUAIS AOS DE AREIA BRANCA

CASCUDO NÃO DEVOLVEU COMENDA DE MUSSOLINI

 

 

 

 

 

 

O PROBLEMA SOCIAL NO BRASIL É POLÍTICO

“De princípio, quem toma partido, quem participa, mesmo erroneamente, está mais próximo do que quem se omite, seja por motivos pessoais ou princípios filosóficos”. Ivan Maciel de Andrade (In “Integralismo: pecado sem perdão? “, “Tribuna do Norte”, Natal/Rn, p.13, 29.07.1984)


O escritor Luiz da Câmara Cascudo (1898-1986), monumento maior da cultura potiguar, foi um dos maiores divulgadores da ideologia da Ação Integralista Brasileira, movimento político conservador e nacionalista, liderado pelo escritor paulista Plínio Salgado, entre os anos 1932/1937, época em que as posições políticas eram de direita ou de esquerda, comunista ou anti-comunista, fascista ou anti-fascista.

Intelectual consagrado na sua terra, Natal/RN, Câmara Cascudo, ao se tornar o primeiro chefe da Ação Integralista Brasleira-AIB, na “Província do Rio Grande do Norte”, em 1933, já era um nome conhecido nos meios culturais e políticos do Rio de Janeiro e São Paulo, principalmente entre os grupos conservadores. Dentre os grupos conservadores de direita, a AIB tornou-se o primeiro e maior movimento político de massas no Brasil. A Plínio Salgado, Miguel Reale, Menotti Del Picchia, Tasso da Silveira e Gustavo Barroso, juntou-se Câmara Cascudo, já então consagrado como o intelectual maior do Rio Grande do Norte. Por isso, é comum dizer-se que a AIB reuniu a nata da intectualidade brasileira dos anos trinta.

A partir daí, a militância política na AIB/RN foi coadjuvada com a militância jornalística na imprensa integralista do Rio de Janeiro e São Paulo, principalmente no semanário “A Ofensiva” (mais tarde, em 1936, passou a circular diariamente), responsável pela divulgação das notícias do movimento “verde-amarelo” de Plínio Salgado e do panorama político internacional com farto noticiário simpático ao movimento fascista mundial.

Apesar de não termos conseguido efetuar um levantamento integral das atividades jornalísticas de Cascudo nas hostes da AIB, pois não tivemos acesso a todos os exemplares de “A Ofensiva”, porta-voz dos camisas verdes, podemos assegurar que Câmara Cascudo publicou dezenas de artigos e crônicas em jornais e revistas integralistas.

Sào variados os temas que Cascudo abordou quando era um atuante político e jornalista integralista, pois tratam não somente da doutrina pliniana, mas, ainda, do marxismo-leninismo, do comunismo estalinista, educação e moral comunista, filosofia chinesa, cinema, música, história do Brasil, fascismo e nazismo.

Além do jornal “A Ofensiva”, Cascudo publicou artigos nas revistas de divulgação do pensamento integralista, como “Anauê” e “Panorama”, esta criada pelo jovem escritor e pensador Miguel Reale, um dos membros da “Câmara dos Quarenta” e chefe de doutrina da AIB. Estudioso dos problemas políticos e econômicos que afligiam o povo brasileiro, que permanece enfrentando os mesmos problemas e acreditando num salvador da pátria, Cascudo escreveu um artigo sobre “A Dívida Externa do Rio Grande do Norte”, mostrando como foi feito o primeiro grande empréstimo pelo Governo do Estado potiguar.

Como todo integralista, Cascudo foi um jornalista cristão, anti-burguês, anti-capitalista, nacionalista, anti-liberal, contra o banqueirismo internacional que ainda hoje mantém o Brasil numa situação de dependência e escravização financeira.

Em artigo publicado na página três de “A Ofensiva” (Rio, 31.05.1934) sobre o problema social do Brasil , Cascudo diz que “para a burguesia liberal, governar é arrecadar impostos. Que importa o sofrimento dos homens? Que importa o desenvolvimento constante de classes exploradas ao lado de um pequeno grupo de exploradores? Que importa o acorrentamento da nação ao capitalismo estrangeiro? “.

Depois de lembrar que a questão social sempre existiu em todos os tempos, “na luta da aristocracia e a democracia da Grécia Antiga” , o jornalista Câmara Cascudo asseverava que “a luta dos povos é uma luta social permanente em busca do novo equilíbrio perfeito. Por isso, queremos a transformação do Estado num organismo plástico ( uma antevisão da transparência de Gorbachev, na ex-URSS? ), revolucionário, capaz de atender as novas exigências da vida em sociedade.

E prossegue: “Não queremos negar a evidência. O Brasil é, por si mesmo, uma vasta questão social. Se outras nações, como a Itália e a Alemanha, reagem contra fatores certos de decadência afim de conservarem o esplendor de suas civilizações, no Brasil a reação é ainda mais necessária e premente. É o progredir ou desaparecer de Euclides da Cunha.

“É o dilema que se apresenta a nova geração. Ou seremos capazes de, num gesto viril de mocidade ativa, romper os preconceitos que atravancam o nosso caminho, formar um espírito novo e criador, organizar o Brasil sobre bases moral e materialmente sólidas, ou sucumbiremos debaixo dos escombros de uma pátria retaliada e miserável. Não é fraseado ôco, não é demagogia. É a realidade que se nos apresenta a um exame sincero. O problema social no Brasil é político por excelência. Carecemos de organização em todos os setores das nossas atividades. A agricultura agoniza escravizada ao banqueirismo e um sistema de tributações que constitui uma extorsão legalizada ao trabalho da maior classe do país.

“ As populações rurais reclamam higiene, ensino e salários justos. Os operários urbanos pedem trabalho e dignidade. O comércio aspira a uma estabilidade propícia ao desenvolvimento dos seus negócios. No campo intelectual sofremos a invasão de teorias que serviriam para apressar a nossa escravização aos potentados do capitalismo estrangeiro, seja de Londres, Nova York ou Moscou.
A literatura é afeminada ou destruidora.

Os políticos não se preocupam senão com posições mais à mão. “Aprés nous le deluge”.
Nesse ambiente nasce o Integralismo.

Concepção completa de nacionalismo sadio e universalismo equilibrado. Uma filosofia para o Brasil. Uma literatura a serviço da nação. Libertação mental da inteligência patrícia.

Um direito como emanação natural dos nossos costumes e das nossas necessidades.
Disciplina para conter o egoísmo dos interesses individuais. Um mestre genial para que não continue acéfalo o lugar de chefe da Nação Brasileira.

Atitude intransigente contra todas as doutrinas e homens que pretendam confundir a trajetória da nossa terra que há de ser grande entre as maiores.

Numa época de ceticismo somos conduzidos pela fé.

Contra a displicência e a dubiedade, contra a ausência de atitudes másculas, envergamos uma camisa verde, simbólica, como um desafio aos inimigos da pátria.

Sorri-nos a certeza da vitória. Hoje, amanhã ou no decorrer dos anos próximos.

O que importa é a vitória. Ela virá matematicamente certa. Pacífica, se for possível, violenta, com sacrifício do nosso sangue, se a tanto formos levados”.

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CONTRA PARTIDOS BURGUESES

Luiz da Câmara Cascudo, Francisco Veras Bezerra e Miguel Seabra Fagundes integraram o triunvirato que dirigiu o movimento integralista no Rio Grande do Norte, de julho de 1933 a meados de 1934, quando, efetivamente, passou a chefiar a AIB/RN. Cascudo foi o primeiro potiguar a comandar a AIB potiguar de forma efetiva e titular, haja vista que o professor e historiador Manoel Rodrigues de Melo assumiu a interinidade da chefia integralista local quando Cascudo viajou ao Rio de Janeiro para entendimentos com Plínio Salgado, Gustavo Barroso, Olbiano de Melo, os dirigentes nacionais do movimento.

Em maio de 1934, Cascudo integrou uma comitiva oficial do Interventor Mário Câmara que percorreu o interior do Estado. O resultado dessa viagem foi o livro de reportagens “Viajando o Sertão”, publicado pela Imprensa Oficial do Estado, em 1934. ( A segunda edição , patrocinada pela Fundação José Augusto, em 1975, tem prefácio de Manoel Rodrigues de Melo que, em certo trecho, transcreve parte do artigo de Cascudo, publicado no jornal “A República”, de Natal/Rn, em 04.09.34, em resposta às acusações do político “decaído” José Augusto Bezerra de Medeiros, o “Zé Promessa”, que questionava o fato de um chefe integralista viajar com o interventor.

Vale a pena transcrever o trecho supracitado para se ter uma idéia de como Cascudo, na época, considerava os políticos conservadores e burgueses: “Chefe Provincial Integralista, miliciano convicto, considero os partidos políticos meras fórmulas desacreditadas e incapazes de renovação social. Não pertenço a nenhuma agremiação partidária e mantenho relações íntimas com vários próceres que não ignoram a retidão da minha atitude, assumida publicamente a 14 de julho de 1934.

Aos camisas verdes de minha Província não dou explicações, porque eles me conhecem de perto. Aos políticos é desnecessária qualquer justificação em contrário às suas afirmativas, porque “política é isso mesmo”.

***

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“O COMUNISMO SEM VIOLÊNCIA É CÃO SEM DENTES”


Pecar pelo silêncio quando se devia protestar, transforma homens em covardes. A . Lincoln.


A obra cascudiana, apesar de vasta, talvez seja a menos estudada pelos intelectuais do Rio Grande do Norte e do resto do país. Nada foi pesquisado sobre Cascudo, o político. O profundo e extenso trabalho de pesquisas desenvolvido pela falecida poetisa Zila Mamede ( 1) não abriu nenhuma vereda nesse campo, pois, à exceção de poucas referências a artigos políticos-ideológicos da lavra de Câmara Cascudo, publicados no jornal natalense “A República”, não faz menção a sua atuação como jornalista, militante, dirigente e intelectual da Ação Integralista Brasileira, nos anos trinta.

Câmara Cascudo foi um combativo jornalista anti-comunista do jornal “A Ofensiva”, do Rio de Janeiro, sob a orientação de Plínio Salgado e dirigido por Madeira de Freitas. O anti-comunismo exarcebado, o nacionalismo xenófobo, o anti-capitalismo internacionalista e o misticismo cristão eram as características da ideologia da AIB, que possuía uma estrutura paramilitar, hierarquizada e disciplinada.

Como intelectual integralista, Cascudo tinha que escrever pró-integralismo e contra o comunismo, cujas ações e atividades clandestinas desenvolvidas contra o governo de Getúlio Vargas eram acobertadas pela Aliança Nacional Libertadora-ANL, criada pelo Partido Comunista do Brasil-PCB e integrada, ainda, por grupos de socialistas, democratas liberais e oposicionistas diversos. Portanto, os artigos e crônicas de Cascuda, na sua maioria, versavam sobre os assuntos da atualidade política nacional e internacional, com forte colorido verde-amarelo e um ojeriza latente ao regime soviético, Lênin, Stálin, o Exército Vermelho, a tudo que cheirasse a marxismo-leninismo.
Na época do Cascudo integralista, o Brasil vivia a dicotomia de comunismo e fascismo. Quem simpatizava com o comunismo se filiava ou colaborava com o PC ou a ANL; quem se atrevia a combater o comunismo, o PCB e a ANL, ingressava na Ação Integralista Brasileira-AIB. A maioria dos intelectuais brasileiros era conservadora e estava na AIB e/ou apoiava a ditadura Vargas, nos anos trinta.

Por isso, não podemos analisar a militância política dos intelectuais brasileiros tomando por base os tempos atuais. Antes de Luiz Carlos Prestes, presidente de honra da ANL, lançar o apelo às armas para derrubar Getúlio Vargas, um gesto considerado precipitado e maluco, pois a ANL e o PCB não tinham o apoio das massas populares e as armas dos quartéis, de forma ampla e integral, o escritor e chefe da AIB, Plínio Salgado, em artigo publicado na primeira página de A Ofensiva, em 1001.1935, dizia: “Fala-se hoje em conspirações, em preparativos de golpes de Estado, em confabulações de políticos, no sentido de apoderar-se, de surpresa, do poder”(2)

Mais adiante, no mesmo editorial, intitulado “Direito da Revolução”, Salgado proclamava: “... Hoje, no Brasil, só duas correntes têm o direito de pretender transformar o Estado: o integralismo e o comunismo. O Brasil e a Rússia. O integralismo, para fazer a independência econômico-financeira da Pátria, sustentando os direitos do Brasil; o comunismo, para fazer voltar o Brasil aos tempos da Colônia, substituindo Dom João VI por Stálin I”. Pode dar vontade de rir, haja vista que o comunismo não é sinônimo de monarquia, mas esse era o estilo do jornalismo político de direita, na década de 30.

No dia 1 de março de 1936, nas páginas 10 e 12, no órgão porta-voz da AIB, Cascudo publicou o artigo “Violência Bolchevista”, em que procurou mostrar que o comunismo é sinônimo de violência, a própria essência do regime soviético sob a égide de Stálin. Os violentos combates travados no Rio de Janeiro e recife e, em menor grau, em Natal, durante a insurreição de oficiais, cabos e soldados das guarnições do Exército, entre 23 e 27 de novembro de 1935, para derrubar Getúlio, foram vistos com naturalidade, sem surpresas, pelo jornalista Câmara Cascudo, pois, para ele, “o bolchevismo sem violência é cachorro sem dentes - é inofensivo e barulhento”.

Dezesseis meses antes da revolução comunista de Natal, Cascudo publicou em “A Ofensiva” (01.07.34) outro violento artigo contra o comunismo e a União Soviética, com o título sugestivo: “É Mentira! “. O artigo era curto e grosso.

Leiamo-lo:

“A Rússia é um paraíso onde ninguém entra senão depois de atos de fé partidária. É o único país do mundo inteiro que se conserva fechado dentro dos seus limites e gelos, defendendo-se por negação sistemática.

É um céu aberto onde cada dia morrem dezenas de “felizes” moradores que pretendem abandonar éden vermelho e são fuzilados pelas patrulhas que rondam as fronteiras. Somente na Rumânia vivem três milhões de russos que fugiram das delícias soviéticas.

Quando afirmamos esses fatos a resposta dos bolchevistas é uma só ; -- Mentira! Invenção capitalista! Calúnia burguesa!

E não provam nada em contrário. Continuam cerrando mais e mais as suas portas e matando quem se atreve a querer abandonar as supremas alegrias de um regime incomparável.

Ivan Bunin, prêmio Nobel de Literatura de 1933, diz que a Rússia é o inferno vivo dos homens de inteligência. Bunin é russo e era um revolucionário.

Mentira de Bunin!


Henri Bérard diz que na Rússia o povo não pode escolher ninguém para representá-lo. Bérard é socialista radical.

Mentira de Bérard!


Jorge Popof diz que a Rússia está debaixo de uma organização policial sinistra e sanguinária como nunca se pode imaginar.

Mentira de Popof!

Leon de Poncin demonstra como nunca o capitalismo sem pátria e sem alma dominou selváticamente uma nação como agora a Rússia.

Mentira de Poncin!

Joseph Douillet, que viveu nove anos na Rússia escreve que a opressão oficial, a tortura declarada, as mortes sem processos, são formas comuns na República Soviética.

Mentira de Douillet!


George Le Fevre que a morte das iniciativas russas ante o “moloch” da G.P.U., toco mecanismo de espionagem e esmagamento, são processos oficiais para manter a população na obediência.

Mentira de Le Fevre!

Sergio Petrovich Melganov, da União Acadêmica Russa disse que o regime comunista é apenas o “terror vermelho”.

Mentira de Melganov!

Nilostonski chama o governo soviético de “embriaguez de sangue dirigida por carrascos chineses”.

Mentira de Nilostonski!

Boris Nolde transcreve as ordens de saques às populações do interior a palavra do governo autorizando a violação de todos os direitos humanos, os horrores de outubro de 1917.

Mentira de Nolde!

Trotski acusa Stalin de estar tornando ( desculpem se é pouco) um simples fascista.

Mentira de Trotski!
Que será verdade, Deus meu?

A verdade é que a Rússia Soviética é um paraíso onde todos os anjos querem sair...

NOTAS; 1 - Luiz da Câmara Cascudo - 50 anos de vida intelectual - 1918-1968, Fundação José Augusto, Natal/RN, 1970 - 3 volumes.
2 - “Em meados de 1935, a conspiração andava no ar. Sentia-se, respirava-se a revolução, mas tudo parecia o resultado de um estado insuportável de insatisfação geral”, corrobora Leôncio Basbaum, em História Sincera da República, Editora Edaglit, São Paulo, 1962, p. 91.

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O INTEGRALISMO É O FASCISMO BRASILEIRO

“Quer queiramos, quer não, o Movimento Integralista teve o seu caráter reflexo e por isso tinha que imitar o comportamento do fascismo europeu. Era uma ação político-social, não admitia partidos, entendia que a nação era um todo único, indivisível, se propunha a fazer uma força paramilitar inteiramente disposta a reivindicar, não só poder para o partido, como também se opor ao movimento comunista, que era muito forte e, sobretudo, muito assustador, da média e da grande burguesia naquela época”.

Ovídio da Cunha, um dos fundadores da AIB no Rio de Janeiro, em depoimento prestado a revista de Ciência Política, p. 149, Vol. 02, agosto de 1985 - Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro.

Em 1933, Câmara Cascudo contava com 34 anos de idade (ele nasceu a 30 de dezembro de 1898) e já era um nome respeitado na sociedade natalense que conhecia seus dotes culturais e inteligência, haja vista que começou a atividade jornalística aos dezesseis anos no periódico “A Imprensa”, de Natal/RN, adquirido pelo seu pai, Francisco Justino de Oliveira Cascudo, “unicamente visando o filho, já admirado pela precocidade nas pesquisas realizadas nos sertões de sua terra”. (1)

A sua entrada na Ação Integralista Brasileira/RN, em 14 de julho de 1933, teria sido influenciada pelo seu vasto círculo de amizade no mundo intelectual e católico do Rio Grande do Norte, onde despontavam nomes como Otto de Brito Guerra, Manoel Rodrigues de Melo, Miguel Seabra Fagundes, Ulisses de Góis, dom Marcolino Esmeraldo Dantas e outros.

Na década de 30, o Rio Grande do Norte também passou a sofrer influência da luta pelo poder que se desenrolava em todo o Brasil, numa conjuntura em que a Ação Integralista Brasileira e a Aliança Nacional Libertadora, esta fundada pelo Partido Comunista, disputavam a hegemonia política. E Câmara Cascudo viu muitos acontecimentos importantes dessa luta política do alto do casarão em que residia, na rua Junqueira Ayres, nos limites dos bairros Cidade Alta e Ribeira, em Natal, nas reuniões e comícios integralistas, muitas vezes tumultuados pela presença barulhenta dos comunistas. Num casarão situado na praça 7 de setembro, ao lado do antigo Palácio Potengi, sede do governo estadual, já demolido, Cascudo e os líderes da AIB/RN realizaram muitas pregações aos jovens que por ali passavam.

Um testemunho da época, o falecido escritor e musico Gumercindo Saraiva, escreveu que o Rio Grande do Norte, politicamente, ficou dividido entre Integralismo e Comunismo., “duas facções da política internacional”. Escreveu ele: “O maestro Waldemar de Almeida, diretor do Instituto de Música, teve a sua vida ameaçada por comunistas ferrenhos, viajando incontinenti ao sul do país, após o pichamento da fachada da sua residência em Natal, onde os comunistas, abertamente, entoavam canções internacionais, entusiasmando os operários e alguns incautos da doutrina vermelha”. Acrescenta Gumercindo que “os comunistas cantavam “A Internacional”, insuflados por “pseudos idealistas”, enquanto os integralistas “cantavam em vozes estridentes, mas brasileiros, o Hino Nacional e as canções patrióticas”. (3)

Datam de 1934 os primeiros artigos artigos de Luiz da Câmara Cascudo no jornal “A Ofensiva” , de acordo com as pesquisas que efetuamos na coleção incompleta do veículo porta-voz da AIB, em nosso poder e que pertenceu ao meu pai, Manoel Genésio Cortez Gomes, comerciante e ex-agenciador de assinaturas do jornal católico “A Ordem”, de Natal e último chefe integralista no RN.
Em 18 de outubro de 1934, Cascudo publicou o artigo “Integralismo é Cópia? “, no qual procura mostrar, em poucas e percucientes palavras que o integralismo era o fascismo brasileiro. Antes, o professor Francisco Veras também afirmou que o integralismo é a fórmula brasileira do fascismo que, onde anos antes, através da revolução feita por Benito Mussolini, tinha tomado o poder na Itália. Hitler já era Chanceler do III Reich alemão, mas ainda não tinha botado as unhas para fora e não se conhecia o caráter perverso e desumano do nazismo. Nessa época, Cascudo escreveu o seguinte:

O Integralismo é Cópia?

“O integralismo não é uma cópia. É a fórmula brasileira do Fascismo. Aceitamos muitas soluções internacionais da doutrina sem perder de vista o elemento nacional onde ela é chamada a operar.

Cópia é o bolchevismo teórico de certos internacionais de pacotilha. Cópia é a elegância dos nossos “almofadas”, eternos “faris” das “marionetes” analfabetas de Hollywood.

Nós somos universalmente interdependentes. É uma fatalidade social e biológica. Não creio na autarquia de nenhum povo porque teremos sempre a impossibilidade de conciliar produção com mercados. Se nós brasileiros usássemos o material exclusivamente nacional, teríamos outra forma de civilização. Portugal nos deu o idioma que negros e índios colaboram. A Europa nos manda tipos de indumentos e de idéias. Devendo atender aos reclamos desses aprioristas, falaríamos Tupy, cercando a cultura com a euduape, a cabeça com a acanquatara e na mão o tacape dos Tuixáuas.

Tudo em nós é uma herança de milênios. Vive no menor dos nossos gestos um memorial de gerações anônimas e colaboradoras. Tradições, culinárias, roupas, costumes, artes, tudo veio de longe, em vias misteriosas ou naturais. Tudo tem passado por um processo secular de assimilação e de acomodação lectivas.

Perguntem ao crítico, que nos diz copiadores, de onde lhe veio o fumo de seu cigarro, a linha do seu traje, a palha de seu chapéu, o corte de seu sapato, o modelo de seu colarinho? Diga que tudo lhe chegou de fora e de longe, hoje ou ontem, em sementes ou figurinos, amostras ou contrabando. Ele não criou nada. O indumento, o idioma, a culinária, folclore possuem leis de circulação e fusão ambientais. São idéias, formas materiais, universais e que pertencem, pela peculiaridade que assumem, a todos os povos.

Assim o integralismo surgiu brasileiro, para cumprir o seu ciclo heróico, sem deixar de ser um pensamento de todos os povos que se renovam. É uma idéia geral mais instintiva como a legítima defesa. Vive em toda parte, mas adquire cambiantes próprios das regiões onde se levanta, como uma afirmativa de fé, ante a matilha troante dos insultadores da Pátria e da raça.

Nós não copiamos nenhum fascismo. Sir Mosley, o grande camisa-negra inglês, já disse entre aplausos, que a saudação romana era um patriotismo comum aos povos cultos. Antes de levantar a mão para o alto do que ter os dedos metidos na algibeira do capitalista ou na jaqueta do operário, pedindo dinheiro ou votos, servos de uma gleba imóvel e com eterno dono - “está-se usando”.
Integralismo é uma força que está em nós mesmos. O raio é a extensão do Brasil. A trajetória é o infinito de nossas almas que se libertaram de todos os terrores “cósmicos” ou políticos e se orientam para um horizonte de trabalho e de justiça social”.

E Câmara Cascudo não se preocupava apenas com o avanço do movimento integralista no Brasil. Os variados tipos de fascismos eram motivos de abordagens e comentários nas colunas de A Ofensiva. A situação política na Europa, na Turquia (4), no Irã, na antiga URSS, interessava tanto quanto na vizinha República da Argentina, como verificamos no artigo publicado em 15 de novembro de 1934 (.p.3), “O fascismo na Argentina”.

“ Fascismo na Argentina? Há e bem forte Nós não sabíamos disso. No Brasil, só vivemos a história das greves, dos discursos de Litvinov e da saúde de Stalin. O movimento fascista na Argentina é de combate nacionalista. Logo, não pode interessar as agências internacionais, compromissadas em boicotar todas as manifestações do espírito das pátrias.

Na Argentina há fascismo e aptamente organizado. Há mesmo mais de uma agremiação mas só falarei do grupo principal, a “Legião Cívica”, cujo endereço do “Comando General “é Calle Juan Bautista Alberdi, 3251, Buenos Aires. Estão localizadas as baterias.

A Legião Cívica tem um chefe militar e outro civil. O chefe militar é o general do Exército Argentino Fasola Castano e tem como ajudante o tenente-coronel Emilio Kuiquelim. O chefe civil é o doutor Floro Lavalle. Existe um diretor de Propaganda e de Imprensa, Dr. Manuel Rojas Silveira.
“ Os Legionários” usam blusa cinzento escuro, casquete, bandas de couro que se entrecruzam no peito, botas e polainas. Desfilam armados de “casse-tête” e tem pistola no cinto para casos de urgência.

Inúmeros oficiais do Exército e da Marinha, estudantes e camponeses, mocidade das escolas e pequenos proprietários, estão filiados à Legião Cívica. Diversos deputados e senadores tem ostensiva simpatia pelo movimento. Esses senhores se parecem bem pouco com os nossos ilustres legislativos....

O grande poeta nacionalista argentino Leopoldo Lugones é legionário.

A “Legião Cívica” tem tido vários encontros sangrentos com elementos comunistas. Nos desfiles, paradas e concentrações, é fácil a tentativa de distúrbio provocada pelos bolchevistas. O castigo é imediato e eficaz. A brigada de assalto entra em ação fulminante e os “vermelhos” recuam, tocados a pau e a murro.

A “Legião Cívica” se alastra pelas províncias argentinas e tem uma ideologia mais ampla e mais aproximada da nossa que sua congenere chilena, dirigida pelo dr. Julio Schwarzenberg. Também fascista, armada, municiada e militarizada.

O mais interessante é o amigo argentino, que me dá estas informações em carta, adiante, risonho: _ Como pude ver, en nuestro país, las ideas fascistas estan más entronizadas que en sua tierra, y goza de las franquicias atual e hasta tiene, más o menos encubiertos, senados y deputados en los parlamentos y camaras...”

Aí está para que servem as agencias telegráficas... Apesar de 300.000 brasileiros provarem a existência e a vitalidade do fascismo no Brasil, com vinte e cinco jornais, Chefia Nacional e departamentos, milícia, desfiles, choques e vítimas, ali em Buenos Aires, pertinho, parede e meia conosco, não se sabe coisa alguma da Ação Integralista Brasileira.

Há ou não um “boicote”?

Do grupo fascista, o da “Revulsion”, que tem atuação menos militar mais intelectual, basta citar o trecho inicial de sua “Declaracion de principios”.

“Somos nacionalistas por razionamiento y por determinismo biologico, pero estamos dispuesto a dejar de serto, si por esto es posible, el dia que nos entreguéis una tea, hecha com las banderas de todas las naciones del mundo, para quemar com ela nuestra nacional: pero antes.... No!”

Sabiam da existência desses companheiros heróicos?

Sabíamos apenas das histórias do senador socialista Bravo, das denúncias contra compra de armas, da literatura esquerdista que invade as livrarias e da imprensa política, unilateral, vesga, materializada e idiota. Dos nossos companheiros “camisas grises” não sabíamos”.

NOTAS:
1) Câmara Cascudo - musicólogo desconhecido, de Gumercindo Saraiva, p.12, 1969, Natal/Rn, edição do autor.
2) Cascudo entrou na AIB por influência do intelectual cearense Gustavo Barroso, muito amigo dele, segundo informação prestada pelo dr. Otto de Brito Guerra ao autor, no primeiro semestre de 1990, durante o lançamento do livro de Nestor dos Santos Lima, “Esqueçam a primavera, irmão” , no Teatro Alberto Maranhão.
3) Gumercindo Saraiva, op. cit., p. 17.
4) Na edição de 5 de julho de 1934, Cascudo saudou a consolidação do regime de Mustafá Kemal Pachá, “o grande ditador da Turquia Moderna, no artigo “Turquia Moderna”.

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OS COMUNISTAS SOVIÉTICOS SÃO IGUAIS AOS DE AREIA BRANCA

“O socialismo exige uma enorme tensão de forças, até chegar as vítimas. E são cometidos erros. Eu sei e admito que morreram muitos comunistas honestos. Eu sou o responsável por aquela política e a considero certa. Reconheço que foram cometidos graves erros e exageros, mas em linha geral confirmo que a política estava certa”.
Viaceslav Mikhailovic Molotov, Ministro do Exterior da URSS de 1936 a 1956, em depoimento ao escritor russo Felix Chulev, in ISTO É, p.50, edição de 28.03.1990.

Quem tiver oportunidade para comprar o livro de memórias do legendário herói soviético, Molotov, fiel seguidor e aplicador da política externa da extinta URSS, terá a certeza de que os textos cascudianos publicados na imprensa integralista eram procedentes, verídicos e irrefutáveis. É claro que Câmara Cascudo, integrante da cúpula consultiva integralista brasileira, a Câmara dos Quatrocentos da AIB, escrevia artigos anti-comunistas porque a AIB era anti-comunista, assim como os intelectuais e políticos da ANL e PCB produziam textos anti-fascistas e anti-integralistas. Os comunistas combatiam o imperialismo, o capitalismo, o nazismo e o fascismo.

Segundo informou o falecido advogado potiguar Antonio Soares Filho, que foi chefe da Casa Civil do Governo do Estado do RN, na gestão de Dinarte Mariz (1956-1961), ele também escreveu comentários sobre política nacional e internacional , como correspondente da imprensa da AIB. “Eu mandei notícias daqui para A Ofensiva, mas Cascudo escreveu muito mais do que eu”, lembrou o professor Antonio Soares, que integrou a Milícia Integralista e que não se arrependeu de ter ingressado na AIB com 19 anos de idade, por considerá-la a melhor escola de civismo que o Brasil já possuiu.

Câmara Cascudo foi intelectual admirador do fascismo italiano, não tenho a menor dúvida, pois ele mesmo assegurou que o integralismo é a fórmula brasileira do fascismo. Cascudo também foi agraciado com uma medalha enviada especialmente por Mussolini e que está depositada no Museu Câmara Cascudo, no Centro de Natal/RN. Extinta a AIB pelo golpe de estado de novembro de 1937, Cascudo ainda colaborou em revistas literárias controladas por ex-integralistas, como “Cadernos da Hora Presente”. Mas, logo após o inicio da Segunda Guerra Mundial, o ex-chefe provincial da AIB/RN foi designado Secretário da Defesa Passiva Anti-Aérea de Natal, atuando em perfeita sintonia com as autoridades militares e civis brasileiras e americanas.

A maioria dos artigos e editoriais assinados por Luiz da Câmara Cascudo, na época em foi admirador Benito Mussolini e Adolfo Hitler e jornalista integralista, denota a sua preocupação com a União Soviética e o movimento comunista internacional. Em 20 de dezembro de 1934, A Ofensiva, p. 02, Cascudo comenta o tiroteio ocorrido na Praça da Sé, em São Paulo, entre integralistas e comunistas, que resultou em diversas mortes, e culpa os comunistas por tentarem massacrar os “verdes “paulistas. O artigo tem o título “A violência comunista”. Diz Cascudo o seguinte: “Na praça da Sé, os comunistas mataram o comunismo no Brasil... A técnica é a mesma. Sangue, violação, massacre, estupidez e bestialidade. Na pequenina cidade de Areia Branca, no Rio Grande do Norte, os comunistas escreveram a lista das pessoas que deviam ser sacrificadas e a espalharam. São os mesmos em toda parte”. Cabe aos pesquisadores descobrirem essa lista contendo os nomes dos anti-comunistas areiabranquenses condenados ao “paredão” das salinas.

Quatro meses depois do fracasso da insurreição militar-civil, comandada pelos comunistas, em 23 de novembro de 1935, em Natal, Recife e Rio de Janeiro, Cascudo publicou o artigo “Violência Bolchevista”, na edição de 01 de março de 1936 (págs. 10 e 12, do jornal da AIB, cujo texto transcrevemos abaixo:

“Em crônicas repetidas e claras, o sr. Assis Chateaubriand surpreende-se com a violência comunista. É a própria essência do regime. O bolchevismo sem violência é cachorro sem dentes --- é inofensivo e barulhento. A característica russa não é outra senão A GPU, com a sua polícia de choque, seus seqüestros brutais, suas confiscações despojadoras. A violência organizada, sistematizada, erguida em dogma, empoleirada em doutrina, explicada em cursos, é o traço mais veemente da ortodoxia soviética. Lealmente, os chefes vermelhos nunca fizeram mistério desse ritual, agora demonstrado em Recife, Rio e Natal.

Bukarin, um exegeta, altíssimo, explica: “O divisor de águas entre nós e a social democracia é o emprego da violência. Chamam-nos de bárbaros porque empregamos a violência, mas nós existimos com os nossos métodos violentos, bárbaros, não-europeus, grosseiros. Que é que mostrou a prova prática com isso? A prova prática fala a nosso favor e contra seus adversários”.

Stálin ensina: “A violência é uma afirmação de força ante a covardia sinuosa dos nossos inimigos. Só a violência demonstra que somos fortes e que saberemos receber condignamente todas as conseqüencias dos nossos atos”.

René Fulop Müller, no agora clássico “Geist und Gesicht des Bolschewismus” ( há uma tradução brasileira do prof. Alvaro Franco - “Espírito e Fisionomia do Bolchevismo”), termina seu longo trabalho, confessando:”... O abuso iluminado da violência está íntimamente ligado aos fundamentos do comunismo russo”.

Poetas e escritores soviéticos não cantaram outro tema.

Maiakowski:
“Deveis destruir
Inferno e demônios!
Parti ao meio as chamas!
Avançai sem temor!

Demian Bednyi:
“Fere de morte, fere de morte!
Fere de morte a todos os criminosos do povo!
Operariado: agora também reduz a mingau
Com teus punhos a Deus o fantasma!
Para frente: Triunfo, marchai, marchai!
Para frente! E, tiro, após tiro!
ou então, esse quadro delirante:

“Senhores!
Morram vocês! Morram!

Vocês cujos ossos apodrecem na banha: deita-te aí, rafeiro! Carrasco, fecha o focinho!

Vós, sujeira humana feita carne:
Morrei!
Morram vocês! Morram!
Abaixo a camarilha!


Um, dois!
Um, dois!
Marche!
Um monte de lixo é o Estado Burguês!
O governo está agora nas mãos dos proletários.
Ninguém toque aí!

O mesmo Maiakovski:

Concluam agora o palavrório

A palavra tens tu, camarada Mauser!
Leis do tempo de Adão e Eva,
Leis, nós vos destruímos. O mundo está em farrrapos”.

E mais esse exemplo:
“ Os fazedores de esmolas, os contempladores do umbigo,
sobre suas caretas fazei brilhar a machadinha!
Golpeai! Golpeai!
Bravos: os crânios são bons para cinzeiros”.
Essa é a estética sonora que alimenta os meninos do Konsomol. Toda sua literatura monocórdica, artificial, caolha, propaga o emprego da força física, o murro, o tiro, a baioneta, a pata do cavalo.
O adversário não se reduz pelo livro, pela palavra, pela doutrina. A adesão é obtida pelo pavor, pela ameaça, pela fome. E são felizes.
A “desculpa” dessa trepidação sanguinária, desse trotear de hunos sob a estrela vermelha, é que a imaginação dos poetas oficiais do P.C. é livre. Só é livre neste estilo.

Daí, não é assombro a violência passada nem a futura.
O sr. Assis Chateaubriand espere pela machadinha, pela metralhadora, pela Ilha da Trindade. Os métodos comunistas são estes e jamais foram outros.
Coerentemente, os oficiais do Terceiro Regimento provaram quanto eram bolchevistas. Bolchevismo é isso mesmo. Por nós ou contra nós. Não discutamos. Como filiados ao P.C.B. os oficiais foram até ao massacre dos companheiros. E saíram “sorridentes” como reparou....”( O fim do artigo está inelegível). Nota: As reportagens “O problema social do Brasil é político”, “O comunismo sem violência é cão sem dentes” e “Integralismo é o fascismo brasileiro” foram originalmente publicadas no jornal natalense “Tribuna do Norte” , entre 18 de março 01 de abril de 1990. Ordem da direção do jornal proibiu a continuação das matérias a respeito da fase integralista de Câmara Cascudo.


CONCLUSÃO

Câmara Cascudo, um dos integrantes da cúpula nacional da AIB, não foi somente um simples propagandista provinciano da ideologia do integralismo. Ele ajudou a criar a “Província Integralista do Rio Grande do Norte”, dirigindo as atividades da AIB potiguar durante certo período e liderando centenas de camisas-verdes. Fez proselitismo no interior do RN e nas páginas de jornais e revistas integralistas.

Cascudo estava no comando nacional da AIB, através do seu órgão normativo e diretivo, sob a chefia única de Plínio Salgado, que era chamado de “genial chefe”pelos seus comandados. Os artigos de Cascudo são variados, os seus textos jornalísticos têm a ideologia integralista como pano de fundo. Comparando os seus textos com os demais intelectuais brasileiros que atuaram na Ação Integralista, a produção cascudiana é inigualável, pois é concisa, enxuta, clara e informativa. Câmara sem foi um repórter e não um genial filosofo.

Assinando matérias em publicações em que despontavam Miguel Reale, Ovídio Cunha, Menotti Del Picchia, Roland Corbisier, Gustavo Barroso, além do próprio líder nacional, Plínio Salgado, o escritor Luiz da Câmara Cascudo tornou-se um nome nacional, um jornalista conhecido nos meios culturais e políticos da capital da República, o Rio de Janeiro, onde se concentrava a elite da intelectualidade brasileira.

Enquanto existiu a AIB, Cascudo, o tarimbado repórter natalense, escreveu artigos que repercutiam na direção do movimento integralista. Alguns artigos eram identificados pelas iniciais L.C.C. Vários foram publicados na primeira página do jornal A Ofensiva, porta-voz da AIB, enquanto que outros textos mereceram destaques nas revistas “Anauê “( 1934) e “Panorama”. Essas duas publicações eram responsáveis pela veiculação dos trabalhos teóricos dos intelectuais integralistas.

Após a extinção da AIB, Cascudo publicou artigos e ensaios na revista de grupos remanescentes do integralismo, como “Cadernos da Hora Presente” , de São Paulo/SP, que circulou até meados da década de quarenta.

Propostas transformadoras da sociedade?
Câmara Cascudo foi simpatizante de movimentos monarquistas e, antes de ingressar na AIB, ajudou a formar um grupo de estudos em Natal, o Centro de Cultura Social Conde D’Eu, que instalou-se na sede da Associação Potiguar de Estudantes, na noite do dia 29 de junho de 1934, em sessão presidida pelo então padre Walfredo Gurgel. (1)

Cascudo era um homem maduro quando ingressou nas fileiras da AIB. Segundo o falecido professor Oto de Brito Guerra, o seu ingresso deu-se por indicação do escritor cearense Gustavo Barroso, que chegou a disputar a chefia da AIB com Plínio Salgado. Ambos eram historiadores e os laços de amizade foram fatores fortíssimos para a entrada de Cascudo no movimento verde-amarelo.

Cascudo foi um dos mais ativos propugnadores da disseminação da ideologia integralista no seio da juventude norte-rio-grandense. Adotou a doutrina pliniana como forma de transformação radical da arcaica sociedade brasileira, onde a riqueza, concentrada nas mãos de uma minoria sempre ávida, domina todos departamentos da ação individual, sobrepujando a própria dignidade do homem, que “ imagem e semelhança, criado e mantido por Deus, está aviltado e sujo pelos ídolos que sua ambição criou”. ( A Ofensiva, p.03, 28.12.1935)

Acreditou no integralismo como força revolucionária, “uma filosofia para o Brasil” , capaz de nos tirar da humilhante situação de miséria moral, intelectual e econômica que perdura até os dias de hoje. Defendeu a doutrina de Plínio Salgado em todos os seus textos publicados na imprensa integralista, principalmente na fase áurea do movimento, entre 1934 e 1937.

As proposta de Cascudo de transformação da sociedade eram mesmas defendidas pela AIB, sob o lema “Deus, Pátria e Família”.

Comentarista político internacional
Cascudo também defendeu seus ideais fascistas no jornal A República, de Natal, de propriedade do Governo do Estado do Rio Grande do Norte, onde, também, no período pós guerra, assinou uma coluna diária, “Acta Diurna”.

Cascudo publicou um artigo sintomático das suas preferências ideológicas, “Adolf Hitler através da numerologia” , na edição de 01.10.1933, bastante simpático ao “fueher” alemão. Esse artigo e mais “ O sigma vitorioso” , “República Manchú” e o “Soviet Anedótico ( A República de 12.09 e 29.10.33, estão registrados no livro de Zila Mamede. ( 2) Nos três artigos, Cascudo discorre sobre a doutrina integralista, o nazismo e critica o socialismo soviético.

Como comentarista político internacional, ele preocupou-se com a situação da União Soviética, sob o comando de Stálin, a conjuntura política da Europa ( ele errou quando previu que os russos seriam os deflagradores da II Guerra Mundial e o avanço do fascismo no mundo. Entre 1934/36, o período mais profícuo da produção jornalística de Cascudo, além de seus artigos laudatórios sobre o fascismo nos Estados Unidos da América do Norte e na América Latina, História do Brasil, cinema, música, etc., escreveu sobre moral política e o ensino na ex-URSS, chegando ao ponto de elogiar reforma educacional soviética de 1935. Foi o único ponto de concordância de Cascudo com postulados soviéticos, isto é, a modernização e desenvolvimento dos métodos educacionais soviéticos.

Sobre os rumores de que Alemanha nazista, dois anos após a ascenção de Hitler, estava se armando para uma desforra com os países vencedores da Primeira Guerra, L.C.C., em “O pretexto do armamentismo alemão” ( A Ofensiva, p.1, 10.01.35) culpava a União Soviética pelo “estado de alarme europeu” , pois “o russo sempre foi hábil e plástico em prometer e arranjar acontecimentos oportunos” e isentava a Alemanha de ser uma provocadora de ‘casus-belli”.

A história mostrou, quatro anos depois, que a havia fundadas razões para que a França e a URSS denunciassem o rearmamento alemão, e, ao contrário do que previa Luiz da Câmara Cascudo, não foram os soviéticos que transformaram “a doce França da canção de Roland numa colônia moscovita” , mas a barbárie nazista que subjugou o povo francês durante cinco anos da II Grande Guerra, com a colaboração de fascistas franceses.

Cascudo e o ensino soviético
A respeito da lei que entrou em vigor na URSS, em 18 de maio de 1934, Cascudo considerou que a reforma do ensino soviético era uma anomalia, já que ressuscitaria métodos educacionais burgueses e abjuraria princípios marxistas ortodoxos.

“A Rússia voltou à metodologia moderna européia., recusou dos detalhes que a prática mostrava inviáveis e anti-humanos. É uma linda atitude de inteligência e de coragem essa confissão. A se-lo-ia maior se os adeptos fossem mais leais e dissessem o que realmente houve: o repúdio numa alta percentagem, ao que se julgava a última palavra em matéria de ensino”. ( A Ofensiva, p.03, 14.09.1935).

O anti-comunismo exarcebado de Cascudo é justificável: integralista, ligado à corrente anti-semita de Gustavo Barroso ( 3) , admirador de Hitler e Mussolini, ele só podia escrever de forma simpática ao movimento naza-fascista internacional. A propósito, deve-se salientar que Plínio Salgado jamais foi admirador do nazismo. Ao contrário, escreveu artigos mostrando as diferenças entre a sua ideologia e os postulados racistas do nazismo. Apesar de suas fortes inclinações com o grupo de ultra-direita de Gustavo barroso, que quase derrotava Plínio no Congresso Integralista de Vitória/ES, em 1934, não encontramos nenhum artigo de Cascudo que denotasse tendência anti-judáicas.

Sobre aquele período turbulento de nossa história, Ovídio da Cunha ( 4 ) diz que “o anti-comunismo, na época de 30 a 40, era ingênuo e até primário. O comunista era olhado como uma espécie de diabo: os padres viam o comunismo como um pecado. Jocosamente, nós dizíamos: “os comunistas têm rabo de cão”. Então, o antagonismo comunismo/integralismo, no sentido da imagem popular, era ingênuo, como se, por exemplo, hoje discutíssemos a questão da macumba, não tinha um sentido teórico-ideológico. O clero apresentava o comunismo como capaz de todas as misérias, os comunistas seriam capazes dos crimes mais horrorosos, e todos aqueles estereótipos que se formam em certas sociedades subdesenvolvidas contra uma seita religiosa ou uma seita política envolvia os comunistas. Os integralistas passariam a ser os anjos-da-guarda, congregando marianos da defesa da tradição, da família, da propriedade, da integridade da pátria, e, do outro lado, os anjos-maus, que eram os comunistas. Havia da parte dos integralistas e do líder católico um grande namoro pelo proletário, a preocupação de cativar o proletário. Mas o proletário autêntico não tinha valor nenhum, o problema dele era puramente fisiológico, era sobreviver, e se valores existissem, eram os valores das religiões populares de hoje, ele não tinha cultura, não tinha percepção para essas sutilezas ideológicas de hoje. De modo que o movimento se fazia na classe-média e na sacristia das igrejas. Houve vários sacerdotes que foram integralistas.”. ( 5 )

NOTAS: 1) Conforme notícia publicada na p. 07, de A República, edição de 01.07.1933, no final de 1932 esteve em Natal uma “embaixada universitária monarquista” , recepcionada pelo dr. Jaime Wanderley, poeta, em sua residência, na rua São Tomé. O mesmo jornal informava que “.... na noite de 29 p.p. uma conferência do acadêmico Vival Silva, na Associação Potiguar de Estudantes, que se reunira em sessão solene sob a presidência do pe. Valfredo Gurgel. Vival fez uma análise percuciente e lógica do regime republicano e das tendências sociais do Brasil, sendo muito aplaudido ao terminar. O salão estava completamente cheio e notamos os mais representativos elementos da nossa sociedade. Falou o dr. Luiz da Câmara Cascudo instalando o Centro de Cultura Social Conde D’Eu e, explicando sua finalidade, exclusivamente voltada ao estudo e a observação dos problemas atinentes ao desenvolvimento da pátria comum, sem função política regional e geral, antes reunindo notações para um regime que integre o Brasil em suas tradições de paz, de garantia, de labor e de honestidade. Perorando disse que o Império sonhado não podia ser a monarquia latifundiária, capitalista e burguesa de 1889 e sim o Estado corporativo, totalitário, em vez do domínio de uma classe exclusiva sobre todas as outras, teríamos a convergência produtora de todas as atividades para o vértice único da Grande Pátria una e soberana em sua expressão indivisível de Religião, Raça e Família. Foi aplaudidíssimo. O pe. Walfredo Gurgel encerrou a sessão, pronunciando um discurso de estímulo a campanha de renovação moral e material do Brasil. O dr. Câmara Cascudo, pela Associação Potiguar de Estudantes, ofereceu uma recepção em sua residência, onde se reuniu a sociedade natalense na mais íntima e intensa cordialidade festiva”. 2) Luiz da Câmara Cascudo - 50 anos de vida intelectual - 1918-1968 - Zila Mamede, Fundação José Augusto - Natal/Rn - 1970. 3) O dr. Oto Guerra informou ao autor que o historiador Gustavo Barroso levou Cascudo para a AIB. Já o folclorista e escritor Veríssimo de Melo, no Teatro Alberto Maranhão, na noite do lançamento do livro “Esqueçam a primavera, irmão”, do embaixador Nestor Lima, em 1990, também opinou sobre as três reportagens publicadas na Tribuna do Norte sobre “Cascudo, o jornalista integralista”. Para Veríssimo, Cascudo ingressou no integralismo porque era muito jovem e que “o grande mestre” não gostava de falar sobre o seu passado na AIB, “um erro da juventude”. Cascudo não teria abandonado, formalmente , a AIB, pois não há registro, mas participou, em Natal, dos festejos do Jubileu de Prata ( 25 anos) da criação da AIB, em outubro de 1957, na sede do Alecrim Clube, onde proferiu ardoroso discurso integralista, segundo me informou Pedro Dantas, gerente do cemitério Morada da Paz, em Parnamirim. 4) Trecho da entrevista de Ovídio da Cunha, líder integralista no Rio, à Revista de Ciência Política, da Fundação Getúlio Vargas, Rio, Vol. 28, agosto de 1985, p.148. 5) O padre Valfredo Gurgel foi um dos representantes da cúpula do clero católico de maior destaque no integralismo potiguar. Ulisses de Góis foi o grande incentivador, deu apoio aos integralistas, mas não se filiou ao movimento. Dom Marcolino Dantas era simpatizante e dava apoio por “debaixo do pano”. Os irmãos e padres Eimar e Erildo L ‘Eraistre Monteiro, de Caicó, foram integralistas, ambos capelães militares e apoiaram o regime militar pós-64. Do padre Erildo, capelão do 16 RI, em Natal, eu ouvi ele dizer, durante um sermão, em 1984, que “comunista é a mesma coisa que satanás”. Eu, comigo mesmo, disse: “é o novo! “. Sobre o Valfredo, eu testemunhei o seguinte: em plena campanha para governador, em 1965, apoiado pelo governador Aluizio Alves, ele participou da solenidade de inauguração do Comitê Estudantil da Cruzada da Esperança, na rua Princesa Isabel. Perguntei se ele ainda era integralista, ele respondeu que não “porque o movimento acabou, mas continuo com os mesmos princípios”. Houve outros padres na AIB/RN, como Luiz Adolfo, em Macaíba, e Raimundo Leão, em Caraúbas, entre outros, no Rn.


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14/02/05
CASCUDO NÃO DEVOLVEU COMENDA DE MUSSOLINI

Apesar dos pesquisadores acadêmicos e não acadêmicos de todo país terem alardeado que o folclorista Luiz da Câmara Cascudo tinha devolvido a comenda de Cavaleiro da Ordem da Coroa da Itália, que lhe foi dada pelo Rei Vittorio Emanuele III, por proposição do Duce Benito Mussolini, em 1939, a exibição desse documento numa das salas térreas do lado direito de quem entra no prédio neoclássico do Memorial Câmara Cascudo, no centro de Natal, é uma prova irrefutável de que ele jamais refugou a honraria enviada pelos dignitários italianos fascistas. À vista de todos os interessados em conhecer objetos de uso pessoal e utensílios da casa em que o Cascudo residiu, além da biblioteca com quase 10.000 volumes, cartas, títulos e peças artesanais, está o original do diploma enviado pelo rei italiano, exposto ao lado de outros documentos honoríficos, como a Ordem do Mérito Aeronáutico e Ordem do Mérito do Estado do Rio Grande do Norte e um título ofertado pela Prefeitura Municipal de Natal, na gestão de José Agripino Maia.

Ao contrário do que continua sendo registrado pelos historiadores potiguares, inclusive os renomados escritores e pesquisadores João Wilson Mendes de Melo e Itamar de Souza, talvez por desconhecimento da totalidade da documentação exposta no Memorial, a própria Fundação José Augusto, mantenedora do prédio, confeccionou um pequeno folheto sobre o memorial, contendo a “Biografia de Câmara Cascudo - Memorial – O Prédio” e detalhes da exposição. O horário de funcionamento é das 9 às 17 horas, de terça-feira a sábado, e das 11 às 17 horas, aos domingos. No quinto parágrafo do folhetim, está escrito: “Entre outras distinções, foi Grande Oficial da Ordem do Mérito Naval, Comendador do Mérito Militar (Brasil), Ordem do Mérito Militar de Cristo (Portugal), Ordem dos Cisneiros (Espanha), Ordem de São Gregório (Santa Fé), Ordem da Coroa (Itália), além de várias Ordens particulares e honoríficas”. Portanto, a comenda da Coroa Italiana está lá, exibida como uma das principais homenagens recebidas e preservadas pelo eminente folclorista potiguar e conservadas pelos seus familiares e o poder público do Estado do Rio Grande do Norte. “Todo o acervo do Memorial pertence à família de Câmara Cascudo, sob a guarda da Fundação José Augusto”, diz Neusinha, funcionária da FJA e responsável pela catalogação de todos os objetos, livros e pertences do folclorista. A comenda é um troféu cascudiano. Se Cascudo tivesse devolvido o importante título concedido pelo regime fascista de Mussolini, o diploma de Cavaleiro da Coroa da Itália não estaria em exposição no Memorial Câmara Cascudo, prédio tombado em 24 de agosto de 1989, com o “objetivo preservar e divulgar a vida e a obras de Luís da Câmara Cascudo”.

Na urna de madeira e vidro (redoma), numa sala amplamente iluminada – o que prejudica a conservação de documentos por causa do excesso de luz solar – vê-se o diploma, redigido em italiano, em caracteres itálicos próprios dos documentos monárquicos, com o seguinte texto: S. M. Vittorio Emanuele III - Per Grazia Di Dio e Per Volontá Della Nazione

RED’ITALIA E DI ALBANIA
IMPERATORE D’ETIOPIA
Gran Mastro dell’Ordine della Corona d’Italia
Sulla proposta del Duce del Fascismo, Capo del Governo, e del Ministro Segatario di Stato per gli Affair Esteri;
Com Decreto in data Roma, 30 de novembro de 1939 = XVIII = La conferito l’Onorificenza di:
Cavaliere
Dell Ordine dela Corona di Italia, com facoltá de fregiarsi delle insegne stabilite per tale grado onorifico,
Al sig. Luiz da Camara Cascudo
Cittadino brasiliano = Pubblicista
Al Concelliere dell ‘Ordine della Corona d’Italia,
Incariato della esecuzione di tale Decreto, dichiara
Che questo venne registrato alla Cancelleria delli ‘Ordine predetto e che:
Il sig. Luiz da Câmara Cascudo
Fu inscritto nell ‘Elenco des Cavalieril (Esteri) al número 3225 (Serie 3 )
Il Cancelliere dell ‘Ordine
(assinatura)
Il Diretore Capo della Divisione I
(assinatura)

Além das comendas oriundas da Itália e dos países em que vigoravam regimes ditatoriais fascistas, como a Espanha franquista e Portugal salazarista, o Memorial expõe outros diplomas e honrarias, inclusive placas de uma loja maçônica de Natal. A placa, colocada em 20.08.1988, pelo Grão Mestre Estadual Paulo Viana Nunes, do Grande Oriente do Estado do Rio Grande do Norte, é uma “Homenagem ao Mestre Maçon Luiz da Câmara Cascudo, Iniciado em 03 de abril de 1920 e Exaltado em 98 de agosto de 1921”. Conforme informou-me (informalmente), o historiador Olavo de Medeiros Filho, Dom Marcolino Esmeraldo de Souza Dantas disse a Cascudo que ele não iria receber a medalha de São Gregório Magno porque ele era maçon, o que levou o folclorista, de imediato, a redigir um documento assegurando a sua profissão de fé católica e/ou a pedir desligamento da instituição franco-maçônica. Não existe prova documental do desligamento ou abjuração, mas o jornal A ORDEM, de 3 de setembro de 1937, advertia os leitores católicos que “estão em pleno vigor para a nossa Diocese as seguintes determinações da circular de 20.08.1926: as Irmandades e Associações Católicas saibam que declaramos írrita e nula de pleno direito toda e qualquer admissão de pessoas filiadas a seitas, associações ou instituições condenadas pela Santa Igreja. Os irmãos que, sendo maçons, desejam continuar católicos, façam a sua confissão fervorosa, abjurem a seita secreta e recebam do confessor a absolvição dos seus pecados e das penas espirituais em que incorreram inscrevendo-se na maçonaria”. (1) Portanto, deduz-se daí que Câmara Cascudo estava éticamente impedido de receber a alta comenda católica. Como recebeu a Medalha de São Gregório Magno, o fez depois de sanado o impedimento. Como a Igreja Católica evoluiu e democratizou-se muito após o pontificado do Papa João XXIII, hoje, o maçon pode ser católico e participar das atividades da sua paróquia ou diocese, sem nenhum constrangimento A paranóia pós-Dom Vital se acabou. Ainda bem.

Homem sem vaidades, como as que abundam entre os pequenos intelectuais provincianos e das várzeas botocudas, Luís da Câmara Cascudo, apesar dos erros e falhas cometidas ao longo da sua profícua e duradoura atividade cultural, o que tornou-o um sábio e um verdadeiro “HOMEM”, conforme assegurou o poeta Gilberto Amado, “realizou-se sem pedir de graça o nome da vida para com ela transacionar o escrúpulo de se meter com riquezas, honrarias e reputações”, segundo lembra o poeta Sanderson Negreiros, seu discípulo, no seu artigo “Cascudo e sua medida”, publicado no Boletim Informativo do Centro Norte-rio-grandense, do Rio de Janeiro, página 20, março de 1968.

Defesa Passiva
O livro Radiografia de uma Administração( Secretario do Interior e Justiça – Imprensa Oficial – Natal - 1961) é o relatório da comissão revisora das aposentadorias ocorridas no desastrado final da administração de Dinarte de Medeiros Mariz, integrada por Hélio Mamede de Freitas Galvão, Manoel Benício de Melo Sobrinho e Raimundo Nonato Fernandes , presidida por Aluizio Gonçalves Bezerra, então Secretário do Interior e Justiça do Governo Aluizio Alves. Hélio Galvão foi o responsável pelo texto do relatório e o averiguador das irregularidades administrativas do governo de Dinarte Mariz, na área de recursos humanos. O relatório ficou famoso na época por causa dos erros, falhas e crimes apontados à administração anterior. Hélio Galvão não livrou a cara de ninguém e fez uma verdadeira devassa, conforme lhe foi ordenado pelo governador Aluizio Alves. A comissão detectou que muitos funcionários públicos, na gestão anterior, se aposentaram com certidões de tempo de serviço na Diretoria Regional de Defesa Passiva Anti-Aérea, assinadas pelo folclorista Luiz da Câmara Cascudo ( portador da Carteira de Identidade do então Ministério da Guerra de número 14671, expedida a 25/01/1958) que tinha sido seu secretário nos anos da Segunda Guerra. Hélio, ex-integralista como Cascudo, não inquiriu o folclorista, mas Erivan França mandou um ofício para Cascudo, no qual indagou sobre a localização dos arquivos da Defesa Passiva, que funcionou entre 1942 e 1945 em Natal. A resposta de Cascudo foi que não existia arquivo algum , que os papéis tinha sido incinerados e as certidões ele dava com base na memória.

Segundo o relatório da comissão, as certidões não obedeciam aos critérios do Decreto n. 2.468, de 6 de maio de 1954, que dispunha sobre as condições do funcionário público civil do Estado se beneficiar, isto é, ter sido convocado para prestar serviços na Diretoria Regional da Defesa Passiva e apresentar certificado comprovando haver atendido à referida convocação efetivamente prestado os serviços. Cada repartição pública deveria encaminhar uma lista com os nomes dos servidores convocados pela Defesa Passiva ao secretário regional para posterior certificação. Mas “as certidões contidas nos processos de aposentadoria não obedeciam a essas regras. O decreto n. 3.808, de 15.2.61, transferiu ao Departamento do Serviço do Pessoal o encargo de expedir tais certidões. Mas quando se tratou da remoção do respectivo arquivo, o antigo Secretário do Serviço de Defesa Passiva informou que não havia arquivo nenhum, pois os papéis tinham sido incinerados e as repartições não tinham enviado as relações a que se referia o art. 5º do decreto n. 2.468. De sorte, conclui o antigo Secretário, que as certidões eram expedidas Segundo suas notas pessoais e a reminiscência fiel dos companheiros. Em face disso, à Comissão se afigurou impossível aceitar as certidões expedidas com base nessas lembranças e notas particulares do eminente historiador”. As certidões emitidas foram eliminadas porque não obedeciam ao Decreto 2.468, “seja porque não extraídas de fonte documental, seja porque não autorizados pelo governador”, advindo daí que muitas aposentadorias, subtraída a parcela de tempo, não puderam ser mantidas. A revisão efetuada pela comissão atingiu 100 processos de aposentadoria ( 90 por tempo de serviço e 10 por invalidez), inclusive cancelando as do ex-presidente da OAB/RN, Claudionor Telógio de Andrade, Descartes de Medeiros Mariz, do advogado João Medeiros Filho, de Hemetério Fernandes Raposo Melo Filho, Hesíquio Fernandes de Sá, Dante de Melo Lima, entre outros. Entre os treze nomes que a comissão decidiu pela aposentadoria, sujeitos à revisão do cálculo, está o de Luis da Câmara Cascudo, que tinha se aposentado em 3.1.1961, no finalzinho do governo de Dinarte Mariz, como Terceiro Consultor Geral. (Cascudo tinha tempo de serviço como professor e ex-diretor do Colégio Estadual do Atheneu Norte-rio-grandense. Professor Emérito da Universidade do Rio Grande do Norte, foi aposentado “a partir de 22 de maio de 1967, por invalidez, por ato do Magnífico Reitor, com base no parágrafo primeiro do Artigo 53, da Lei n. 4.881-A, de 6.12.65, publicado no D. O. n. 95, S-I P- II, pág. 1187, de 22.5.67. Port. N. 58 de 29.7.66”, conforme a sua ficha funcional n. 1058, pertencente ao Arquivo Geral da UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE. A ficha funcional foi o único documento de Luiz da Câmara Cascudo encontrado no Arquivo Geral, em março de 2.000. Segundo informações, grande parte do acervo daquele arquivo foi incinerada por ordem de uma ex-dirigente do Departamento de Serviços Gerais).

Apreciando o mandado de segurança n. 243, impetrado pelo dr. Claudionor de Andrade, a comissão emitiiu o seguinte parecer: “A 3ª Consultoria Geral do Estado foi criada pela lei n. 2.387 de 18 de março de 1959 e para ele foi nomeado o dr. Luis da Câmara Cascudo. Aposentado este, sem que tivesse emitido um só parecer, para seu substituto foi indicado o dr. Antonio Soares Filho, Chefe da Casa Civil do Governador. Mas intermediáriamente apareceram dois outros candidatos à terceira Consultoria: o Secretário do Interior e Justiça ( o impetrante) e o dr. João Medeiros Filho ( docs. Ns. 1, 2 e 3 ). Então as coisas se arranjaram de tal modo que de 3 a 13 de janeiro se aposentaram três Consultores Gerais da terceira Consultoria e foi nomeado um quarto”. Os consultores recebiam salários iguais aos dos desembargadores do Tribunal de Justiça. O caso ficou conhecido como “O escândalo das Consultorias”, título do livro impresso pela Secretaria do Interior e Justiça, Imprensa Oficial, Natal, 1962. Câmara Cascudo , Antonio Soares Filho e Hélio Galvão tinham sido integralistas nos anos 30, mas não ficaram inimigos por causa do “inventário” do governo Dinarte Mariz. O relatório da Comissão Revisora foi encaminhado ao governador Aluizio Alves pelo vice-governador Walfredo Gurgel, padre e outro ex-integrante da cúpula potiguar da Ação Integralista Brasileira. Apesar de ter a sua aposentadoria cancelada, João Medeiros Filho se reconciliou com Aluizio Alves (1961-1965) e foi o seu Procurador Geral da Justiça durante mais de dois anos. Todos os funcionários nomeados no “trem da alegria” de Dinarte Mariz, a famosa “vaga existente”, perderam todos os recursos na justiça e somente foram admitidos pelo gesto de concórdia do governador Monsenhor Walfredo Gurgel ( 1966-1970), através de um acordo.

Durante o período da Segunda Guerra, integravam a Defesa Passiva, além de civis e militares das unidades militares sediadas em Natal, o coronel Guerreiro e o folclorista Luiz da Câmara Cascudo. O general Antonio Fernandes Dantas foi nomeado interventor após a enfermidade de Rafael Fernandes, que enlouqueceu no Rio de Janeiro. O general Cordeiro de Farias era o comandante da guarnição em Natal. O chefe de polícia era o bacharel José Ildelfonso Emerenciano e o delegado do DOPS , José Batista Emerenciano (este teve atuação e muita influência na Secretaria de Segurança Pública do Estado até meados da década de 80).

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