DIREITO
INTERNACIONAL
Integração
econômica e institucionalização: As experiências do
Mercosul e da União Européia
Maristela
Basso
1 CONSIDERAÇÕES
INICIAIS
Os Tratados
de Maastricht e de Assunção e, mais recentemente, o
Protocolo de Ouro Preto1 representam um passo
fundamental na experiência integracionista da Europa
Ocidental e da América Latina, respectivamente. A análise
que se segue esboça um paralelo entre os dois tipos
regionais de integração, sem, entretanto, tomar o
europeu como modelo, mas sim aproveitar desse as lições
históricas das quais podemos tirar alguma contribuição
para o Mercosul.
O Mercado
Comum do Sul (Mercosul) teve seu início em 1991, com o
Tratado de Assunção, assinado pelos presidentes da
Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, e foi
definitivamente instituído com o Protocolo de Ouro Preto,
de 1994.
O Tratado
de Maastricht, ou Tratado da União Européia, foi firmado
em 7 de fevereiro de 1992 com representantes dos doze países-membros
das "Comunidades Européias", isto é, Alemanha,
Bélgica, Dinamarca, Espanha, França, Grécia, Irlanda,
Itália, Luxemburgo, Holanda, Portugal e Reino Unido. Mais
tarde, aderiram ao Tratado: Áustria, Finlândia e Suécia.
Essas
experiências são extremamente importantes, não somente
em nível regional, como também mundial.
No que
respeita ao Mercosul, as quatro economias integrantes
representam cerca da metade da superfície, população e
produto interno bruto da América Latina, bem como um terço
do comércio exterior da região.
Não
obstante a grande relevância econômica, o Mercado Comum
do Sul não pode ser reduzido a uma mera experiência econômica,
devendo ser encarado, sobretudo, como uma conseqüência
das transformações político-sociais dos quatro países.
Como bem lembra Félix Peña, os esforços de integração
multilateral são fenômenos de natureza política, mas
somente podem existir na legitimidade democrática que
torna factível sustentar o desenvolvimento de mercados
comuns2. Certamente, o aspecto econômico
é muito acentuado no Mercosul, mas não é o único.
Durante
muitos anos a filosofia econômica acerca da integração
latino-americana era fruto do conceito da substituição
de importações: todo agrupamento econômico de países
na sub-região deveria, naquela perspectiva, isolar-se da
concorrência internacional a fim de fortalecer-se, ou
criar um setor industrial qualquer.
O Mercosul,
por sua vez, tenta inovar, expondo um conceito de integração
extrovertida, concebida como um meio para alcançar a
competitividade internacional e regional nos quatro países
fundadores, bem como nos demais países que vierem a
integrar o bloco no futuro3. A aproximação
dos países do Cone Sul é o resultado das novas políticas
de abertura dos mercados, implementadas nos mesmos.
No caso
europeu, não devemos esquecer que o Tratado da União
Européia (Maastricht) consolida, nas vésperas do
terceiro milênio, uma superpotência econômica e política
de trezentos e cinqüenta milhões de habitantes, com uma
moeda comum, um território econômico integrado e uma política
externa e de defesa única. Quanto à sua ratificação,
sabe-se que alguns países europeus, como a França, por
exemplo, tiveram de modificar a sua Constituição para
adequá-la às exigências do Tratado4. Os
eleitores dinamarqueses inicialmente votaram "não"
no plebiscito organizado para ratificar o Tratado, para,
em seguida, em novo plebiscito, votarem "sim",
tal a sua importância.
Visando a
desenvolver um enfoque comparado da experiência recente
de integração do Cone Sul e aquela tradicional da Europa
Ocidental, analisaremos, numa primeira parte, como o
Tratado de Assunção e seu Protocolo Adicional de Ouro
Preto e o Tratado de Maastricht se enquadram na
continuidade histórica das experiências integracionistas
anteriores. Em seguida, estudaremos o conteúdo material e
institucional desses instrumentos jurídicos, para ao
final abordarmos as perspectivas que oferecem para o
futuro as duas organizações.
2 ASSUNÇÃO,
OURO PRETO E MAASTRICHT NO QUADRO DAS EXPERIÊNCIAS
INTEGRACIONISTAS ANTERIORES NA AMÉRICA LATINA E EUROPA
Os Tratados
constitutivos do Mercado Comum do Sul e da União Européia
se enquadram dentro das experiências latino-americanas e
européias anteriores, ainda que apresentem diferenças
fundamentais, que procuraremos destacar, e caracterizam um
progresso no sentido de uma integração mais avançada e
consistente, dando origem a organizações internacionais
modernas e renovadas. Isto é, aquelas que buscam, mais do
que a cooperação econômica, a integração dos países-membros,
substituindo seus mercados nacionais por mercados comuns,
compartilhados. Essas novas organizações dão origem a
um Direito Internacional renovado, moderno, reconhecido e
intitulado de Direito da Integração ou Direito Comunitário.
Quando
falamos de cooperação e integração entre Estados,
devemos definir os conceitos, pois de fato existem vários
níveis de colaboração econômica multilateral, a saber:
Etapas de
cooperação econômica – Direito Internacional clássico:
-
- Livre
comércio: eliminação ou redução de tarifas
aduaneiras e restrições ao intercâmbio; por
exemplo, Nafta (North America Free Trade Area);
- União
aduaneira: implica o livre comércio já em
funcionamento, além do estabelecimento de uma
tarifa externa comum (TEC); por exemplo, o Grupo
Andino em 1995, hoje chamado "Sistema Andino
de Integração" e Mercosul a partir de 1995;
Etapas
de integração econômica – Direito Internacional
renovado/Direito da Integração ou Comunitário:
-
- Mercado
comum: implica a união aduaneira, mais livre
circulação dos bens, serviços, pessoas e
capitais, além de regras comuns de concorrência;
por exemplo, as Comunidades Européias antes de
1993;
- União
econômica e política: pressupõe o mercado
comum, e acrescenta um sistema monetário comum,
uma política externa e de defesa comum; por
exemplo, a União Européia depois de 1993 – a
partir do Tratado de Maastricht ou Tratado da União;
- Confederação:
etapa que pode, hipoteticamente, se seguir à união
econômica e política, e que implicará, além
dessa, a unificação dos direitos civil,
comercial, administrativo etc.
A cada nível
ou estágio de integração corresponde uma renúncia
crescente das competências inerentes à soberania
nacional dos países-membros que buscam a cooperação
e/ou integração econômica, os quais deverão transferir
parcelas maiores de iniciativa política e econômica para
as instituições comuns da integração, que as deterão
de maneira exclusiva e irreversível.
O Mercosul
é fruto da experiência moderna de integração
latino-americana, como já se disse, cujo ponto de partida
podemos situar em 1960, com o primeiro Tratado de Montevidéu,
que instituiu a Alalc (Associação Latino-Americana de
Livre Comércio). Embora a Alalc não tenha encontrado
muito êxito, foi importante porque introduziu conceitos
econômicos novos e criou estruturas vigentes até hoje
(pautas alfandegárias, exceções incorporadas às listas
de mercadorias em livre circulação, sistemas de
pagamentos e créditos recíprocos).
Da Alalc
chegamos à Associação Latino-Americana de Integração
– Aladi, criada pelo Tratado de Montevidéu de 1980, que
também fixou conceitos e metodologias utilizados até
hoje. A figura dos acordos parciais, por exemplo, dos
quais participam apenas alguns dos seus países-membros,
está incorporada no art. 7º do referido Tratado. Esses
acordos são passos progressivos e pragmáticos na edificação,
a longo prazo, do mercado comum latino-americano5.
Exemplo disso é o Acordo de Complementação Econômica,
previsto no art. 11 e adotado pelo Mercosul.
A Aladi
contribui para a meta final do comércio regional, razão
pela qual fornece serviços estatísticos aos seus
membros, fortalece as ligações empresariais, bem como os
mecanismos alfandegários.
O passo
mais significativo, porém, foi a aproximação entre
Argentina e Brasil, que culminou com a adoção do Tratado
de Assunção6. Segundo Félix Peña, o
Mercosul apresenta continuidade e inovação em relação
às experiências anteriores7.
O Tratado
de Maastricht, por outro lado, também se enquadra num
processo de continuidade e inovação em relação às
experiências européias anteriores.
Os
objetivos do Mercado Comum Europeu são suprimir todas as
fronteiras alfandegárias ou não-alfandegárias,
permitindo a livre circulação de bens, serviços,
pessoas e capitais. Além disso, propõe as regras de
livre concorrência conjunta e os mecanismos de harmonização
das políticas econômicas. Enfim, as comunidades européias
devem promover o bem-estar dos seus povos, garantindo a
solidariedade comunitária às pessoas, regiões e setores
menos favorecidos.
É verdade
que a integração européia conheceu momentos difíceis
durante os anos 60, mas desde o final do período de
transição8 vive um progressivo
fortalecimento, graças à fusão das instituições
previstas nos seus três tratados iniciais: CECA –
Comunidade Européia do Carvão e do Aço (1951); CEEA –
Comunidade Européia da Energia Atômica (1957) e CEE –
Comunidade Econômica Européia (1957) e do papel
voluntarista desempenhado pela Corte, ou Tribunal de Justiça
das Comunidades Européias (TJCE), que interpretou os
tratados constitutivos de maneira a promover uma integração
mais consistente.
Entretanto,
depois de vários anos de bom funcionamento, surgiu o
sentimento de que o processo integracionista europeu, já
fortalecido pela positiva experiência passada,
necessitava de um novo impulso.
Assim, em
1985 foi adotado o "Livro Branco", precursor do
que viria a ser o "Ato Único Europeu" – AUE,
adotado em 1987 e que prevê algumas mudanças orgânicas
nas comunidades européias, assim como a instituição, em
1º de janeiro de 1993 (Horizonte 92), de um mercado comum
– compartilhamento efetivo.
Os
acontecimentos do leste europeu tiveram também uma grande
repercussão sobre o movimento integracionista da Europa
ocidental. Os vizinhos do leste foram considerados tanto
uma oportunidade como um perigo, porque não poderiam, a médio
prazo, integrar o mercado comum sem enfraquecer o sistema
existente.
Em julho de
1990, foi decidida pelo Conselho Europeu, reunido em
Dublin, a convocação de uma conferência
intergovernamental para estabelecer a união política,
econômica e monetária no prazo fixado pelo AUE.
Em 1992, o
processo evolutivo da construção do mercado comum
europeu foi acelerado com a assinatura, pelos países-membros
das comunidades européias, do Tratado de Maastricht.
3 OS CONTEÚDOS
MATERIAL E INSTITUCIONAL DO TRATADO DE ASSUNÇÃO,
PROTOCOLO DE OURO PRETO E TRATADO DE MAASTRICHT
- O CONTEÚDO
MATERIAL
Quando
estudamos o Mercosul, devemos partir, inicialmente, da análise
do Tratado de Assunção, que lhe fixou os contornos da
organização, definidos, mais tarde, no Protocolo de Ouro
Preto.
Quais são
os objetivos do Tratado de Assunção?
A inserção
competitiva das economias dos quatro países no mundo de
blocos econômicos; o favorecimento econômico e o
incremento da produtividade; o estímulo aos fluxos de comércio
com o resto do mundo, tornando os investimentos mais
atraentes; a promoção dos esforços de abertura das
quatro economias ao intercâmbio mundial; o fortalecimento
da ação do setor privado e a sociedade como principais
motores do processo de integração; finalmente, a
melhoria das condições de vida dos seus habitantes.
Para tanto,
o Mercosul pretende estabelecer um sistema de livre
circulação de bens, serviços e fatores produtivos
(pessoas e capitais), assim como regras de concorrência
comum e a harmonização das políticas econômicas.
Para que
tais metas sejam atingidas, é imprescindível a
implementação de dois tipos de coordenação:
-
- EXTERNA:
o estabelecimento de uma tarifa externa comum; uma
política comercial única em relação a
terceiros países ou grupos; um tratamento comum
do capital estrangeiro; uma política cambial
harmonizada e a coordenação das posições dos
quatro membros nas relações internacionais (art.
1º do Tratado de Assunção – TA). Os países
devem comprometer-se no sentido de respeitar seus
compromissos no âmbito da Aladi (art. 8º, TA) e
de adotar mecanismos comuns para inibir o comércio
desleal por parte de terceiros países (art. 4º,
TA); e outra
- INTERNA:
a harmonização de políticas macroeconômicas,
setoriais, agrícola, fiscal, monetária (art. 1º,
TA), bem como a garantia do tratamento nacional
aos produtos originários de um país-membro (art.
7º, TA).
Sob essa ótica,
o Tratado de Assunção estabelece que um programa de
liberação comercial deverá ser adotado e consistirá em
reduções tarifárias progressivas, lineares e automáticas,
assim como a eliminação de restrições não-tarifárias
e medidas de efeito equivalente (art. 5º e Anexo I do
TA). O objetivo inicialmente previsto era o de atingir uma
tarifa zero em 31 de dezembro de 1994. Alguns produtos
sensíveis ficaram então temporariamente resguardados por
listas de exceções, reduzidas anualmente em 20%, de tal
modo que pudessem estar totalmente eliminadas no final de
1994 (art. 7º do Anexo I do TA), ano em que se previu o
fim do período de transição e constituição definitiva
do Mercosul. O art. 6º do referido Tratado garante um
tratamento preferencial ao Paraguai e Uruguai, que dispõem
de um prazo maior (previsto inicialmente para 31/12/1995)
para suprimirem as aludidas listas.
O segundo
tipo de instrumento a ser adotado diz respeito aos acordos
setoriais destinados a otimizar a mobilidade dos fatores
produtivos (art. 5º, d, TA).
Previu-se,
também, a coordenação de políticas macroeconômicas
graduais e convergentes, acompanhadas de programas de
liberalização das restrições não-tarifárias, a fim
de assegurar condições adequadas de concorrência entre
os Estados (art. 5º, b, TA). Da mesma forma, a adoção
de uma tarifa externa comum (art. 5º, c)
tornou-se, por conseguinte, imprescindível.
Durante o
período de transição, que se estendeu até 31 de
dezembro de 1994, quando da celebração do Protocolo de
Ouro Preto, as partes também adotaram os seguintes
instrumentos: a) um regime geral de origem (Anexo II do
TA); b) um sistema de solução de controvérsias (Anexo
III)9; c) medidas de salvaguarda (Anexo IV); d)
normas técnicas comuns; e) regras de concorrência (art.
4º, TA).
O Protocolo
de Ouro Preto não altera essas metas e dedica-se à
estrutura institucional definitiva do Mercosul.
A partir de
1º de janeiro de 1995, logo após a assinatura do
referido Protocolo, passamos a ter uma Taxa Externa Comum
– TEC (condição indispensável para a união
aduaneira), que em sua primeira etapa já cobre 85% do
universo tarifário. Para implementação da TEC estão
previstos tratamentos diferenciados. Os quatro países
acordaram, a partir de 1º de janeiro de 1995, a convergência
linear e automática até um imposto comum máximo de 14%
para os bens de capital, que se efetuará em seis anos
(onze anos para Paraguai e Uruguai), e até um imposto máximo
de 16% para os bens de informática e telecomunicações,
em onze anos.
A TEC está
orientada a assegurar a concorrência externa das
economias dos quatro países-membros. Essa é uma definição
de política comum incluída no próprio instrumento
contratual que criou o Mercosul. O imposto médio da TEC
é de 14%, podendo atingir no máximo 20%. A TEC revela a
profunda abertura comercial que se produziu nas economias
dos sócios do Mercosul. Existe ainda um código
aduaneiro, uma nomenclatura tarifária comum e normas
comuns sobre valoração alfandegária.
Recorrendo
agora ao Tratado de Maastricht, podemos observar, no que
diz respeito ao seu conteúdo material, que esse se define
como uma nova etapa no processo de criação de uma união
cada vez mais estreita entre os povos da Europa, na qual
as decisões serão tomadas a um nível mais próximo possível
dos cidadãos. A União deve organizar de forma coerente e
solidária as relações entre os Estados-membros, e entre
os respectivos povos. (art. A, título I, TM). À luz
desse Tratado, os objetivos da União são: a) promover o
progresso econômico equilibrado, mediante a criação de
um espaço sem fronteira, de um reforço da coesão econômica
e o estabelecimento de uma união econômica e monetária
que incluirá, a prazo, a adoção de uma moeda única; b)
afirmar sua identidade através de uma política externa e
de segurança comum que poderá conduzir, a prazo, a uma
defesa comum; c) a instituição de uma cidadania da União;
d) promover uma estreita cooperação no domínio da justiça
e dos assuntos internos (art. B, TM).
O Tratado
de Maastricht modifica os três tratados fundamentais que
compõem as denominadas "Comunidades Européias",
referidos acima, e opera mudanças de terminologias10.
A partir de então, passa-se a utilizar as expressões
"Comunidade Européia" (em vez de
"Comunidade Econômica Européia") e "União
Européia" (em vez de "Comunidades Européias").
O art. 2º do Tratado de Roma (CEE) passa a ter a seguinte
redação: a Comunidade tem como missão, através da
criação de um mercado comum e de uma união econômica e
monetária e da aplicação de políticas ou ações
comuns, promover o desenvolvimento harmonioso e
equilibrado das atividades econômicas (...).
Nessa
linha, passamos a examinar os aspectos relativos às políticas
da Comunidade, à cidadania da União e à política
externa e de segurança comum.
Quanto às
políticas da Comunidade, ficam modificados os artigos
relativos à livre circulação das pessoas e dos
capitais, assim como as regras de concorrência, de
fiscalização e política social, de coesão econômica e
social11, pesquisa, desenvolvimento tecnológico
e meio ambiente. Dessa forma, são transferidas à
Comunidade novas competências, não exclusivas, em
particular no que se refere à educação, saúde,
cultura, proteção do consumidor, indústria, política
social, meio ambiente, cooperação e desenvolvimento.
Como tais competências não são exclusivas da
Comunidade, foi definido um princípio de subsidiariedade
(art. 3º, B, TM).
É
importante ressaltar que o princípio da subsidiariedade
estabelece que a Comunidade é competente nas matérias não
exclusivas caso os objetivos da ação intentada não
possam ser suficientemente realizados pelos
Estados-membros12.
O aspecto
mais inovador do Tratado de Maastricht está relacionado
à política econômica e monetária, estabelecida nos
seus arts. 102, A, a 109, M. No âmbito da
política econômica são atribuídos novos poderes aos órgãos
da União, como, por exemplo, a adoção de recomendações
econômicas pelo Conselho (art. 103), ou o controle rígido
do déficit público pela Comissão (art. 104). A política
monetária deve ser elaborada segundo um cronograma
dividido em três fases. Na primeira delas, prevista para
estar concluída em 1º de janeiro de 1994 (art. 109, E),
os países se comprometeram a adotar medidas apropriadas
para se adequarem à perspectiva da união econômica e
monetária. Em particular, zelar pela estabilidade dos preços,
pelo saneamento do orçamento público e pela convergência
das economias. Numa segunda fase, inaugurada logo a
seguir, os países devem evitar os déficits do orçamento
público e tornar seus bancos centrais independentes (arts.
108 e 109, E, § 5º). Previu-se, para esse período,
a criação do Instituto Monetário Europeu, encarregado
de fortalecer a colaboração entre os bancos centrais dos
países-membros, coordenar as políticas econômicas para
promover a estabilidade dos preços, facilitar o uso da
ECU – Unidade de Conta Européia, hoje chamado The
Euro, e supervisionar o funcionamento do Sistema Monetário
Europeu (SME)13.
Durante as
duas primeiras fases transitórias, a política monetária
continuou sob a responsabilidade dos Estados-membros.
O início
da terceira fase depende de uma decisão a ser tomada pelo
Conselho, que para tanto deveria reunir-se em 31 de
dezembro de 1996. Se até 1997 não for fixado o início
da terceira fase, esta terá lugar, automaticamente, no
dia 1º de janeiro de 1999.
O art. 109,
L, do Tratado de Maastricht explora as modalidades
de implementação da terceira fase. Esta depende do
desenvolvimento do IME – Instituto Monetário Europeu,
bem como da instituição do Sistema Europeu de Bancos
Centrais (SEBC) e do Banco Central Europeu (BCE). Tudo
isso já se encontra em curso.
O SEBC
(art. 105, § 2º do TM) deve definir a política monetária
da Comunidade, conduzir as operações cambiais,
administrar as reservas internacionais, assim como
promover o bom funcionamento do sistema de pagamentos.
São incumbências
do BCE (art. 105, § 4º, TM) emitir a moeda comum (The
Euro), autorizar a sua emissão por um banco central e
concluir acordos internacionais para promover a
estabilidade da moeda comum, cujo valor será fixado de
maneira definitiva pelo Conselho no início da terceira
fase.
No que se
refere à cidadania da União, o Tratado de Maastricht
(art. 8º, B) dispõe que qualquer cidadão
residente num Estado-membro, que não seja da sua
nacionalidade, goza do direito de eleger e de ser eleito
nas eleições municipais do Estado-membro de residência,
nas mesmas condições que os nacionais. Esse cidadão
poderá também usufruir do direito de participar das eleições
para o Parlamento Europeu no Estado-membro de residência.
O item D do referido art. 8º estabelece que
qualquer cidadão da União pode apresentar uma petição
ao Parlamento Europeu, assim como dirigir-se a um mediador
(na terminologia portuguesa, "provedor de justiça"),
espécie de ombudsman europeu.
No que se
refere à política externa e de segurança comum, o
Tratado de Maastricht dispõe, em seu título V, que são
objetivos da União salvaguardar os valores comuns e os
interesses fundamentais da independência, reforçar a
segurança, manter a paz e a segurança internacionais, de
acordo com os princípios da Carta das Nações Unidas. Da
mesma forma, deve promover a cooperação internacional, o
desenvolvimento da democracia e o respeito aos direitos e
às liberdades fundamentais do homem (art. J, 1).
Essa política
deverá ser implementada de maneira gradual, através da
instituição de uma cooperação sistemática entre os
Estados-membros, pela condução progressiva de uma política
externa e de segurança comum, seguida de uma política de
defesa comum que deverá culminar, no momento oportuno,
numa verdadeira defesa comum. Nesse sentido, os países se
comprometem a implementar um sistema de informação mútua
e um procedimento de adoção de ações comuns, em
particular em foros internacionais, como o Conselho de
Segurança das Nações Unidas. Os Estados-membros da União
que participam deste na qualidade de membros permanentes
(França e Reino Unido), devem defender, no exercício de
suas funções, as posições e os interesses dos demais
integrantes da União (art. J5, item 4, TM), disso também
depende a condução da política externa comum.
- O CONTEÚDO
INSTITUCIONAL
O capítulo
II do Tratado de Assunção dispõe acerca da estrutura
orgânica inicial do Mercado Comum do Sul. Os arts. 9º a
17 fazem referência aos órgãos provisórios do
Mercosul, situados a um nível estritamente
intergovernamental e destinados a funcionar durante o período
de transição. Esses órgãos são: a) Conselho do
Mercado Comum (arts. 10 a 12), órgão superior e responsável
pela condução política do mercado comum; compõe-se dos
ministros das Relações Exteriores e da Economia e a eles
incumbe adotar as decisões necessárias para que se
alcance os objetivos do Tratado. O Conselho se reúne pelo
menos uma vez por ano com a participação dos presidentes
dos Estados-partes; b) Grupo Mercado Comum (arts. 13 a 15)
é o órgão executivo, cujas funções são de velar pelo
cumprimento do Tratado, propor medidas para a aplicação
dos programas de coordenação interna e externa. O Grupo
é composto de dezesseis membros (quatro titulares e
quatro suplentes por país), representando os ministérios
das Relações Exteriores e da Economia, assim como o
Banco Central, os quais se reúnem a cada três meses. O
Grupo contava inicialmente com dez subgrupos de trabalho14,
depois alterado para onze, e conta com uma secretaria
administrativa cuja sede está em Montevidéu.
Além
desses órgãos principais, foram criadas, para o período
de transição, a Reunião Informal de Ministros da
Economia e Presidentes de Bancos Centrais (com reuniões a
cada dois ou três meses para consultas sobre coordenação
de políticas econômicas nacionais); a Comissão
Parlamentar Conjunta do Mercosul (integrada por membros
dos respectivos parlamentos nacionais) e comissões
profissionais e setoriais (originadas da iniciativa
privada).
O Protocolo
de Ouro Preto de 1994 constitui definitivamente a organização
internacional chamada Mercosul e determina a sua estrutura
institucional definitiva, composta da seguinte forma15:
-
- Conselho
do Mercado Comum – CMC;
- Grupo
do Mercado Comum – GMC;
- Comissão
de Comércio do Mercosul – CCM;
- Comissão
Parlamentar Conjunta – CPC;
- Foro
Consultivo Econômico e Social – FCES;
- Secretaria
Administrativa do Mercosul – SAM.
Como se vê,
mantiveram-se o Conselho e o Grupo. A Comissão
Parlamentar Conjunta tornou-se órgão oficial, deixando a
informalidade. A Comissão de Comércio e o Foro
Consultivo Econômico e Social passaram a integrar a
estrutura institucional definitiva. Vejamos a competência
de cada um deles no quadro atual da organização.
O Conselho
do Mercado Comum continua sendo o órgão superior do
Mercosul, ao qual incumbe a condução política do
processo de integração e a tomada de decisões, visando
a assegurar o cumprimento dos objetivos estabelecidos pelo
Tratado de Assunção e para lograr a constituição final
do mercado comum (art. 3º, Protocolo de Ouro Preto –
POP). O Conselho manifesta-se através de decisões que são
obrigatórias para os Estados-partes (art. 9º, POP). Sua
composição continua a mesma que apresentamos em páginas
anteriores. Como órgão mais importante, sua presidência
é exercida por rotação dos Estados-partes, em ordem
alfabética, pelo período de seis meses.
O Grupo do
Mercado Comum continua com as mesmas competências do período
de transição, ou seja, é o órgão executivo do
Mercosul e manifesta-se mediante resoluções que são
obrigatórias para os Estados-partes (art. 15, POP).
A Comissão
de Comércio do Mercosul é o órgão encarregado de
assistir o Grupo, cuja competência é a de velar pela
aplicação dos instrumentos de política comercial comum
acordados pelos Estados-partes para o funcionamento da união
aduaneira, bem como acompanhar e revisar os temas e matérias
relacionados com as políticas comerciais intra Mercosul e
com terceiros países (art. 16, POP). É integrada por
quatro membros titulares e quatro membros alternos por
Estado-parte, coordenada pelo Ministério das Relações
Exteriores. Reúne-se pelo menos uma vez por mês, ou
sempre que solicitado pelo Grupo ou qualquer dos
Estados-partes. A Comissão manifesta-se mediante
diretrizes ou propostas, também obrigatórias para os
Estados-partes.
A Comissão
ainda tem atribuições de considerar reclamações
apresentadas pelas seções nacionais da Comissão de Comércio,
originadas pelos Estados-partes ou de particulares,
pessoas físicas ou jurídicas, relacionadas com as situações
previstas no Protocolo de Brasília, quando estiverem na
sua área de competência (art. 21, POP)16.
Esses são,
portanto, os três órgãos mais importantes no sistema de
tomada de decisões no Mercosul. São órgãos com
capacidade decisória, de natureza intergovernamental e
suas decisões, resoluções, diretrizes ou propostas são
obrigatórias desde que internalizadas nos países-membros,
através dos mecanismos constitucionais previstos em cada
um deles, sempre que essas tiverem caráter de lei. As
meramente executivas ou administrativas, que não
interferem na ordem pública interna de cada Estado, são
incorporadas imediatamente sem passar pelos parlamentos
internos, através de portarias ministeriais etc.
As decisões
dos órgãos do Mercosul são tomadas por consenso e com a
presença de todos os Estados-partes (art. 37, POP).
A Comissão
Parlamentar Conjunta é o órgão representativo dos
parlamentos dos Estados-partes. É integrada por igual número
de parlamentares representantes de cada país, que são
designados pelos respectivos parlamentos17. Sua
função precípua é a de acelerar os procedimentos
internos correspondentes nos Estados-partes para a entrada
em vigor das normas emanadas dos órgãos do Mercosul.
Também tem a função de colaborar na harmonização
legislativa necessária para o processo de integração,
podendo, inclusive, mediante solicitação do Conselho,
examinar temas prioritários (art. 25, POP).
A Comissão
Parlamentar encaminha, por intermédio do Grupo, recomendações
ao Conselho.
O Foro
Consultivo Econômico e Social é o órgão de representação
dos setores econômicos e sociais, devendo ser integrado
por igual número de representantes de cada Estado-parte.
Sua função é consultiva e manifesta-se mediante
recomendações ao Grupo.
Nenhum dos
órgãos referidos tem sede, reunindo-se onde for necessário.
A
Secretaria Administrativa é o único órgão que tem sede
em Montevidéu desde o Tratado de Assunção. Sua função
é de assessorar todos os demais órgãos. Possui um
diretor eleito pelo Grupo, em base rotativa e consulta prévia
aos Estados, com mandato de dois anos, vedada a reeleição
(art. 33, POP).
A partir
dessa estrutura institucional renovada, as fontes jurídicas
do Mercosul são:
-
- O
Tratado de Assunção, seus protocolos e seus
instrumentos adicionais ou complementares;
- Os
acordos celebrados no âmbito do Tratado de Assunção
e seus protocolos;
- As
decisões do Conselho, resoluções do Grupo e
diretrizes da Comissão, adotadas desde a entrada
em vigor do Tratado de Assunção.
O Tratado
de Maastricht, diferentemente do Protocolo de Ouro Preto,
que manteve os órgãos principais do período de transição
e inovou com outros, propõe a consolidação da estrutura
institucional já existente nas Comunidades Européias,
visando ao fortalecimento das atribuições econômicas e
políticas confiadas à União. Mantidos os órgãos
existentes, a estrutura institucional da União é a
seguinte: a Comissão, o Conselho, o Tribunal de Justiça,
o Tribunal de Contas e o Parlamento.
A Comissão
é o órgão executivo, legislativo e, em certos casos,
judiciário, das Comunidades, hoje União. É composta de
vinte membros independentes, nomeados por consenso para um
período de cinco anos pelos governos e aprovados por um
voto de confiança do Parlamento Europeu. Na prática
comunitária, cada um dos cinco países grandes (Alemanha,
Espanha, França, Itália e Reino Unido) designa dois
comissários; cada um dos outros Estados-membros designa
um comissário. O Tratado de Maastricht atribui novas
competências econômicas à Comissão, em particular no
que se refere ao controle dos déficits públicos orçamentários
dos países-membros.
O Conselho
de Ministros é um órgão político composto por um
representante de cada Estado-membro em nível ministerial,
cujas decisões vinculam seus respectivos governos. As
pastas desses ministros variam segundo o tema a ser
abordado (Ministros da Agricultura, Ministros da Saúde
etc.). O Conselho é um órgão legislativo que adota as
leis da União (Diretivas e Regulamentos) conjuntamente
com a Comissão.
Esclarece
João Mota de Campos que o Conselho é uma instituição
dotada de uma dupla natureza – intergovernamental
e comunitária – em que o caráter de órgão
da União ou de órgão da
coletividade dos Estados que nele participam
avulta mais ou menos consoante os problemas de que se
ocupa e a forma por que é chamado a resolvê-los18.
O sistema de tomada de decisões é feito segundo uma
distribuição ponderada de votos19, e a regra
da maioria, por oposição à da unanimidade, tende a se
generalizar, reforçando o processo integracionista. As
funções e atribuições do Conselho não foram
fundamentalmente afetados pelo Tratado de Maastricht.
O Tribunal
de Justiça ou a Corte Européia é o órgão judiciário
superior da União. Compõe-se de dezessete juízes,
designados por seis anos por comum acordo entre os
governos, cuja função precípua é a de assegurar o
respeito ao Direito Comunitário e à sua interpretação
uniforme. Três são os recursos que podem ser interpostos
perante o Tribunal: a) o recurso de interpretação
prejudicial, que obriga toda jurisdição nacional que
tenha de conhecer questões de interpretação acerca dos
tratados comunitários dirigidas à Corte, cuja resposta
permitirá o prosseguimento do feito nacional; b) o
recurso de não-cumprimento das obrigações cabíveis a
um Estado-membro, interposto por um outro Estado-membro ou
pela Comissão; c) o recurso de anulação dos atos
praticados por qualquer instituição comunitária. O
Tratado de Maastricht modifica o estatuto e amplia as
competências do Tribunal de Primeira Instância da Corte,
instituído em 1988. Essa jurisdição, sem ser
independente da Corte, não é mais um órgão subsidiário
(art. 168, A, TM), e somente as questões
prejudiciais escapam à sua competência.
O Tribunal
de Contas foi criado em 1977. Compõe-se de dezesseis
membros e corresponde à confiança financeira da União,
verificando a legalidade e a regularidade do orçamento
comunitário. Os arts. 188, A, e 188, B, do
Tratado de Maastricht, promoveram o Tribunal ao nível de
instituição principal da União.
O
Parlamento Europeu é eleito diretamente pelos cidadãos
das Comunidades desde 1979. O número total de
parlamentares europeus hoje é de 626, após a entrada de
Áustria, Finlândia e Suécia20. Ao Parlamento
incumbe, fudamentalmente, contribuir para a criação de
uma consciência européia e para a expressão da vontade
política dos cidadãos da União. O art. 138, 3, do
Tratado de Maastricht fixa o procedimento que deverá ser
observado para a elaboração de regras eleitorais
uniformes visando às eleições do Parlamento Europeu. Os
poderes desse órgão foram ampliados, mas continuam
insuficientes para resolver o importante déficit democrático
existente na União. Em verdade, o Parlamento não é o órgão
legislativo das Comunidades, hoje União. Suas funções são
meramente de controlar e fornecer pareceres consultivos em
matéria orçamentária e na adoção de acordos
internacionais. O Parlamento pode receber petições
oriundas de indivíduos, associações ou empresas européias
(art. 138, D, TM). O art. 130, E, instituiu
um mediador nomeado pelo Parlamento que receberá queixas
sobre a má administração, ou ação das instituições
comunitárias. O referido mediador apresenta relatórios
anuais ao Parlamento. Enfim, continua vigente o art. 144
do Tratado de Roma (CEE), o qual dispõe que somente a moção
de censura votada pelo Parlamento pode demitir a Comissão.
A União
também conta com instituições secundárias: o Comitê
Econômico e Social (arts. 193 e 194, TM), o Comitê das
Regiões (art. 198, A, TM) e o Banco Europeu de
Investimentos (art. 198, D, TM).
CONCLUSÃO
A adoção
do Tratado de Assunção e seus Protocolos complementares
de Brasília e Ouro Preto, assim como o Tratado de
Maastricht, se inserem numa lógica mundial de blocos políticos
e econômicos. Essas recentes experiências constituem um
passo avante nas integrações latino-americana e européia.
Cumpre-nos, todavia, ressaltar as diferenças material e
institucional entre as duas.
O Tratado
de Assunção, se nos limitarmos ao seu texto, anexos e
protocolos adicionais, não constitui, de imediato, um
mercado comum. As suas disposições se referem unicamente
a um programa de liberação comercial interno (Anexo I) e
à adoção de um regime geral de origem (Anexo II),
elementos característicos de uma zona de livre comércio,
primeiro nível ou etapa integracionista na classificação
que consideramos em páginas anteriores.
A
implementação de uma tarifa externa comum (característica
de uma união aduaneira) começou a ser feita no fim de
1994, início de 1995, a partir do Protocolo de Ouro
Preto, mas ainda existem listas de exceções (que devem
desaparecer futuramente) de produtos que cada um dos países-membros
deixou de fora da tarifa externa comum. A liberalização
da circulação dos serviços, pessoas e capitais, bem
como a adoção de regras de concorrência comum (características
de um mercado comum) deverão ser adotados em nível
estritamente intergovernamental durante os próximos anos.
Não existe, portanto, uma estrutura institucional provida
de poderes supranacionais, porque ainda não chegamos ao
mercado comum. O Acordo de Cooperação Interinstitucional
entre as Comunidades Européias e o Mercado Comum do Sul,
assinado em 29 de abril de 1991 e, mais recentemente, o
Acordo Marco Interregional de Cooperação entre as mesmas
partes, assinado em 15 de dezembro de 1995, fornecerão,
certamente, uma assistência valiosa no que se refere à
definição, no futuro, se for necessário, de uma
estrutura institucional diversa dessa que temos
presentemente21.
O Tratado
de Assunção e seus documentos complementares revelam que
a integração do Cone Sul, ou seja, o Mercosul, está
sendo feita de forma diferente da do modelo europeu. Isso
fica claro quando nos damos conta da leveza de sua
estrutura institucional e da simplicidade, originalidade e
dinamicidade dos seus instrumentos jurídicos.
Certamente,
na caminhada em direção à integração do Cone Sul,
consideramos sempre a experiência européia, sem porém
tomarmos seu modelo integracionista como paradigma único.
Na
tentativa que fizemos aqui de revisitar certos aspectos
materiais e institucionais da União Européia, procuramos
deixar claro que essa, desde a sua origem, ainda que seus
tratados constitutivos tenham estabelecido um longo período
de transição, constitui-se com todas as características
inerentes e necessárias a um mercado comum –
compartilhado com órgãos supranacionais.
O Tratado
de Assunção, no entanto, é revelador de uma crescente
conscientização da necessidade de se criar para o Cone
Sul um projeto de bloco econômico que não deixe
anacronicamente a sub-região fora do movimento de
agrupamentos regionais que se multiplicam no cenário
mundial. Os progressos realizados durante as reuniões das
instituições provisórias do Tratado de Assunção e as
feitas hoje por seus órgãos definitivos, após Protocolo
de Ouro Preto, demonstram a autenticidade da vontade política
revelada pelos quatro países-membros originários acerca
da integração. Muito resta a ser feito, tanto no que se
refere à adoção de medidas comuns quanto à modificação
dos sistemas jurídicos internos dos países signatários22.
Mas isso será feito paulatinamente e à medida que as
exigências surgirem, haja vista os três pilares básicos
do Mercosul: consenso, flexibilidade e pragmatismo.
ESTRUTURA
INSTITUCIONAL DO MERCOSUL
NOTAS
1 O Tratado
de Maastricht, ou Tratado da União Européia, foi
assinado em 7 de fevereiro de 1992 e entrou em vigor no
ano seguinte. O Tratado de Assunção foi assinado em 26
de março de 1991 e entrou em vigor no mesmo ano. O
Protocolo de Ouro Preto foi assinado em 17 de dezembro de
1994 e entrou em vigor, para o Brasil, em 1996.
2 PEÑA,
Felix. O Mercosul e suas perspectivas: uma opção pela
inserção competitiva na economia mundial. Conferência
proferida no Seminário sobre as Perspectivas
dos Processos de Integração Sub-Regional na América
Latina e América do Sul. Bruxelas, 4/5 de novembro de
1991. p. 2.
3 O Tratado
de Assunção entrou em vigor em 29 de novembro de 1991 e
está aberto à adesão dos demais países-membros da
Associação Latino Americana da Integração (Aladi), após
cinco anos de vigência. Em razão disso, já foi firmado
o Acordo 4 + 1 de Complementação Comercial n. 35 entre
Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Chile, em 23 de
outubro de 1996, transformando este último no novo
parceiro do Mercosul. Esse Acordo já foi aprovado no
Chile, e já se encontra em vigor no Brasil, através do
Decreto Presidencial n. 2.127, de 17 de janeiro de 1997.
Também com a Bolívia já foi assinado o Acordo de
Complementação Econômica n. 34. Em fase de aprovação
nos respectivos países.
4 A título
de exemplo, sabe-se que a França teve de modificar a sua
Constituição, a qual dispunha que somente nacionais
franceses podiam participar de eleições nacionais ou
locais.
5 O Grupo
Andino, ou Sistema Andino de Integração; a Zona de Livre
Comércio entre o México e o Chile e o Mercosul são
acordos de alcance parcial.
6 Como
sabemos, em julho de 1986 foi assinada a "Ata para a
Integração entre Argentina e Brasil", conhecida
como "Programa de Integração, Cooperação e
Desenvolvimento", cujo objetivo era o de constituir
em dez anos um espaço econômico comum. Seguiu-se a
assinatura de vinte e quatro Protocolos, em diversas áreas
setoriais, entre os mesmos países, absorvidos, mais
tarde, em um único instrumento assinado em dezembro de
1990 (ACE n. 14, Décimo Quarto Acordo de Complementação
Econômica, firmado no âmbito da Aladi). Seis meses após,
os Presidentes Collor e Menem firmaram a "Ata de
Buenos Aires", que acelera o processo integracionista.
Em agosto de 1990, Paraguai e Uruguai foram convidados a
participar das negociações que levaram à adoção do
Tratado de Assunção, em 26 de março de 1991.
7 PEÑA,
Felix. op. cit. p. 7.
8 O período
de transição concluiu-se em 31 de julho de 1968 para
livre circulação das mercadorias, em 1º de janeiro de
1970, para livre circulação dos serviços, pessoas e
capitais.
9 Em 17 de
dezembro de 1991, os quatro países-membros do Mercosul
firmaram o "Protocolo de Brasília para Solução de
Controvérsias" (Dec. N. 01/1991), o qual determina
que todas as controvérsias que surgirem entre os
Estados-partes sobre a interpretação, a aplicação ou o
não-cumprimento das disposições contidas no Tratado de
Assunção, dos acordos celebrados no âmbito do mesmo,
bem como acerca das decisões do Conselho do Mercado Comum
e das resoluções do Grupo Mercado Comum, deverão ser
submetidas aos procedimentos previstos no Protocolo, que
prevê, inclusive, a possibilidade de "reclamações
dos particulares". Esse instrumento permanece em
vigor mesmo após a celebração do Protocolo de Ouro
Preto, que tornou definitivo o sistema do Protocolo de
Brasília.
10 O título
II do Tratado de Maastricht altera o Tratado de Roma que
institui a Comunidade Econômica Européia; o título III
altera o Tratado de Paris que institui a Comunidade Européia
do Carvão e do Aço e o título IV, o Tratado de Roma que
institui a Comunidade Européia da Energia Atômica.
11 A
Inglaterra declarou que não participaria dos projetos da
"Europa Social". A política social estabelecida
pelo Tratado de Maastricht começou, então, com onze
membros, provocando, assim, inevitáveis e delicados
problemas jurídicos. Hoje, como se sabe, ingressaram na
União: Áustria, Finlândia e Suécia.
12 A
interpretação dada pelo Tribunal de Justiça das
Comunidades Européias a esse princípio é de suma importância,
pois evita a ação abusiva por parte da Comunidade, assim
como define, de maneira clara, o teor das competências
dos países-membros nas referidas matérias.
13 O
Sistema Monetário Europeu (SME) é o resultado de uma prática
desenvolvida desde 1979 pelos países da Comunidade, fora
de qualquer referência aos tratados iniciais. No âmbito
do SME, os países participantes (todos, exceto a Grécia)
concordaram com o estabelecimento de uma Unidade de Conta
Comum (ECU), moeda-cesto composta de diversas divisas
nacionais, bem como assumiram o compromisso dos bancos
centrais de intervirem no mercado financeiro e cambial
internacional para assegurar a estabilidade das
respectivas moedas. Sabe-se que o SME passou por inúmeras
dificuldades, algumas moedas européias se viram forçadas
a deixá-lo, retornando só recentemente. Como já se
disse, hoje a expressão ECU foi substituída por The
Euro.
14 Durante
o período de transição, os subgrupos foram os
seguintes: assuntos comerciais; assuntos aduaneiros;
normas técnicas; políticas fiscal e monetárias
relacionadas com o comércio; transporte terrestre;
transporte marítimo; política industrial e tecnológica;
política agrícola; política energética; coordenação
de política macroeconômica e relações de trabalho. Com
o Protocolo de Ouro Preto, novamente passaram a ser dez os
subgrupos de trabalho: comunicações; minas; regulamentos
técnicos; assuntos financeiros; transporte e
infraestrutura; meio ambiente; indústria; agricultura;
energia; assuntos trabalhistas — emprego e seguridade
social.
15 Consulte
quadro anexo ao final.
16 O exame
das referidas reclamações no âmbito da Comissão de Comércio
do Mercosul não obstará a ação do Estado-parte que
efetuou a reclamação ao amparo do Protocolo de Brasília
para Solução de Controvérsias.
O
procedimento para apresentação das reclamações junto
à Comissão de Comércio está previsto no anexo do
Protocolo de Ouro Preto.
17 A Seção
Brasileira da Comissão Parlamentar Conjunta é composta
de oito senadores e oito deputados, e igual número de
suplentes, obedecidos os critérios de proporcionalidade
partidária e da representatividade regional, incluindo-se
sempre um representante da minoria, se a proporcionalidade
não lhe der representação. Para que se observe a
representatividade regional na Seção Brasileira,
participam da mesma pelo menos quatro parlamentares
representantes de cada uma das regiões do país: norte,
nordeste, centro-oeste, sudeste e sul.
18 CAMPOS,
João Mota de. Direito Comunitário. 7 ed.
Lisboa:Fundação Calouste Gulbenkian, 1995. v. 1. p. 182.
19 A votação
no Conselho é distribuída da seguinte maneira: dez votos
para Alemanha, França, Itália e Reino Unido; oito para
Espanha; cinco para Bélgica, Grécia, Holanda e Portugal;
quatro para Áustria e Suécia; três para Dinamarca, Finlândia
e Irlanda; dois para Luxemburgo. As deliberações são
tomadas se obtiverem pelo menos 64 votos, sempre que por
força do Tratado de Maastricht devam ser tomadas sob
proposta da Comissão; nos demais casos, 64 votos que
exprimam a votação favorável de, pelo menos, oito
membros.
20 O número
de representantes eleitos em cada Estado-membro é fixado
da seguinte forma: Bélgica, vinte e cinco; Dinamarca,
dezesseis; Alemanha, noventa e nove; Grécia, vinte e
cinco; Espanha, sessenta e quatro; França, oitenta e
sete; Irlanda, quinze; Itália, oitenta e sete;
Luxemburgo, seis; Holanda, trinta e um; Áustria, vinte e
um; Portugal, vinte e cinco; Finlândia, dezesseis; Suécia,
vinte e dois; Reino Unido, oitenta e sete.
21
Reproduzidos, respectivamente, no Boletim de Integração
Latino-Americana, Brasília, Ministério das Relações
Exteriores, n. 5, abr./jun. 1992, p. 122-123 e n. 17, mai./dez.
1995, p. 97-107.
22
BAPTISTA, Luiz Olavo. O Impacto do Mercosul sobre o
Sistema Legislativo Brasileiro. Boletim de Integração
Latino-Americana, Brasília, Ministério das Relações
Exteriores, n. 5, abr./jun. 1992, p. 5-8.
Maristela
Basso é Professora de Direito Internacional da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
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