Caderno 14:
Aplicação da Lei no caso dos Grupos Vulneráveis
Refugiados e Deslocados Internos


Índice do Capítulo:
Perguntas-chave para os Encarregados da Aplicação da Lei
Introdução

Definições

* Refugiados
* Deslocados Internos
Proteção e Tratamento

* Legislação sobre os Refugiados
* Direito Internacional dos Direitos Humanos e Deslocados Internos
* Direito Internacional Humanitário, Refugiados e Deslocados Internos
* ACNUR
* CICV
Responsabilidades Incumbentes à Aplicação da Lei

Pontos de Destaque do Capítulo

Perguntas para Estudo

* Conhecimento
* Compreensão
* Aplicação
  •  
            *****
  • Perguntas-chave para os Encarregados da Aplicação da Lei
    * Que pessoas podem ser consideradas refugiados?
    * Que pessoas podem ser consideradas deslocados internos?
    * Quais são os direitos de um refugiado?
    * Quais são os direitos de um deslocado interno?
    * A quem cabe proteger os direitos dos refugiados?
    * A quem cabe proteger os direitos dos deslocados internos?
    * Que graus de proteção os instrumentos de direitos humanos concedem aos refugiados e deslocados internos?
    * Que graus de proteção o direito internacional humanitário concede aos refugiados e deslocados internos?
    * Que organizações internacionais se ocupam dos refugiados e deslocados internos?
    * Qual o papel do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados?
    * Quais são as responsabilidades dos encarregados da aplicação da lei em relação a este grupo vulnerável?
    * Que iniciativas um encarregado da aplicação da lei pode tomar para socorrer os refugiados e deslocados internos?
  • Introdução

  • De alguns anos para cá, a situação dos refugiados e deslocados internos passou a constituir um problema capital, de alcance e conseqüências globais. O número total de refugiados e deslocados internos chega hoje (1997) a quase 50 milhões no mundo todo, a maioria deles na África e na Ásia. Esta população que não pára de crescer apresenta enormes desafios para a comunidade internacional e já se revelou um fator de desequilíbrio, capaz de gerar tensões em zonas e regiões anteriormente pacíficas. O suprimento de suas necessidades básicas, tais como alimentação, alojamento, assistência médica e higiene, cria, em função da grande demanda envolvida, enormes problemas logísticos de obtenção e distribuição adequada e eqüitativa. Os governos afetados são confrontados por dilemas aparentemente insolúveis, tais como os apresentados pela repatriação de grupos de pessoas compelidas a fugir de seus países de residência em razão de conflitos étnicos e violações dos direitos humanos. Se, por um lado, tais pessoas muitas vezes temem retornar a seus países de origem, por outro, sua presença em outro país ou região passa a constituir uma fonte de problemas insuperáveis. O alcance internacional que o problema adquire hoje não significa, de modo algum, que sua importância tenha diminuído para os encarregados da aplicação da lei no âmbito nacional. Este capítulo, pelo contrário, focalizará os benefícios, em termos de proteção e assistência, que poderão resultar da adequada aplicação da lei em favor dos refugiados e deslocados internos.

  • Definições
    Refugiados
    A Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 define o termo refugiado como aplicável a qualquer pessoa que,
    ...em conseqüência dos acontecimentos ocorridos antes de 1. de Janeiro de 1951, e devido a fundados temores de perseguição por motivo de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política, encontre-se fora do país de sua nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção desse país; ou que, não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa, em conseqüência de tais acontecimentos, ou não queira, devido a tal temor, regressar a ele... (Artigo 1 A(2)).
    A Convenção também estabelece regras mínimas para o tratamento dos refugiados, além de prescrever os direitos fundamentais que assistem aos mesmos. Uma exposição sucinta das disposições que visam a proteger os direitos e interesses dos refugiados pode ser encontrada sob a rubrica Proteção e Tratamento, mais adiante.

  • Após a entrada em vigor da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados em 1954, em breve tornou-se claro que o problema dos refugiados não se esgotaria tão-somente no âmbito dos esforços empreendidos enfrentar o estado de coisas resultante da segunda guerra mundial. A eclosão de conflitos após 1. de Janeiro de 1951 originou um fluxo de novos refugiados que não se achavam em posição de reivindicar a Convenção e beneficiar-se de sua proteção. Em 4 de Outubro de 1967, entrou em vigor o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados das Nações Unidas. Ao remover as limitações temporais contidas na definição de "refugiado" prevista no artigo 1. da Convenção, o Protocolo estendeu a aplicação desta definição a qualquer pessoa cuja condição fosse condizente.

  • Deslocados Internos
    O número de pessoas compelidas a fugir de seus países de origem ou de residência em conseqüência de situações de conflito armado (ou de ameaça dos mesmos) e de violações generalizadas dos direitos humanos aumentou consideravelmente nos últimos anos. Existem também outros fatores determinantes subjacentes a este fenômeno do deslocamento em massa de populações. Subdesenvolvimento, pobreza, distribuição desigual da riqueza, desemprego, degradação do meio ambiente, tensões étnicas, opressão de minorias, intolerância, ausência de processos democráticos e muitos outros fatores costumam ser apontados como causas. Quando as pessoas, devido ao temor de perseguição, buscam refúgio em outros países, seus interesses são protegidos pela Convenção dos Refugiados de 1951 e pelo Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de 1967. Se se tratar de vítimas de situações de conflito armado, as mesmas gozam do direito de proteção previsto nas Convenções de Genebra de 1949 e nos Protocolos Adicionais de 1977. Em princípio, o direito internacional dos direitos humanos oferece proteção a todas as pessoas, sem distinção de qualquer natureza. No caso, todavia, em que as pessoas são removidas de um lugar para outro dentro de seus próprios países, surgem problemas específicos relacionados a seus direitos e a sua proteção.

  • De acordo com a definição funcional de Deslocados Internos que apresentamos a seguir, elaborada pelo Relator Especial sobre os Deslocados Internos, visto não existir, no momento, nenhuma legislação internacional específica voltada para a questão, seriam:

  • "Pessoas ou grupos de pessoas compelidas a fugir de seus domicílios ou dos locais em que residiam habitualmente, de maneira súbita e imprevista, em conseqüência de conflitos armados, tensões internas, violações massivas dos direitos humanos e desastres naturais ou provocados pelo homem, e que não atravessaram uma fronteira nacional reconhecida internacionalmente[1].

  • Proteção e Tratamento
    Legislação sobre os Refugiados
    As pessoas que se enquadram na definição de refugiado, nos termos do artigo 1. da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, terão o exercício de seus direitos assegurado, tal como estipula a referida Convenção.
    As alíneas d, e e f do artigo 1. enumeram os casos em que não será dado à pessoa em questão beneficiar-se da proteção e dos direitos concedidos pela Convenção. A alínea f merece destaque: As disposições da presente Convenção não serão aplicáveis às pessoas a respeito das quais houver razões sérias para supor que:

  • a) as mesmas cometeram um crime contra a paz, um crime de guerra ou um crime contra a humanidade, no sentido dos instrumentos internacionais elaborados para prever tais crimes;

  • b) as mesmas cometeram um crime grave de direito comum fora do país de refúgio antes de serem nele admitidas como refugiados;

  • c) as mesmas se tornaram culpadas de atos contrários aos fins e princípios das Nações Unidas.

  • Note-se que, além de assegurar aos refugiados o exercício de seus direitos e liberdades em plena igualdade com as demais pessoas, a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados também prevê a concessão de proteção adicional, tomando na devida conta as circunstâncias específicas com que se deparam os refugiados.

  • O Conselho Europeu, a Organização da Unidade Africana (OUA) e a Organização dos Estados Americanos (OEA) elaboraram projetos de convenções e/ou declarações tendo por objeto os refugiados. A Convenção da OUA, de 10 de Setembro de 1969, que dispõe sobre aspectos específicos do problema dos refugiados na África, define refugiado em termos mais abrangentes do que aqueles adotados pela Convenção de 1951, procurando contemplar as causas determinantes do problema em quase toda sua extensão.

  • O segundo parágrafo do artigo 1. da Convenção da OUA estipula que o termo 'refugiado' aplicar-se-á também a toda pessoa que, devido a agressão externa, ocupação, dominação estrangeira ou outras circunstâncias que tenham perturbado gravemente a ordem pública, em parte de ou em todo seu país de origem ou de nacionalidade, é forçada a deixar o local em que residia habitualmente a fim de buscar refúgio em outro local, fora de seu país de origem ou de nacionalidade.

  • No âmbito da OEA, a Declaração de Cartagena de 1984, que por si mesma carece de força jurídica obrigatória, estabeleceu os princípios para o tratamento dos refugiados centro-americanos. A Declaração incorpora o princípio da não-devolução (ou princípio de non-refoulement, examinado mais adiante) e aborda a importante questão da integração dos refugiados aos países de acolhida, assim como a necessidade de erradicar as causas do problema. De acordo com a Declaração de Cartagena, o termo "refugiado" compreende as pessoas que fugiram de seus países porque sua vida, segurança ou liberdade foram ameaçadas pela violência generalizada, a agressão estrangeira, os conflitos internos, a violação generalizada dos direitos humanos ou outras circunstâncias que tenham perturbado gravemente a ordem pública. (Parte III, parágrafo 3.).

  • É fato comprovado que 80% da população atual de refugiados consiste de mulheres e crianças. Além de constituírem grupos especialmente vulneráveis, em muitos países os direitos fundamentais das mulheres e das crianças são os que mais carecem de proteção. Ambos os grupos acham-se expostos a toda sorte de abusos, descaso, exploração sexual e outras formas de exploração. É preciso, por conseguinte, que seus direitos e liberdades fundamentais (i.e. o direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal) sejam especialmente assegurados, para que possam exercer plenamente os demais direitos que lhes são concedidos pelos instrumentos internacionais dos direitos humanos.

  • Direito Internacional dos Direitos Humanos e Deslocados Internos
    Um exame atento da definição de Deslocados Internos suscitará algumas questões fundamentais quanto ao grau efetivo de proteção dos direitos e liberdades das pessoas compreendidas nesta categoria. O deslocamento interno pode afetar as pessoas de múltiplas maneiras, inclusive privá-las dos meios essenciais a sua sobrevivência. Perda da moradia, perda do emprego, perda da segurança pessoal, ameaças à vida e à liberdade, privação de alimentos, falta de assistência médica adequada e de oportunidades de educação são algumas de suas conseqüências drásticas e imediatas. Grande parte da população atual de deslocados internos foi compelida a fugir de suas casas em razão de violações generalizadas e indiscriminadas dos direitos humanos que puseram em risco suas vida e meios de subsistência. Com efeito, a fuga de seus locais de residência habitual torna-os particularmente vulneráveis a outros atos de violência, desaparecimentos forçados e atentados contra sua dignidade pessoal, inclusive violência sexual e estupro. Os governos dos países em cujos territórios houver deslocados internos são os primeiros e maiores responsáveis pelos cuidados e a proteção aos mesmos. Não se deve esquecer, contudo, que as circunstâncias que compeliram os deslocados internos a fugir de suas casas foram muitas vezes induzidas ou toleradas pelos próprios governos, em primeiro lugar. Noutros casos, os governos em questão não se mostram dispostos, ou não se acham capacitados, a proporcionar o grau de assistência e proteção que os deslocados internos necessitam e que a lei lhes outorga.

  • Pode-se acrescentar aqui, a título de observação genérica, que os deslocados internos deverão gozar de todos os direitos e liberdades fundamentais de que gozavam ao tempo em que viviam em seus locais de residência originais, em suas casas. As respostas a certas questões relativas, inter alia, ao direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal, o direito à liberdade de locomoção, ao direito de asilo etc. são fornecidas pelos instrumentos obrigatórios já existentes. A vulnerabilidade especial dos deslocados internos às violações dos direitos humanos, e o fato de que ainda não existem instrumentos jurídicos que se aplicam adequadamente à questão todavia permanece.

  • Deslocados internos são fugitivos dentro de seus próprios países que, na maioria dos casos, não têm seus direitos e interesses reconhecidos ou protegidos. Os exemplos recentes da África e da antiga Iugoslávia mostram que as autoridades governamentais competentes não se mostram dispostas, ou não se acham capacitadas, a suprir adequadamente as necessidades dos deslocados internos, e, por conseguinte, recorrem cada vez mais à comunidade internacional em busca de ajuda para os mesmos. Esse estado de coisas fez com que o ACNUR (examinado adiante) passasse a incluir a sorte dos deslocados internos na execução de seu mandato, embora oficialmente os mesmos não sejam de sua competência.

  • Direito Internacional Humanitário, Refugiados e Deslocados Internos
    Nas situações de conflito armado previstas nas Convenções de Genebra de 1949 e nos Protocolos Adicionais de 1977, refugiados e apátridas são reconhecidos como pessoas necessitadas de proteção e tratamento especiais. Este ponto é expressamente referido no artigo 44 da Quarta Convenção de Genebra de 1949, e no artigo 73 do 1. Protocolo Adicional de 1977. Em situações de conflito armado internacional, os refugiados e apátridas são pessoas protegidas, no sentido das Partes I e III da Quarta Convenção de Genebra, em toda e qualquer circunstância, sem distinção de qualquer natureza. Em conflitos de caráter não internacional, o artigo 3, comum às quatro Convenções de Genebra de 1949, estipula que as pessoas que não participem diretamente das hostilidades serão, em qualquer circunstância, tratadas com humanidade, sem distinção de qualquer natureza, pelas partes em luta. O 2 Protocolo Adicional de 1977 estabelece medidas específicas de proteção à população civil, na qual podem incluir os refugiados.

  • Quanto à proteção dos deslocados internos, a primeira observação a fazer é a de que os mesmos, desde que não participem diretamente das hostilidades, serão considerados como civis e gozarão do mesmo grau de proteção concedido aos civis em situações de conflito armado. O artigo 26 da Quarta Convenção de Genebra de 1949 é especialmente relevante para os deslocados internos:

  • Cada parte em luta facilitará as pesquisas empreendidas pelos membros das famílias dispersadas pela guerra com o fim de restabelecerem contato uns com os outros e, se possível, reunirem-se; ela favorecerá especialmente a ação dos organismos que se consagram a essa tarefa, sob a condição de que os tenha aceito e que eles se conformem com as medidas de segurança que ela tomar.

  • A propósito, referimos o artigo 33 do 1. Protocolo Adicional de 1977, que trata da questão das pessoas desaparecidas e da obrigação das partes em luta de providenciar a sua busca e facilitar as diligências nesse sentido. O artigo 74 do referido instrumento trata da questão da reunificação de famílias dispersadas.

  • A Quarta Convenção de Genebra de 1949 (aplicável às situações de conflito armado internacional) proíbe as transferências forçadas, individuais ou coletivas, de pessoas protegidas do território ocupado para o território do Estado ocupante ou de qualquer outro Estado, ocupado ou não, qualquer que seja o motivo (IV CG, artigo 49). Estipula ainda, no mesmo artigo, que o Estado Ocupante não poderá proceder à deportação ou às transferências de sua própria população civil para o território por ele ocupado. O artigo 85.4(a) do 1. Protocolo Adicional de 1977, estipula que os atos supracitados, quando cometidos deliberadamente, contrariando o disposto nas Convenções ou no Protocolo, serão considerados infrações graves.

  • Em situações de conflito armado de caráter não internacional, a proteção à população civil é prevista no artigo 3., comum às quatro Convenções de Genebra de 1949, e no 2. Protocolo Adicional de 1977 (aplicável às situações de conflito armado não internacional especialmente intenso). Regras para a proteção geral da população civil contra os riscos decorrentes das operações militares são enumeradas nos artigos 13 a 16 do 2. Protocolo. O artigo 17 estipula que o deslocamento forçado de civis será proibido, a menos que a segurança dos civis em questão ou razões imperiosas de natureza militar assim o exijam. O parágrafo 2 do referido artigo prevê que: Os civis não serão forçados a deixar seu próprio território por razões associadas ao conflito.

  • Com muita freqüência, tal como demonstra a história recente, os Estados dificilmente admitem a existência de um conflito armado em seus territórios, e, por conseguinte, negam-se a aplicar o direito internacional humanitário. A alegação mais comum é de que as operações realizadas por seus governos não passam de operações policiais destinadas a restabelecer a ordem pública. Embora não exista nenhuma definição clara de conflito armado não internacional, não obstante os Estados, devem ser incentivados a respeitar e a fazer respeitar os princípios do direito internacional humanitário nas situações de conflito armado. Isto se aplica especialmente quando está em jogo a sorte dos deslocados internos. O direito que lhes assiste de retornar a seus locais de residência habitual quase nunca é respeitado. Tal retorno deve ocorrer em condições razoáveis de segurança e sob garantias de respeito fundamental a sua dignidade humana. Na maioria dos casos, os deslocados internos perderam todos seus documentos de identificação. A concessão de tais papéis é indispensável para que possam valer-se de seu direito à cidadania, por exemplo, mediante a posse de registros de nascimentos, óbitos e matrimônios.

  • Argumenta-se que a situação especial criada pelos deslocados internos estaria a exigir a promulgação de uma legislação suplementar no âmbito das Nações Unidas, o que se daria, por exemplo, mediante criação de uma Convenção sobre os deslocados internos. Entretanto, não se deve descuidar o risco de que tal Convenção possa retirar a força dos instrumentos jurídicos (protetores dos direitos e da situação dos deslocados internos) ora vigentes.

  • Está claro, de qualquer maneira, que não faltam instrumentos jurídicos para proteger a situação e os direitos dos deslocados internos, verificando-se, antes, uma falta de assiduidade na aplicação das normas e regulamentações com força jurídica obrigatória ora vigentes.

  • Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados
    A Assembléia Geral, mediante a resolução 319 A (IV), de 3 de Dezembro de 1949, decidiu estabelecer o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). O ACNUR foi instituído na qualidade de órgão subsidiário da Assembléia Geral em 1. de Janeiro de 1951, inicialmente por um período de três anos. A partir de então, seu mandato tem sido prorrogado regularmente por períodos sucessivos de cinco anos. O Estatuto do ACNUR foi sancionado pela Assembléia Geral em 14 de dezembro de 1950, como anexo à Resolução 428 (V). Nesta resolução, a Assembléia também convidava os governos a cooperar com o Alto Comissariado no exercício de suas funções relacionadas aos refugiados compreendidos sob seu mandato.

  • Em 1996, o ACNUR tinha sob seus cuidados cerca de 17 milhões de refugiados em todo o mundo. A sede do ACNUR está localizada em Genebra, e suas representações locais espalham-se por mais de uma centena de países. De acordo com o artigo 1. de seu Estatuto, a principal tarefa do Alto Comissariado é fornecer proteção internacional para os refugiados e promover a busca de soluções duráveis para o problema dos refugiados, ajudando os governos a facilitar a repatriação voluntária de refugiados ou sua integração aos países de acolhida. As atividades do Alto Comissariado são de caráter inteiramente não-político, humanitário e social, e, em princípio, estão voltadas para grupos e categorias de refugiados.

  • De acordo com o artigo 8 do Estatuto,

  • "O Alto Comissariado tomará a seu encargo a proteção dos refugiados compreendidos sob seu mandato:
    a) promovendo a celebração e a ratificação de convenções internacionais para a proteção dos refugiados, fiscalizando sua aplicação e propondo emendas pertinentes;
    b) promovendo, mediante a celebração de acordos especiais, a execução de toda e qualquer medida destinada a melhorar a situação dos refugiados e reduzir o número daqueles necessitados de proteção;
    c) apoiando os esforços dos Governos e organizações privadas para promover a repatriação voluntária ou a integração aos países de acolhida;
    d) promovendo a admissão dos refugiados, sem exclusão daqueles pertencentes a categorias mais desfavorecidas, aos territórios dos Estados;
    e) envidando esforços no sentido de obter para os refugiados a permissão de transferir seus bens, especialmente aqueles necessários para seu reassentamento;
    f) obtendo, junto aos Governos, informações sobre o número e a situação dos refugiados que se encontrem em seus territórios, e sobre as leis e regulamentações que se aplicam aos mesmos;
    g) mantendo-se em permanente contato com os Governos e organizações intergovernamentais interessadas;
    h) estabelecendo contato, da melhor forma a seu juízo, com as organizações privadas interessadas nas questões dos refugiados;
    i) facilitando a coordenação dos esforços das organizações privadas interessadas no bem-estar dos refugiados."

  • Além dos refugiados, tal como os define a Convenção dos Refugiados de 1951, outras categorias de pessoas em situações afins têm sido gradualmente incluídas entre as metas do Alto Comissariado, em conformidade com as Resoluções subseqüentes da Assembléia Geral e do ECOSOC [2]. O ACNUR passou a atuar cada vez mais nos países de origem dos refugiados. Esta prática obedece a um duplo propósito: possibilitar a repatriação voluntária de refugiados em adequadas condições de dignidade e segurança, e promover uma postura de maior respeito e acatamento aos direitos humanos naqueles países, como meio de prevenir que as pessoas se tornem refugiados, em primeiro lugar. As atividades do ACNUR em favor dos deslocados internos devem ser consideradas sob o mesmo prisma. Hoje, o número real de deslocados internos ultrapassa em muito o número de refugiados. Entretanto, o ACNUR somente estenderá sua proteção e sua ajuda aos deslocados internos quando autorizado a tanto pela Assembléia Geral das Nações Unidas ou pelo Secretário Geral das Nações Unidas.

  • O CICV
    Em vista do papel e das responsabilidades do CICV relacionadas à proteção e prestação de ajuda humanitária às vítimas de conflitos armados, suas atividades no tocante aos refugiados e deslocados internos merecem consideração especial aqui. Os princípios diretores da ação do CICV encontram-se codificados nas quatro Convenções de Genebra de 1949 e nos Protocolos Adicionais de 1977, bem como nos estatutos da Cruz Vermelha Internacional e do Movimento do Crescente Vermelho.

  • Refugiados
    Em princípio, o mandato do CICV no tocante aos refugiados acha-se subordinado ao do ACNUR. Entretanto, pode-se dar um amplo envolvimento do CICV com os refugiados, caso estes se encontrem em meio a situações de conflito armado ou distúrbios, ou caso o ACNUR não mantenha (ou não mantenha ainda) uma presença operacional no terreno. Qualquer que seja a situação, o CICV não deixará de prestar seus serviços, transmitindo mensagens (familiares), investigando o paradeiro de pessoas desaparecidas e reunificando famílias dispersadas. O CICV vem desenvolvendo também importantes programas de assistência a menores desacompanhados.

  • Deslocados Internos
    Na condição de vítimas de situações de conflito armado ou distúrbio, os deslocados internos estão no centro das preocupações do mandato do CICV. Trata-se de uma categoria importante de vítimas que contam com a proteção e a ajuda do CICV.

  • A meta do CICV é consolidar a proteção legal a todas as vítimas, promovendo o respeito às leis humanitárias por todas as partes no conflito armado. Para tanto, o CICV vem desenvolvendo esforços junto aos membros das forças armadas, bem como das forças policiais e de segurança.

  • Responsabilidades Incumbentes à Aplicação da Lei
    A questão dos refugiados e deslocados internos afeta diretamente aos encarregados da aplicação da lei. Muitas vezes, são eles os primeiros pontos de contato entre um refugiado e o Estado que os acolhe, e, nessa qualidade, terão eventualmente de ajudar a suprir as necessidades dos refugiados e/ou deslocados internos. É, pois, da maior importância que eles estejam inteirados dos direitos que assistem aos mesmos. Além disso, deverão ter conhecimento dos problemas específicos com que se deparam os refugiados e deslocados internos e consciência dos poderes que lhes foram delegados, seja para atenuar ou para agravar o sofrimento deles. Os refugiados devem ser tratados em estrita conformidade com as disposições da Convenção dos Refugiados de 1951 e dos Protocolos Adicionais de 1967; tais disposições constituem regras mínimas a serem observadas. No que se refere aos deslocados internos, os encarregados da aplicação da lei deverão estar cientes do fato de que tais pessoas permanecem nacionais de seus países de residência, e, portanto, plenamente habilitadas a gozar os direitos e a proteção que lhes são outorgados tanto pelas leis nacionais, quanto pela legislação internacional, como se ainda estivessem em seus próprios países.

  • O tratamento adequado dos refugiados pelos órgãos de aplicação da lei requer formação e treinamento especiais por parte de seus agentes. O conhecimento tanto das leis internacionais, quanto da legislação nacional é indispensável. Uma predisposição favorável à compreensão da situação e das circunstâncias particulares de cada refugiado é imprescindível, a fim de que proteção, ajuda e tratamento apropriado não se convertam em letra morta. Os procedimentos determinados pelos órgãos de aplicação da lei para o reconhecimento da condição de refugiado ou para o encaminhamento do solicitante às autoridades competentes, deverão ser ágeis e adequados.

  • Em sentido mais amplo, os encarregados da aplicação da lei deverão respeitar e proteger a dignidade humana, mantendo e apoiando os direitos humanos de toda pessoa, sem distinção de qualquer natureza. Cabe aos agentes individualmente considerados implementar esta regra e cuidar para que ela tenha resultados efetivamente práticos, mais do que mero significado teórico. Quanto às responsabilidades das autoridades competentes em relação aos refugiados, as seguintes disposições da Convenção dos Refugiados são especialmente relevantes:

  • * Nenhum dos Estados Contratantes expulsará ou rechaçará, de maneira alguma, um refugiado para as fronteiras dos territórios em que sua vida ou sua liberdade seja ameaçada em virtude de sua raça, de sua religião, de sua nacionalidade, do grupo social a que pertence ou de suas opiniões políticas (artigo 33);

  • N.B.:

  • Quanto ao princípio da não-devolução (non-refoulement), pode-se argumentar que o mesmo faz parte do direito internacional costumeiro e, por conseguinte, tem força jurídica obrigatória para todos os estados, e não apenas para aqueles que ratificaram a Convenção de 1951 ou o Protocolo de 1967.


* Os Estados Contratantes aplicarão as disposições da presente Convenção aos refugiados sem discriminação quanto à raça, à religião ou ao país de origem (artigo 3);
* Os Estados Contratantes concederão aos refugiados que residem regularmente em seu território, no que concerne às associações sem fins políticos nem lucrativos e aos sindicatos profissionais, o tratamento mais favorável concedido ao nacional de um país estrangeiro, nas mesmas circunstâncias (artigo 15);
* Qualquer refugiado terá, no território dos Estados Contratantes, livre e fácil acesso aos tribunais (artigo 16);
* Cada Estado Contratante dará aos refugiados que se encontrem em seu
território o direito de nele escolher o local de sua residência e nele circular, livremente, com as reservas instituídas pela regulamentação aplicável aos estrangeiros em geral nas mesmas circunstâncias (artigo 26);
* Os Estados Contratantes entregarão documentos de identidade a qualquer refugiado que se encontre em seu território e que não possua documento de viagem válido (artigo 27);
* Os Estados Contratantes entregarão aos refugiados que residam regularmente em seu território documentos de viagem destinados a permitir-lhes viajar fora desse território, a menos que a isso se oponham razões imperiosas de segurança nacional ou de ordem pública (artigo 28.1);
* Os Estados Contratantes não aplicarão sanções penais em virtude de sua entrada ou permanência irregular, aos refugiados que, chegando em seu território, almejam o estatuto de refugiado, no sentido previsto no artigo 1., contanto que se apresentem sem demora às autoridades e exponham razões aceitáveis para a sua entrada ou permanência (artigo 31).

    Pontos de Destaque dos Capítulos
    * O termo refugiado aplica-se a qualquer pessoa que, devido a fundados temores de perseguição por razões de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política, encontre-se fora do país de sua nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção daquele país; ou que, não possuindo nacionalidade, encontre-se fora do país onde antes teve sua residência habitual e não possa, em conseqüência de tais acontecimentos, ou não queira, em virtude de tais temores, regressar a ele.

* Deslocados internos são pessoas ou grupos de pessoas forçadas a deixar seus países ou lugares de residência habitual, de modo súbito e inesperado, em razão de conflito armado, tensões internas, violações sistemáticas dos direitos humanos, desastres naturais ou provocados pelo homem, e que não atravessaram uma fronteira nacional reconhecida internacionalmente.

* Os refugiados têm direito à proteção geral de todos os instrumentos dos direitos humanos, devendo gozar ainda de proteção suplementar, como previsto na Convenção dos Refugiados.

* A Convenção não se aplica a pessoas suspeitas de haver cometido um crime contra a paz, um crime de guerra ou um crime contra a humanidade; e, tampouco, às pessoas que cometeram um crime grave de direito comum fora do país de refúgio, antes de serem nele admitidas como refugiados.

* Os dispositivos da Convenção serão aplicados sem discriminação quanto à raça, à religião ou ao país de origem.

* Os estados devem acatar o princípio da não-devolução, consagrado pelo direito internacional costumeiro.

* A questão dos refugiados também tem sido objeto de regulamentação no âmbito dos acordos regionais.

* Nos acordos regionais da OUA e da OEA, a definição de refugiado foi estendida, de modo a incluir causas como conflito armado, dominação estrangeira, agressão externa e violação generalizada dos direitos humanos, capazes de compelir uma pessoa a fugir de seu país de residência.

* Os deslocados internos estão habilitados a exercer os mesmos direitos e liberdades que assistem às pessoas que não foram deslocadas.


  • * Refugiados e deslocados internos têm o mesmo direito à proteção especial outorgada pelo direito internacional humanitário em situações de conflito armado, quanto os demais membros da população civil.
  • * O deslocamento forçado da população civil, ou de parte dela, é proibido pelo direito internacional humanitário.

  • * O ACNUR foi instituído para fornecer proteção internacional aos refugiados e procurar soluções duráveis para seus problemas, ajudando os governos a facilitar a repatriação voluntária de refugiados ou sua integração aos países de acolhida.

  • * O CICV presta proteção e assistência aos

  • refugiados e deslocados internos, como parte de seu mandato mais amplo de proteção às vítimas de conflito armado, distúrbios e tensões internas.


* As autoridades competentes devem ter conhecimento das necessidades especiais dos

refugiados e deslocados internos, a fim de prestar-lhes o devido grau de proteção e assistência.


Perguntas para Estudo
Conhecimento/Compreensão
1. Que pessoas podem solicitar o reconhecimento da condição de refugiado, de acordo com a Convenção sobre os Refugiados de 1951?
2. Que pessoas se enquadram na categoria de deslocados internos?
3. Que significa o princípio da não-devolução ("non-refoulement")?
4. Como o direito internacional humanitário vê o deslocamento de populações civis?
5. Como você definiria pessoa desaparecida?
6. Qual a diferença entre desaparecimento e desaparecimento forçado?
7. Por que a situação dos deslocados internos é mais difícil que a dos refugiados?
8. Qual sua opinião sobre modificar a definição de refugiado da Convenção de 1951, de modo a incluir os deslocados internos?
9. A que pessoas a Convenção de 1951 não se aplica?

Aplicação

Suponha que você seja o responsável pela instalação de um acampamento provisório, destinado a alojar um grupo numeroso de deslocados internos, formado por homens, mulheres e crianças. Depois de viajar vários dias a pé, sem comida e com pouca água, eles chegaram ao porto seguro de sua região.
1. Como você procederia para instalar este acampamento provisório?
2. Que pessoas e/ou organizações (públicas e privadas) você acionaria para participar desta operação e por quê?
3. Que prioridades você estabeleceria para a recepção e o tratamento deste grupo?
4. Com base na resposta anterior, que medidas de socorro de emergência você proporia?
5. Como você encararia a intervenção do CICV e do ACNUR no assunto?
6. Suponha que o grupo em questão tenha deixado seu país em razão da violência interna. Quais as vantagens e/ou desvantagens que resultariam para o governo de seu país, caso este considerasse a situação um conflito armado interno?
7. Quais são as disposições do 2 Protocolo Adicional aplicáveis a esta situação e por quê?
8. Que medidas especiais você adotaria para proteger as mulheres e as crianças no acampamento?
    Notas
1. Lavoyer, Jean-Philippe (Ed.), Internally Displaced Persons, Relatório do Simpósio, Genebra, 23-25, outubro 1995, Nota 3 em 16.
2. Veja-se, por exemplo, as seguintes Resoluções da Assembléia Geral: 1167 (XII) - 1388 (XIV) - 1501 (XV) - 1671 (XVI) - 1673 (XVI) - 1783 (XVII) - 1784 (XVII) - 1959 (XVII) - 2958 (XXVII) - 3143 (XXVIII) -

    Referências Selecionadas: Apêndice III

    Caderno 15:  Comando e Gestão / Procedimentos de Supervisão e Revisão

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